Capítulo I – The Saints are coming

.

-Green Day & U2.

.

There is a house in New Orleans
They call the Rising Sun
It's been the ruin of many a poor boy
God, I know I'm one

Encarando os alunos correndo de um lado para o outro na estação, Ginny bufou, fazendo uma mecha rubra de seu cabelo voar para trás. O homem grisalho ao seu lado pareceu não se incomodar ou sequer notar. Afinal, tudo irritava Ginevra.

A garota queria revirar os olhos para a forma na qual os alunos corriam de um lado para o outro, como baratas tontas, na estação agitada. A forma como se acotovelavam para dar espaço àqueles com as melhores roupas, os cortes de cabelo mais in, e expressões arrogantes no rosto.

O que mais a irritava, no entanto, eram os olhares de adoração que ela própria recebia. A forma como as garotas lhe lançavam olhadelas nada discretas e tentavam improvisar o cabelo no mesmo penteado que ela usava. A irritava a forma como os garotos sorriam e se cutucavam com sua presença, sem fazerem questão de disfarçar a atenção. A irritava a forma como as pessoas preferiam cair nos trilhos do trem a atrapalhar sua passagem.

Eles não tinham nenhum orgulho? Nenhum senso de amor próprio?

Patéticos.

I cry to my daddy on the telephone, how long now
Until the clouds unroll and you come down, the line went
But the shadows still remain since your descent, your descent

Também não estava particularmente contente com o fato de que alguns comensais da morte, que vieram deixar seus filhos, deixassem seus braços ostensivamente expostos. A marca negra brilhando ameaçadora, opressora... poderosa.

O fato de seu pai ser um dos ditos comensais não ajudava seu humor. Mesmo que ele não ostentasse sua marca negra.

-Então, Gin Gin. – seu pai começou, um sorriso um tanto triste enfeitando seu rosto, fazendo seus olhos azuis brilharem e realçando as rugas ao redor deles. – Tivemos um ótimo verão, não?

Ela virou-se, forçando-se a sorrir.

-Sim, pai. – concordou o mais docemente que podia. Realmente gostava do homem elegante a sua frente. E achava incrível como ele conseguia amá-la mesmo que na maior parte do tempo ela mal conseguisse lhe demonstrar afeição. – Vou sentir sua falta. – murmurou, honestamente.

-Eu sei que vai. – ele disse, segurando entre seu indicador e dedo do meio a ponta do nariz da garota, por um segundo. Ela o franziu e sorriu.

-Se quiser, pode ir. Eu sei que você tem trabalho. Não precisava nem ter me deixado aqui.

Fabian Prewett, ao ouvir as palavras da filha, desviou sua atenção por um segundo e varreu a estação com os olhos, pressionando os lábios, obviamente não encontrando o que ou quem estava procurando. Ginny assistiu a expressão do pai de forma intrigada, mas o respeitava e conhecia suficiente para não lhe fazer perguntas. Parte dela já havia desistido de lhe perguntar qualquer coisa já que suas respostas para quase tudo sempre eram enigmáticas e evasivas.

-Você pode querer brincar de adulta, Gingin. – ele disse carinhosamente, ao voltar sua atenção para a filha. – Mas você sempre será minha garotinha.

Ela revirou os olhos, de forma divertida. Estendeu a mão para tirar a pequena mala das mãos de Fabian, apertando a mão dele levemente com a sua enluvada.

-Obrigada por tudo. – ela agradeceu seriamente.

Ele se aproximou, olhando-a com preocupação.

-Você tem certeza que vai ficar bem, querida? Nunca é tarde demais pra mudar de idéia.

Ginny respirou fundo e virou o rosto novamente na direção do trem, tentando ver tudo por uma visão mais otimista.

Desistiu ao ver um grupo de sonserinos parado perto de inúmeras malas. Suas roupas eram escuras e, por mais que não estivessem de uniforme, usavam as gravatas com as cores da casa das cobras. Nenhum pai a vista. Apenas criados. No centro do grupo um loiro de olhos cinzentos a olhava de forma curiosa.

Respirou fundo antes de dar um tapinha no ombro de Fabian.

-Nãah. – fez, com pouco caso. – Eu me viro.

