Capítulo 06

Ginny seguiu o casal. Não foi difícil. Ele era alto como um gigante, cabelo loiro ao sol da tarde. Ela, sem conseguir parar em pé, o braço dele amparando-a em volta da cintura. A mulher ruiva procurava ficar perto e sentia o coração batendo forte dentro do peito.

'O que faço agora?', pensou. Ela não sabia, mas continuava seguindo porque este era o homem que seu marido queria.

Quando percebeu que pararam diante de um carro, ficou sem ação. A perseguição parecia ter sido em vão. Ele abriu a porta e ajudou a moça a entrar. Ginny observava enquanto ele ia até o outro lado do carro. Nisso apareceu um táxi, e ela percebeu que a perseguição não terminara, mas que havia apenas começando. Fez sinal para o táxi, que encostou no meio-fio. O motorista abriu a porta de trás num movimento rápido, e Ginny entrou. Ele virou-se para trás e rapidamente ela gesticulou, tocando os ouvidos e a boca; milagrosamente, o homem entendeu na hora. Ela apontou, pelo pára-brisa, para onde Malfoy acabara de entrar com o carro. Olhou atentamente para a traseira do carro.

— Como, senhora? – o motorista perguntou.

Novamente ela apontou.

— Quer que eu siga aquele carro?

O motorista viu que Ginny fez que sim com a cabeça, viu a porta do carro de Malfoy se fechar, e depois se afastar. Não pôde resistir à tentação.

— O que aconteceu, madame? Aquele cara roubou sua voz?

Ele pôs o carro em movimento seguindo Malfoy, e deu uma olhada por cima do ombro para ver se Ginny apreciara a piada.

Ginny não estava nem olhando para ele.

Com o lápis e o papel de Chen, escrevia furiosamente.

* * *

Draco esperava que ela não morresse dentro do carro.

Isso não parecia muito provável, mas ele planejara com antecedência caso acontecesse porque não queria ser pego em flagrante. Seria difícil tirá-la do carro. Isso nunca acontecera antes, e ele sentia a tensão nas mãos enquanto segurava a direção. Não podia entrar em pânico. Até o momento estava tudo sob controle. O pânico poderia pôr tudo a perder. O que quer que acontecesse, tinha que manter a cabeça fria. O que quer que acontecesse, havia muita coisa em jogo, muita coisa a perder. Tinha que pensar calma e friamente; enfrentar cada situação da maneira como se apresentasse.

— Estou passando mal, Draco – Pansy queixou-se. — Estou péssima.

'Você nem sabe quanto', ele pensou.

Ele mantinha os olhos na rua e as mãos na direção. Não respondeu nada.

— Draco... Eu... Eu vou vomitar...

— Não dá pra você...?

— Por favor, pare o carro, Draco. Eu vou vomitar.

O loiro deu uma breve olhada nela, com o canto dos olhos e percebeu o rosto muito pálido, os olhos cheios de água. Com má vontade pegou um lenço branco dobrado e limpo do bolso da camisa e deu a ela.

— Use isto.

— Draco, não dá para você parar? Por favor...

— Use o lenço.

Havia algo estranho na voz dele, e Pansy sentiu medo. Porém não teve muito tempo para pensar no medo. No instante seguinte, vomitava violentamente e sentia-se envergonhada por isso.

* * *

— Aquele cara está indo para Chelsea – o motorista disse, virando-se para Ginny. — Olhe, ele está atravessando a ponte. Tem certeza de que quer que eu o siga?

A mulher balançou a cabeça. Chelsea. Ela morava em Chelsea. Ela e Harry moravam em Chelsea, mas Chelsea era um lugar grande. Para onde ele estaria levando a moça? E onde estava Harry? Será que ele estava no Distrito? Ou em casa? Podia também estar investigando estúdios de tatuagem... Visitaria Chen novamente? Ela rasgou uma tira de papel, juntando-a à pilha de tiras ao seu lado no banco do carro e começou a escrever novamente.

E então, para ver se sua observação estava correta, olhou novamente para a parte traseira do carro de Malfoy.

— Você é escritora ou coisa parecida? – indagou o motorista.

* * *

O telefonema incomodara Ron.

Levantou e andou até onde Snape estava lendo uma revista de histórias verídicas de investigação, com os pés sobre a mesa.

— Qual era mesmo o nome daquele cara?

— O quê – Severus perguntou, desviando os olhos da revista. — Aqui tem um caso de um cara que retalhava as vítimas e punha tudo em malas.

— Esse cara que ligou para o Harry? Qual era mesmo o nome dele?

