Everlong
Hello, I've waited here for you everlong!
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Costumava ser bem fácil, se você ignorasse os sentimentos das pessoas ao seu redor. Acontece que eu até poderia fazer isso, mas ainda assim eles me afetariam. Então, como uma pura conseqüência disso, não era nada fácil ignorar os humanos perto de mim.
Desde o gerente daquela lanchonete até a criança que dobrava o guardanapo, formando um barco, há algumas mesas de distância. Algumas emoções estavam calmas, em contraponto com o céu que começa a escurecer, anunciando uma tempestade; já outras, destacando-se a da garçonete e do homem sentado na mesa mais afastada, ah, essas berravam. Era sempre assim, algumas preocupações me atingindo em cheio, como se fosse eu que estava prestes a contar um grande segredo ao meu pai, ou essas preocupações fúteis dos humanos.
Eles simplesmente não conseguem ficarem felizes com o que têm! Sempre se preocupando com uma nova coisa, nem se importando se aquilo me atingia também. Achava bem engraçado.
Óbvio, qualquer preocupação humana era bem cômica se comparada às décadas em que passei convivendo com preocupações muito mais complexas que aquelas. Sangue, destruição, mais sangue. Era o tipo de luxúria que, em minha vida humana, nunca havia dado importância. Queria apenas ser um bom soldado, e talvez possa dizer que fui, com o diferencial que lutava por motivos errados. Ou os mais certos possíveis, já que eram aquelas pessoas coradas e de coração pulsante que nos davam vida.
"Mais café, senhor?", a garota de cabelos louros perguntou, já erguendo o bule, um sorriso fraco no rosto. Agora que ela estava mais perto, eu pude perceber que os seus sentimentos gritavam em desespero, mas não o desespero do medo, que a maioria das pessoas tinha ao se aproximar de mim. Acho que na verdade ela nem havia olhado duas vezes para mim.
Ergui a minha xícara, ainda cheia, e com um sorriso recusei. Alguma coisa dentro de mim dizia que um pouco de calma faria bem a ela, apesar de o monstro dentro de mim gargalhar com a idéia de ajudar um humano.
Talvez todo este tempo andando sozinho entre humanos, estivesse começando a me afetar. Talvez o meu experimento estivesse dando certo. Hum, aquilo não era o que eu esperava.
Passar algumas tardes entre humanos, às vezes conversando com alguns, era apenas uma coisa que eu havia adquirido o hábito de fazer, como que para passar o tempo. Já que, depois de tantas décadas, o tempo começa a passar devagar quando não se tem mais planos de destruição a cumprir. Então dizia a mim mesmo que aquilo me faria mais forte e talvez acalmasse o meu monstro, talvez a convivência com humanos me levasse a caçar apenas quando a sede já estivesse muito grande.
Era um grande avanço o fato de a minha última caça ter sido na noite retrasada, apenas dois bêbados que entraram no beco errado. Na época em que estive com Maria costumava caçar todos os dias com ela, o sangue nos deixava tão fortes! Invencíveis, com poder, a destruição em cada pedaço do corpo já morto. Mesmo que agora isso já não fizesse muito sentido.
Soltei a respiração, que estive prendendo nos últimos minutos, e tirei um pouco de dinheiro do bolso. Agora já poderia voltar para o meu quarto de hotel, ignorando os humanos nos quartos próximos. Olhei para cima quando saí da lanchonete, vendo que a chuva não viria por hoje e rumando pela rua, andando entre humanas coradas que me olhavam com cobiça, nem mesmo imaginando que havia apenas uma parte de mim que as desejava, e provavelmente não era nada parecido com o que elas sonhavam.
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Da mesma forma que havia feito nas últimas semanas, troquei de roupa e me encaminhei para a saída do quarto. Era um inconveniente ter tido que reaprender a arte de caçar. No antigo clã era comum brincar um pouco com as vítimas, na maioria das vezes não se importando com a sua dor. Mesmo nos meus últimos anos perto de Maria, quando tudo aquilo começou a me cansar, ainda fazíamos isso. Por mais que as emoções dos humanos estivessem me perturbando cada vez mais, a falta de fé sempre me pegando em cheio quando os meus dentes encostavam suas peles tão frágeis.
Então, caçar bêbados havia se mostrado ser bem mais prático, já que seus reflexos eram tão lentos, demorando alguns segundos a mais para perceber que era o fim de suas vidas, eram poucos segundos, mas suficientes para o sangue já estar em minha boca quando eles começavam a temer.
As minhas camisas, mesmo com as minhas novas formas se caçar, não continuavam impecáveis após uma noite de caça. As roupas não eram uma coisa com a qual nós nos preocupávamos muito no clã de Maria, então era mais uma coisa com a qual eu estava aprendendo a conviver. Se nas primeiras décadas nós fazíamos verdadeiros banquetes sanguíneos, na última noite havia conseguido deixar a minha camisa com apenas alguns respingos de sangue.
