14. A mente domina a matéria

De início, Bella exibiu uma careta por me deixar ao volante. Mais de uma vez, ela se remexeu desconfortável e encarou a estrada como se não tivesse certeza que pudesse sobreviver. Sorrindo abertamente de seus medos bobos - como se eu fosse permitir que algo fizesse mal a ela! - peguei sua mão sobre o banco, me permitindo seu calor suave, me obrigando a queimar com um prazer que não poderia ser considerado racional.

Mas não era isso que todo esse dia fora? Irracional? Suponho que eu não devesse me surpreender mais, então.

E ainda havia esse sentimento - que ultrapassava as barreiras de qualquer coisa descritível - uma mistura de alívio, contentamento e... felicidade. Observando o pôr-do-sol à nossa frente, observando Bella ao meu lado, os cabelos revoltos pelo vento, tão absolutamente pura em sua inocência... Isso me atingiu com um baque. Eu tinha conseguido; Bella estava a salvo.

Ainda perdido em minha própria realização, me peguei acompanhando Bill Halley com Lean Jean.

- Gosta de música dos anos 50? - Bella perguntou, falando pela primeira vez em um bom tempo.

- A música dos anos 50 era boa - respondi, me lembrando vividamente da época que Esme insistiu durante meses que eu aderisse à moda do topete de Elvis. - Muito melhor que a dos 60, ou dos 70, eca! - nada apagaria da minha memória todos aqueles adolescentes cantando Yellow Submarine a todo lugar que eu fosse. - A dos 80 era suportável - encerrei.

- Vai me dizer um dia qual é a sua idade? - a direção de seus pensamentos me pegou de surpresa, como era de se esperar. Imagino que um dia, de tanto me surpreender, eu simplesmente me acostumaria a isso. Mas eu estava no meu melhor humor do último século - literalmente - e nem a perigosa curiosidade dela iria tirar isso de mim.

- Isso importa muito?

- Não, mas ainda assim fico imaginando... - ela contorceu seu rosto numa careta - Não há nada como um mistério não resolvido para manter a gente acordada à noite - Bella havia aprendido rápido demais como me manejar a seu gosto; sabia que eu não deixaria que idéias sobre minha idade tirassem seu sono ou, pior, dessem lugar a outras idéias, mais perigosas.

- Eu me pergunto se vai perturbar você - conjecturei em voz alta. O que todos esses anos significariam para ela? Com certeza não era normal. À simples menção da palavra, quis rir. Normal era a última coisa que eu era.

Ela finalmente ficaria horrorizada? Por sair com alguém com idade suficiente para ser seu bisavô? O que seu medo não fez, sua moral faria? Ou nada mudaria, e ela se comportaria como se nada tivesse acontecido?

Eu não estava nem perto de decifrar a resposta, quando sua voz me trouxe de volta à superfície. - Experimente.

Suspirando, olhei no fundo de seus olhos. Bella sustentou o olhar, e não havia nada ali além da curiosidade genuína. Fitá-la tão profundamente havia sido um erro, percebi, quando perdi todo o receio de lhe contar mais um pouco da minha história.

Afinal de contas, apesar de recear que ela saísse correndo, eu sabia que ela não faria isso. Bella era apegada demais à seu senso de perigo iminente para isso.

Cuidadosamente, observei o sol poente antes de falar. Queria dar a ela a chance de se horrorizar longe de meus olhos. - Nasci em Chicago em 1901 - fiz uma pausa, dando-lhe tempo. Então, a encarei novamente; seu rosto era impassível. Sorri levemente, percebendo que eu estava certo em pensar que nada assustava-a, continuei: - Carlisle me encontrou em um hospital no verão de 1918. Eu tinha 17 anos e estava morrendo de gripe espanhola.

Voltando a olhar a estrada, ouvi sua respiração, buscando pela mais mínima alteração, mas esta não veio. Olhei em seus olhos e não havia reprovação ali; foi como uma injeção de coragem. - Não me lembro muito bem... Foi há muito tempo e a memória humana diminui - tentei acessar aqueles arquivos danificados, tentando recordar, embora tudo visto por meus olhos humanos fosse distorcido como uma foto em movimento. Só havia uma coisa que eu podia me recordar perfeitamente, e eu estava muito longe de lhe dar os detalhes horríveis. - Lembro de como foi, quando Carlisle me salvou. Não é fácil, não é uma coisa que se possa esquecer.

- E seus pais? - vagamente, me lembrei de meu pai acamado, o primeiro de nós a morrer, de minha mãe em seu leito de morte, pálida e fraca, mas ainda preocupada com seu filho, até seu último suspiro.

- Eles já haviam morrido da doença. Eu estava sozinho. Foi por isso que ele me escolheu. Em todo o caos da epidemia, ninguém sequer percebeu que eu tinha desaparecido.

Imaginei que ela ainda quisesse saber algo sobre minha família - a original -, ou que fosse perguntar algum fato histórico. Mas, obviamente, Bella correu direto para a pergunta mais terrível.

- Como foi que ele... salvou você? - eu me amaldiçoei por não ter simplesmente respondido "Uma centena de anos ou algo assim" e deixado o assunto de lado; agora ela estava perto demais de um lugar que eu queria Bella longe para sempre.

Inspirando profundamente, eu escolhi as palavras, optando pelas mais imprecisas, embora eu tivesse toda uma sorte de adjetivos precisos como a lâmina de uma navalha sobre o assunto, começando por dor lancinante.

- Foi difícil. Não há muito de nós com a necessidade de fazer isso. Mas Carlisle sempre foi o mais humano, o mais compassivo de nós... - havia muita admiração em minha voz - Não acredito que se possa encontrar alguém igual a ele em toda a história - pausei, sabendo que ela precisaria de mais detalhes para se dar por satisfeita. - Para mim, foi simplesmente muito, muito doloroso.

Eu me recusava a falar mais sobre a transformação, próximo demais daquela minha terrível visão. Bella pareceu notar isso, e permaneceu em silêncio, embora eu soubesse que sua mente perigosa já saltava para todo tipo de questão que eu queria evitar a todo custo. Percebi que ela não deixaria o assunto morrer dessa forma, e enveredei por um terreno mais seguro.

- Ele agiu por solidão. Este em geral é o motivo por trás da decisão. Fui o primeiro da família de Carlisle, embora ele tenha encontrado Esme logo depois. Ela havia caído de um penhasco. Levaram-na diretamente para o necrotério do hospital mas, de alguma forma, seu coração ainda batia - alguns podiam chamar de sorte, ou milagre. Eu chamava de destino.

- Então você precisa estar morrendo para se tornar... - ela deixou a palavra no ar, e eu senti um pontada de dor com isso. Embora já estivesse ficando um tanto incomodado sobre como ela me forçava a voltar ao assunto.

