Ódio a primeira vista.

Capítulo 1 – A minha cozinha.

"Quero que venha na minha sala depois do expediente, Hao." A voz de Marco soou séria quando proferiu aquelas palavras.

"Sim, pode deixar." O jovem chef de cozinha respondeu prontamente enquanto preparava mais uma de suas deliciosas macarronadas, que faziam tanto sucesso naquele restaurante italiano no centro de Tókyo.

Sim, no centro de Tókyo. Era um dos restaurantes mais conhecidos, ainda por seu Chef de cozinha ser tão bom no que fazia. Hao era um jovem promissor e fazia muito sucesso entre as mulheres nas poucas vezes que aparecia em público para divulgar um novo prato criado por si. Foi logo depois de se formar na faculdade de Gastronomia que ele conseguiu vaga naquele restaurante. Como qualquer um, ele começou lavando pratos, mas agora era o homem que decidia que pratos deveriam servir. Não era incrível?

Pensava no que seu 'chefe' queria com ele justo naquele dia. Talvez conseguisse um aumento por seu bom desempenho? Não sabia. Apenas depois de terminar seu último prato da noite, um Raviolli ao molho sugo, é que retirou seu chapéu de mestre.

"Mais um aumento de salário, Hao?" Horo perguntou em toda sua animação, enquanto pegava o último prato preparado por Hao e o colocava sobre uma bandeja.

"Quem sabe?" Hao abriu um sorrisinho enquanto retirava o avental. "Eu vou lá falar com o Marco, antes que ele dê piti." Horo riu do comentário feito por Hao.

"Tudo bem. Eu também tenho que servir este prato." Comentou enquanto se encaminhava para fora.

Hao foi caminhando até a sala de Marco um tanto pensativo. Parecia calmo apesar de tudo. Tinha certeza de sua capacidade. Três leves batidas na porta foram suficientes. Apenas esperava com as mãos no bolso.

"Pode entrar." Ouviu a voz firme de Marco dizer e entrou sem mais demoras.

"O que quer me dizer que é tão urgente a ponto de não poder esperar amanhã, Marco?" Hao perguntou sem delongas e sentou-se quando o loiro indicou a cadeira com os olhos.

"É que tenho um comunicado a fazer, Hao." Marco disse e ajeitou os óculos, apoiando ambos os cotovelos na mesa e entrelaçando os dedos das mãos na frente do rosto.

"Pois diga, tenho que voltar para casa." Hao respondeu. Não gostava quando as pessoas começavam a enrola-lo daquele modo. Geralmente, quando as coisas seguiam naquela linha, terminavam de um modo ruim.

"Amanhã, teremos uma nova funcionária aqui, Hao." Marco disse com seriedade. "Ela será nossa chef e irá trabalhar junto com você." Ele terminou de dizer antes mesmo que Hao fizesse uma de suas insinuações.

Claro que a reação de Hao não foi diferente do que Marco havia pensado que seria. O jovem chef de cozinha ergueu-se e bateu com ambas as mãos sobre a mesa, espalhando papéis para todos os lados.

"Você só pode estar brincando! Eu cuido desse lugar como chef sozinho há dois anos e meio!" Hao parecia indignado com o que Marco havia dito.

"O nome dela é Anna Kyoyama e ela estuda na Itália desde os treze anos." Marco respondeu, ignorando a indignação de Hao. "Ela virá trabalhar conosco e espero que você aceite isso bem, Hao." Marco começou a ajeitar a papelada. "Está dispensando." Terminou de dizer, por ver que Hao não deixava a sala.

E ele deixou a sala depois disso, batendo a porta com força considerável. Não podia aceitar a idéia de terem outro chef de cozinha ali. Aquela era a sua cozinha. Sua e de mais ninguém. Lá ele fazia as coisas do modo que queria e não do modo como os outros queriam. E era assim que seria, não importava quem fosse aquela tal de Anna Kyoyama.

X

"Está atrasado." A voz que Hao escutou quando chegou ao ambiente de trabalho não era conhecida e, definitivamente, ele não havia gostado do tom de voz de quem quer que fosse.

"Estou no horário." Ele respondeu batendo o indicador no relógio e ergueu os olhos sonolentos para a figura sentada numa das bancadas do lado de dentro da cozinha.

Uma mulher loira. Pela aparência, ela devia ter mais ou menos a mesma idade que ele. Loira, de cabelos longos, olhos castanhos tão escuros que chegavam próximos do negro. Trajava apenas uma calça jeans e uma blusinha branca, nada espalhafatoso demais ou que chamasse atenção demais. Mesmo assim, Hao não podia negar que ela era muito atraente.

"Trinta segundos atrasado." Ela insistiu olhando-o com seriedade.

"Você só pode estar de brincadeira comigo, não é?" Hao arqueou as sobrancelhas enquanto se preparava para começar mais um dia de trabalho.