Ele riu antes de puxá-la subitamente para um forte abraço. Ginny levou alguns segundos para retribuir. Nunca fora realmente boa com intimidades e demonstrações de afeto. Muito menos em público. Teria reclamado e se limitado a receber o abraço em outra ocasião, mas sabia que seu pai amava profundamente sua companhia e sentiria sua falta neste ano em que finalmente decidiram que ela estava pronta para ser mandada para uma Escola de Magia, ao invés de estudar apenas com professores particulares dentro de casa. Então naquele momento tentou retribuir o amor daquele homem, que sempre lhe fora tão bom, retribuindo o abraço.

Por cima do ombro de Fabian ela espiou os rostos jovens dos alunos de Hogwarts, suas companhias para o resto do ano letivo. A estação 9¾ tinha um aspecto nebuloso que lhe provocava uma forte sensação de déjà vu, mesmo que Ginny não se lembrasse de um dia ter estado ali. Ela viu rostos estranhamente familiares e vários desconhecidos. Os primeiranistas encaravam-se timidamente, não querendo sair de perto de suas famílias. Os mais velhos, ao encontrar com os amigos, corriam e se abraçavam. Os pais encavam tudo com orgulho, mas típica tristeza da despedida.

Tentou não prestar atenção no grupo de sonserinos. Roupas predominantemente escuras, perfeitamente alinhadas, sapatos caros, exalando essências requintadas, olhando tudo ao redor com superioridade, desafiando os outros alunos a se aproximarem demais. Elfos levavam seus malões pesados para o trem enquanto, despreocupados, os elegantes jovens riam e trocavam anedotas de suas excitantes férias.

Ginny tentou fingir que não percebia que dois do grupo falavam quietamente entre si, não fazendo muita questão de disfarçar as olhadelas em sua direção. Apertou seu pai um pouco mais forte contra si antes de soltá-lo.

-Só... seja boazinha com as outras crianças. – ele pediu. Sua expressão deixando claro que ele sabia o quanto isso seria difícil pra ela.

Ginny forçou-se a sorrir.

-As pessoas não gostam quando eu sou boazinha, pai. – falou em um tom falsamente brincalhão, lançando-lhe uma piscadela antes de entrar no trem.

O trem estava bastante gelado, considerando a época do ano. Andou lentamente pelo corredor, espiando as cabines, esperando encontrar ao menos uma vazia. Encolheu os ombros, sentindo-se repentinamente insegura.

Não por alguma insegurança tola. A verdade é que não queria ser aceita por aquelas pessoas. Queria apenas viver quieta e tranquilamente até sua formatura, e não se importava nem um pouco com aqueles adolescentes abobalhados.

Sentiu-se repentinamente mal, no entanto, porque era a primeira vez que ficaria longe dos pais, Fabian e Analeigh, desde que podia se lembrar. Não vivia com eles há muito tempo, mas a vida que conhecia antes deles fora simplesmente muito escura e dolorosa. Ela sabia que antes de sua vida ter se afundado nas trevas da qual Fabian a resgatou ela fora feliz. Mas não tinha memórias daquela época. E preferia não se esforçar para resgatar as lembranças. Fabian dissera que era melhor recomeçar do zero e não se apegar ao passado. Ginny decidira acreditar nele.

Então estava ali. Tentando se concentrar no seu futuro e trabalhar para moldá-lo do jeito que o queria.

Talvez não fossem só cabeças de vento naquela escola. Talvez encontra-se pessoas inteligentes com quem pudesse passar o tempo. Foi invadida por uma onda de desânimo quando passou por uma cabine lotada de garotas excessivamente barulhentas e risonhas.

Revirou os olhos antes de entrar em qualquer vagão, sem checar se estava vazio, só para se livrar das vozes.

-Oh. – fez ao perceber a única presença no vagão. Não conseguia ver o rosto da garota, mas percebia-se claramente que eram da mesma idade. Ela possuía longos cabelos loiros, cheios com cachos grandes e mal penteados.

Ela estava lendo uma revista, e tirou-a da frente do rosto para encarar Ginny com seus olhos grandes e azuis.

-Olá. – a voz aérea da garota soou.

