Dedico à Katherine, pelos seus 17 anos escalando molduras de porta-retrato. Feliz aniversário, Dawson!
sequência
A pequena bolha de ar escorregou pela taça, em direção ao céu.
Diante dos olhos de Regulus, as partículas quase insignificantes daquela bebida se espalharam e depois tocaram a ponta dos seus cílios negros, fazendo-o piscar. Não chore por isso, ele ouviu a prima-mais-nova dizer, depois de sentir os dedos dela sobre o topo da sua cabeça. Mas ele não estava chorando. Só porque ele era o black-mais-mais-novo não significava que ele viria a chorar. Significava?
Regulus então acenou a cabeça distraidamente, mantendo o olhar fixo na taça-cor-de-perfume que estava em suas mãos. Girou-a entre os dedos até que mais bolhas se dissolvessem e explodissem graciosamente, dessa vez sem que se aproximassem tanto dos seus olhos. Não, não significava.
(Mas pensou que talvez Andromeda tivesse escolhido uma data muito estranha para ir embora – afinal, quem ia embora no Natal? Bem, Andromeda fora. E levara consigo todas as bolhas da bebida, e toda a graça dos presentes no pé da árvore - ou não).
Regulus queria que aquilo tudo acabasse logo. Havia um discurso tão longo sendo feito pelo tio Cygnus, uma cara-quase-triste da tia Druella, um riso-de-eu-ganhei no rosto de Mamãe, as mãos torcidas e nunca quietas de Sirius... Além dos cabelos meio ondulados e claros da Cissy e daquele olhar-que-diz-tudo da Bella. E havia outras pessoas, também, e dois elfos, e uma varinha e a nossa árvore-desenhada-na-parede-e-em-toda-a-sala. Havia tanto, tanto, mas Regulus só queria o café da manhã e a sensação de desamarrar os laços dos presentes com magia. Com magia.
Por que, Andie? Ele se pegou pensando, as mãos molhadas de suor-de-bebida. A taça ainda estava entre seus dedos, mas agora seus olhos estavam distraídos com um quadro de família. Andromeda já estava alcançando a borda quando ele a viu. E depois ela se foi. Junto com o cheiro de papel e tecido queimando, junto com a respiração de todo mundo naquela sala, junto às quase últimas bolhas da bebida que ele segurava.
Ele arregalou os olhos com a taça ainda nas mãos. E então piscou, levantando-se da poltrona. Piscou uma, duas, três vezes seguidas até virar o pescoço em direção a todos os outros quadros e retratos e pinturas da sala. E caminhou quase ansioso em direção a esses quadros e retratos e pinturas da sala.
Por que, Andie? Ele se perguntou mais uma vez, quase-quase perguntando a ela. Mas Andie não responderia, não é? Ainda mais agora, indo embora e deixando nenhuma lembrança, tão de repente e tão de uma vez só. E sem nem se despedir, mas que coisa! Desaparecendo entre fios de tecido antigo e bordas de madeira cara; perdendo a cor em folhas de pergaminho velho, dançando sozinha até alcançar um outro quadro, um outro retrato, uma outra pintura, uma outra vida-longe-daqui. Mas que coisa...
15 anos, dançando pela borda da direita...
12 anos, saltitando pela borda esquerda...
17 anos, escalando a moldura do porta-retrato...
E a voz do tio Cygnus se perdendo entre os quatro cantos do cômodo, e todos os outros, e todos os elfos, e todas as varinhas se ocupando em fazer outras coisas, se ocupando em beber e falar alto e em abrir os presentes.
E Regulus ainda parado. A taça na mão, os olhos sem desgrudar de todas as Andromedas que ninguém mais parecia perceber além dele, como se ela nunca tivesse existido para todos os outros além dele. Que triste, ele pensou, observando a movimentação dos pés dela. E dos braços dela. E até mesmo dos cabelos riscados-impressos-colados-pintados – à dedo, à pincel, à carvão, ao bel prazer de quem um dia pensou que faria de Andromeda um ser eterno em um quadro de um sobrenome poderoso – dela, rumando para o fim de mais um retrato, como se tivesse a intenção de se jogar em um abismo-de-lembranças-proibidas.
... mas prender Andromeda num quadro seria genial, se ela não conseguisse fugir, como fazia naquele exato momento. Sem nem mesmo acenar. E ainda por cima segurando um riso-estranho-igual-ao-do-Sirius.
Abrir presentes meio que perde a graça depois que você vê uma pessoa indo embora tantas e tantas vezes, de uma vez só. Sem graça e sem mais nada, Regulus experimentou um gole da bebida-cor-de-perfume na taça em sua mão, e notou que o gosto era meio-amargo; gosto, talvez, de choro-preso-na-garganta e de uma despedida sem acenos; gosto de pés descalços numa tela escura e de um ritual de queima de nome – taí. Champagne tinha um gosto estranho, afinal. Gosto-de-ir-embora.
Piscou por causa da bebida. Seus olhos lacrimejaram um pouco. Ele não chorou. E até viu uma última Andromeda deslizando na superfície de uma tela, uma última Andromeda escorregando, escapando por entre os dedos de todo mundo e parando em outro lugar que não ali. Que não ali.
A última bolha de ar escorregou pela taça em direção ao céu.
E Regulus nem chorou, como Cissy achou que ele faria.
N/C: Agadecimentos especiais à Belinha, que betou. Valeuzão, gata!