- Não. Carlisle é assim. Ele nunca faria isso com alguém que tivesse alternativas - bem diferente de meu comportamento irresponsável, percebi, respeitando meu pai ainda mais. - Diz ele que é mais fácil, porém, se o sangue estiver fraco - eu desviei o olhos dela, imaginando se esse detalhe era sanguinolento o suficiente para saciar sua curiosidade.

- E Emmet e Rosalie?

- Carlisle trouxe Rosalie à nossa família em seguida. Só bem mais tarde percebi que ele esperava que ela fosse para mim o que Esme é para ele... Ele era cauteloso com seus pensamentos perto de mim - eu rolei os olhos, pensando na ingenuidade da coisa toda, visto que... bem, Rosalie é Rosalie. E eu sou eu. E essas são coisas que não se misturam tão bem assim. - Mas ela nunca foi mais do que uma irmã. Apenas dois anos depois ela encontrou Emmet. Ela estava caçando... Estávamos nos Apalaches naquela época... E encontramos um urso prestes a acabar com a vida dele. Ela o levou para Carlisle, mais de 150 quilômetros de distância, com medo de não conseguir fazer isso sozinha - eu inspirei, sentindo o ar queimando horrivelmente, a despeito do fato de Bella não ter nenhuma ferida aberta. - Mal consigo imaginar como a viagem foi difícil para ela.

Eu fitei-a intensamente, horrorizado com a proximidade de nossa situação com a história de Emmet, e ao mesmo tempo deslumbrado com ela, com sua calma... Ergui nossas mãos entrelaçadas e acariciei seu rosto, subitamente perdido em seus olhos, enquanto uma pequena parte de mim ainda se perguntava o que eu faria se fosse Rosalie. Eu não sabia se teria conseguido.

- Mas ela conseguiu - Bella disse, escolhendo exatamente as palavras que eu precisava ouvir, enquanto abaixava seu olhar para seu colo, seu rosto levemente avermelhado.

- Sim - eu concordei num sussurro. - Ela viu alguma coisa em seu rosto que lhe deu forças. E eles estão juntos desde então. Às vezes eles moram separados de nós, como um casal. Mas quanto mais novos fingimos ser, mais tempo podemos ficar em determinado lugar. Forks parecia perfeito, então todos nos matriculamos no colégio - eu ri, pensando que daqui a alguns anos Rosalie provavelmente decidiria que era tempo de outra grande festa, com ela mesma no centro das atenções e convenceria Emmet com a promessa da sétima lua-de-mel num lugar cheio de predadores exóticos. - Imagino que tenhamos que ir ao casamento deles daqui a alguns anos, de novo.

- Alice e Jasper?

- Alice e Jasper são duas criaturas muito raras. Os dois desenvolveram uma consciência, como dizemos, sem nenhuma orientação externa. Jasper pertencia a outra... - procurei pela palavra, mas nada melhor me ocorreu. - família, um tipo muito diferente de família. Ele estava deprimido e vagava sozinho. Alice o encontrou. Como eu, ela possui certos dons que estão além da norma de nossa espécie.

Imediatamente me arrependi de ter citado os dons de Alice, quando a voz deslumbrada de Bella cortou minha linha de pensamento. - É mesmo? Mas você disse que era o único que podia ouvir o pensamento das pessoas.

- E é verdade. Ela sabe outras coisas. Ela vê coisas... - eu suspirei levemente, sabendo que tinha de ir em frente agora. - Coisas que podem acontecer, coisas que estão chegando - eu apertei minha mão no volante, me recusando terminantemente a pensar no assunto. - Mas é muito subjetivo. O futuro não está gravado em pedra. As circunstâncias mudam.

Eu sabia que estava dizendo isso mais para me convencer, mas não podia evitar. Rilhei meus dentes, sabendo que se aumentasse a pressão no volante ele quebraria. Meus olhos se cravaram em Bella, lembrando a mim mesmo que eu havia conseguido. Voltei a encarar a estrada meio segundo depois, não querendo que ela visse a luta interna em meus olhos. Desejei que ela deixasse as coisas como estavam, embora eu soubesse que era inútil.

- Que tipo de coisas ela vê?

Me obriguei a não pensar e responder a pergunta dela com naturalidade. - Ela viu Jasper e entendeu que ele procurava por ela antes de saber de sua existência. Ela viu Carlisle e nossa família, e eles se uniram para nos encontrar. Ela é mais sensível a não humanos. Sempre vê, por exemplo, quando outro grupo de nossa espécie está chegando. E qualquer ameaça que ele possam apresentar - ou que eu possa apresentar, acrescentei amargo.

Por mais irônico que fosse, me peguei agradecendo a Deus quando ela desistiu do tópico. - Existem muitos de... sua espécie?

- Não, não são muitos. Mas a maioria não se acomoda em um lugar. Só os que são como nós, que desistiram de caçar pessoas - eu sorri minimamente, tentando aplacar o possível efeito de minhas palavras - podem viver juntos com os humanos por um determinado tempo. Só descobrimos uma família como a nossa em uma pequena aldeia do Alasca. Moramos juntos por um tempo, mas éramos tantos que ficamos visíveis demais - lembrei-me dos boatos crescente sobre nosso clã quando moramos por lá. - Aqueles de nós que vivem... de forma diferente tendem a ficar juntos.

Sua próxima pergunta não me pegou de surpresa. - E os outros?

- Nômades, em sua maioria. Às vezes todos nós vivemos desse jeito. Fica tedioso, como qualquer outra coisa - principalmente quando Alice resolve que não pode viver sem um closet do tamanho de um campo de beisebol. - Mas nos deparamos uns com os outros de vez em quando, porque a maioria de nós prefere o norte.

- Por que isso? - ela perguntou, acho que sem realmente pensar em sua própria questão. Rindo levemente, eu estacionei - finalmente - a camionete em frente à casa vazia e desliguei o motor, nos deixando no escuro.

- Não abriu os olhos esta tarde? Acha que posso andar pela rua à luz do sol sem provocar acidentes de trânsito? - eu ri de sua expressão surpresa, como se tal coisa nunca tivesse lhe ocorrido. - Há um motivo para que tenhamos escolhido a península de Olympic, um dos lugares mais desprovidos de sol do mundo. É bom ser capaz de sair à luz do dia. Você não acreditaria em como pode ser cansativo viver à noite por oitenta anos.

- Então é daí que vêm as lendas?

- Provavelmente.

- E Alice veio de outra família, como Jasper?

- Não, e isso é mesmo um mistério. Alice não se lembra de nada de sua vida humana. E ela não sabe quem a criou. Ela despertou sozinha. Quem a criou desapareceu, e nenhum de nós entende por que, ou como, ele pôde fazer isso. Se ela não tivesse aquele outro sentido, se não tivesse visto Jasper e Carlisle e soubesse que um dia se tornaria uma de nós, provavelmente teria se transformado numa completa selvagem.

