Para Gabriela - cravo, canela - Diehl Lage. Porque isso é tu - somos nós.


Cinnamomum

- Quer? – Harry lhe estendeu um pacote de balas vermelhas, em um tom mais escuro que o normal. – São de canela.

Hermione apanhou uma das balas e pôs na boca. Mastigou, mas ela era tão dura que quase tirou sua mandíbula do lugar. Harry riu quando escutou o estouro, mas não foi o riso mais aberto do mundo. Logo se foi com o vento gelado que soprava rapidamente pelos terrenos de Hogwarts. Os olhos verdes e profundos fitavam o horizonte visto pela janela da torre de Gryffindor. Ela poderia ler aqueles olhos desde que os viu pela primeira vez.

Ele sentia muita falta de Ron.

Ela poderia ler também, nas entrelinhas, que era falta de verdade, uma falta que trocaria qualquer coisa para que aquela briga estúpida sobre o Cálice de Fogo nunca tivesse ocorrido. Trocaria, inclusive, a presença dela ali, no meio daqueles muitos livros para pesquisar sobre os outros Torneios Tribruxos.

Aquelas balas tinham um gosto terrível. Era uma tentativa frustrada de doçura, uma falha em criar algo exótico. Era de canela, ela leu na embalagem. Era horrível. Tanto quanto estar ali e saber que não pode fazer muito para que os dois teimosos que ela chamava de amigos voltassem a se falar. Tão horrível quanto estar ali e sentir aquele vento gelado moldar as expressões de Harry e defini-las em uma espécie de desamparo que ela não conseguia amenizar.

Ele preferia estar com Ron. E ela preferia que ele estivesse com o ruivo também. Pelo menos não estaria tão frio quanto o vento. Pelo menos ele estaria mais feliz. Baixou a cabeça, procurando mais algumas pistas sobre a possibilidade de morte em torneios perigosos realizados para alunos de escolas bruxas.

- Quer mais uma? – Harry estendeu de novo o pacote de bala. Ela negou. O moreno levantou-se, despenteando os cabelos. – Vou dormir.

Era sábado, e o relógio marcava seis horas da tarde. Não que ele não parecesse realmente cansado, mas era um absurdo até para ela, que não era assim tão ativa quando o assunto era diferente de livros e inteligência. Pelo menos era assim que pensava. Ele se afastou, arrumando a cadeira no lugar e saindo.

- Harry! – ela chamou sem se dar conta. O amigo voltou-se com um olhar de interrogação e tristeza. Estava muito cansado. – Ele é um idiota. – Potter arregalou os olhos, como se não desse conta do assunto. – Mas vocês são amigos e vão pedir desculpas.

Ele ficou olhando para ela, com um jeito curioso. Parecia examiná-la como um desconhecido faria. De repente ele sorriu, tão francamente, tão verdadeiramente quanto nunca tinha sorrido para ela. Andou novamente até a mesa em que estavam e sentou-se na cadeira ao lado dela, virando seu corpo e abraçando-a. Hermione, segurando um livro em uma mão e uma pena na outra, não soube como reagir.

- Obrigada, Herm. – ele disse, antes de soltá-la. – E fecha essa janela, vai congelar com esse vento.

Ela riu e fez o que ele disse. Talvez ele só precisasse dormir um pouco. E ela precisasse estudar mais.

E talvez eles fossem amigos como ninguém nunca seria.


- Cinnamomum zeylanicum é o nome científico da canela.