"Estou com cara de quem está brincando, senhor Asakura?" Ela perguntou e saltou da bancada para o chão, vestindo-se como ele.

Hao revirou os olhos. Não acreditava que teria que trabalhar com alguém como ela. As vezes se questionava sobre sua grande sorte. Aquela tal Anna havia chegado para estragar seus planos de uma vida perfeita. Não, ele não deixaria isso acontecer.

"Somente achei divertida essa sua cara de palhaça." Ele retrucou e bufou, se preparando para escolher os pratos do dia.

Anna foi caminhando até onde Hao estava e ele, quando viu a sombra cobri-lo, apenas ergueu o rosto arqueando as sobrancelhas. Não teve tempo para perguntar o que ela queria, apenas sentiu a mão de Anna em seu rosto e, depois disso, estava no chão de olhos arregalados. Havia levado um tapa tão forte dela que havia voado longe.

"Não me chame assim outra vez se quiser viver." Ela disse com seriedade e jogou uma lista com as sugestões do dia em cima dele.

Francamente, quem ela pensava que era para trata-lo assim? A vontade que Hao tinha era a de pular no pescoço dela e esgana-la. Uma pena que fosse mulher. E ainda por cima, uma linda mulher. Mas não importava. Ela não podia tratá-lo assim, mesmo sendo mulher. E linda.

"Quem você pensa que é pra me tratar assim?!" Hao ergueu-se num impulso, segurando a lista em uma das mãos. Parecia inconformado. Mais do que isso, indignado com a atitude da loirinha.

"Ela é a pessoa de quem te falei ontem, Hao." A voz de Marco interrompeu qualquer outra resposta que Anna pudesse dar. "E eu espero que vocês se dêem MUITO bem para não haver intrigas." O loiro disse, ajeitando os óculos.

"Se ele souber se portar como cavalheiro, não haverá intrigas. Isso eu posso garantir." Anna disse e olhou para Hao de modo cortante.

"Você só pode estar brincando! Foi você quem causou isso tudo!" Hao retrucou a resposta dela, tentando se defender.

"Não interessa quem começou o que. O fato é que vocês dois trabalharão juntos como Chefs neste restaurante. A Anna tem experiência com comidas italianas, Hao. Ela poderá te ajudar a crescer se você não for tão imaturo." Marco disse com tranqüilidade.

"Eu duvido que este cara tenha maturidade para tal. Francamente, eu não sei nem como você foi capaz de contratar um funcionário que sequer sabe lidar com as pessoas." Anna revirou os olhos. "É melhor que não me atrapalhe no meu ambiente de trabalho, estamos entendidos, senhor Asakura?"

"Se você não invadir o meu espaço nós estamos entendidos!" Hao retrucou e cruzou os braços.

"Já chega, os dois. Voltem para o seu posto de trabalho e não quero maiores intrigas aqui, estamos entendidos? Não quero ter que chamar os dois para uma conversinha logo no primeiro dia de trabalho." Marco suspirou e encaminhou-se para fora da cozinha. Hao e Anna apenas se entreolharam e viraram o rosto.

"Hunf!" Disseram os dois e cada um foi para um canto da cozinha, preparar algo.

X

Insuportável, simplesmente insuportável trabalhar com aquela garota. Parecia querer roubar seu espaço e seu brilho em tudo o que fazia. Hao já estava irritado e não haviam sequer passado um dia inteiro juntos. Tudo o que ia fazer, ela já havia feito. Parecia proposital. O seu proposital, para ela, era eficiência. Não podia suportar aquilo.Trabalhar com ela não era uma opção.

"Por que ela tem que estar aqui, Marco?" Hao perguntou para o loiro. Havia invadido sua sala sem nem sequer bater e o encontrou falando ao telefone. O loiro não pareceu muito contente ao vê-lo.

"Sim, sim, ela chegou muito bem. Esses gritos? Não foi nada demais, senhor. Apenas pedidos. Certo, não se preocupe. Sim, eu cuidarei bem dela. Também desejo um bom dia para o senhor." E desligou o telefone, olhando para Hao de modo cortante.

"O que você quer, Hao? Será que não vê que sou um homem ocupado?" Marco disse com seriedade.

"Eu sei que é, mas não dá para trabalhar com ela, Marco!" Hao disse e foi caminhando até perto do loiro, não antes de encostar a porta.

"O que há de errado, especificamente?" Ele perguntou com toda sua etiqueta, mas não parecia nada feliz.

"Ela é irritante! Tudo o que eu faço ou falo para ela está errado!" Hao não pareceu notar ou fingiu não notar o fato de Marco não estar nada contente com aquilo.

"Você sabe com quem eu estava falando agora, Hao?" Marco limitou-se a perguntar.

"E ela também...não, com quem?" Ele perguntou, interrompendo a própria frase.

