Capítulo I
"Amigos ouvintes. Temos aqui mais um caso de assalto seguido de assassinato no centro da cidade. Uma loja de conveniências foi abordada por um grupo de jovens armados há cerca de meia hora atrás. Informações dizem que houve três feridos e uma jovem baleada na cabeça, esta veio a óbito na hora..."
- Aonde este mundo vai parar? - Lamentou-se uma senhora atendente de um caixa. Passava as compras de um jovem enquanto ouvia o rádio.
- Não entendo o que esse tipo de gente tem na cabeça. – Respondeu seu cliente, ajeitando os pesados óculos de grau sobre a ponte do nariz.
- Seja lá o que for não é coisa boa. Cinco dólares (1).
O rapaz estava prestes a sacar a carteira para pagar-lhe quando foi puxado violentamente pela nuca. A senhora que o atendia saltou de susto quando viu um homem de rosto oculto ameaçar o rapaz com uma arma na cabeça. Um segundo homem, também mascarado, invadiu o estabelecimento e deu um tiro para cima:
- Pro chão!
Não foi preciso dizer duas vezes. Todos, com exceção dos homens armados e seu refém, jogaram-se contra o piso gelado. O clima de pânico fez com que alguns minutos se tornassem horas de desespero.
O dinheiro foi recolhido às pressas, e o pobre refém foi levado para fora do mercado. Pobre dele, se debatia como um peixe fora d'água quando atirado para dentro dum carro preto e levado embora. Horrorizados, algumas testemunhas saíram gritando, outras tantas entraram em choque e poucas tentaram entrar em contato com a polícia.
Duas... Três horas depois...
Nenhum sinal da dupla de bandidos; muito menos da pobre vítima que levaram consigo. Se ele tivesse um pouco de sorte, ainda estava vivo.
No entanto, dez minutos após o assalto...
- Conseguiram só isso? Não é à toa que estamos na miséria.
Dentro do carro preto, os assaltantes ouviam a reclamação de um terceiro.
- Queria o quê? Era só um mercadinho fuleiro, imbecille! – Xingou o moço de cabelos claros. – Devíamos ter assaltado aquele banco perto da praça, eu falei...
- Te callas! – O motorista, de cabelos escuros, resmungou. – Vê se não enche a minha orelha. Não foi idéia minha.
- Tem razão. Foi minha. – Um par de óculos quadrados jazia no chão do carro, junto a uma peruca curta. O terceiro agitou os longos cabelos louros, deixando-os cair sobre os ombros. – Da próxima vez não serei a vítima. Isso tira o meu brilho.
- Blábláblá... – Zombou o italiano. – Só serve pra isso. – De repente, sente seus cabelos sendo puxados por dedos firmes e uma língua quente e molhada tocar sua orelha de um modo que o fez arrepiar-se.
- Não sirvo só pra isso, mio caro... – Rindo-se, o loiro de cabelos longos largou seu companheiro e estirou-se no banco traseiro. – Shura, querido, quantas voltas já demos no quarteirão?
- Duas. – Respondeu-lhe o motorista, enquanto girava o volante.
- Ótimo. Vire a próxima esquerda e siga até o final da rua, e entre à direita. Precisamos despistá-los. – Enquanto falava, ia ensacando seus disfarces.
- Maledetto... – o rapaz que estava no banco de passageiro esfregou a orelha, num gesto irritado.
Alguns minutos depois estavam ao local que fora determinado. Ali abandonaram o carro (que era roubado) e trocaram de roupas. Assim que viraram a esquina, parecia um conjunto de amigos que passeavam sem preocupação.
E assim se passava mais um dia comum para aqueles três. Não tinham emprego, ou família; viviam juntos, e juntos "trabalhavam", um dia de cada vez. Nada sabiam sobre o amanhã, muito menos se preocupavam com ele.
- E então? – O italiano, apelidado de Máscara da Morte, empinou o queixo em direção ao loiro ao seu lado. – Aonde tá a vã?
O loiro deu uma risadinha baixa, enfeitada com um leve desdém.