— Sei lá. Era um chinês maluco. Chan, Chen... Ou coisa parecida.

— O que foi que ele te disse?

— Que o desenho da tatuagem de Potter estava lá no estúdio. Disse que ia tentar segurá-lo lá.

— Chen... – Weasley repetiu, ponderando. — Harry interrogou esse homem. Foi o cara que tatuou Mandy Brocklehurst. — Ele pensou novamente e perguntou: — Qual é o telefone dele?

— Ele não deixou telefone.

— É provável que tenha na agenda... — concluiu Ron, dirigindo-se para a própria mesa.

Snape voltou para a leitura da revista.

— O diabo nessa história é que os tiras levaram três anos para agarrar o cara... – disse ele, abanando a cabeça. — Esquartejando moças há três anos e eles não pegaram o cara... Meu Deus! Como puderam ser tão idiotas?!

* * *

— Parece que ele vai estacionar, senhora. Quer que eu pare bem atrás dele?

Ginny fez que não com a cabeça.

O motorista suspirou.

— Onde então? Está bem aqui mesmo?

Ela confirmou com a cabeça. O homem encostou o carro e conferiu o taxímetro. Mais à frente, Malfoy estacionava e agora ajudava Pansy a sair do carro. Ginny não os perdeu de vista enquanto procurava dinheiro na bolsa para pagar a corrida. Pagou, passou a mão na pilha de tiras de papel que estavam a seu lado. Deu uma para o motorista, saiu e pôs-se a correr porque Draco e Pansy tinham acabado de dobrar a esquina.

— Quê...? – estranhou o motorista, mas sua silenciosa passageira já tinha ido embora.

Ele olhou para a tirinha de papel. Com letra apressada, Ginny escrevera:

Ligue para o detetive Harry Potter, 5037-8024. Diga a ele que o número da placa é DN 1556. Depressa, por favor!

O motorista ficou olhando para o bilhete. Suspirou fundo.

— Escritoras! – disse em voz alta; amassou o papel, atirou-o pela janela e mandou-se dali.

* * *

Ronald encontrou o número na lista. Pediu uma linha e ligou.

Ouviu o telefone tocando do outro lado; metodicamente começou a contar os sinais de chamada.

Três... Quatro... Cinco...

Weasley esperou.

Seis... Sete... Oito...

"Vamos, Chen", ele pensou. "Atenda o maldito telefone!".

Aí então se lembrou da mensagem que Chen dera a Snape. Tentaria segurar o desenho no estúdio. Deus, será que tinha acontecido alguma coisa a Chen?

Desligou no décimo sinal de chamada.

— Vou usar um carro! – gritou para Severus. — Volto mais tarde.

Snape desviou os olhos da revista.

— O quê?

Mas Ron já passara da divisória de madeira e dirigia-se à escada que levava ao primeiro andar.

Além disso, o telefone da mesa de Severus começou a tocar.

* * *

Chen estava saindo do estúdio quando ouviu o telefone. Ele saíra há um minuto decidido a ir diretamente ao Distrito encontrar Potter e contar o que havia acontecido. Trancou a porta e estava andando em direção ao carro quando o telefone começou a tocar.

Talvez não haja diferença na maneira de um telefone tocar. Não toca diferente quando namorados dão telefonemas apaixonados, quando traz más notícias ou quando um grande negócio está sendo fechado.

Chen estava com pressa. Tinha que ver Potter, tinha que conversar com ele.

Talvez o telefonema não fosse tão urgente. Não parecia soar com urgência. Afinal de contas, era apenas um telefone tocando.

Mas conseguiu trazê-lo de volta da calçada para a porta trancada. Soou de forma a fazer Chen procurar rapidamente as chaves, achar a certa, abrir a porta com um supetão e correr até o telefone.

Soou urgente como o diabo até que parou de tocar.

No momento em que Chen levantou o fone do gancho, tudo o que ouviu foi o sinal de discar.

E já que tinha uma linha, resolveu usá-la.

Ligou para 5037-8024.

* * *

— 87o. Distrito, Sargento Longbottom.

— Investigador Potter, por favor.

— Um momento. – pediu o sargento.

Chen esperou. Ele tinha certeza de que Potter estava de volta. Escutou o clique na linha.

— 87o. Distrito, Detetive Snape.

— Sr. Potter, por favor?

— Ele não está – respondeu o investigador. — Quem está falando?

Com o canto do olho, via Ronald descendo pela escada que levava ao primeiro andar.

— Chen. Quando posso encontrar Potter?

— Espere um momento – cobriu o fone com as mãos. — Ei, Weasley! Weasley! – Não obteve resposta da escada; voltou ao fone e disse: — Também sou policial, senhor. Qual é o problema.

