Eu já estava ali há uns bons vinte minutos. Vinte minutos tentando resolver entre tomar três doses do pior uísque disponível e voltar pra casa com a primeira vadia que aparecesse em um bom decote, ou esperar mais um pouco, pedir uma dose do uísque de sempre (que, obviamente, não é o pior disponível) e aí sim tentar decidir se vale a pena conversar com qualquer um que esteja aqui.

Quando ela entrou pela porta, levemente corada pelo frio, usando jeans surrados, um suéter cinza grande demais e saltos de 15 centímetros (até pra mim, parece uma escolha aleatória demais para ter sido feita por alguém em seu estado psicológico normal), a segunda opção subitamente fez mais sentido.

E quando ela, cambaleando levemente, se sentou ao meu lado, e pediu uma dose de uísque puro, eu tive certeza de que não iria sair dali tão cedo.

"Weasley"

Ela tombou a cabeça com um sorriso fraco, nem um pouco surpresa com o cumprimento.

"Malfoy"

Então ela se virou para mim, me deixando ver seu rosto cansado e as bochechas ainda rosadas – então eu percebi que ela já não estava completamente sóbria – seus cabelos caindo desordenados de um coque mal feito,

Ela parecia uma bagunça. Eu ainda estava de camisa social e terno, a gravata descartada durante o caminho entre o trabalho e o pub, e assim, lado a lado, era um contraste interessante. O barman entregou sua bebida, e antes que eu me desse conta do que estava acontecendo, ela disse

"Olha Malfoy, eu nem sei o que eu estou fazendo, e tenho esperanças de que você também não entenda, mas há anos agora nós só nos vemos raramente em eventos formais do ministério ou de relance em alguma partida de quadribol. Eu não sei, mas do alto da minha cabeça levemente bêbada, parece uma boa idéia ter alguém pra conversar que não esteja se casando ou tendo bebês, ou defendendo as regras sociais fodidas, e buscando simplesmente um emprego estável e um corpo amargurado com o qual se aconchegar depois da guerra... Na verdade eu devo estar delirando sozinha no banheiro abraçada a uma garrafa de tequila, mas no momento, eu não consigo me importar com soar patética."

Era uma avalanche de palavras que podia parecer simplesmente um devaneio bêbado estúpido, mas que pra mim, e eu realmente não queria saber porque, soou incrível.

Provavelmente, depois de tempos tão estranhos de guerra e desconfiança, e depois uma derrocada de felicidade e compaixão, ver alguém tendo coragem de admitir que o fim da guerra não é, de maneira alguma, o fim de todos os problemas, e muito menos um alívio imediato pra qualquer desejo pulsante de vida, é o que me intriga.

"Weasley, o que diabos está acontecendo com você?" Eu respondi, sorrindo e pedindo mais uma dose. Ela riu de lado, e suspirou.

"Pra começar, Potter e eu terminamos. O que não seria tão ruim se-"

"Peraí, como assim Potter e Weasley terminaram? Eu achei que vocês eram tipo, inseparáveis."

Ela bufou com a minha ironia, e ergueu levemente as sobrancelhas.

"Eu não espero que você entenda, Malfoy, mas as vezes, não importa o quanto você queira, o seu primeiro amor não é o amor da sua vida. E as pessoas crescem, e mudam. E chega uma hora em que não dá mais pra negar. Como eu estava dizendo, não seria tão ruim se eu não tivesse que ouvir umas vinte pessoas da família retrucando sobre como ele me daria segurança, e como nós seríamos um lindo casal, e que não há nada errado em se acomodar um pouco, e como um dia nós vamos nos arrepender profundamente de ter desistido no momento em que o nosso relacionamento 'amadureceu'..."