Bella permaneceu em silêncio, enquanto eu pedia à qualquer força superior que a mantivesse longe do tópico de Alice. Felizmente, o estômago dela atendeu às minhas preces, roncando sonoramente até para ouvidos humanos.

Senti o crescente calor de seu rosto, me sentindo terrível por meu lapso. Quantas horas ela passara sem comer? Definitivamente não era bom para seu frágil organismo esse tempo todo de jejum.

- Desculpe, estou impedindo você de jantar - disse, envergonhado de minha gafe, embora não quisesse deixá-la ir. Ainda não.

- Eu estou bem, verdade.

Ignorei sua mentira óbvia, e tentei me justificar. - Nunca passei tanto tempo com alguém que se alimenta de comida. Eu me esqueci - Bella manteve o silêncio por dois segundos antes de falar.

- Quero ficar com você - eu sorri, embora ela não pudesse ver, me permitindo sentir o conforto de saber que minha obsessão era ao menos minimamente correspondida.

- Não posso entrar? - perguntei cauteloso, não sabendo se ela desejaria uma... invasão dessas. Ela retornou com outra pergunta.

- Gostaria de entrar? - quase ri, imaginando que já era hora de ser convidado, levando em conta todas as noites que passei em seu quarto, mas limitei minha resposta a um "Sim, se não houver problema", enquanto saia de meu assento e dava a volta na velha camionete. Bella ainda não havia se movido um milímetro quando abri sua porta.

- Muito humano - ela sorriu e eu senti um calor de satisfação.

- Definitivamente está vindo à tona - andamos lado a lado, em direção à porta, Bella lançando eventuais olhares em minha direção, aparentemente duvidando de minha presença.

Bobinha. Como se eu fosse deixá-la. Como se eu sequer pudesse.

Avançando alguns segundos à sua frente, eu rapidamente peguei a chave reserva e abri a porta, na intenção de tratar Bella como ela merecia.

Ela parou, uma interrogação em seu rosto. - A porta estava destrancada?

Sorri brevemente. - Não, usei a chave que estava embaixo do beiral - ela não disse nada, apenas caminhou em frente, acendeu a luz e me encarou com as sobrancelhas erguidas.

- Estava curioso sobre você - eu não tinha certeza do que me fizera confessar, pelo menos em parte, meu comportamento noturno. Talvez todo o resultado do dia, ou talvez fossem somente seus olhos.

- Você me espionou? - ela perguntou sem, no entanto, parecer irritada. Tomei isso como um bom sinal e decidi que não deveria deixar o momento passar.

- O que mais se pode fazer à noite? - respondi, quase animado. Bella não pareceu ter resposta nenhuma, e eu decidi fechar a porta e me encaminhar em direção à cozinha. Ela acordou de sua reflexão silenciosa, tomando o mesmo rumo. Eu me sentei numa cadeira, e ela me fitou longamente antes de abrir a geladeira, retirando uma lasanha congelada para seu jantar. Eu observei seus movimentos, perdido no modo como aquilo tudo me era familiar e confortante.

Assisti seu cuidado com a comida, embora ainda quase tivesse deixado o prato cair. Eu sentia como se pudesse me afogar naquela deliciosa realização a qualquer momento. Afinal, não era assim que eu deveria me sentir? Depois de anos vagando sozinho, eu finalmente pertencia a algum lugar - a alguém.

- Com que freqüência?, ela perguntou abruptamente, ainda assistindo o microondas.

- Hmmm?, respondi, sem realmente saber do que ela estava falando. Eu havia mergulhado em minhas próprias reflexões.

- Com que freqüência você veio aqui?

Não tenho certeza do que me levou a responder com toda aquela honestidade. Talvez tivesse simplesmente sido pego com a guarda baixa e não tive tempo de pensar. Ou talvez quisesse que ela soubesse - Venho aqui quase toda noite.

Bella girou para me encarar, seu rosto surpreso. Bem, essa era uma inversão de papéis interessante.

- Por quê?

- Você é interessante quando dorme - sorri internamente, achando promissora a sua reação à minha confissão e sendo encorajado por isso. - Você fala.

Antes que eu pudesse prever tal reação, seu rosto ficou rubro, e ela arfou um "Não!", agarrando-se à bancada da pia com as mãos.

Fiquei quase simultaneamente arrependido de minha grande boca. É claro que ela não acharia a idéia tão divertida assim, pensei, subitamente preocupado. Provavelmente era muita sorte que eu tivesse demorado tanto para estragar o dia.

Por mais que não se importasse com meus aspectos monstruosos de minha natureza, eu não deveria pensar que ela seria tão condescendente com meu voyerismo, invadido sua privacidade daquela forma.

Eu me sentia profundamente arrependido. - Está com raiva de mim?

Bella não me encarou. - Isso depende! - exclamou num sussurro sob sua respiração, agora rápida. Eu aguardei os momentos que ela levou para se recuperar, esperando a continuação que não veio.

Não me agüentei. - De?

- Do que você ouviu! - ela soltou, acusatoriamente olhando em minha direção. Subitamente entendi o motivo de sua comoção e me levantei, parando à sua frente e capturando aquelas mãos delicadas nas minhas. Procurei por seus olhos, embora não mais estivesse preocupado com sua raiva. Bella só estava com vergonha, e eu queria mostrar a ela que não havia nada ali para se envergonhar.

- Você sente falta da sua mãe - comecei, num murmúrio. - Lamenta por ela. E, quando chove, o som a deixa inquieta. Você costumava falar muito de sua cidade, mas agora é menos freqüente. Uma vez você disse: "É verde demais" - não pude conter um riso de escapar por meus lábios, mesmo que fosse quase um sussurro. Ela não pareceu se irritar mais com isso.

- Mais alguma coisa? - nós dois sabíamos que nem tudo havia sido dito. Vencido, eu admiti que ela havia dito meu nome. Bella meramente suspirou. - Muito?

Procurei uma resposta sutil. - O quanto chama de "muito", exatamente?

- Ah, não! - ela abaixou seu rosto, ficando ainda mais vermelha, causando em mim aquela necessidade instintiva de protegê-la, nem que fosse de si mesma. Puxei-a para mim, surpreso em como o gesto pareceu natural e me curvei, sussurrando em seu ouvido.

- Não fique constrangida. Se eu pudesse sonhar, seria com você. Não me envergonharia disso - acrescentei, correndo uma mão por suas costas, e esperando que ela se recuperasse, enquanto me tornava extremamente consciente do calor de seu rosto; aliás, extremamente consciente de todo seu calor e maciez, moldando-se contra meu corpo marmóreo. De repente, havia uma nova fome em mim, e quanto mais eu estivesse perto dela, mais eu queria estar.

Eu não estava tendo um momento exatamente inocente e pueril quando senti-a se enrijecer em meus braços ao se dar conta da chegada de Chefe Swan - algo que eu já estava alerta há alguns minutos.