— Homem que moça da tatuagem. Aqui no estúdio. Com a Sra. Potter!

— Calma. Mais devagar. Que homem? Que moça?

— Potter saber. Diga a ele nome do homem é Draco. Homem loiro e grande. Diga a ele que esposa segue. Quando Potter volta? Você não sabe quando Potter volta?

— Escute... – Snape começou, mas Chen o interrompeu impaciente:

— Eu venho. Eu venho contar para ele. Você pede ele esperar aí.

— Mas pode ser que ele nem venha... – Severus disse, mas já estava falando sozinho.

* * *

A moça estava dobrada ao meio, o lenço apertado contra a boca. O moço mantinha o braço em volta da cintura dela, amparando-a e ajudando-a a caminhar, arrastando-a rua abaixo.

Atrás deles estava Ginny Potter.

Ela sabia pouquíssimo sobre vigaristas.

Entretanto, sabia que era possível ficar um dia inteiro numa esquina tentando vender peças de ouro que valiam cinco libras por dez centavos e não conseguir comprador. Ela sabia que a cidade era um lugar muito suspeito, que estranhos não se falavam no restaurante, que as pessoas, de modo geral, não confiavam umas nas outras.

De repente, teve uma idéia.

Se pudesse falar, já teria gritado o recado. Já que não podia, escreveria uma dezena de tirinhas de papel, todas com a mesma mensagem:

Ligue para o detetive Harry Potter, 5037-8024. Diga a ele que o número da placa é DN 1556. Por favor, é urgente!

E agora, enquanto continuava atrás de Malfoy e da moça, começava a gritar a mensagem. Não podia demorar-se muito com cada pessoa que passava porque não podia perder o casal de vista. Só podia tocar a manga de um homem velho, entregar-lhe o papel e continuar andando. Ela só podia colocar gentilmente a tira de papel na mão de uma matrona de vestido cinza, deixando-a intrigada e, de algum modo, surpresa. Só podia parar um adolescente, ignorar o convite explícito do olhar e entregar a mensagem. Ela deixava atrás de si uma trilha de pessoas com um pedaço de papel na mão. Esperava que uma delas ligasse para o Distrito. Esperava que o número da placa chegasse ao marido. Enquanto isso, seguia a moça doente e o assassino e não sabia o que fazer se Harry não chegasse.

* * *

— Doente... Eu... – Pansy mal podia falar.

Ela se dependurava no braço de Draco e cambaleava pela rua, perguntando-se aonde estava indo e imaginando por que estava se sentindo tão mal.

— Preste atenção.

Havia hostilidade em sua voz. Ele respirava forte, e ela não reconheceu a voz. Sentia a garganta queimar e só conseguia pensar na dor de estômago. Por que estava tão mal? Por quê?

— Estou falando com você. Está me ouvindo?

Ela nunca tinha ficado doente em toda vida. Nunca, nem um dia sequer. Por que então esse mal súbito?

— Que merda! Preste atenção! Se você vomitar novamente, juro por Deus que te largo aqui na sarjeta.

— Ai... ai... – ela gemeu.

Sentia vergonha de si mesma; a comida... Deve ter sido a comida e o medo da agulha, ele não deveria ter perdido que fizesse uma tatuagem, sempre teve tanto medo de agulhas...

— É a próxima casa – ele avisou. — O prédio grande. Vamos entrar pela porta de trás, pelo elevador de serviço. Não quero que ninguém veja você assim. Está me ouvindo? Está me entendendo?

Ela fez que sim com a cabeça, engolindo com dificuldade, sem entender por que ele estava contando tudo isso a ela, espremendo os olhos fechados com força, tomando conhecimento apenas de uma dor torturante, sentindo-se completamente fraca de repente, tão fraca...

— Minha bolsa, minha bolsa, Draco, eu...

Ele parou.

Ela fez um gesto vago com as mãos.

— O que foi? O quê?

Seguiu o gesto dela e viu a bolsa caída na calçada.

— Mas que merda – reclamou, amparando-a com um braço e virando com dificuldade o corpo para alcançar a bolsa.

Foi aí que Draco viu uma ruiva bonita logo atrás deles.

Quando se abaixou para pegar a bolsa, a ruiva parou, encarou-o por um momento e rapidamente se virou para olhar uma vitrine da loja mais próxima.

Devagar, ele pegou a bolsa e estreitou os olhos, enquanto pensava.

Começou a andar de novo.

Atrás dele podia ouvir o barulho dos saltos do sapato da ruiva.