-Eu não sabia que o vagão estava ocupado. – Ginny se explicou recebendo um sorriso da única ocupante da cabine – Eu vou... – fez menção de sair, mas a voz da garota de feições gentis a interrompeu:

-Vai ser bastante difícil encontrar um vagão vazio. – ela avisou. – Principalmente porque os sonserinos tomam metade deles. São bem espaçosos.

-Hum. – Ginny fez, sarcasticamente. – É claro que são.

-O vagão mais próximo de vazio que vai encontrar é este. – a garota continuou. – Ninguém quer ficar no mesmo vagão que eu, então eu chego cedo e geralmente tenho tranquilidade até alguém precisar que eu saia.

Ginny piscou algumas vezes antes de entender o que a garota queria dizer. Sua expressão deve ter sido de piedade, pois a garota agitou-se:

-Oh, não é nada demais! – disse, fazendo um gesto despreocupado. – Mas talvez, se você estiver aqui, eles não queiram esse vagão. E eu posso ser silenciosa, se quiser.

A ruiva ainda manteve a mão na porta por mais alguns segundos antes de suspirar e fechá-la atrás de si. A loira pareceu extremamente contente com sua decisão. Ginny sabia o quanto a solidão poderia ser dolorosa.

Sentou-se de frente para sua acompanhante e a encarou de forma descaradamente analisadora por alguns segundos.

-Eu sou Luna Lovegood. – ela disse com um sorriso iluminado, estendo-lhe a mão. Não parecia muito nervosa ou surpresa por estar sendo tão intensamente analisada por uma desconhecida.

-Ginevra. – Ginny retribuiu o aperto. – Ginevra Prewett.

-Oh. Que nome adorável! – Luna comentou sonhadoramente. – Eu nunca conheci nenhuma Ginevra.

Ginny diria que nunca conhecera nenhuma outra Luna, mas isso não seria verdade. Mas também, já conhecera tantas pessoas que era difícil conhecer alguém cujo nome já não havia encontrado antes.

Respirou fundo encostando a testa no vidro da janela, enquanto ouvia o trem anunciar a partida. Houve correria na estação enquanto os alunos que sobravam pulavam apressados para dentro dos vagões, e janelas sendo abertas para que os estudantes pudessem acenar para os pais e familiares em despedida enquando o trem partia.

A presença discreta de Luna Lovegood era surpreendentemente confortável e Ginny não se importou com as tentativas dela de estabelecer um diálogo. A garota tinha uma voz doce e inocente, mas parecia ser esperta e perceptiva. Era fácil gostar de uma pessoa assim.

Com o canto de olho, podia perceber alguns alunos a encarando descaradamente pela janela que dava para o corredor. Curiosos para saber quem era a aluna nova sentada perto da esquisitona que, Ginny reparou, usava rabanetes pendurados nas orelhas.

Ginny riu para si mesma ao pensar que para quem pretendia permanecer o resto da vida acadêmica confortavelmente isolada, havia começado mal.

I cry to my daddy on the telephone, how long now
Until the clouds unroll and you come down, the line went
But the shadows still remain since your descent, your descent

The saints are coming, the saints are coming
I say no matter how I try, I realize there's no reply
The saints are coming, the saints are coming
I say no matter how I try, I realize there's no reply

Quando Draco Malfoy adentrou no trem, seguido do grupo de sonserinos, as pessoas rapidamente abriram caminho para que ele pudesse marchar sem maiores problemas para sua cabine favorita. Alguns, espremidos nas paredes para dar espaço, arriscavam cumprimentá-lo, mesmo sabendo que não receberiam resposta.

Com as mãos nos bolsos das vestes pretas, a figura alta e imponente de Malfoy parecia preencher os corredores. Tornando-o sufocante e pequeno demais.

Todos temiam serem alvos daqueles olhos metálicos ou do temperamento explosivo do herdeiro da família mais rica e influente da Grã-Bretanha. Tão novo, Draco Cygnus Malfoy era um dos bruxos mais ricos de toda a Europa. Seu pai, Lucius Malfoy, era o braço direito do Lorde das Trevas. E era notório que Draco estava prestes a seguir os passos do pai.