- Seu pai pode saber que eu estou aqui? - perguntei, embora já imaginasse a resposta.

- Não sei bem... - ela mordeu o lábio, pensativa e eu entendi o recado.

- Em outra ocasião, então... - e, ágil como deveria ser, saltei pela janela da cozinha, encontrando um ótimo posto de observação na copa de uma árvore ali perto.

- Edward? - sua voz me chamou, provavelmente sem sequer ter percebido meu movimento. Eu ri e depois voltei ao silêncio enquanto seu pai abria a porta da frente e entrava na casa.

Eu estava muito bem acomodado, ouvindo a conversa trivial dos dois e ri da óbvia falta de habilidade de Bella em esconder sua animação - embora a única diferença entre nós dois é que eu aparentemente sabia ser mais discreto.

Ela foi tão transparente que até o velho Chefe Swan não pôde deixar de perceber:

- É sábado - ele disse pensativo, o tom de seu pensamento viajando sobre o comportamento comum da filha, e essa nova afobação... - Não tem planos para esta noite?

- Não, pai, só quero dormir um pouco - ela não chegou nem perto de esconder a ansiedade em sua voz, e seu pai continuou discorrendo sobre o assunto em sua mente, embora eu só pudesse captar a idéia geral.

- Nenhum dos meninos da cidade faz seu tipo, hein? - ouvi-a negando, parecendo mais genuína agora, embora provavelmente só eu pudesse entender a ênfase na palavra "meninos"; seu pai deveria ter sido mais específico, perguntando sobre as criaturas mitológicas também. - Pensei que talvez aquele Mike Newton... Você disse que ele era simpático - tal como a filha, o pai também havia me pego de surpresa com aquela direção da conversa. Eu rilhei meus dentes, simplesmente odiando a idéia como um todo, e odiando Mike Newton mais ainda.

- Ele é um amigo, pai - a forma como ela rapidamente dispensou o pretendente me acalmou, embora eu ainda sentisse o ciúme correndo em mim. Suponho que teria de me acostumar. Ou matá-lo, pensei com um sorriso, violentamente contente com a idéia.

Mais alguma conversa pequena, e Chefe Swan deixou a filha tomar as escadas em direção a seu quarto. No tempo que ela levou para subir dois degraus, eu sai de minha escuta e escalei a janela de seu quarto, deitando confortavelmente em sua cama.

Bella fez um escândalo fechando a porta e, sem me notar, disparou para a janela, observando a copa das árvores. Ri internamente, ouvindo-a sussurrar meu nome contra a noite.

- Sim? - respondi, a risada em minha voz. Ela virou-se para mim, a mão sobre o peito e a boca semi-aberta, classicamente surpresa.

- Oh!, deixou escapar, se apoiando debilmente contra a parede. Foi um grande esforço dizer "Desculpe" ao invés de rir abertamente. - Me dê um minuto para meu coração voltar a bater.

Sem deixar de sorrir, sentei-me deliberadamente lento, estendendo meus braços convidativamente.

- Por que não se senta aqui comigo? - disse, pegando-a pelos braços e trazendo-a para meu lado, e nossas mãos permaneceram unidas - Como está o coração?

- Me diga você... Sei que você o ouve melhor do que eu - voltei a rir, num grande esforço para não despertar a atenção de seu pai. Continuamos alguns segundos em silêncio, e eu teria ficado muito feliz em passar horas apenas assim, próximo a ela, nossas mãos entrelaçadas, apenas ouvindo o bater de seu coração.

- Posso ter um minuto como ser humano? - não é como se eu tivesse opção, pensei, enquanto acenava em direção à porta: "Certamente". - Parado - ordenou, tentando parecer severa e falhando miseravelmente. Entretanto, apenas sorri.

- Sim, senhora - lentamente me transformei numa estátua, enquanto ela se levantava num salto, pegando o pijama e a inseparável nécessaire sobre a mesa e me deixando sozinho no quarto escuro.

Ouvi seus passos pelo corredor, a porta do banheiro batendo... E eu estava a sós com meus pensamentos, então. Mas era um bom momento para pensar - eram bons pensamentos. Tudo tinha dado certo, por hoje, ao menos. E eu sabia que hoje tinha vindo com uma grande quantidade de desafios.

E eu estava saindo com uma quantidade ainda maior de vitórias. Como eu não estaria exultante de felicidade? Como eu não estaria transbordando de contentamento? Afinal, eu estava livre - o mais livre que poderia - para expressar todo esse gigantesco sentimento que havia crescido dentro de mim por ela.

O que não haveria para comemorar? Carlisle estava certo. A mente realmente domina a matéria. E era isso que eu refletia quando Bella entrou novamente no quarto, vestindo um moletom cinza e uma camiseta bastante usada. Imaginei Alice tendo um ataque e percebi que, embora pudesse ser totalmente estranho em outra pessoa, aquilo era o certo para Bella.

- Bonita - declarei, ao que ela não acreditou nem por um segundo, deixando isso bem claro com uma careta. - Não, fica bem em você - insisti, e dessa vez ela aceitou o elogio e sussurrou um obrigada enquanto se sentava ao meu lado novamente, fitando o chão. - Para que tudo isso? - perguntei porque, embora estivesse imerso em meus pensamentos, metade de minha atenção havia percerbido todo o show na sala de estar. Seria impensável deixar de prestar atenção nela pelo menor dos segundos.

- Charlie pensa que eu estou escapulindo de casa.

- Ah - bem, nada que eu já não tivesse imaginado sozinho. Entretanto, poderiam haver outras razões para a desconfiança do pai. - E por quê?

- Ao que parece, eu pareço meio animada demais - eu sorri, pegando seu queixo e erguendo seu rosto para mim. Éramos dois animados, então, pensei, escaneando seu rosto corado, claro e macio como creme...

- Na verdade, você parece quente - anunciei, pensando no sentido literal e figurado do termo. Inspirei lentamente, tendo certeza de estar no total controle e seu cheiro - agora misturado ao shampoo de morango - despertou em mim todo tipo de sensação: minha boca nadou em veneno e meus músculos se retesaram, logo antes que eu os obrigasse a relaxar; simultaneamente, havia essa fome, tão forte quanto a sede, essa vontade de estar mais perto, de tocar sua pele morna...

Lentamente, aproximei meu rosto de seu pescoço, e a senti ficar ainda mais quente, enquanto sua pulsação disparava. Um murmúrio baixo de prazer escapou de minha garganta, mas eu não me importei; seu calor, seu aroma, sua mera presença nublavam minha mente - o que poderia ser um tanto problemático, levando em conta todo o controle que eu deveria ter perto dela.

- Parece ser... - ela começou, aparentemente tão dispersa quanto eu - muito mais fácil para você, agora, ficar perto de mim - sua voz saiu rouca, enviando pequenos arrepios por minha espinha e eu tive um problema muito grande em controlar alguns impulsos realmente humanos que me ocorreram.