* * *

— 87o. Distrito, Sargento Longbottom.

— Detetive Potter, por favor. – disse uma voz jovem.

— Ele não está no momento. Pode ser outra pessoa?

— O papel dizia Potter.

— Que papel, filho?

— Ah, deixa pra lá... – respondeu o garoto. — Acho que era uma brincadeira.

— O quê?

O garoto desligou o telefone.

* * *

Enquanto dormia, Harry dava tapas numa mosca que rondava seu nariz. Zunindo a mosca voava para o teto e voltava. ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ.

Pousou na orelha de Harry.

Ainda dormindo, o detetive espantou a mosca mais uma vez.

* * *

— 87o. Distrito, Sargento Longbottom.

— Tem aí um detetive chamado Harry Potter? – uma voz perguntou.

— Um momento. — Longbottom transferiu a ligação para Snape.

— 87o. Distrito.

— Severus, aqui é Neville – disse o sargento. — Potter já voltou?

— Negativo.

— Tem uma outra ligação pra ele. Você quer atender?

— Estou ocupado – respondeu o policial ranzinza.

— Fazendo o quê? Limpando o nariz com o dedo?

— Tá legal, passe a chamada – resmungou Snape, pondo de lado a revista com a história do assassino da mala.

— Aqui é da divisão de investigadores – ouviu Neville dizer.

— Snape falando. Em que posso ajudar?

— Uma moça me entregou uma mensagem.

— Sim, e daí?

— Dizia para ligar para o detetive Harry Potter e dizer que o número da placa é DN 1556. Será que é sério? Existe um tal Potter?

— Sim – respondeu Severus. — Por favor, repita o número da placa.

— O quê?

— O número da placa?

— DN 1556. O que significa tudo isso?

— Sei tanto quanto o senhor. Obrigado por ter ligado.

* * *

Ronald estava sentado no carro de polícia ao lado do patrulheiro.

— Não dá para fazer esta coisa andar mais rápido?

— Desculpe, senhor – disse o jovem, um tanto irônico, já que até alguns meses atrás, Weasley também era um patrulheiro como ele. — Eu não quero receber uma multa por excesso de velocidade.

Ron estudou o companheiro com um olhar implacável.

— Ligue a maldita sirene e dirija este troço mais rápido ou você vai se meter numa encrenca comigo!

A sirene do carro de polícia soou repentinamente. O pé do patrulheiro apertou o acelerador até o fundo.

Ronald curvou-se para frente, olhando fixo através do vidro.

* * *

Chen curvou-se para frente, olhando fixo através do vidro. Ele não gostava de dirigir no trânsito da cidade.

Obstinadamente, dirigiu-se para o 87o. Distrito.

Quando ouviu a sirene, pensou que fosse um carro de bombeiros e mudou de faixa para dar passagem. Viu que era um carro de polícia e que estava em sentido contrário ao seu carro. O veículo passou rápido, com a sirene tocando.

Isso reforçou a decisão de Chen. Cerrou os dentes, apertou a direção e pisou mais fundo no acelerador.

* * *

Harry espantou a mosca pela enésima vez e sentou-se na cadeira, bem acordado. Piscou algumas vezes, ajeitando os óculos.

O apartamento estava muito silencioso.

Ficou de pé e bocejou. Que horas seriam? Onde estaria Ginny? Olhou para o relógio. Normalmente ela já estaria em casa a essa hora, preparando o jantar. Será que ela havia deixado um bilhete? Bocejou novamente e começou a procurar um bilhete pelo apartamento todo.

Não achou nada. Olhou novamente para o relógio. Estava quase na hora da janta. Sentiu o estômago roncar, estava sem comer o dia inteiro. Resolveu sair e procurar algo para comer, assim pouparia a esposa de cozinhar e mataria a própria fome.

Cansado, sentou-se e calçou os sapatos.

Pegou o bloquinho do bolso traseiro, o lápis da alça de couro e escreveu:

Querida Gin, saí para comprar algo para comer. Volto logo. Harry.

Colocou o bilhete sobre a mesa da cozinha e foi até o banheiro lavar o rosto.

* * *

— 87o. Distrito, detetive Snape.

— Queria falar com Potter – pediu uma voz de mulher.

— Ele não está.

— Uma jovem me parou na rua e me deu uma mensagem. Eu não sei se é sério ou não, mas achei que deveria ligar. Posso ler o bilhete para o senhor?

— Sim, por favor.

— Diz o seguinte: Ligue para o detetive Harry Potter, 5037-8024. Diga a ele que o número da placa é DN 1556. Por favor, é urgente! Isso quer dizer alguma coisa?