Passar alguns meses com os humanos havia sido estranho, no início. O máximo que havia permanecido na mesma cidade havia sido pouco mais de uma semana, sempre escolhendo pelas com maior população, para não chamar atenção para as mortes. Mesmo que eu estivesse escolhendo apenas bêbados, prostitutas e mendigos, alguma coisa ainda me chamava para longe daquilo, como se a minha única alternativa fosse eu me afastar do sangue eternamente. Oras, como se isso fosse possível, como se houvesse outro meio de sobreviver.
Com estes pensamentos fui saindo do hotel, sob os olhares do recepcionista, que parecia estar numa dúvida interna se me repreendia ou agradecia por me ver saindo. Como havia previsto no dia anterior, a chuva só começara a cair há pouco tempo, apesar de ter vindo com intensidade. Os pingos gelados chocando-se contra a minha pele, a mim eles pareciam agradáveis, até mesmo quentes.
Mesmo que estivesse indo embora da cidade, chamar atenção não era a melhor idéia. Alguma coisa naquele local me chamava, ao mesmo tempo em que me sufocava; preferi ir logo embora dali, por mais que só estivesse chegado à cidade há dois dias. Sentindo os olhares dos moradores em mim, todos em guarda-chuvas, achei melhor deixar a cidade com discrição.
Avistei a lanchonete em que havia estado ontem, tão parecida com as outras em que estive nos últimos meses, com portas de vidro mostrando que já havia algumas pessoas ali. Resolvi entrar, talvez fingir que tomava um café, esperando a chuva passar, observar os humanos, cumprir aquela minha rotina ridícula de ex-soldado sanguinário. Em menos de um segundo eu já teria sumido da vista de todos ao meu redor, mas cada vez que pensava em fugir da nova cidade na qual me encontrava, lembrava daquela eternidade que ainda tinha pela frente, lembrava que pressa não era uma boa qualidade para um vampiro solitário.
Mal havia passado pela porta, andando com leveza, quando percebi que alguma coisa estava terrivelmente errada. O cheiro, o cheiro não era o que eu esperava, não era o cheiro que me fazia trancar a respiração para tornar aquele experimento mais fácil.
Fiquei rígido e parado onde estava, erguendo um pouco o rosto e inalando. Em um período que não deve ter durado mais do que uns centésimos de segundo, os meus olhos seguiram o caminho que o cheiro fazia. Encarei, tenso e confuso, um par de olhos brilhantes. Mas não era um vermelho forte, aquele vermelho que no escuro brilhava e assustava, era um dourado que eu nunca havia visto antes. Ainda assim podia sentir que era uma vampira, uma semelhante, mesmo que seus olhos dissessem o contrário, mesmo que, após olhá-la rapidamente, eu começasse a duvidar que uma criatura tão pequena pudesse ser igual a mim.
Sentada em um banco, os cotovelos apoiados no balcão, me encarando com um sorriso nos lábios. Cabelos pretos e espetados contornavam o seu rosto de aparência macia, o nariz meio enrugado pela intensidade com que ela sorria, e os intrigantes olhos dourados. Seu corpo era pequeno, seus pés não encostavam no chão, mas ela não parecia se preocupar com isso. Um segundo depois de ter posto meus olhos nela, dei um passo em sua direção.
Tinha a sensação de que poderia passar muitos minutos ali, percebendo as linhas de seu rosto, ou contando os fios do seu cabelo curto que estavam fora de lugar. Mas para nós vampiros essas coisas costumam passar tão rápido, como se a eternidade não fosse o bastante e nós precisássemos correr contra o tempo.
Deu um pequeno salto e estava em pé, ainda sorrindo e caminhando graciosamente em minha direção. Se eu ainda tivesse um coração batendo, ela poderia quebrá-lo em milhões de pedaços com a sua graciosidade. Andei também, mesmo que não percebesse o que fazia até estar na frente dela.
"Você me deixou esperando por muito tempo", disse, sem tirar os olhos dos meus, o sorriso ainda no rosto e a voz melodiosa, como se estivesse cantando uma canção de ninar para o mais frágil dos bebês.
Senti alguma coisa vindo dela, um sentimento estranho, um sentimento que começava a invadir o meu corpo, ainda que eu não entendesse o que ele significava.
"Eu lamento, madame.", murmurei, abaixando um pouco o rosto automaticamente, me arrependendo logo depois por parar de olhá-la nos olhos. O pensamento vago de que, se eu ainda fosse vivo, eu estaria corado, passou rapidamente pela minha mente.
Ela estendeu sua pequena mão, esperando por mim. Olhei para os seus dedos finos e alvos, de aparência tão frágil. Senti que a minha mão se mexia, mas não percebi o que estava fazendo até que nossas peles se tocaram, até que senti sua pele macia sob a minha. Entrelaçou sua mão na minha e eu dei um passo em sua direção.
"Alice."