- É assim que parece pra você? - perguntei de volta, delicadamente retirando o cabelo molhado de sua nuca, meus lábios correndo levemente por sua pele arrepiada.

- Muito, muito mais fácil - ouvi sua respiração ofegante e novamente tive problemas com minha mente nublada; outro murmúrio de deleite escapou por meus lábios. Bella tomou isso como algum tipo de resposta, e continuou. - Então eu estava me perguntando... - ela se interrompeu novamente quando passei a delinear sua clavícula com a ponta dos dedos, finalmente tendo a chance...

- Sim? - sussurrei contra sua mandíbula, e a senti tremer.

- Por que - também sua voz vacilou e tudo que eu quis naquele momento foi tomá-la em meus braços, cobrindo meus lábios com o seu - você pensa assim?

Ainda muito ocupado, eu ri sob minha respiração.

- A mente domina a matéria - respondi, e ela se moveu para longe de mim. Eu parei de respirar, abruptamente horrorizado demais com as possibilidades. O que eu teria feito de errado? Eu teria, por favor, não permita, machucado meu amor? Tranquei meu maxilar, irritado demais comigo mesmo e essa maldita falta de controle.

Ela me fitou com seus grandes olhos chocolate, mas não havia acusação ali, nem dor. Eu continuava sem entender mas, aos poucos, relaxei. Isso, com toda certeza, deveria ser mais um comportamento bizarro e inexplicável da parte dela.

- Fiz alguma coisa errada?

- Não... Ao contrário - eu ergui as sobrancelhas. - Está me deixando louca.

Sua declaração era absolutamente inesperada - ou seja, exatamente algo que ela diria. Se eu pensasse racionalmente - como eu deveria pensar - veria que só estava piorando tudo. Mais cedo, na trilha, eu vira - e sentira - que as coisas podiam muito bem sair do controle, e não seria só no meu turno. E quando o vampiro sedento de sangue é o único no controle, bem...

Entretanto, eu não estava pensando da maneira que deveria pensar. Bella acabara de me dar um grande presente, com sua sinceridade chocante. Afinal, talvez - e esse era um grande talvez - houvesse uma maneira de estar junto dela, da maneira que as coisas deveriam ser.

- É mesmo? - provoquei.

- Gostaria de uma rodada de aplausos? - ela replicou sarcástica, e não pude deixar de sorrir com malícia. O que eu queria?

Bella Swan, pra viagem, por favor.

- É uma surpresa agradável - expliquei, não querendo parecer demasiado arrogante. - Nos últimos cem anos, mais ou menos - o sarcasmo escapou da minha boca e eu não contive, percebendo como era bom ser honesto. - nunca imaginei uma coisa dessas. Não acreditava que um dia iria encontrar alguém com quem quisesse ficar... de outra maneira, não como meus irmãos e irmãs - Céus, de tantas maneiras que não podia nem pensar em todas sem perder o foco. - E então, descobrir, embora tudo seja novo para mim, que sou bom nisso... - Aliás, que posso fazer isso sem te matar - Em ficar com você...

Meus olhos dispararam por seu rosto, observando a curva cheia de seus lábios entreabertos e ali estavam as idéias de novo. Voltei aos seus olhos uma fração de segundo depois, e ela nem havia reparado meu movimento.

- Você é bom em tudo - ela respondeu com naturalidade, como se a dúvida de tal fato nunca houvesse passado por sua cabeça. Não me importei em apontar o terrível engano - de que importaria? - e rimos juntos aos sussurros.

- Mas como pode ser tão fácil agora? Esta tarde...

- Não é fácil - eu suspirei, imaginando que deveria ser melhor em atuar do que pensava. Bella não parecia ter a menor idéia de como era difícil; de como não havia nada nela que não me atraísse da maneira mais perigosa possível. - Mas hoje à tarde, eu ainda estava... - procurei uma palavra boa o suficiente, sem sucesso. - indeciso. Lamento muito por isso, foi imperdoável de minha parte me comportar daquele jeito.

Havia sido mais do que isso, mas ela não se importou: - Não foi imperdoável.

- Obrigado - eu sorri, embora ainda considerasse meu comportamento indesculpável. - Veja você - comecei, sem mais ter certeza do que dizer. Meus olhos deixaram seu rosto, fitando nossas mãos. - Não tinha certeza se eu era bastante forte... - me recusei a encerrar a frase e, ao invés, trouxe sua mão ao meu rosto. A sensação era tão boa quanto da primeira vez. - E enquanto ainda havia essa possibilidade de que eu fosse... - um monstro? Fraco? Um assassino? - dominado - inspirei lentamente o aroma de seu pulso; queimou como fogo puro, mas agora havia a satisfação daquele perfume -, eu era suscetível. Até que me decidi que tinha força suficiente, que não havia nenhuma possibilidade de que eu fosse... - novamente, de que eu fosse o que? Um vampiro em sua pior definição? - De que eu pudesse... - tentei completar a frase, mas ainda não podia dizer as palavras certas em voz alta, então desisti.

Em sua voz, ouvi a compreensão de minha dificuldade - E não existe essa possibilidade agora?

- A mente domina a matéria - repeti, erguendo os olhos novamente e sorrindo abertamente. Não pude deixar de rir do tom natural que ela discutia sua própria vida. Embora, na verdade, eu devesse lhe dar uma bronca.

- Caramba, essa foi fácil - novamente, por melhor que eu conseguisse me explicar, Bella não tinha a menor noção da realidade. Eu ri. Esse dia havia sido tudo no mundo, menos fácil.

- Fácil pra você! - repliquei, tocando a ponta de seu nariz arrebitado. Percebi que, apesar de todos meus melhores esforços, minha boca nadava em veneno e imediatamente me senti sujo, profanando um terreno sagrado. - Estou tentando - acrescentei, na intenção de ser honesto - Se for... demasiado, tenho certeza absoluta de que poderei partir - eu havia me perdido na intenção de honestidade; ficar longe dela era uma missão que eu nunca poderia ter certeza.

Observei sua raiva tigre-gatinho cintilar e ri internamente. Ela não gostava da idéia mais do que eu próprio.

- E será mais difícil amanhã. Fiquei com seu cheiro em minha cabeça o dia todo e vou ficar incrivelmente dessensibilizado. Se ficar longe de você por qualquer período de tempo, terei de começar de novo. Mas não do zero, imagino - Piedade, não do zero.

- Então não vá embora - ela retrucou imediatamente, a voz intensa. Eu não sabia se seria capaz de resistir a seu pedido.

- Isso é bom pra mim - disse, sorrindo novamente. - Coloque os grilhões... Sou seu prisioneiro - enquanto falava, fechei as minhas mãos ao redor de seus pulsos delicados, e ri. No que dependesse de mim, nenhum de nós estava indo a lugar nenhum.