Draco não podia negar que gostava da subserviência dos estudantes de Hogwarts, mas estava meio cansado deles. Decidiu que odiava-os. Odiava-os por serem tão idiotas e previsíveis. Os únicos que valiam alguma coisa o seguiam naquele momento.

Sorriu de lado ao captar alguns sussurros de admiração na sua direção. Herdara a beleza abrasadora de sua mãe e a imponência do pai. Sabia que suas feições haviam ficado mais másculas e admiráveis nos últimos meses. Crescera vários centímetros, quando achava que já havia parado de crescer, e seu corpo estava mais definido. Seu maxilar havia tomado um formato forte, lhe dando um ar mais másculo.

Entrou na única cabine grande o suficiente para o grupo de sonserinos e sentou-se no seu lugar habitual.

-As ankle boots dela eram simplesmente perfeitas. – Astoria Greengrass comentava com suas seguidoras enquanto acomodavam-se na cabine. – Nem eu consegui ainda uma daquelas. Ótimo olho para compras, aquela garota deve ter.

-De quem vocês estão falando? – Crabbe perguntou ao adentrar com Goyle. Os braços grandes e gordos carregados de doces e guloseimas.

-Ai meninos! Vocês querem me deixar gorda! – reclamou Daphne enquanto aceitava um sapinho de chocolate.

-Daphne! Você está magra até demais. Não tem problema comer um pouco de chocolate. – Astoria disse, sinceramente. Daphne Greengrass aproveitara o recesso para tentar uma nova dieta de líquidos e agora parecia perigosamente magra. – Mas eu não acho que seja uma boa idéia comer tantos feijõezinhos, Mel.

-Argh. – a intragável Lynn Nott ganiu, revirando os olhos e jogando as costas no seu assento. – Concordo totalmente. Acho que não sobrevivo a mais um mico como aquele que pagamos na Savage Garden.

-Que mico? – Blaise perguntou, parecendo prever uma história engraçada.

-Não foi nada! – Melina Gamp tentou antes de Pansy interrompê-la:

-Estávamos comprando vestidos e Melina não consegue mais entrar nos 36. – Pansy riu. – E todo mundo sabe que a Savage Garden só vende até o número 36.

-Então... – Astoria começou. – Compramos um vestido que quase serviu e Melina prometeu entrar em uma dieta até que ele fique perfeito não é mesmo, Mel? – ela perguntou, apertando encorajadoramente a mão de Mel, mas sem olhar diretamente para ela.

A garota de cabelos e olhos negros concordou veementemente olhando para os joelhos, onde a mão de Astoria segurava a sua.

Draco não entendia muito os padrões de beleza das mulheres. Para ele Melina nunca esteve mais desejável. Do que importava se ela vestia 38, 40 ou 34? Draco não podia negar sua preferência por garotas pequenas e esguias, mas Melina estava longe de ser gorda. Seu corpo estava mais curvilíneo e seu rosto parecia mais saudável e maduro do que da última vez que a vira.

-Vocês não responderam de quem estavam falando antes. – Blaise observou, com a boca cheia de doces.

-Da garota nova. A ruiva. – Daphne comentou, tirando uma dentada de seu sapo de chocolate, recebendo um olhar invejoso de Melina. – Astoria não pára de falar dela desde que a vimos na estação.

Lynn, a melhor amiga oficial de Astoria, moveu-se desconfortavelmente e fingiu estar distraída com outra coisa.

-Eu só estou dizendo! Ela se veste bem. – Astoria defendeu-se. – E ela não chamou só minha atenção. Harry também ficou olhando!

Harry Potter, que encarava os campos verdes passando rapidamente pela sua janela, voltou o olhar para o grupo como se houvesse acabado de despertar de um profundo delírio.

Desde que Draco se lembrava, Harry tinha momentos aéreos. Momentos nos quais permanecia em um silêncio reflexivo. Irritava-se um pouco com a típica seriedade do amigo.

-Eu só estava comentando com Draco, que ela é aquela filha dos Prewett. Não a viram com Fabian na estação?

Pansy fez que sim veementemente enquanto os outros acenavam em compreensão.

-É ela não é? Aquela garota que perdeu a memória quando era novinha.