— A senhora disse que uma jovem lhe deu isso? – Snape perguntou.

— Sim. Uma jovem bonita. Cabelos ruivos, olhos escuros. Parecia estar com muita pressa.

Pela primeira vez naquela tarde, Severus esqueceu-se do assassino da mala. Em vez disso, lembrou-se do que o chinês havia lhe dito no telefone: "Homem que moça tatuagem. Ele está aqui no estúdio. Com a Sra. Potter".

E nesse momento uma moça que correspondia à descrição de Ginny estava distribuindo bilhetes. Isso fazia sentido. A esposa de Potter era muda.

— Vou cuidar disso imediatamente – ele anunciou. — Obrigado.

Desligou, consultou a lista de números de telefones, ligou para a divisão de veículos motorizados. Deu o número da placa e pediu que verificassem. Desligou e procurou outro número.

Estava discando para a casa de Harry quando Chen desceu pelo corredor e parou ofegante do lado de fora da divisória de madeira que separava o ambiente da sala dos investigadores.

* * *

Harry Potter vestiu a jaqueta.

Foi novamente até a cozinha para certificar-se de que o bilhete estava lá mesmo, olhou os botões de gás para ter certeza de que estavam todos desligados.

Andou até a porta da frente da sala. Estava no corredor, tinha acabado de fechar a porta atrás de si quando ouviu o telefone tocar lá dentro. Praguejou entre os dentes, foi até o telefone e atendeu.

— Alô?

— Harry?

— Sim.

— Snape falando.

— O que há, Sev?

— Tem aqui um homem, um chinês chamado Chen, dizendo que o assassino esteve no estúdio dele hoje à tarde. Ginny estava lá no momento e...

— O quê?!

— Ginny. Sua mulher. Ela seguiu a pista do cara quando ele saiu. Chen disse que a moça que estava com ele estava passando muito mal. Recebo meia dúzia de telefonemas na última meia hora. Uma jovem que corresponde à descrição de Ginny está distribuindo bilhetes pedindo às pessoas que liguem para você e darem o número da placa do automóvel. Consegui que a divisão de veículos motorizados verificasse esse número imediatamente. O que você acha?

— Ginny... – Harry murmurou e era tudo o que conseguia pensar.

Escutou um telefone tocando em algum lugar e em seguida Snape disse:

— Estão chamando na noutra linha agora. Pode ser a informação da placa. Espere um pouco, Harry.

Ele ouviu o clique do botão apertado e esperou espremendo o fone nas mãos, a fome completamente esquecida, pensando sem parar Ginny, Ginny, Ginny...

Severus voltou ao telefone num minuto.

— É um coupé Cadillac preto, 1955. Registrado em nome de um cara chamado
Draco Malfoy.

— Esse é o cara – disse Harry e sua mente começou a funcionar novamente. — Qual é o endereço?

— Rua Smith, 41-18. Fica em Chelsea.

— É a dez minutos daqui. Estou saindo já. Ligue para o Distrito encarregado da rua. Mande uma ambulância para lá também. Se a moça está passando mal, é provável que seja por causa do arsênico.

— Certo – confirmou Snape. — Mais alguma coisa?

— Sim, comece a rezar para que aquele canalha não tenha identificado minha mulher!

Desligou, apalpou o bolso na altura dos quadris para certificar-se de que o 38 estava lá e saiu do apartamento sem sequer fechar a porta.

* * *

De pé no térreo do edifício, Ginny Potter observava o indicador de andares do elevador de serviço. Ela via as máquinas de lavar roupa funcionando em uma outra parte do grande espaço aonde se encontrava, e seguia o ponteiro subindo até parar no número quatro.

Ela chamou o elevador.

Malfoy e a moça tinham entrado ali para descer no quarto andar. Agora, enquanto o elevador voltava para o subsolo, Ginny imaginava o que ia fazer quando descobrisse em que apartamento eles estavam. Pensava também na moça passando mal. Quanto tempo ela ainda viveria? A porta do elevador se abriu.

Ginny entrou e apertou o número quatro no painel. A porta se fechou. O elevador começou a subir. Estranhamente, ela não sentia medo nem apreensão. Só desejava que Harry estivesse com ela porque o marido saberia o que fazer. O elevador continuou subindo e parou num tranco. A porta se abriu. Ela saiu. E deu de cara com Draco Malfoy.

Ele estava de pé, ao lado do elevador, esperando por ela. Cega de pânico, a ruiva apertou o botão do térreo no painel. A mão de Malfoy atacou-a violentamente. Os dedos apertaram o pulso de Ginny, que foi puxada para fora do elevador.