- Você parece mais... otimista do que de costume - ela salientou, a intuição que eu tanto amava e temia brilhando em seus olhos.

- Não é pra ser assim? - respondi, sorrindo mais ainda. - A glória do primeiro amor - e único, mas eu pretendia manter a leveza do momento -, essas coisas. É inacreditável, não é, a diferença entre ler uma coisa, vê-la em fotos e experimentá-la?

Não imaginei que ela fosse concordar - e entender tão rapidamente: - Muito diferente. Mais poderoso do que imaginei.

- Por exemplo - continuei, incapaz de me parar. Tive de me esforçar para manter minha fala numa velocidade que Bella entenderia -, a emoção do ciúme. Li sobre isso umas cem vezes, vi atores que o retrataram em mil peças e filmes diferentes - e isso contando por baixo. - Mas foi um choque pra mim - um choque desagradável, pensei, sem conter uma careta . - Lembra o dia em que Mike a convidou para o baile?

Bella assentiu: - Quando você começou a falar comigo de novo.

Eu sorri minimante com seu comentário.- Eu esperei, irracionalmente ansioso para ouvir o que você diria a eles, para ver sua expressão. Não pude negar o alívio que senti, vendo a irritação em seu rosto. Mas não pude ter certeza - Com Bella? Ter certeza? Como se fosse possível! - Foi a primeira noite que vim aqui - a confissão lutava para se libertar há tanto tempo que eu não mais podia impedir. - Eu lutei todas as noites, enquanto via você dormir, com o abismo entre o que eu sabia que era certo, moral, ético, e o que eu queria. Sabia que se continuasse a ignorá-la, como devia fazer, ou se afastasse por alguns anos, até que fosse embora, um dia você diria sim a Mike - a idéia queimou em mim -, ou a outro igual a ele. Isso me deu raiva.

Isso ainda me dava raiva, pensei amargo. Bella sorriu ante minha pequena pausa e uma onda gigantesca de carinho por aquela pequena e frágil garota - o ponto central de minha existência - me tomou. Eu baixei meu tom de voz a um sussurro, sentindo como se nunca pudesse ser delicado o suficiente com ela.

- E então, enquanto você estava dormindo, disse meu nome. Falou com tanta clareza que no começo pensei que estivesse acordada. Mas você se virou inquieta e murmurou meu nome mais uma vez, e suspirou - eu ainda podia me lembrar de todo aquele turbilhão de sentimentos como se estivessem acontecendo naquele momento. - A sensação que me tomou depois foi enervante, foi perturbadora. E eu sabia que não podia mais ignorar você.

Sentado ali ao seu lado, sentindo o calor gradual de seu rosto rubro, ouvindo seu coração batendo como se não houvesse amanhã, dominado pela sensação indescritível de seu aroma... Eu simplesmente não entendia como eu demorei tanto tempo para chegar nesta conclusão.

Ia além do óbvio, percebi. Era imperdoável que eu tivesse esperado até aqueles garotos ordinários se apresentarem como concorrentes para realizar como eu a amava.

- Mas o ciúme... é uma coisa estranha. É muito mais poderoso do que eu teria pensado. E é irracional! Agora pouco, quando Charlie lhe perguntou sobre aquele ser desprezível do Mike Newton... - eu sacudi a cabeça, abanando pensamentos desejosos de uma morte lenta e dolorosa para o garoto humano.

- Eu devia saber que você estava ouvindo - o tom dela era reprovador, mas seu pequeno sorriso arruinava o efeito.

- É claro.

- Isso o deixou com ciúme, não é?

- Sou novo nisso - expliquei, tentando não parecer tão terrivelmente obsessivo -; você está revivendo o que há de humano em mim e tudo parece mais forte porque é novo.

- Mas sinceramente - seu tom era sarcástico -, isso incomodar você, depois de eu ouvir que Rosalie... Rosalie, a encarnação da pura beleza, Rosalie... - ela repetia o nome com desgosto, raiva, e eu subitamente percebi que eu devia soar da mesma maneira - era pra ser sua. Com ou sem Emmet, como eu posso competir com isso?

Eu quis rir de sua cegueira, mas imaginei não ser o melhor caminho a tomar.

- Não existe competição - respondi simplesmente, lhe sorrindo e a trazendo para mais perto; levei suas mãos até minhas costas, e Bella se moldou contra mim, a respiração vindo cuidadosamente controlada. Preocupada comigo.

- Eu sei que não existe competição - ela disse, tão baixo que ouvidos humanos teriam dificuldade de lhe ouvir. - É esse o problema.

Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. Como lhe fazer entender? - É claro que Rosalie é mesmo linda à maneira dela, mas mesmo que não fosse minha irmã, mesmo que Emmet não lhe pertencesse, ela não exerceria nem um décimo, não, nem um centésimo da atração que você exerce sobre mim - O mundo inteiro não poderia tal feito, pensei, ainda tentando fazê-la entender a impossibilidade de seu pensamento - Por quase noventa anos andei entre os meus, e entre os seus... O tempo todo pensando que eu era completo comigo mesmo, sem perceber o que procurava. E sem encontrar nada, porque você ainda não estava viva.

- Não é justo. Não tive que esperar tanto. Por que me saí com tanta facilidade?

Provavelmente eu não deveria ter ficado com o absurdo de sua frase. Ainda sim, eu ri. - Tem razão. Eu devia mesmo dificultar as coisas para você - soltando um de suas mãos e colocando-a em minha outra mão, eu afaguei seu cabelo, descendo numa cascata por suas costas. Ela nunca pensava em si mesma? - Você só tem que arriscar sua vida a cada segundo que passa comido e certamente não é muito. Só precisa dar as costas para sua natureza, sua humanidade... Que valor tem isso.

Obviamente, ela não ouviu uma palavra do que eu disse. - Muito pouco... Não me sinto privada de nada.

- Ainda não - respondi, subitamente me lembrando do final inevitavelmente triste dessa história. Porque tão certo como o sol que nasce no horizonte, um dia ela seria privada de algo.

Antes que eu pudesse dizer algo mais, ouvi seu pai subindo as escadas. Fiquei imediatamente alerta, tentando ouvir o tom de seus pensamentos.

- O que... - Bella começou a perguntar, mas eu não lhe dei tempo de terminar; a deixei sem uma palavra e saltei a janela aberta, direto para uma árvore.

- Deite-se - pedi, antes que ela dissesse mais alguma coisa. Ela não pensou duas vezes antes de se cobrir, deitada de lado. Logo em seguida, Chefe Swan abriu a porta, observando a filha presumivelmente dormindo. Havia em seu pensamento uma nostalgia e ele já ia embora, quando Bella deixou escapar um suspiro teatral.

O velho homem cerrou os olhos durante um longo minuto, subitamente desconfiado. Por fim, decidiu que ela dormia e se retirou. Ele não havia retirado a mão da maçaneta e eu já estava ali, deitado ao seu lado, meu braço audaciosamente sob as cobertas, envolvendo-a contra mim.