-Uau! É ela? – Astoria perguntou interessada. – Eu já tinha escutado falar dessa garota, mas como disseram que os pais dela gastavam fortunas com tratamentos achei que ela seria meio demente.

-Ela pareceu ótima pra mim. – Zabini comentou com um sorrisinho malicioso, recebendo um tapa brincalhão de Pansy.

-Quem vê cara não vê coração. – Lynn se apressou em afirmar. – Ou mente.

-Eu sou uma ótima analisadora, Lynn. E pode acreditar que uma garota que usa aquele tipo de sapatos e consegue andar com aquela postura não tem nada de demente. – Astoria afirmou.

-Talvez tenha. – Melina riu. – Pra estar no mesmo vagão que a Lovegood.

Draco não pode reprimir o risinho sarcástico ao ver a expressão de horror nas belas feições de Astoria. A mimada garota claramente cobiçara Prewett no instante em que a vira para fazer parte do seu exército de amigas subservientes e impecavelmente produzidas. Desde que chegara a Hogwarts, com sua personalidade manipuladora e suas aspirações de grandeza, Astoria se tornara uma espécie de abelha rainha, cercando-se de garotas bonitas, bem nascidas, elegantes e com ótimo gosto para compras. Até Daphne, mais velha que Astoria, estava abaixo da irmã na hierarquia não declarada de Hogwarts.

-Huum... Acho que Astoria tem uma quedinha pela garota nova. – Daphne brincou.

Os outros riram com os protestos de Astoria.

-Como ela perdeu a memória? – Deena Black perguntou repentinamente.

-Eu ouvi falar... – Pansy começou, baixando o tom de voz. – Que os Prewett foram atacados pelos... galhos podres de sua árvore genealógica. Ela ficou em um coma por uns três meses e quando acordou, não lembrava nem mesmo quem era.

Alguns sussurros de surpresa escaparam do grupo. Astoria mexia distraidamente na própria mexa do cabelo.

-Será que ela vem para a sonserina?

Harry fez um som sarcástico, fazendo com que os outros se voltassem para ele.

-Tenho quase certeza disso.

Astoria pareceu satisfeita com a resposta. Draco não sabia muito bem como se sentia. Quando vira a garota Prewett na estação fora extremamente difícil desviar os olhos. Não apenas pelo fato de ela ser linda, mas por algo na graciosidade dos seus movimentos e na confiança que ela exalava. Estava acostumado com pessoas elegantes, mas a ruiva parecia ter uma elegância natural e não apenas aquela cuidadosamente ensinada às bonecas da alta-sociedade.

Olhar para ela era como admirar uma romântica e enigmática obra de arte.

Percebera o olhar de superioridade que ela lançara inclusive a seu grupo, mas não soube dizer se aquela arrogância o havia irritado ou o excitado. Talvez um pouco dos dois.

Provavelmente ela iria para a sonserina. E provavelmente se tornaria mais uma aquisição de Astoria. Com sua beleza, seria invejada, odiada e adorada. Assim como as outras garotas sonserinas.

E se ainda fosse solteira, não permaneceria dessa forma por muito tempo. Até mesmo Harry, que quase nunca mostrava real interesse pelo mundo a sua volta, mal conseguira tirar os olhos dela até que ela sumisse dentro do trem.

E ela se encaixaria na hierarquia de Hogwarts e toda a excitação de sua chegada daria lugar à antiga monotonia de antes.

-Eu estou com um sentimento. – Goyle disse de boca cheia. – Que esse ano vai ser interessante.

A drowning sorrow floods the deepest grief, how long now?
Until a weather change condemns belief, how long now?
When the night watchman lets in the thief, what's wrong now?

-Harry, ela está olhando pra você.

Harry encarou a garota ruiva, esperando que sua expressão passasse apenas indiferença. Ela não pareceu constrangida por ser pega analisando-o. Sua expressão era séria, com um quê de arrogância que o irritou profundamente. Apenas os olhos cor de chocolate que pareciam vasculhar as feições do bruxo mostravam algum tipo de sentimento, como se tentando lembrar de onde o conhecia.

Um flash de uma garotinha inocente e adorável corando em sua presença passou pela cabeça de Harry.

Ele sabia exatamente quem ela era.

