COMO O VENTO
Chiisana Hana
Quando Shun foi para o Santuário na ocasião que ficou conhecida como "A Revolta de Saga", June ficou com vontade de conhecer esse lugar onde se passaram batalhas que entraram para a história dos cavaleiros. Até então só conhecia o lugar de ouvir falar sobre ele e muitas outras coisas aconteceram nos anos seguintes, culminando na vitória contra Hades. Os cavaleiros de Ouro tinham se sacrificado para ajudar os de bronze no inferno, foi o que ela ouviu dizer, e o Santuário parcialmente estava em ruínas. Depois ficou sabendo que, na verdade, a elite da deusa tinha sido poupada e todos estavam bem.
O Santuário já estava totalmente reconstruído quando ela se apresentou e foi uma sensação indescritível pisar pela primeira vez nos degraus que levavam às Doze Casas Zodiacais. Imediatamente ela foi convocada para ser assistente de treinamento dos novos garotos. Não lhe foi dada a faculdade de treinar alguém sozinha, o que ela achava uma injustiça, mas ao menos participava ativamente da vida do Santuário. Supervisionava se as crianças cumpriam as determinações de seus mestres e dava aulas teóricas, ensinando-lhes os termos técnicos, os conceitos básicos e contando-lhes um pouco da história e do significado de ser um lendário guerreiro de Athena. Muitos mestres teciam-lhe elogios e as crianças gostavam dela apesar de ser um tanto rígida com eles. Tudo isso, fez com que ela sentisse que tinha finalmente encontrado seu lugar no mundo, depois de anos perdida e confusa acerca do seu papel.
Foi difícil superar tudo que lhe aconteceu, principalmente a parte em que Shun lhe disse que não podiam ser mais que amigos, que ele a amava, mas apenas como uma grande e querida amiga e companheira de treinos. Foi quando tomou a decisão de ir para o Santuário, afinal, não havia outro lugar onde pudesse fazer a única coisa que dominava.
Agora, depois de alguns meses no Santuário, totalmente adaptada a sua nova rotina, ela percebeu que, no final das contas, foi bom ser rejeitada. Fez com que ela procurasse um novo sentido para sua vida, um sentido muito mais interessante do que estar à sombra de Shun. Agora ela sentia que estava onde deveria estar.
June pensava nisso enquanto olhava as estrelas, sentada num banco em frente à sua casinha no novíssimo alojamento dos cavaleiros de bronze. As casas tinham sido reformadas depois da guerra e, apesar de pequenas, eram confortáveis. Estava sozinha e, por isso, sem a máscara, mas recolocu-a instintivamente quando sentiu um cosmo conhecido se aproximar.
– June – Shun murmurou carinhosamente e sentou-se ao lado dela.
– Olá, Shun – ela respondeu, sentindo-se confusa. O que ele estava fazendo ali? Podia até tirar a máscara, uma vez que ele já viu seu rosto, mas nessa ocasião o acessório era uma vantagem que ela não podia descartar. Escondia dele seu olhar de pura confusão por isso tinha de manter a voz firme a fim de não se denunciar.
– Como você está? – ela perguntou.
– Estou muito bem, obrigado. E você?
– Estou bem também – ela respondeu. – Foi convocado para alguma missão?
– Na verdade, não – ele respondeu timidamente. Depois pigarreou e só então prosseguiu em tom firme: – Eu vim porque precisava falar com você.
– E o quer falar? – ela perguntou, com o coração aos saltos, mas a voz incrivelmente controlada.
– Queria falar sobre nós dois...
– Não existe mais um "nós dois" – ela respondeu ríspida. – Se é que algum dia existiu.
– Eu... eu acho que me enganei sobre... sobre o que sinto por você. Pensei muito nos meses anteriores... eu acho que não quero viver sem você.
A declaração de Shun pegou a amazona de Camaleão de surpresa e a deixou confusa, incapaz de falar alguma coisa.
– Você não vai me dizer nada? – ele perguntou inseguro, depois de alguns segundos de um silêncio pesado e incômodo. Estava realmente desapontado com a reação de June e ela percebeu isso.
Ela respirou fundo e finalmente falou:
– Você esperava que eu me jogasse em seus braços? As coisas não são mais assim.
June fez questão de enfatizar o "mais".
– Desculpa, June, eu... só pensei que podíamos nos entender.
– Não podemos. Agora se me der licença, eu preciso ir dormir porque amanhã tenho que dar aula logo cedo.