- Você é uma péssima atriz... - sussurrei em seu ouvido - Eu diria que esta carreira está vetada para você.

Seu coração disparou, e eu podia senti-lo batendo loucamente. Bella murmurou um "Dane-se" sob sua respiração e eu sorri, começando a cantarolar sua canção de ninar. Passaram-se alguns segundos, mas ela não deu o menor sinal de relaxar.

Eu parei. - Quer que eu cante para você dormir?

- Ah, sei - respondeu-me, rindo num sussurro. - Como se eu pudesse dormir com você aqui!

- Você faz isso o tempo todo - assinalei. Ela não se deixou levar.

- Mas sem saber que você estava aqui.

Eu ignorei o tom pretensiosamente raivoso de sua voz, porque Bella era simplesmente uma tentação forte demais, e todas aquelas idéias sobre o que fazer com nosso tempo estavam ali, tão concretas quanto o calor morno de sua pele contra a minha. - Então, se não quer dormir...

Ela segurou a respiração - claramente eu não era o único com idéias perigosas por ali.

- Se não quero dormir...?

Eu ri. - O que quer fazer, então?

Foram alguns segundos antes que ela respondesse.

- Não tenho certeza.

Bem, eu tenho. Infernos, como eu tinha certeza. - Conte-me quando decidir - repliquei com simplicidade, correndo meu nariz por sua pele arrepiada, inspirando lentamente aquele perfume...

- Achei que estivesse dessensibilizado.

Eu sorri soturno. Provavelmente eu nunca ficaria totalmente dessensibilizado. - Só porque eu estou resistindo ao vinho, não quer dizer que não possa apreciar o buquê. Você tem um aroma floral, de lavando... ou frésia. É de dar água na boca.

Não foi antes de aguardar por sua resposta que me dei conta do que havia dito. Fiquei imediatamente preocupado, mas Bella não se importou.

- É, o dia fica perdido quando não há alguém me dizendo que meu cheiro é apetitoso - seu tom era leve, e eu ri. Passaram-se alguns segundos em silêncio, e eu suspirei.

Definitivamente, sem conversar o esquema de me controlar ficava mais difícil.

- Decidi o que quero fazer - ela disse, aparentemente interpretando certo meu suspiro. - Quero saber mais de você.

- Pergunte o que quiser - Peça o que quiser e será seu.

- Por que você faz isso? Ainda não entendo como pode se esforçar tanto para resistir ao que você... é - ela se interrompeu, alarmada. - Por favor, não me entenda mal, é claro que eu fico feliz que resista. Só não vejo porque você se incomoda com isso.

Eu precisei organizar meus pensamentos, tentando criar uma metáfora - uma idéia - que lhe explicasse, antes de falar.

- É uma boa pergunta e você não é a primeira a fazê-la. Os outros, ou seja, a maioria de nossa espécie que se satisfaz com nosso quinhão, eles também se perguntam por que vivemos. Mas veja bem, só porque recebemos... uma certa mão de cartas... não quer dizer que não possamos levantar as apostas... Conquistar as fronteiras de um destino que nenhum de nós quis - Colocando assim, eu parecia um trailer de filme do Velho Oeste, pensei divertido, tentando achar uma explicação mais sólida. - Tentar reter o que quer que seja de humanidade essencial que pudermos.

Bella não respondeu. Apenas o silêncio frustrante de sempre durante vários longos minutos.

- Dormiu? - perguntei, mesmo sabendo que não.

- Não é só isso - ela me respondeu, num tom que dizia claramente como eu era tolo.

- O que mais quer saber?

- Por que pode ler mentes... Por que só você? E Alice, vendo o futuro... Por que é assim?

Eu dei de ombros para sua pergunta. Esse provavelmente continuaria sendo um grande mistério por muitas centenas de anos.

- Não sabemos realmente. Carlisle tem uma teoria... Ele acredita que todos trazemos para esta vida algumas de nossas características humanas mais fortes, e que elas se intensificam... Como nossa mente e nossos sentidos. Ele acha que devo ter sido muito sensível aos pensamentos dos que me cercavam. E que Alice tinha alguma precognição, onde quer que estivesse.

Dessa vez, Bella não hesitou antes de sua nova pergunta.

- O que ele trouxe para sua nova vida, e os outros?

- Carlisle trouxe sua compaixão. Esme trouxe sua capacidade de amar apaixonadamente. Emmett trouxe sua força, Rosalie, sua... tenacidade. Ou você pode chamar de teimosia - eu ri. - Jasper é muito interessante. Ele foi muito carismático em sua primeira vida, capaz de influenciar quem estivesse por perto a ver as coisas da maneira dele. Agora ele pode manipular as emoções dos que o cercam... Tranqüilizar o ambiente de pessoas irritadas, por exemplo, ou excitar uma tuba letárgica. É um dom muito sutil.

Bella permaneceu alguns momentos em silêncio, digerindo as informações. Eu lhe dei seu tempo, esperando pela próxima pergunta.

- Então, onde tudo começou? Quer dizer, Carlisle mudou você e antes alguém deve tê-lo mudado, e assim por diante...

Pensei em lhe sugerir uma carreira em Filosofia.

- Bom, de onde você veio? Da evolução? Da criação? Não podemos ter evoluído da mesma maneira que as outras espécies, predador e presa? Ou, se não acredita que tudo neste mundo simplesmente aconteceu sozinho, o que eu mesmo tenho dificuldade de aceitar, é tão difícil acreditar que a mesma força que criou o delicado peixe-anjo e o tubarão, o bebê foca e a baleia assassina, possa ter criado nossas espécies juntas?

- Vamos esclarecer isso... Eu sou o bebê foca, não é? - ela me perguntou, soando levemente ultrajada.

- É - respondi simplesmente, beijando o topo de sua cabeça. Ela era sempre a mais frágil, que pergunta boba de se fazer.

Aguardei sua próxima pergunta durante alguns segundos, mas esta não veio.

- Está pronta para dormir? Ou tem mais alguma pergunta? - acrescentei, imaginando que sim.

- Só um milhão delas, ou dois.

- Temos amanhã, e depois de amanhã, e o dia seguinte... - relembrei, gostando da maneira que aquilo soava; como eternidade.

- Tem certeza de que não vai desaparecer de manhã? Afinal de contas, você é mítico - concluiu, como se aquilo fizesse alguma lógica.

- Não vou deixá-la - afirmei categoricamente. Nem que eu pudesse.

- Mais uma, então, esta noite... - ela se interrompeu abruptamente, e eu pude sentir o calor de seu rosto corando furiosamente.

- O que é? - indaguei, minha mente já disparando para todos os absurdos que ela poderia querer perguntar e sem conseguir chegar a nenhuma conclusão.

- Não, deixa pra lá. Mudei de idéia.