-Sim. – Harry concordou. – Ela está.

Estranho pensar que um dia ele tivera simpatia por aquela garota. Estranho pensar que ele achara adorável (e um pouco embaraçoso) o amor infantil e pueril que ela um dia lhe dedicara.

Agora não conseguia nutrir nada por ela que não fosse um violento ódio. Assim como por quase todas as pessoas naquele colégio.

Claro que havia sido pego de surpresa pela sua presença e pela inesperada beleza que a garota adquirira. Nunca pensou que ela fosse se tornar bonita. Mas logo arrefeceu ao raciocinar que aquilo era realmente tudo o que ela tinha. Beleza exterior. Muita beleza exterior, ele tinha que admitir. Mas apenas aquilo.

E de que isso valia?

Raciocinou tudo isso quando a viu abraçar Fabian Prewett.

O maldito Prewett que era encarregado de capturar e dar um fim apropriado a "sangues-ruins". Morte, prisão ou escravidão. Esse era o destino para os supostos "ladrões de magia". E Fabian Prewett fazia fortuna em cima deles. E com essa fortuna, Ginevra podia comprar aqueles sapatos ridiculamente caros dos quais Astoria tanto falava.

Fortuna suja de sangue. Suja do sangue de pessoas inocentes. Suja do sangue de sua mãe.

Na época em que sua vida foi irreversivelmente arruinada, Harry fora adotado pelos avós. Dividia seu tempo entre eles e a Ordem da Fênix. Os avós de Harry poderiam se considerar velhos demais para fazer alguma coisa, mas tinham o espírito revolucionário e apoiavam Harry em suas aspirações, sempre perguntando notícias de James, que morava na sede da Ordem, e sempre acobertando o neto perante a alta sociedade, da qual faziam parte.

O chapéu seletor, por alguns momentos, havia ficado em dúvida se deveria colocar Harry na Grifinória ou na Sonserina, mas antes que Harry pudesse implorar pela Grifinória, foi jogado para a Sonserina. Mais tarde entendeu porque o chapéu o fizera.

Eram poucos os alunos que eram sorteados para a Grifinória. Afinal, era difícil exercitar a bravura em uma época de ditadura ferrenha, e até crianças que tinham aptidão costumavam implorar para que o chapéu seletor as colocasse em qualquer outro lugar. Ninguém queria fazer parte da casa mais odiada e sofredora de Hogwarts. Os poucos integrantes da casa vermelha e dourada eram alvos de azarações e maldições diárias, além de perseguição descarada do próprio corpo docente.

Harry conseguira se livrar pela sua misteriosa inclinação sonserina. Infelizmente, Ron Weasley, seu melhor amigo, não tivera a mesma sorte. E assim como todos os outros Weasleys, fora para Grifinória.

Harry, na verdade, invejava profundamente Ron. Sabia que o chapéu só colocava na casa dos bravos aqueles que eram inevitavelmente grifinórios e seriam fortes o suficiente para suportar o descarado e violento bullying. Saber que Ron tinha essas qualidades e ele não despertava-lhe um profundo nojo de si mesmo.

Todos esses sentimentos se reviravam dentro dele enquanto encarava Ginny Prewett. A primeira Weasley sonserina.

Ela desviou o olhar de seu rosto quando uma tímida garota, vinda de Beauxbatons, que esperava a seu lado para a seleção das casas, lhe dirigiu a palavra. Além dos primeiranistas, só havia Ginevra e mais três pessoas transferidas de outras escolas para serem sorteadas.

Ao vê-la conversando com a garota bonitinha de Beauxbatons perguntou-se como Luna estava depois de ter passado a viagem toda com ela. A loira de olhos arregalados e azuis nunca chegara a conhecer a Ginny de antes.

A encontrou em um canto da mesa da Corvinal, encarando a ruiva discretamente. Quando percebeu que Harry olhava em sua direção, sorriu calorosamente. Harry apenas piscou um olho em sua direção.

-Por um momento achei que ela estivesse olhando para mim. – Continuou Zabini, recuperando a atenção de Harry. – Mas era pra você mesmo. E quanta cara de pau! Nem piscou quando percebeu que você viu! - riu o sonserino.

