Capítulo 3: Fotografias reveladas

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Hinata sentia-se estar sendo arrastada. Sai andava depressa demais, dando passadas imensas que valiam por três de suas próprias. Ainda assim, enquanto Hinata praticamente corria com exasperação para acompanhá-lo, sentindo a blusa ficar úmida de suor por debaixo do cardigan leve e do moletom, o rapaz mais parecia uma folhinha solta no vento que revoltava sua franja. Ele desviava dos outros passantes com uma fluidez tão bonita que lhe dava vontade de chorar, visto que precisava se desculpar a cada quinze metros por esbarrar em alguém.

Até que ele abruptamente parou. Hinata apoiou uma mão no peito e fechou os olhos para recuperar o fôlego, até perceber que Sai tinha um molho de chaves nas mãos, e os dois estavam junto a uma porta localizada entre a entrada de uma cafeteria e uma loja de autopeças fechada.

- Que... Que está fazendo? – perguntou a ele, ainda um tanto sem fôlego.

Sai sacudiu suas chaves como se fossem sininhos – o que, de forma estranha, a irritou – e sorriu.

- Vamos entrar um instante.

- Você mora aqui? – Sai encaixou uma das chaves na fechadura e soltou um uhum quase desprovido de emoção, apesar daquele sorriso estranho ainda estar ali. – N-Não acho que entrar seja uma boa ideia.

Hinata encarava a porta como se esta fosse parte de algum filme de suspense muito ruim. A despeito da pintura nova, um verde-floresta brilhante, tinha a vaga impressão de que se abriria com um rangido e revelaria densas sombras prontas a devorá-la.

- Poxa, moça. Que é isso? – disse o rapaz, com um tanto de diversão. – Vamos apenas deixar as compras lá em cima. Seria terrível se seu sorvete virasse suco, não seria?

Sai notou que ela tinha a mesma expressão do dia em que a convidou para tomar um café ruim de cafeteria franqueada, com o acréscimo de que parecia pronta a agarrar suas gérberas e sair correndo a qualquer instante, sem se importar em deixar para trás suas caixinhas de chá, seus biscoitos cream cracker e seu sorvete de morango.

Sai apontou para a cafeteria com o polegar.

- Deixamos as compras lá em cima e descemos para tomar café.

E Hinata finalmente assentiu.

No fim das contas, as escadas por trás da porta eram tediosas de tão normais e seguras, cerâmica clara iluminada por lâmpadas econômicas. Evitou olhar para Sai, que subia na frente, carregando as sacolas de compras. Estava envergonhada por se comportar tão mal.

Ele era esquisito. Infinitamente. Mas era uma esquisitice boa, agradável e imprevisível.

Viu-se parada na minúscula sala de seu pequeno apartamento. Ele a deixara sozinha, Hinata e suas gérberas, entre uma profusão de almofadas, livros empilhados e fotografias penduradas. Deixou suas plantas sobre a mesinha manchada do telefone e ficou olhando para as fotos.

Uma folha seca flutuando na superfície de uma poça, traços de chuva deslizando no vidro escuro do carro, um casal de idosos dando o beijo mais doce de todos, um rapaz escovando os dentes. E ela.

Céus, era ela mesmo, lá do dia em que o conheceu na livraria. Sua pose pouco provável fora revelada em tom de sépia, num tamanho maior do que o convencional das fotografias. Olhando mais detidamente, chegou à conclusão de que era uma foto bonita, mas somente por causa das técnicas de revelação. Hinata, em si, apesar de se misturar tão bem às estantes de livros, julgava-se tão fora de lugar que até se sentia embaraçada. Ela não se misturava muito bem entre aquelas outras fotos tão carregadas de significado.

E, minha nossa, se sua fisioterapeuta visse aquela postura horrorosa, os ombros curvados como se quisesse entrar dentro do livro, com certeza daria um grito.

Suspirou. Tinha de admitir, gostara da foto. Mas era... embaraçoso. Sentia uma nuvem de constrangimento ao seu redor só de pensar no rapaz estranho revelando sua fotografia naquele efeito cor de caramelo, escolhendo uma moldura e pendurando-a ali. Teria feito como que com qualquer outro retrato, ou teria dado significativa atenção?

Oh, mais do que constrangimento, sentia um calorzinho ao seu redor, que nada tinha a ver com seu agasalho exagerado.

Ficava se perguntando como nunca havia visto aquela cafeteria antes. Logo que entraram naquele local aquecido, seus olhos correram por todo o confortável espaço até caírem sobre o rapaz que moia café atrás do balcão. Ele lhe parecia estranhamente familiar. Então, como se notasse estar sendo observado, ele levantou a cabeça e sorriu.