— Por que você está me seguindo? – Ele perguntou.

Ela sacudiu a cabeça, muda. Draco a arrastava pelo corredor. Parou em frente ao apartamento 4C, abriu a porta com um safanão e empurrou Ginny para dentro. Pansy Parkinson estava deitada no sofá, de bruços. O apartamento cheirava a excremento humano.

— Aí está ela – o loiro apontou. — É quem você está procurando?

Ele arrancou a bolsa dela e começou a vasculhar, espalhando batom, dinheiro, rímel, caderneta de endereços pelo chão. Quando chegou na carteira, desabotoou-a e examinou rapidamente.

— Sra. Harry Potter – ele leu no cartão de apresentação. — Moradora de Chelsea, hein? Somos vizinhos, então? Eu te apresento a Srta. Parkinson, Sra. Potter. Ou vocês já se conhecem? – novamente olhou o cartão. — Em caso de emergência avisar... – a voz dele parou e lentamente voltou a falar — Investigador Harry Potter, 87o. Distrito, 5037-8024... – ele fitou Ginny. — Então, seu marido é policial?

Sim, ela concordou com um movimento de cabeça.

— O que você é? Muda?

Ela sacudiu a cabeça outra vez, olhos fixos na boca dele. Observando o olhar dela, Draco de repente compreendeu.

— Você é surda?

Ginny disse que sim com a cabeça.

— Está bem – ele falou categoricamente. — Seu marido mandou que me seguisse?

A ruiva não fez nenhum movimento, nenhum gesto. Ficou quieta como uma pedra.

— O que ele sabe sobre mim?

Novamente nenhuma resposta.

— Por que está me seguindo? – o loiro perguntou, chegando mais perto — Quem te pôs na minha cola? – ele agarrou o braço dela e deu uma forte sacudida. — Me responda, porra!

Os dedos de Malfoy estrangulavam o pulso de Ginny. No sofá, Pansy gemeu e se virou abruptamente.

— Ela foi envenenada, você sabe, não é? Eu a envenenei. Ela vai morrer em pouco tempo e hoje à noite vai para o rio. – ele percebeu um sobressalto involuntário em Ginny. — Qual é o problema? Está com medo? Não tenha medo. Ela não escuta o que estamos falando. Só consegue pensar em seu mal-estar. Deus! Que cheiro horrível está aqui. Como está agüentando? – ele deu uma risada curta e maquiavélica, que terminou de repente, assim como começou. Então, a voz ficou novamente forte, e ele se tornou agressivo outra vez. — O que seu marido sabe? O que seu marido sabe?

Ginny não se mexeu. O rosto continuava inexpressivo.

Draco a observou.

— Está bem... Vou imaginar o pior... Ele está vindo para cá com toda a polícia, certo?

Mais uma vez não havia nada no rosto de Ginny, nada em seus olhos.

— Ele não vai encontrar porra nenhuma quando chegar. Eu já terei ido embora, a Srta. Parkinson já terá ido embora, e você já terá ido embora. Ele vai encontrar quatro paredes. – Foi até o armário, abriu-o rapidamente e puxou uma mala. — Venha comigo. – empurrou Ginny na frente para dentro do quarto. — Senta aí. Na cama. Anda logo.

Ginny sentou-se.

Malfoy foi até a cômoda, abriu de supetão a gaveta de cima. Começou a socar roupas dentro da mala.

— Você é bonitinha... Se eu tivesse uma coisa assim como você... – ele não completou a frase. — O problema com meu negócio é que não dá para a gente se divertir – disse vagamente. — Moças simples são boas. Compram qualquer coisa que você oferece. Envolva-se com uma beldade, e o segredo estará perdido. Assassinato é um grande segredo, não acha? Dá muito certo também. Não deixe que ninguém lhe diga que o crime não compensa, moça. Compensa e muito. Desde que você não seja pego – ele abriu um sorriso. — Não tenho nenhuma intenção de ser pego – olhou novamente para ela. — Você é bonita. E não fala. Você pode guardar um segredo – ele balançou a cabeça. — É uma pena que a gente tenha pouco tempo. – balançou novamente a cabeça. — Você é bem bonita.

Ginny permanecia sentada na cama, imóvel.