-É. – Harry concordou fracamente.

-Iih, Harry já está de olho na ruivinha. Pobre Deena. – Blaise comentou sem parecer realmente se sentir mal pela amiga. – Pobre Lynn.

-Por quê? – Harry perguntou.

-Porque Astoria está obviamente interessada pela garota e Lynn está com seu posto de melhor amiga ameaçado. E as duas vivem grudadas pelo quadril. – Blaise respondeu, sua expressão se iluminando subitamente. – Você acha que Lynn e Astoria já se pegaram? Porque eu juro que acho que elas já até tomaram banho juntas e dormiram na mesma cama e é fisicamente IMPOSSÍVEL garotas dormirem na mesma cama sem rolar nenhum tipo de...

-Eu estava perguntando em relação à Deena.

Até Draco, que parecia não estar atento à conversa, virou-se para Harry com os olhos arregalados com a pergunta do amigo.

-Ah cara. Pára! – ele disse, sua voz carregada de desdém e descrença.

-O que? – Harry perguntou. Piscando os olhos profundamente verdes, confuso.

-Deena. Você não percebeu? – Blaise perguntou entre risos.

-Percebi o que?

Draco e Blaise trocaram olhares e gargalharam. Harry ficou irritado e perguntou mais uma vez o que estava perdendo. Foi interrompido quando começaram a anunciar as seleções.

O diretor, Severus Snape, fez um discurso breve e ainda sim tedioso sobre a importância da divisão de casas, e o intento com que cada uma fora criada e outras baboseiras que, Harry tinha certeza, nem ele mesmo estava dando atenção enquanto as falava. Foram chamados os alunos do primeiro ano.

Harry odiava as seleções. A grande maioria dos alunos eram mandados para lufa-lufa e corvinal. Os mandados para a sonserina eram ovacionados e quase se desfaziam de alegria enquanto andavam orgulhosamente para a casa das cobras.

Lembrava que quando Ron havia sido selecionado havia sido recebido com sonoras vaias. O mais novo grifinório era Vicky Forbisher. Um ano mais nova que Harry.

Há cinco anos a casa dos leões não recebia novos integrantes.

O olhar de Harry vagou pela mesa da Grifinória, esperando encontrar o olhar do amigo Ron. Quanto encontrou o ruivo, no entanto, ele olhava fixamente para os alunos transferidos que aguardavam que os primeiranistas fossem selecionados.

Harry seguiu o olhar mesmo já sabendo quem ele encarava com tanta intensidade. Ginevra sorria enquanto conversava com as pessoas ao seu redor. Com um pouco mais de atenção, poderia perceber que o sorriso dela era fraco. Que ela demorava para virar a cabeça quando alguém tocava-lhe o braço para chamar sua atenção, que seus movimentos eram mais lentos do que os de seus animados interlocutores.

Ainda assim, os alunos a rodeavam.

Um contraste violento daquela garotinha elétrica e risonha que vivia correndo atrás de amigos. Sendo comumente ignorada.

Voltou o olhar para Ron, mas ao invés dos olhos do grifinório refletirem o que ele esperava ser insatisfação, estava uma desesperada tristeza. Ele parecia completamente aflito. Tentando desviar os olhos da irmã, sem sucesso.

-Brigitte Duras. – chamou a Professora Alecto Carrow.

A loira que estivera conversando com Ginny subiu pulando os degraus da pequena escada. Sentou-se ansiosa. Sorrindo animada e apertando as mãos uma na outra.

-Corvinal. – ecoou o chapéu seletor. A garota pareceu contente, recebendo os animados aplausos dos corvinais.

-Marguerite Hemingway. – chamou Alecto, e assim prosseguiu com os alunos mais velhos.

Marguerite foi para a sonserina. Dois outros foram para a lufa-lufa. Harry soube que era a vez de Ginevra quando viu Ron desviar o olhar, encarando intensamente o canto oposto do salão comunal, fazendo de tudo para manter a expressão impassível.

Quando virou-se para a ruiva, ela subia as escadas. Seus movimentos eram graciosos, e mesmo que ela andasse com uma postura impecável, parecia extremamente frágil. Como se qualquer vento fosse capaz de levá-la para longe. Como se qualquer pressão aplicada em seu pequeno corpo fosse quebrá-lo. Os cachos voavam ao seu redor enquanto ela andava.

