and if i hurt you
then i'm sorry
- De quem é a carta?
O pergaminho amassado a sua frente resplandeça sob a luz do candeeiro. A caligrafia precisa e levemente inclinada para a direita sobre este. E todas as palavras que você já decorara, Granger, você estava lendo aquela merda toda há um bom tempo, não estava? Você tirava aquele pedaço amarelado de papel dos bolsos sempre que pensava que ninguém a estava olhando, não é?
Você deveria ter observado melhor, querida, aparentemente, Ginevra Weasley estava olhando.
- Ah... – você respondeu tentando ganhar tempo e acalmar as batidas do seu coração enquanto enfiava a carta novamente no bolso do casaco, como se alguém tivesse lhe surpreendido enquanto cometia algum pecado capital.
Bom, talvez você estivesse cometendo algum pecado capital. Talvez você estivesse cometendo uma porção deles.
Você, Granger, a mártir. Irônico, não?
- Então? – perguntou a ruiva levantando uma das sobrancelhas, como se você tivesse a obrigação de lhe responder.
Você pensou em dizer-lhe para ir à merda, Granger. Você pensou em dizer-lhe para deixá-la e paz e ir abrir as pernas para Michael Corner, Harry Potter ou com quem quer que aquela putinha de cabelos rubros dormia naqueles dias.
Então você se lembrou que dormiu com Draco Malfoy, Granger, e as implicações daquele ato te faziam uma putinha muito pior do que Weasley.
Draco Malfoy não tinha alma. E talvez você também não tivesse.
- Dos meus pais. – você respondeu. E você nem ruborizou, Granger, porque mentir era necessário. Mentir seria necessário muitas e muitas vezes no futuro, você ponderou.
Porque você fodeu com Malfoy. Porque você entregou a ele a sua alma. Porque você sentia a sua falta. Os seus dedos apertando a carta como se aquele pedaço de papel fosse um pedaço dele. Você sente a sua falta.
Ginevra Weasley não parecia convencida, com as suas sobrancelhas arqueadas e os braços cruzados sobre o peito. E ninguém nunca teve um motivo se quer para duvidar de você, Granger. Você sempre fazia as coisas certas, você sempre sabia como agir. E então vinha aquela vadiazinha e ousava duvidar da sua palavra.
E por Deus, ela estava certa. Você não tinha mais palavra, Granger. Você mentia e fodia com tudo ao dar as escolhas certas às pessoas erradas. E ao apertar aquela carta contra os dedos como se aquela fosse a única coisa que lhe importasse no mundo.
Talvez fosse.
- Você quer alguma coisa, Ginny? – Indiferença nunca lhe coube como sentimento, Granger, mas você a sentia agora. Você estava, honestamente, pouco se fodendo se a ruiva acreditava ou não em você. Você ainda tinha a carta em suas mãos.
- Não. Minha mãe só pediu para eu te avisar que o jantar vai sair um pouco mais tarde hoje.
Indiferença.
Vocês foram amigas um dia, Granger, você considerara Ginevra Weasley a única garota que podia realmente chamar de amiga. Você contava com ela, você se importava. E agora havia a indiferença. E você quis saber quando foi que tudo isso mudou. Então Ginevra deu de ombros e se retirou da pequena biblioteca da casas do Black que você adotara como seu refugio – porque você era enfadonha e ler livros era tudo o que você conseguia fazer. Absolutamente patético. – E você soube que mudou para ela também. E talvez tenha mudado para todo mundo. Talvez a guerra tenha alterado absolutamente tudo que você já considerou certo na sua vida. E você não se importava. Você sabia que deveria, mas você não tinha forças para se preocupar com algo além da sua esfera de egoísmo.
Não, você tinha força, você apenas decidira direcionar todos os seus esforços em outra direção. Nele. Porque de repente ele era a única nuance de cinza que não te lembrava melancolia. E todo o resto era pouco importante.
Era tudo tão indiferente.
E de repente você se deu conta de que não era mais a pessoa descente que sabia ser a um tempo atrás. Porque pessoas descentes se importavam. E talvez a guerra também tenha te destruído. Ele te destruiu. Como você a ele.