— Você deve saber como é isso. Como é ser uma pessoa atraente. Às vezes é doloroso, não é? Os homens chegam a odiar você, não é mesmo? Desconfiam de você. Quero dizer, de mim. Eles não gostam de um homem que seja muito bonito. Sentem-se pouco à vontade, é muita masculinidade para eles. Mostra como seus problemas são banais, sentem-se como peixes fora d'água – ele parou. — Posso ter qualquer mulher que queira, sabia disso? Qualquer uma. Elas ficam caidinhas por mim. – deu um riso de satisfação. — Caidinhas. Engraçado, né? Você deve saber como é. Os homens dão em cima de você, não dão? – olhou para ela com ar de interrogação. — Tá bem, fique aí sentada dentro de sua casca. Você vai comigo, já percebeu, não é? Você é minha garantia – ele riu de novo. — Formamos um belíssimo par, vamos deixar todo mundo de queixo caído. Nós nos completamos. Um loiro e uma ruiva... Isso é bom. Nada mal ser visto com uma moça bonita para variar. Fico cansado dessas malditas bruxas. Mas elas pagam bem. Tenho um bom saldo bancário.

No sofá, Pansy gemia. Draco foi até a porta e deu uma olhada na sala.

— Relaxe, meu bem – gritou. — Daqui a pouquinho, você vai dar um mergulho agradável e refrescante. – Riu numa gargalhada sinistra e virou-se para Ginny: — Menina legal. Feia como o diabo, mas legal.

Voltou a arrumar a mala em silêncio agora, trabalhando rapidamente. Ginny o observava. Ele não pegara nenhuma arma para pôr na mala.

— Você me ajuda a levá-la para baixo – disse ele de repente. — Pelo elevador de serviço outra vez. Depois a gente pega a estrada. Você vai ficar comigo uns tempos. Não fala, e isso é bom. Sem telefonemas, sem papos furados com garçons, bom, muito bom. Só tenho que manter você longe de caneta e papel, eu acho, hum? – ele a estudou novamente, os olhos mudando. — Seja boazinha comigo para variar. Fico tremendamente cansado dessas bruxas e não se pode confiar nas beldades, se você quer saber, não se pode confiar em ninguém – olhou para o rosto dela. — Não gosta muito da idéia, não é? É um pouco grosseiro de minha parte, eu sei, mas vai tornar a coisa mais interessante. Você deveria se considerar uma mulher de sorte. Muitas mulheres caem aos meus pés quando entro em algum lugar. Considere-se premiada. Sou uma companhia agradável e conheço os lugares mais interessantes da cidade. Faz parte do meu negócio, você sabe como é. Meu passatempo. Na verdade, sou contador. De fato, contabilidade é meu passatempo e mulheres são o meu negócio. As solitárias. As solteironas. Você é uma surpresa. Estou contente por ter me seguido – ele abriu um sorriso malicioso. — É bom ter alguém para conversar, especialmente se esse alguém não responde. Esse é o segredo da confissão católica e também da psicanálise. A gente pode dizer a verdade, e o pior que acontece é ter que rezar doze ave-marias ou descobrir que odeia a mãe. Agora, com você não há castigo. Posso falar, você pode prestar atenção, e eu não tenho que declarar poesias de amor. Você é sensual também. Água parada, mas profunda...

Ele ouviu nitidamente o barulho da fechadura da porta da frente. Virou-se rápido e entrou correndo na sala.

Harry viu um loiro alto aparecer na soleira da porta, com olhos cinzentos alertas, os punhos cerrados. O homem viu o 38 na mão do detetive, percebeu o brilho decidido nos olhos do policial e voou sobre ele, atravessando o aposento.

De idiota, Harry não tinha nada. Não ia ficar ali, esperando que aquele assassino o socasse. Firme e calmo, mirou o revólver.

E atirou.

* ~ * ~ *

Epílogo

Abril estava no fim.

As chuvas tinham vindo e ido. O mês mais duro estava terminando. Maio explodiria em flores. E em junho haveria sol.

Pansy Parkinson estava sentada na sala dos investigadores do 87o. Distrito, em frente a Harry Potter.

— Ele vai viver? – perguntou.

— Vai – respondeu o detetive, ajeitando os óculos.

— Que azar! – ela rebateu.

— Depende de como a gente encara. Ele vai ser julgado e preso. Vai morrer de qualquer maneira.

— Acho que fui uma tola. Eu deveria saber. Eu deveria saber que não existe essa coisa chamada amor.

— Você é uma tola se acreditar nisso. – Os olhos verdes transmitiam determinação.

— Eu deveria saber. Tive que levar na cabeça para aprender.

— O amor é uma bobagem, então? – Harry ergueu uma sobrancelha.

— É.

Ela levantou a cabeça, e o olhar por trás dos óculos refletia desconfiança. Mas também suplicavam por uma palavra, que Potter disse em seguida.