O salão foi tomado por animada expectativa. Obviamente os rumores de seu "interessante" passado haviam sido espalhados pelo castelo.

Ela era uma Prewett agora, pensava Harry.

The saints are coming, the saints are coming
I say no matter how I try, I realize there's no reply
The saints are coming, the saints are coming

Levaram exatos cinco segundos para o chapéu deliberar. E antes que ele falasse alguma coisa, Ginevra, que antes esperava impassível e entediada, gelou e arregalou os olhos. Harry fez o mesmo, adivinhando e não acreditando no que estava prestes a ouvir.

Animado. O chapéu não se contentou em gritar apenas uma vez. Gritou várias vezes, alto como nunca Harry o havia escutado gritar antes.

Ginevra, agarrando as beiradas de sua cadeira, parecendo ter dificuldade para respirar.

-Grifinória!

I say no matter how I try, I realize there's no reply

Draco Malfoy desviou os olhos de sua própria mesa, levantando rapidamente o queixo da própria mão, com as sobrancelhas erguidas.

Aquela era uma Prewett! A família que se rendeu ao Lorde das Trevas e entregou seus próprios parentes traidores de sangue! Como aquela garota...

-Grifinória!

I say no matter how I try, I realize there's no reply

De olhos tão arregalados quanto os de Ginny e cenho franzido, Harry sentia algo queimando em seu peito. Como se um monstro que ele não sabia que existia dentro de si estivesse rasgando suas entranhas e rugindo raivosamente. Tudo por causa daquela ruiva, que havia recebido a maior validação de bravura e caráter que alguém poderia ter em uma ditadura.

Uma validação que nem Harry conseguira.

-Grifinória!

I say no matter how I try, I realize there's no reply

X

N/A: Oi gente. Nova fic. Hehe! Pra quem acompanha A Era dos Comensais sabe que eu não pretendia postar essa fic até terminar AEDC, mas hoje tive um impulso e uma vontade incontrolável de postar. Eu sei que esse primeiro capítulo não está lá essas coisas, mas é introdutório. Acho que as coisas começam a ficar mais bacanas no segundo, que pretendo postar em duas semanas.

AEDC pretendo postar semana que vem. O capítulo já está quase pronto.

Eu estou com a idéia de fazer essa fic de triângulo amoroso entre esses três personagens maravilhosos há muito tempo e decidi que postando e recebendo reviews com dicas e feedback é a melhor maneira de me inspirar a escrever mais. Essa vai ser uma fic dark. No nível de AEDC mais ou menos, só que de um jeito diferente. Vou logo avisando que vão ter algumas coisas inesperadas, porque eu tenho algumas idéias bem malucas. Toda a minha loucura eu ponho na escrita. De uma forma estranha, essa prática me deixa mais centrada na vida real.

Aos que me conhecem e estavam esperando novas postagens há milênios, me perdoem. Mas tenho uma desculpa legítima dessa vez. Passei por um término de namoro bem feio. Depois que decidi acabar aquela relação estranha rolaram brigas, e longas cartas, e fofocas, e confusões... foi uma relação tão destrutiva que chequei a ter que cortar relações com alguns familiares. Dá pra imaginar? Nem tentem.

Então decidi passar algumas semanas em Manhattan com a minha mãe. Espairecer, ganhar perspectiva, pensar apenas em compras, Broadway, yoga, livros, comida, passeios, Cowboys pelados, Instagram... Acabei levando meu computador e escrevendo. Não só fics, mas o rascunho do que um dia pode vir a ser um livro. Voltei para o Brasil renovada e pronta para tentar postar mais coisas com mais frequências. Estou MUITO inspirada. A ponto de ter que andar com um caderno de idéias na bolsa para anotar as que pulam na minha mente a qualquer momento.

Então, espero que vocês tenham gostado dessa nova fic, e me deixem review reafirmando se tem interesse no segundo capítulo. Hehe.

Obrigada aos meus leitores antigos por estarem aqui, espero que dispostos a me aturarem em uma nova fic!

E muito prazer a leitores novos!

Um beijo!