Tóxico. Errado. Podre.
Você tirou a carta do bolso e a examinou mais uma vez sob a luz do candeeiro. E você não conseguia pensar em um motivo se quer para considerar qualquer outra coisa importante.
E você já enumerara milhares de vezes os motivos pelos quais tudo aquilo era tão errado, tão fodido, mas como todas aquelas milhares de vezes, você não conseguia sentir o peso da culpa no seu peito. E você sentia vontade de morrer ao pensar que estava assistindo a si mesma se transformar em uma pessoa podre e ainda sim não tinha a força de vontade necessária para mudar.
Porque ele era uma pessoa podre. E você o aceitara daquela forma. Estilhaçado e destruído. E agora você se destruía por simplesmente não se importar com mais nada. E ele te aceitava desta forma. Ele te queria desta forma. E aquilo parecia bastar para você. Aquela carta bastava para você. Saber que você devolvera a alguém a vontade de viver bastava. Saber que ele queria viver com você e com mais ninguém bastava.
Não, era mais do que 'bastar'. Você se importava.
E ironia era pensar que a única pessoa que te prendia a humanidade, que te importava, era a mesma pessoa que te fizera perder a humanidade em primeiro lugar.
E você se lembrava de Harry, Ron e Ginny. E você não sabia exatamente como acontecera, ou quando acontecera, mas você se esqueceu de como era se importar com eles. E aquilo era tão fodido que você não sabia nem como começar a verbalizar. Por Deus, você os amava, mas eles estavam longe, cuidando de assuntos que lhes diziam respeito como integrante de uma das frentes de batalha. Que dizia a respeito a você também, Granger, você adotara a mesma frente deles como a sua, lembra-se?
Mas em algum lugar no meio da sua melancolia, da auto-repreensão, de todas as matizes de cinza, aquilo se tornou secundário em sua mente. E as suas prioridades se inverteram. E de repente aqueles assuntos outrora cruciais lhe soavam estranhos e distantes. E só havia Malfoy. E a carta. E o seu pedido para abandonar tudo e ir embora com ele. E a consciência de que aquilo era errado, egoísta e nojento.
E que você o faria mesmo assim.
Porque Draco Malfoy era única coisa que importava no seu mundo, Hermione Granger.
Você se aproximou dele para descobrir o que havia de humanidade naquele moleque perdido e horroroso. E em algum lugar no meio do caminho, Granger, você perdeu a si mesma. Em algum lugar no meio do caminho, você perdeu a fé em tudo o mais. E você se deu conta de que era apenas um peão nas mãos dos donos daquela guerra. E que mais ninguém se importaria em descobrir o que restava de humanidade nos demais. E agora ele lhe dizia que descobrira a humanidade em si mesmo e que queria viver. Não a semi-vida que todos os agentes da guerra viviam, mas algo de verdade.
E de repente, Malfoy era o único que conservara a sua humanidade. E você precisava daquilo para se lembrar como era sentir algo além de melancolia e desespero. E você estava cansada daquelas cores que a circundava, dos tons opacos da morte.
E Draco Malfoy era a única coisa em sua vida que não tinha aquela cor desgastada e podre. Ele era como ouro no ar de verão. E você sentia falta das estações. Estava tudo cinza agora. E não era aquele cinza.
Você sentia falta de se sentir viva. E Malfoy lhe pedira para viver com ele.
E você não via outra alternativa a não ser lhe dizer que sim.
E mesmo antes de fazê-lo, você sabia que se arrependeria. Pois ainda havia Harry e Ron, e você os amava com tudo o que você tinha. O único problema, Granger, era que você não tinha mais nada. Você não conseguia mais forçar o seu raciocínio a solucionar os problemas deles. Você não sentia o calor reconfortante na presença deles. Você não sentia falta deles.