- Em sua homenagem, no outro lado da cidade – Respondeu com a voz de veludo. Máscara da Morte iniciou sua torrente de palavrões outra vez. O moreno espanhol ao lado de Afrodite, Shura, prosseguia ao lado dos companheiros com o olhar fixo em algum ponto adiante. De longe era o mais sério de todos eles. Geralmente era quem guiava os carros roubados ou a vã que eles dividiam. Seu forte era a luta corporal, mas não deixava o manejo de armas de fogo a desejar.
Máscara da Morte não recebia seu apelido à toa. Era perito em assaltos e confrontos diretos em tiroteios, além de saber fazer emboscadas melhor que qualquer um. Fazia contatos diretos com as gangues locais.
O loiro ao seu lado, Afrodite, passava uma falsa imagem através de seu rosto bonito enquanto cantarolava distraído ao lado dos companheiros. Era responsável por induzir – e também seduzir – as pessoas segundo o plano da equipe. Também possuía um talento incrível com máquinas, conseguia penetrar facilmente qualquer sistema de defesa em poucos minutos. Preferia não combater de frente, e sim estar a dezenas de metros da vítima e mirar-lhe um rifle de longo alcance.
- Tá de brincadeira!
Já na vã, Shura ia quieto na direção, Afrodite ia todo folgado no fundo do veículo e Máscara da Morte falava ao celular. Seu italiano, já difícil de entender, era pronunciado muito rapidamente. Com certeza era algum de seus contatos misteriosos.
- Serviço? – Afrodite inclinou-se sobre o assento de Máscara, abraçando-o forçosamente. O italiano soltou-se dos braços relutantes do companheiro.
- Si. – Ele fechou o celular com um baque. – Tava demorando, cheguei a achar que a gente ia passar o resto da vida com merreca. – Meneou a cabeça negativamente ao ver Afrodite bater com entusiasmo as mãos pelo retrovisor.
- Quando? – Foi a voz baixa de Shura, que nem ao menos desviou o olhar.
Com um olhar meio misterioso e de brilho devasso, Máscara da Morte umedeceu os lábios antes de falar.
- Esta noite. Já me passaram o endereço. – Apoiou o cotovelo na janela aberta da vã. – Não pode passar de hoje; parece que é coisa metida com máfia, tutta quella merda, vocês sabem.
- Já tem um plano, mestre Mask? – Brincou Afrodite, novamente enroscando os braços ao redor do pescoço do italiano, que pareceu não se importar enquanto olhava fixamente para algum ponto à sua frente, ainda com aquele brilho estranho nos olhos.
Eram 10h30, segundo o relógio digital de Máscara. Reunido a Shura e Afrodite, estavam situados no telhado de um prédio abandonado em frente a um edifício de médio porte, cinzento e escuro à falta de luz. No parapeito do terraço havia uma sombra longa e negra, comprida e estreita, com um brilho metálico em resposta à pouca claridade da lua. Afrodite estava inclinado sobre o pesado rifle de elite.
- Consigo ver os capangas – disse ele, com apenas um dos olhos azuis aberto e colocado atrás de uma grossa lente em cruz.
Máscara terminava de virar um pequeno frasco de vodka e limpava com o polegar o que escorria pelo queixo.
- Acaba com eles. Sem chamar atenção.
Afrodite soltou uma exclamação irônica – claro, matar sete homens sem chamar atenção... Mas teve uma idéia. Ajeitou o corpo, deitando-se ao longo do concreto, posicionou melhor o cano do rifle, e a mira em cruz agora apontava, no alto de um poste, uma caixa de luz. Mordendo internamente o lábio inferior, puxou o gatilho. Fez-se uma escuridão geral após o estalido violento do projétil contra o metal pesado.
- Ah, moleque...! – Máscara não se conteve em sua excitação.
Os capangas mal pareceram se importar com a escuridão. Melhor. O primeiro tiro foi de encontro à nuca de um capanga desavisado, que tombou e sumiu no negrume. O segundo caiu com um balaço no peito, o terceiro teve o mesmo destino e por azar caiu do telhado. Em menos de um minuto todos os vigias estavam mortos.
Quase no mesmo instante em que o último homem tombou, Máscara estalou sua metralhadora de assalto, e Shura punha um rifle de curto alcance sobre o ombro. Afrodite apressou-se em guardar sua arma e tirou da grande bolsa de couro uma metralhadora como a de Máscara. Fez uma careta.