— Eu amo minha esposa – ele disse simplesmente. — O amor é uma bobagem, mas também é a melhor coisa da vida. Não deixe que Malfoy destrua você para sempre. O amor pode parecer uma grande indústria, eu sei... – ele sorriu largamente. — Mas eu sou um investidor.

— Eu acho que... – Pansy suspirou. — De qualquer modo, muito obrigada. Foi para isso que passei por aqui. Para agradecê-lo, detetive.

— O que vai fazer de sua vida agora?

— Vou voltar para o lugar de onde vim, para minha casa... – Ela parou e então, pela primeira vez naquela tarde, sorriu. — Deve haver bons investidores por lá.

* * *

Sirius Black estava acompanhando uma autópsia.

— Eu não podia imaginar por que dois grandes vigaristas que só se metiam em altos negócios iam se incomodar com uma garotinha negra para faturar cinco libras! O cara trabalhou sozinho, sem sócio, e tudo o que conseguiu foi cinco libras!

— E daí? – replicou Snape.

— Daí que isso me irritou. Que diabo, um policial tem que ter uma teoria, não tem? Então resolvi perguntar a ele. Perguntei a Zabini por que diabos ele se deu ao trabalho de enganar uma garota por causa de cinco libras. E sabe o que ele disse?

— Não. O quê?

— Que queria dar uma lição nela. O você acha disso? Ele queria dar uma lição nela!

— Então nós estamos perdendo um grande professor – ironizou Severus. — O mundo está perdendo um grande professor.

— Você não precisa encarar as coisas por este ângulo, Sev – Sirius deu um meio sorriso, que fez aparecer uma covinha em sua bochecha direita. — Eu prefiro pensar que a penitenciária estadual está ganhando um.

* * *

No telefone, Ronald Weasley conversava com Hermione Granger, sua noiva.

— E daí?

— Funcionou – ela respondeu, exultante.

— O quê?

— Funcionou! Colou! Ela me deixou ir com minha tia!

— Você está brincando!

— Estou falando sério!

— Saímos no dia dez de junho, então?

— Saímos!

— UAU! – Ron explodiu de alegria.

Numa mesa próxima, o detetive Lupin controlava uma risada e não resistiu a oportunidade de fazer uma pequena gozação:

— Ei, Ron! Fale baixo! Tem gente aqui tentando ler, viu?

* * *

Era hora de encerrar o expediente.

Havia um prenúncio de primavera no ar. Um perfume tocava levemente as faces e permanecia na boca. Potter caminhava, desfrutando esse clima, sentindo-se um pouco embriagado pelo ar.

Quando abriu a porta de casa, tudo estava quieto. Ele acendeu a luz da sala e foi até o quarto.

Ginny estava dormindo.

Ele se despiu em silêncio e se aconchegou na cama com a esposa.

Ela usava uma camisola branca macia. Ele abaixou a alça do ombro direito e beijou a pele morna. Uma nuvem descobriu a lua, enchendo o quarto de uma luz diáfana, suave. Harry retraiu-se e piscou surpreso. Piscou novamente.

— Olha só! – ele admirou.

O luar iluminava uma pequena borboleta preta rendada no ombro de Ginny.

— Olha só! – exclamou de novo e a beijou tão forte que ela acordou.

Apesar de ser um investigador astuto e experiente, nem por um momento Harry Potter percebeu que sua amada estava acordada o tempo todo...

* ~ * ~ FIM ~ * ~ *

N/A: Ah... Acabou... Que pena. Foi legal escrever esta história. Eu não conheço muitos fics de universo alternativo com Harry Potter e seus amigos... Até que este ficou bem interessante.

Quero agradecer a todos que tiveram a paciência de esperar para ler o final desta história. Obrigada. Quero também fazer um agradecimento especial à Daphne Pessanha, à Anna22, à Fabi, e ao Felipe, que me deram o maior apoio. Obrigada pessoal!

Também quero agradecer à Amanda por ter lido e revisado os capítulos. Muito obrigada, Mandinha! Sinto-me honrada em ter você como beta-reader!

Aproveitando o momento, quero dizer que em breve teremos um capítulo novo de Reencontros. Sei que negligenciei estes dois contos e não há ninguém a culpar além de mim. Andei ocupada (trabalho, casa, filhos, marido, enfim...) e para piorar tive um bloqueio. Coisa de fanfiqueiro, gente... Eu não conseguia escrever nada de HP. Vai entender... O capítulo 05 estava pela metade, e eu não conseguia continuar.

Bom, agora está tudo terminado, e espero que vocês tenham gostado. Novamente, desculpem-me pela demora. Um grande abraço a todos!

Andréa Meiouh