Hinata se sentiu imediatamente constrangida por aquele sorriso e perguntou-se o porquê. Doce sensação de déjà vu, mas sem flashes de luz.

O rapaz, ainda sorrindo, saiu de trás do balcão e ajeitou o lenço que cobria sua cabeça, escondendo parte de seus cabelos loiros que quase chegavam aos ombros. Ele tinha alguma coisa bonita no jeito de andar, com movimentos elegantes que faziam o lenço e o avental de linho verde lhe cair muito bem. Sentiu-se inquieta ao perceber que ele andava na direção dos dois.

- Sakkun – saudou ele casualmente, abrindo mais ou menos os braços e exibindo seus dentes brilhantes num sorriso. – E a moça bonita da foto.

Algo deu um click no cérebro de Hinata enquanto o rapaz se aproximava e pousava uma mão no ombro de Sai. Mas é claro, era ele escovando os dentes na outra foto! Resistiu ao ímpeto de sorrir ante seus pensamentos sobre momentos íntimos capturados para sempre pelas lentes de Sai. Uma leitura sorrateira entre as estantes mais isoladas da livraria, um beijo doce e um pouco de higiene matinal.

Ainda pensava nisso quando viu o rapaz se inclinar até Sai e colar seus lábios aos dele por um segundo. E no segundo seguinte, enquanto sorriam um para o outro, Hinata sentiu sua mente chiar – zzzzzzzzzz – como uma tevê fora de sintonia. Poderia ter vapor saindo de suas orelhas.

Engoliu seu arregalar de olhos e as outras prováveis expressões de choque, embaraço ou inquietude. Segurou inclusive o torcer de suas mãos ou o simples bater de indicadores. No pequeno instante de um segundo, quando tudo ao seu redor pareceu começar a mover-se em câmera lenta.

Suspirou disfarçadamente. Poxa. Justo quando toda a esquisitice boa, agradável e imprevisível do rapaz lhe começava a ser confortável e a dar um sabor doce e cítrico como maçã aos seus lábios. Sorriu pequeno.

- Hinata, esse aqui é meu irmão. Diz oi pra ela, Shin.

O dito rapaz, enfiando uma das mãos no bolso do avental e sacudindo a outra num tchauzinho, sorriu se inclinando.

- Oi, Hinata – disse ele, num tom quase infantil. – Prazer em te conhecer.

Hinata balançou a mão fracamente. Céus, como era boba. Definitivamente, a maior tonta de todas. Que vontade enorme de se bater por ser tão antecipada! Então, com um último resquício de orgulho próprio – ou nada humilde tentativa de esconder o embaraço -, decidiu que não era a culpada por acabar pensando besteiras.

Mas nada disso diminuiu o estranho e inegável alívio que sentiu.

- Porque não se senta naquela mesa? – ofereceu Sai, apontando para o lugar. – Vou pegar café e já me junto a você.

Ela sorriu, e Sai quase sentiu falta daquele rubor que tinha visto pintar sua expressão por quase todo o dia – e se intensificar gloriosamente quando viu a tradicional saudação dos dois irmãos. Viu-a se virar e ir sentar-se no lugar recomendado, e ouviu seu irmão dar uma risadinha às suas costas.

- Ela é mais fofa do que na foto.

- Ah, é sim – concordou com suavidade.

- Então – começou o rapaz enquanto o levava até o balcão –, já fez a ela aquela sua pergunta impertinente?

Sai sentou-se e apoio os cotovelos, para segurar o queixo e sorrir divertido para Shin, que despejava café fumegante em duas xícaras de porcelana branca.

- Sinceramente, acho que nem me importo de ter as calcinhas dela penduradas no box do meu banheiro.

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Mary, oh Mary. So quite contrary...

Por favor, diga que não sou a única, apóie minha razão em não ter dado essa continuidade antes. Não lhe parece que quebrou a magia da subjetividade dos capítulos anteriores? Sei lá, dar uma direção mais objetiva a eles, mas não tanto, parece que colei os pés deles ao chão. Ou é bobagem minha. Ou sou péssima com esses arremates. Ou é culpa do que ando vendo/lendo/ouvindo.

De toda forma, eu queria usar o Shin desde antes. Ele estava queimando no fundo da minha mente, usando uma camiseta preta e avental verde de garçom, com uma bandana escondendo os cabelos. O único problema era a personalidade - por motivos óbvios. Mas imagino que ele seja uma espécie de irmãozão gentil.