- Shura? – Chamou o italiano, que punha no canto da boca um palito de dente. Deixando de lado a própria arma, o moreno apanhou um pesado fuzil, alimentou-o com um pontiagudo gancho e o posicionou sobre o ombro. O gancho, preso a uma corda grossa, perfurou o alto do outro prédio após ser disparado. Shura amarrou a outra extremidade numa firme barra de chumbo; estava criada a ponte pela qual deslizaram até o outro prédio após estarem devidamente armados até os dentes.
Shura se encarregou de arrombar a primeira porta, e Máscara saiu na frente, elevando a metralhadora à altura dos olhos. Afrodite fez o mesmo, meio desgostoso, e Shura os seguiu, dando cobertura.
Atraídos pelo barulho da porta, alguns capangas armados surgiram, mas foram logo alvejados por um tiro perfeito de Máscara. O trio passou correndo antes que os corpos atingissem o chão. Não demoraram a alcançar uma sala escura, fortemente guardada por homens vestidos de preto que trocaram tiros com Máscara e Shura. Um tiro um pouco mais certeiro de Afrodite tombou um primeiro, e dois tiros consecutivos de Shura atravessaram o peito do segundo. Máscara cuidou dos demais.
- Afrodite, quando entrar, quero que pegue todos os dados possíveis a respeito de um "Escorpião Rei".
- Que nome mais...!
- Anda!
Um chute de Shura fez a porta ceder; a sala estava vazia, e a luz branca de um monitor de computador era a única fonte de luz do cômodo. Antes de qualquer coisa, Máscara postou-se junto à janela, verificando a presença de mais vigias. Shura permaneceu no lado de fora, montando a guarda. Afrodite sentou-se em frente ao computador e dançou os dedos sobre o teclado com uma agilidade anormal! Os grandes olhos azuis nem piscavam.
- Arri, anda, anda!
- Calma, quase lá... – a mandíbula de Afrodite deslocou por um instante, e em seguida ele tirou do próprio bolso um pendrive e enfiou-o no gabinete do computador. – Shit! Bloquearam, mas beleza, eu já consigo.
Máscara quase sapateava no lugar onde estava, olhava ora para Afrodite, ora para a janela e ora para Shura. Uma levíssima exclamação do sueco indicou o sucesso do procedimento, e o italiano suspirou com alívio ao puxar o pendrive de volta. Porém, no mesmo instante, ouviram Shura xingar baixo e disparar em direção ao corredor. Máscara disparou para fora e ajoelhou-se para mirar melhor a tangente de homens armados que surgia. Não viu Afrodite sair da sala, mas tinham que fugir dali, e rápido!
- Vamos, Shura! – sussurrou para o companheiro, que havia se protegido atrás de um grande vaso de cerâmica. – Na minha frente, quando eu disser três.
- Um...
Alguns tiros derrubaram três homens, e vinham mais. Um tiro passou raspando pelo ombro de Máscara. Este se levantou, alvejando mais outro na perna.
- Dois...!
Desta vez, apontou o cano da metralhadora para cima, acertou todas as lâmpadas num raio de três metros. As fagulhas confundiram os capangas, que abriram caminho para a esquerda.
- Três!
Num arranque, Shura seguiu Máscara pelo caminho, imitando o companheiro ao levantar o braço para proteger o rosto das farpas. Assim que os homens se deram conta, os fugitivos despencavam pelas escadas de serviço abaixo. Com Shura em sua frente, Máscara trocava tiros com os capangas que estavam uns vinte degraus acima; os tiros ricocheteavam nas grades com estalidos metálicos.
Ao mesmo tempo jogaram-se contra a porta de saída quando a alcançaram. Na rua, correram para procurar abrigo, mas o carro que antes eles haviam tomado para o crime virou a esquina com velocidade, e parou levantando poeira ao lado deles. O motorista chutou a porta do passageiro e gritou para que entrassem.
Os capangas logo chegaram à porta, e viram o carro prateado desaparecer ao final da rua estreita. Gritaram entre si ordens para perseguição, mas àquela altura, nenhum sinal dos invasores.
- Pensei que tinha morrido finalmente! – Ironizou Máscara, segurando-se firme no painel do carro enquanto o motorista enfiava o pé no acelerador.