"Por incrível que pareça, Weasley, eu sei bem como é precisar de uma força de vontade bem grande pra dar as costas ao que foi planejado pra você." Ela riu e terminou o que estava em seu copo, sussurrando um divertido "É verdade, acho que você sabe." Mesmo agora, os lados da guerra não eram bem definidos, mas o meu papel nela foi estampado em todo o mundo bruxo. No final, eu não era mais um dos caras maus. Apesar disso, eu tenho várias gerações da família – e uma marca significativa no corpo – que ainda parecem lembrar a todos que eu não pertenço ao "mundo bruxo pós-guerra ridiculamente feliz". Eu era perfeitamente aceito em formalidades do ministério, e mencionado como um dos 'heróis', mas, definitivamente, eu não me encaixava naquela porra toda.

Nós ficamos em silêncio por um tempo, com ela tamborilando os dedos no balcão e mexendo nos cabelos, distraída. Eu me perguntava o que diabos era aquilo. Esse conversar, e os meios sorrisos, e pedir mais uma dose, e alguns olhares de soslaio inesperados.

"Só eu estou falando aqui, Malfoy. Me conte alguma coisa inesperada. Por favor, faça um favor à uma ruiva perdida."

Eu ergui as sobrancelhas, incerto se seria inesperado eu fazer alguma piada superior, ou se seria inesperado eu realmente revelar alguma coisa. Se ela já tinha dito tanto, em tão pouco... Estranhamente, eu não me sentia estranho em, simplesmente revelar alguma coisa de verdade.

"Eu sempre odiei o frio da mansão. Desde que eu tinha uns quatro anos e descobri que sempre seria fria e de que eu nunca me sentiria bem naquela biblioteca de três andares. Por mais que os jardins fossem divertidos, só haviam os malditos narcisos e as malditas regras. Eu acabei me acostumando, agora." Eu disse, sem a encarar, e sem deixar de pensar se falar era realmente uma atitude responsável.

"Quer saber um segredo? A Toca era tudo, menos fria. E mesmo assim, eu consegui realmente odiá-la em alguns momentos." A ruiva sorriu solidariamente, se aproximando e tocando meu braço. Era um toque bobo, mas tão docemente inesperado que eu não pude evitar arregalar levemente os olhos.

"É impressão minha ou nós estamos esquecendo um pouco quem nós somos aqui, ruiva?"

"Eu nem sei quem diabos eu sou, Malfoy. E se você puder admitir que também está bem perdido, apesar desse terno fodido te deixar inexplicavelmente mais apresentável, nós temos um acordo de confidencialidade aqui."

"Você não acha que estamos meio grandinhos pra não ter tudo resolvido ainda?"

"Felizmente, ter desfeito um noivado abriu algum tempo na minha agenda pra pensar nisso."


Acho que eu nunca descobriria o que era esse conversar, esses meios sorrisos, esse pedir mais uma dose, os olhares de soslaio e essa fodida confidencialidade. Talvez seja porque nós ficamos para trás. Não nos parecia natural, depois de tanta coisa, "arrumar um emprego, casar, ter filhos, envelhecer, e morrer de causas naturais com uma boa dentadura". O que é que você faz quando tem a vida toda pela frente?

Naquela noite, nós conversamos. Foi assim que eu descobri que ela odiou ser a única menina em casa até os nove anos, tinha uma facilidade absurda em aprender outras línguas, e por mais que fosse uma mulher de uísque, podia se contentar com um bom vinho na frente da família. Também soube que ela não tinha perdido a virgindade com o Potter, embora ele sim tivesse perdido com ela. Os saltos eram os sapatos mais perto da porta, quando ela teve um impulso de sair do sofá e dar um jeito na vida – ou pelo menos, beber em um local mais apropriado. Ela nem sabia se queria filhos, e tudo que sua família falava era sobre aumentar aquela confusão. Ela queria cigarros, mas não um atestado de decadência. Por muito tempo, quis pintar os cabelos de preto, mas ao invés disso, resolveu fazer uma tatuagem. E ela nunca, nunca imaginara que chegaria ao ponto de estar bebendo e conversando com Draco Malfoy em um pub às quatro da manhã.


n/a: primeira vez a sério no ship, vamos ver no que dá.

tem continuação, merece continuação ou devo parar por aí ?

poe.