Você apenas os queria bem, onde quer que estivessem. E você supôs que poderia querê-los bem em qualquer lugar do mundo. Pois você não tinha mais serventia nenhuma ali. E aquele lugar já não lhe tinha mais serventia também. Era tudo força do hábito, da sua mania de mártir, da sua índole naturalmente boa. E talvez estivesse na hora de mudar os hábitos. Talvez você precisasse do egoísmo, Granger.
Talvez você precisasse perder todos eles. Talvez você precisasse disso para encontrar a si mesma novamente.
E Malfoy era a única pessoa que compreendia a complexidade do hábito e da necessidade de quebrá-lo para voltar a viver.
Ele o fizera.
Ele o fizera por você, Granger.
E a sua consciência te oprimiria de tempos em tempos por ter deixado os seus amigos por alguém como Malfoy – alguém que, naquele minuto, parecia ser o único capaz de compreendê-la. Você não era muito melhor do que ele. Talvez fosse até pior. -, mas se você não o fizesse, a perspectiva de continuar viva lhe parecia vazia. Quase não valia a pena. Provavelmente nem valesse.
Você respirou fundo, Granger, guardando a carta novamente no bolso do casaco. As mãos deslizando pelo rosto e pelos cabelos. Você estava cansada. E estava na hora de fazer alguma coisa para o seu próprio benefício para variar.
Então você se levantou. Um plano precário se formando em sua mente, mas era tudo o que você tinha: você lhe mandaria uma coruja lhe dizendo que sim, e que o encontraria numa catedral qualquer no centro trouxa londrino. Então você iria embora e o esperaria lá. E você o esperaria a vida toda se fosse necessário, porque a perspectiva de voltar a viver compensava a possibilidade de passar uma vida toda esperando.
Talvez ele tivesse mudado de idéia. Talvez ele tivesse morrido.
Não, alguém teria comentado alguma coisa caso Malfoy tivesse morrido. E ele estava com Harry. E não importava o que Harry sentisse com relação a Malfoy, ele jamais o deixaria morrer. Você sentiria falta do altruísmo de Harry, Granger. Só havia o egoísmo agora: o de Malfoy e o seu. Especialmente o seu.
Sim, você não era nenhum pouco melhor do que ele.
Ainda havia a possibilidade de ele ter mudado de idéia, mas você honestamente não via porque ele teria. Ele lhe disse aquele dia na biblioteca que aquilo significara algo para ele e que seria idiota negá-lo. Ele lhe disse que você o devolvera a vida. Ele lhe disse que te odiava, mas que era mais, tão mais que isso.
Talvez ele até te amasse. Talvez você o amasse.
E aquela idéia lhe pareceu absurda por alguns segundos, você nem gostava dele na maioria das vezes, Granger, você era perfeitamente capaz de identificar todas as falhas indesculpáveis no seu caráter. Todas as falhas que faziam com que amá-lo fosse impossível. Mas por outro lado, Granger, você não sabia de mais nada, de absolutamente nada. Então talvez você ainda o odiasse. E talvez você o amasse. E aquilo lhe parecia paradoxal e ligeiramente sem importância. Pois não importava quais fossem os seus sentimentos com relação a ele, você o seguiria mesmo assim. Você iria até o inferno com ele.
A mão direita sobre a maçaneta da porta do seu quarto, um giro para direita. O quarto era frio, impessoal e desolado. Seus pertences espalhados sobre o sofá de dois lugares de fronte a escrivaninha, esta, por sua vez, estava abarrotadas de tinteiros, de penas e de pergaminhos. De respostas. Mil e uma maneiras de responder-lhe que você tão cuidadosamente articulou. Mil e uma respostas que não lhe teria serventia alguma agora. Apenas um sim, Granger, lhe bastava. Apenas um sim e tudo estaria terminado.
Você andou até a escrivaninha, o coração descompassado no peito. A consciência de que aquilo era um fim, um começo. A consciência de que você não teria controle de mais nada dali por diante.
"Sim.", você escreveu. A caligrafia sempre caprichada se encontrava borrada e trêmula. Todas as suas incertezas colimando contra a pequena afirmativa que você escrevera.