Eu usei meu tom persuasivo. - Bella, pode me perguntar qualquer coisa - ela não respondeu, e eu gemi de desespero. - Pensei que seria menos frustrante não ouvir seus pensamentos. Mas está ficando cada vez pior.

- Fico feliz que não possa ler meus pensamentos. Já é bem difícil que você me ouça falar dormindo - parecia bastante resoluta, mas eu dei mais uma chance à persuasão.

- Por favor? - como resposta, ela sacudiu a cabeça negativamente. Mudei de tática. - Se não me disser, vou supor que é algo muito pior do que é na realidade - afinal, minha mente realmente já vagava, procurando o que seria tão terrível. - Por favor? - repeti, a voz carregada da súplica.

- Bom...

- Sim? - pressionei, ansioso por olhar em seus olhos, mas ela muito espertamente fitava a parede.

- Disse que Rosalie e Emmet vão se casar logo... - por um segundo de loucura, imaginei se ela queria um convite para festa. - Esse... casamento... é o mesmo dos humanos?

Eu ri abertamente; aliviado e divertido ao mesmo tempo. Não era nem de longe motivo para tanta comoção.

- Sim, imagino que deve ser igual - optei por uma resposta mais suave, não querendo tornar pior seu embaraço. Qualquer um com livre acesso aos pensamentos de Emmet saberia que a realidade estava bem longe de um "imagino". - Eu lhe disse, a maioria dos desejos humanos está presente, só oculta por trás de nossos desejos poderosos.

Bella soltou um "Ah" educado e não pareceu que fosse falar mais.

- Havia algum propósito por trás de sua curiosidade? - perguntei, subitamente curioso também.

- Bom, eu fiquei me perguntando... sobre você e eu... um dia...

Surpreso, me tornei imediatamente mais sério, as imagens de um potencial desastre rondando como abutres em meus pensamentos. Uma coisa era ter todos esses desejos só para mim, confortavelmente distantes de chegarem perto da realidade.

Outra coisa bem diferente era ter a própria Bella sussurrando-os para mim, no escuro, abraçados em sua cama.

Maldição, parecia que tudo só continuava ficando mais difícil.

- Não acho que... - lutei com as palavras, enquanto lutava com meu próprio controle que fora duramente atiçado - que... fosse possível para nós.

- Porque seria difícil demais para você, se eu ficasse assim tão... perto? - precisei de um segundo antes de responder; Bella já estava perto demais para seu próprio bem e sua voz continuava formando as imagens em minha mente sem que eu pudesse impedir.

- Certamente isso é um problema. Mas não era no que eu estava pensando. É só que você é tão macia, tão frágil - e ainda se acha tão forte! - Tenho que calcular meus atos a cada momento em que estamos juntos para não machucá-la - as palavras agora queimavam como ácido, mas ela precisava entender. - Posso matá-la com muita facilidade, Bella, simplesmente por acidente - suavizei minha voz instintivamente tentando não assustá-la. Já podendo confiar em meu controle, afaguei seu rosto com minha mão. Seda sobre vidro. - Se eu fosse precipitado demais... Se por um segundo não estiver prestando a devida atenção, posso estender a mão, querendo tocar seu rosto, e esmagar seu crânio por engano - senti um arrepio de horror correr minha espinha. - Não sabe como é incrivelmente quebradiça. Eu não posso, jamais, perder qualquer controle quando estou com você.

Com uma dor crescente, ouvi sua respiração - agora acelerada - e, de alguma forma, não achei que fosse um sinal de atração. A não ser que ela fosse realmente maluca, claro.

- Está com medo? - perguntei, quando a ansiedade atingiu níveis insuportáveis. Bella ainda aguardou um minuto inteiro antes de responder, muito contidamente.

- Não. Eu estou bem.

Incrivelmente, eu acreditei. E, apesar da conversa parecer ter morrido ali - nada como confessar potenciais homicidas para matar um assunto -, eu agora queimava com outra curiosidade.

- Mas agora estou curioso... Você já...? - eu me interrompi, incapaz de continuar. Sentia-me subitamente ciumento.

- É claro que não - foi sua resposta imediata, seguida daquele agradável rubor em seu rosto. - Eu lhe disse que nunca senti isso por ninguém, nem perto.

- Eu sei - repliquei, muito embora queimasse de alegria com sua resposta. - Mas sei o que outras pessoas pensam. Sei que amor e desejo nem sempre andam de mãos dadas.

- Para mim, andam - sua voz era categórica. - Agora, de qualquer modo, eles existem para mim dessa forma - acrescentou, com um suspiro.

- Isso é bom - respondi com um sorriso deliciado. - Temos pelo menos uma coisa em comum.

- Seus instintos humanos... - ela hesitou, e eu esperei que ela vencesse sua própria vergonha. - Bom, você me acha atraente nesse sentido, afinal?

Eu ri, desarrumando seu cabelo carinhosamente. A pergunta deveria ser refeita; Existia algum jeito que ela não fosse atraente para mim?

- Posso não ser humano, mas sou um homem - afirmei, imaginando como ela poderia ainda duvidar de uma coisa dessas.

Ao invés de outra pergunta, Bella bocejou. Decidi que, por mais que fosse contra a idéia, ela deveria dormir.

- Respondi a suas perguntas, agora deve dormir.

- Não sei se posso - ela respondeu, entretanto sua voz soava cansada e sonolenta.

- Quer que eu vá embora? - perguntei, erguendo as sobrancelhas, mas receoso.

- Não! - sua negação veio rápida e alta demais; eu ri. Em seguida, passei a cantarolar sua canção de ninar, e não levou muito tempo antes que Bella adormecesse serenamente em meus braços.

Vampiros não podiam dormir, mas eu percebi que ali, segurando minha Bela Adormecida, eu havia encontrado aquele momento de paz e abençoada fuga do mundo.


N/A: É, bem, acho que parte que eu digo que demorei é meio desnecessária, não? Tipo, até o E.T do Spielberg já percebeu. Anyway, quero agradecer novamente ao apoio de vocês, e ao suporte, porque foi realmente muito importante pra mim!

Espero que possam pensar: "Poxa, valeu a pena esperar a Muffim ter seu momento de loucura no meio do mato!"

Talvez eu esteja meio enferrujada, então perdoem qualquer bobagem nesse capítulo, que no próximo eu já devo pegar o ritmo, sim?

E, claro, eu meio que acham que vocês vão entender quando eu disser que é meio MUITO difícil responder todas as reviews, não? Tipo, seriam mais umas 15 páginas de respostas! Mas, eu agradeço de coração a todo mundo, e prometo que capítulo que vem respondo as próximas reviews!

Obrigada à todos que clicaram no link/leram/comentaram/favoritaram!

Beijos saudosos,

Muffim.

PS: Ah, sim, gente, vamos comentar, não? Eu estive longe durante tanto tempo, pobrezinha de mim (cara do gatinho do Shrek)... *-*