- Confessa, ia ficar com saudades! – Afrodite sorria enquanto girava o volante para a esquerda. Máscara se segurou, e Shura quase foi lançado contra a parede do carro. – Saí pela janela, não tinha ninguém de vigia. – Inclinou o câmbio do veículo. – Foi muito fácil.
Máscara riu ironicamente.
- Cês tão bem? – O motorista olhou de esguelha para Máscara, e em seguida espiou o retrovisor para ver Shura.
- Tranqüilo. – O italiano começou a remexer nos bolsos, à procura de alguma coisa.
- Também. – O espanhol espanava dos cabelos negros o resto de poeira e cacos de vidro.
- Afrodite, quero que vá pra esse endereço – Máscara mostrou um papel, mas leu-o em voz alta. – Te mostro o caminho, continua em frente.
Durante uns cinco minutos, o carro prateado circulou pela cidade, até parar em frente a um terreno baldio, mais escuro que o próprio céu sem estrelas. Não havia o menor ruído, e aparentemente o poste mais próximo tinha suas lâmpadas quebradas. Assim que o carro estacionou Máscara da Morte saltou do carro, pondo automaticamente a mão sobre a metralhadora que estava presa em seu cinto. Fez sinal em silêncio para que Shura saísse do carro, mas que montasse guarda ali mesmo. Ninguém deveria entrar ou sair do local antes que ele chegasse. E, se demorasse mais que quatro minutos, Shura deveria ir embora com Afrodite; provavelmente estaria morto.
Deu um tapinha no capô do carro e se afastou.
Penetrou na escuridão densa ainda com a mão sobre a arma, ouvia apenas os ruídos de seus próprios passos sobre a terra seca. Máscara estreitava os olhos para tentar visualizar melhor, mas não teve muito sucesso; no entanto, acenderam-se à sua frente duas luzes brancas, muito fortes e doloridas contra a pupila dilatada do italiano.
Assim que os olhos se acostumaram, Máscara pôde ver a silhueta de um homem gigantesco recortada contra a forte luz dos faróis de um carro tão grande quanto ele.
- E então? – A voz grave e meio arrastada dissipou o silêncio. Outro ruído metálico – o de uma arma estalando – alertou Máscara da Morte, que apertou com força o punho da metralhadora que trazia consigo.
- Está comigo. – O italiano manteve a voz firme, não se deixou intimidar, e manteve o queixo erguido. Com a mão livre alcançou o bolso traseiro da calça, tirou dele o pendrive de Afrodite e estendeu-o a certa distância do homenzarrão. Questão de segurança.
O outro percebeu a atitude de Máscara e com um gesto ordenou que o capanga, logo atrás dele, abaixasse a arma. Ruídos rápidos indicaram outro capanga que, parando à luz dos faróis, parecia estar segurando uma caixa de tamanho médio. Uma maleta.
No instante em que Máscara entregou o pendrive na mão do grandalhão, a maleta tombou aos seus pés. Rapidamente apanhou-a, deu um aceno de cabeça para os capangas, mas não lhes deu as costas.
- Se estiver errado... – a voz, que mais parecia um rosnado, quebrou o silêncio, seguida do motor do carro que foi ligado. – Sabemos onde te encontrar.
- Foi bom fazer negócio com vocês – ironizou Máscara, apertando novamente o punho da metralhadora quando os capangas novamente apontaram-lhe as armas. O grandão rapidamente se afastou e entrou no carro, acelerou para cima do italiano, deu ré para manobrar e em seguida saiu para o meio do escuro. Os capangas, recuando ainda com as armas em punho, entraram em um segundo carro e foram embora.
Máscara da Morte respirou pela primeira vez, antes de dar uma risadinha quase histérica. Em passos largos e até gingando o corpo, deu meia volta em direção ao carro prateado onde seus companheiros o esperavam com ansiedade.
Continua
N/A: Ok, digamos que não é bem minha especialidade, mas como vem me dando uma vontade disgramada de escrever sobre ação, armas, aí está. Algumas cenas de ação, como uma que descrevi aqui, serão baseadas num jogo que encontrei, e que gostei muito. Espero que dê certo, e espero que gostem!
(1)Cerca de R$ 8,31.