– Claro. Fique à vontade. Mas posso vê-la amanhã?
– Estarei na arena – ela respondeu e entrou em casa, o coração descompassado, mas feliz por ter sido firme.
– O que foi isso? – June perguntou-se. – Ele me aparece aqui assim, do nada, dizendo que acha quer tentar? Mas justo agora? Agora que eu... estou bem?! E "acha" que se enganou, "acha" que não quer viver sem mim? Por favor… A essa altura da vida o Shun ainda não tem certeza de nada? Pois eu tenho certeza que não o quero! Ainda mais agora...
Quando finalmente superou a rejeição de Shun, June permitiu-se abrir o olhar para o que estava ao redor, e logo começou a sentir algo inesperado.
Costumava trabalhar ajudando vários cavaleiros dourados, mas sem dúvida seu entendimento maior e mais rápido tinha sido com Shura. Realmente gostava de trabalhar com ele, da sua postura séria e altiva, da sua dedicação intensa e de sua maneira de tratar os discípulos. Num instante, passou a pensar no espanhol a partir de outras perspectivas e certo dia flagrou-se admirando o corpo torneado dele. Teve uma grande surpresa quando o flagrou olhando-a de volta, mas alegrou-se com isso.
E dois dias antes de Shun aparecer com essa conversa boba de "achar que quer ficar com ela", Shura a tinha convidado para um passeio. Ela ainda não deu a ele uma resposta imediata, disse que ia pensar, e justo agora Shun voltou.
Ela tentou dormir, mas acabou tendo uma noite agitada, revirando-se na cama, sentindo um monte de coisas, desde raiva até frustração. No dia seguinte, sentia-se extremamente cansada e mais uma vez agradeceu a proteção da máscara. Assim ninguém poderia ver que não dormiu bem. Vestiu a roupa de treino, arrumou os cabelos, colocou a máscara e foi para a arena, onde Shura já se encontrava com seus dois discípulos. Recebeu as orientações dele para aquele dia e apressou-se para cumpri-las junto às crianças, dois meninos de nove anos, ambos de origem espanhola, que o cavaleiro de Capricórnio selecionou em uma viagem a sua terra natal.
Shura despediu-se dela com um cumprimento formal. Na frente dos discípulos, ele a tratava de forma estritamente profissional. Mas antes de deixar a arena, ele sussurrou:
– Não se esqueça de que me deve uma resposta.
– Pode deixar – ela respondeu, e sorriu embaixo da máscara.
Perto do final do dia, June viu Shun aparecer na arena. Quando ela dispensou os meninos, ele se aproximou. Depois de tecer elogios acerca de sua dedicação às crianças, ele tocou no assunto que o levou ao Santuário.
– Pensou no que eu disse? – ele perguntou.
– Pensei – ela respondeu sem hesitar.
Shun olhou-a expectante.
– E?
– E sinto muito, mas seu tempo já passou – June respondeu e seguiu em direção à casa de Capricórnio, uma vez que já sabia a resposta que daria a Shura.
Dias depois...
Pontualmente às oito da noite, o capricorniano apareceu no alojamento de bronze. Usava uma calça social e uma camisa azulada de mangas compridas. June achou que ele parecia ainda mais bonito quando estava de "civil" ou talvez simplesmente estivesse acostumada demais a vê-lo de armadura ou de roupas de treino. De qualquer forma, ela sentiu-se inferior ao belo acompanhante. Usava seu único vestido de "sair": um modelo branco com flores vermelhas, na altura dos joelhos, já meio surrado e definitivamente fora de moda. Entretanto, a incômoda sensação passou quando Shura lhe disse que estava linda e ela viu sinceridade no olhar dele. Então, encheu-se de confiança, segurou no braço dele e foram caminhando em direção às Doze Casas.
– Então, o que vamos fazer? – ela perguntou, vendo que o caminho era justamente o do Zodíaco Dourado.
– Até poucos minutos atrás meu plano era jantar com você. Inclusive mandei meu criado preparar algo especial. Mas só quando já estava vindo buscá-la é que me dei conta do problema da máscara... Por isso, acho melhor vermos um filme ou simplesmente conversarmos um pouco lá em casa. O que você acha?
Um vento fresco soprou e agitou os cabelos de June. Gostava tanto da sensação de ser tocada pelo vento! Nessa hora, desejou que ambos, o vento e o cavaleiro a seu lado, conhecessem seu rosto.
– Acho que devemos jantar – ela disse, e retirou a máscara.
FIM