"Alice.", repeti, sentindo que em algum lugar dentro de mim aquele nome sempre esteve gravado, apenas esperando que ela o sussurrasse em sua voz melódica. Apertei a sua mão, tão pequena, tomando cuidado para não machucá-la.
Aquele sentimento pareceu aumentar. Talvez por eu estar com a mão dela entre a minha, ou por estar mais perto, ou simplesmente porque ela o sentiu com mais intensidade, eu não saberia dizer. Mas então eu o reconheci, mesmo que nem lembrasse da última vez que havia ouvido falar nele.
Pela primeira vez em um século eu senti esperança.
Ficava entre a expectativa e a felicidade, entre a fé e o alívio, entre a ansiedade e a tranqüilidade. Naquele momento me senti totalmente completo.
Um sorriso invadiu o meu rosto, coisa que eu nem sabia ainda ser capaz de fazer. Era um curvar de lábios tão verdadeiro quanto aquele sentimento que vinha da pequena bailarina de cabelos espetados que encontrava-se em minha frente, com a mão entrelaçada à minha.
"Para onde vamos agora?", sussurrei, dividido entre olhar para os seus lábios, os seus olhos ou nossas mãos.
Aquele simples entrelaçar de mãos estava parecendo tão mágico que eu senti vontade de continuar daquela forma para sempre. Como se fosse o encontro de duas almas místicas, separadas há muito tempo e que finalmente se encontravam; gostei dessa constatação. Quando a esperança aumentou, junto com o seu sorriso e o brilho de seus lábios, decidi por admirar o seu rosto.
"Para onde você quer ir?", Alice perguntou, um novo sentimento se juntou à esperança, um sentimento que eu só poderia traduzir como a certeza de que ela estava ali para me guiar.
"Para onde você for."
Sua mão se apertou à minha com mais força, ainda que com aquela sutileza que eu percebia ser dela.
Voltei a me perder pelos traços do rosto de Alice, surpreendendo-me quando seu sorriso deu lugar a uma expressão serena de felicidade. Achei que não houvesse jeito de ela ficar mais bela do que quando sorria, mas percebi que aquele não era um conceito com o qual eu poderia contar, já que parecia que a cada expressão ela me encantaria ainda mais.
Como que me acordando daquele sonho surreal, senti um desespero tão grande que quase conseguiu me tirar daquele estado de esperança em que eu gostaria de ficar para sempre. Com um olhar rápido percebi que era uma mulher atrás do balcão, o olhar perdido, a mesma garçonete que havia me afetado ontem. Pelo jeito seus problemas não haviam ido embora.
Suspirei e deixei aquela esperança tomar conta de todo meu ser, para que desta forma ela penetrasse no local, invadisse a mente da mulher. Mesmo que aquilo não fosse mudar em nada a vida dela, mesmo que eu soubesse que quando eu fosse embora o sentimento de paz iria comigo, foi o que eu achei certo a se fazer. Era irônico, e engraçado, e ridiculamente bondoso, mas toda aquela cena, o meu sorriso, também era irônico, então não dei bola.
Foi o que a esperança me mandava fazer. Havia se passado no máximo dois segundos desde que o pensamento de tranqüilizar a mulher tinha passado pela minha cabeça, e então eu voltei a ignorá-la, sabendo que enquanto eu estivesse ali, ela pelo menos se sentiria confortável. Voltei a encarar a pequenina, fazendo a promessa de que nunca mais perderia mais de um segundo com os olhos longe dela.
"Vamos, Jasper", ela chamou, os olhos brilhando e começando a andar como uma bailarina em um palco de Paris. Guiou-me para fora da lanchonete, sempre com a mão entrelaçada na minha, segurando-a com firmeza, como que para ter certeza de que eu nunca a deixaria. "Vamos para o lugar ao qual pertencemos."
Percebi que eu não me importava com o lugar em que ela falava, eu já pertencia a ela e isto era o suficiente.
(N/A): Minha primeira fic de Twilight, sejam bonzinhos. Jasper/Alice é quase a coisa mais fofa e perfeitinha do meu mundo, só conseguem perder pra Edward/Bella, porque ninguém é de ferro. Anyway, fazia um tempo que eu não escrevia nada assim, tão romântico e fofo, e foi bom voltar a fazer isso.
A frase do início do capítulo é Everlong, do Foo Fighters; quando algumas frases soltas da fic surgiram na minha cabeça, me forçando a escrever, eu simplesmente precisava colocar essa frase. É tão aceitável ver a Alice falando isso, com o jeito insuportável e adorável dela.
Enfim, comentem, okay? Seria muito bom para a minha auto-estima ter pelo menos alguns comentários, sendo minha primeira fic de Twilight e tudo mais.
Beijos.
Lisi B.
(N/A)²: Jasper/Alice me pegou em cheio, sooooo...talvez vocês vejam alguma continuação, ou bônus, ou qualquer coisa do tipo, em breve. reviews, ok?