"Sim.", você escreveu novamente. E as incertezas ainda estavam lá. E a caligrafia ainda não era propriamente a sua, mas estava menos tremula, menos incerta. Porque você queria, Granger. Você o queria tanto.
Então você rabiscou o nome de uma catedral que você costumava visitar com os seus pais quando era criança. E você não estava certa porque era inconcebível começar isso de outra maneira se não em uma catedral, Granger, mas era. Aquilo tinha que começar numa catedral. Talvez você precisasse da benção de alguém. Talvez você precisasse de alguém para apoiá-la. Talvez você não quisesse ser indiferente aos olhos de Deus, mesmo que Ele tenha te ignorado ultimamente. Mesmo que Ele tenha ignorado Malfoy a vida toda.
"Sua H.G."
E de repente, você não via mais motivos para negá-lo. Você era dele. E provavelmente consentiria a qualquer capricho egoísta que ele tivesse em mente. Porque você dera a ele a sua alma.
Um suspiro. Um nó se desfazendo no peito enquanto tantos outros se atavam. O bilhete preso ao pé da pequena coruja. A janela aberta. A brisa de verão (ainda era verão?) entrando pela mesma.
Você olhou para os seus pertences em cima do sofá e pôs-se a colocá-los novamente na mala. E você só tinha que esperar que todos fossem dormir.
Estava tão perto.
Você sentiu os seus lábios se contraírem num sorriso absolutamente involuntário. Você tocou o seu rosto, mapeando o fantasma do próprio sorriso com as pontas dos dedos.
Tão perto.
E então um estrondo. O quadro da Sra Black gritando no hall de entrada. Passos apressados pela escadaria. Os seus passos apressados pela escadaria. A casa estava cheia agora. Aurores, componentes da ordem andando em direção a cozinha. Você os seguiu, muito mais por hábito do que por curiosidade em si. Em breve, nada daquilo lhe diria mais respeito, nada daquilo seria mais problema seu.
E de repente havia o silêncio. Aquele silêncio pesado que antecede notícias fúnebres. E ninguém ousou lançar uma palavra se quer para quebrá-lo. E você estava dentro da cozinha agora, ladeada por todas aquelas pessoas que você não se era o trabalho de decorar os nomes. Os braços apertando o próprio torço. E você sabia que algum ruim havia acontecido.
E você não queria pensar, Granger, você não queria pensar que aquilo estava de alguma forma relacionado a ele.
"Os Malfoys,", começou um homem que estava parado no meio da cozinha. Os olhos arregalados. E você teria dado o mundo para que aquele homem tivesse pronunciado outro nome. Qualquer outro nome. E lágrimas silenciosas rolavam pelo seu rosto, Granger, apenas a mera menção daquele nome. "Narcissa e Lucius Malfoy estão mortos."
E a sua carta ainda ia de encontro a Draco Malfoy, completamente indiferente a quebra do frágil equilíbrio entre vocês.
Você quebrou o acordo, Granger. Narcissa e Lucius Malfoy estão mortos.
Notas da autora:
Gente, eu terminei esse capítulo a nem sei quanto tempo, mas foi só agora que me presentearam com essa coisinha maravilhosa que é essa internet portátil (que na minha opinião, parece um O.B., prontofalei) que eu pude atualizar o capítulo.
Queria agradecer imensamente quem lê essa fic e quem ainda não desistiu de mim, mesmo eu me metendo em intercâmbios, trabalhos no reino da magia e blá:
Vanessinha, misskrum, Cissa-Fowl, Dark, Malu Chan, Yasmin Malfoy, Mialle Lemos, Marcia B.S., Nanase Kei, , LaraQueiroz, Serena Sly, Aryana Penno, Roouse ;), Brii-chan *-*, Maaaaaaaaay, TaMiReS ScAbIaN LeE, Lihn, tamires schossler.
Vocês me deram forças para continuar escrevendo (para largar o copo de Jägermeinster e sentar na frente do computador, o que, se vocês me conhecessem, saberiam que é um puta feito, parabéns, de verdade. HAHAHAH)
Beijos, MUITO obrigada a todos e até a próxima!