"Com Ele." Marco disse, dando ênfase a palavra "ele". Hao pareceu entender de imediato, pois seus olhos quase saltaram para fora do rosto.

"Com o nosso chefe?!" Hao exclamou. "Mas ele quase nunca nos liga e...o que ele queria?" Hao parecia surpreso. Mais do que isso, Hao parecia assustado.

"Bem..." Marco pareceu procurar as palavras certas para dizer aquilo. Mas, pensando bem, existiam palavras certas para dizer isso? Preferiu ser mais direto. "Aquela mulher que está trabalhando ao seu lado, a Anna, e também de quem você veio reclamar..."

"Diga logo, Marco!" Hao parecia impaciente, batendo o pé contra o assoalho da refinada sala de Marco.

"Ela é filha dele." Concluiu.

Aquelas quatro palavras pareceram congelar o tempo para Hao. Não, aquilo não podia estar acontecendo. Só podia ser alguma espécie de sonho ruim, como aqueles que tinha nas noites em que bebia demais. Além de ser sua rival, além de não gostar dela – e perceber que aquilo era recíproco -, além de ela irritá-lo. Além disso TUDO, ela era filha do dono do restaurante. Podia ficar pior que isso?

"Estou voltando para a cozinha. Me chame se precisar." Hao limitou-se a dizer e foi caminhando até a porta.

"Hao." O rapaz ouviu Marco chamar e parou, segurando a maçaneta. "Você é um ótimo Chef, não arrume confusões com ela."

Não foi preciso dizer mais nada para que ele compreendesse o recado. Seu emprego estava ameaçado porque aquela garota era a filhinha do papai! E ele pensou que as coisas não podiam piorar? Mas agora não podiam mesmo! Caminhou em passos lentos na direção da cozinha e abriu a porta dupla que dava para a mesma.

"Vamos logo, leve esse prato para a mesa 15 e este aqui pra 22, Horokeu." Anna dizia sem alterar o tom de voz. Na verdade, se Hao não tivesse desviado, Horo teria esbarrado nele.

"O que está acontecendo na minha cozinha?!" Hao exclamou e sequer precisou levantar o olhar para ver que tudo estava organizado.

"Você quis dizer na minha cozinha." Anna retrucou para Hao e olhou-o com seriedade. "E onde você estava que não está aqui cozinhando? Além de preguiçoso também é vagabundo?"

"Como assim, sua cozinha?" Hao foi caminhando na direção dela, tendo uma das mãos na cintura.

"Eles vão brigar de novo..." Ryu sussurrou para Horo, quando o garçom voltou para a cozinha.

"Espero que não seja como a briga de hoje cedo, em que voaram pratos e talheres perigosos como a faca de carne." Horo sussurrou de volta.

"É isso mesmo. Minha cozinha." Ela disse olhando para ele com seriedade.

"Esta cozinha era minha muito antes de você aparecer aqui com o seu ar de 'Obedeçam as minhas ordens e poderão sobreviver.' " Hao imitou-a, inclusive nos gestos e na seriedade do olhar.

"Disse bem." A loirinha aproximou-se dele, de modo que ficassem um de frente para o outro. "Era." E dito isso, desferiu-lhe outro tapa que o fez pigarrear para trás. "E não tente me imitar. Você faz papel de ridículo tentando faze-lo, senhor Asakura. E vocês dois?" Referiu-se a Ryu e Horo. "O que estão olhando que ainda não voltaram para o trabalho? Você não tem mais pedidos para entregar, Horokeu?"

Tanto Horo como Ryu arregalaram os olhos e cada qual voltou para seu posto, enquanto um Hao permanecia estático tentando compreender a situação a qual estava sendo submetido.

Para começo de conversa, Anna era filha de seu chefe. Como se isso não fosse suficiente, ela era uma daquelas mulheres insuportáveis que queria o controle de tudo. O único problema é que aquela era a cozinha dele. A cozinha que havia conquistado com tanto afinco após adquirir o título de 'Chef' naquele famoso restaurante.

Mas, pensando bem, e daí? E daí que ela era a filha do chefe? Ele era Hao Asakura e não aceitaria ordens de uma mulher metidinha e arrogante. Isso não.

"Guarde bem as minhas palavras, Anna. Na minha cozinha, eu sou o Chef. Não me importa o quão mandona você seja." Hao disse depois de um tempo, e recebeu um olhar cortante de Anna.

"Isso é o que veremos." Anna limitou-se a responder e, tanto Horo como Ryu, constataram que daqui para frente as coisas só tenderiam a piorar.

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No segundo dia, Hao chegou tão cedo ao serviço, que Horo e Ryu acharam que ele havia dormido por lá mesmo. De todo, eles não estavam errados. Hao havia chegado lá antes do sol e ele próprio havia entrado no restaurante por ter a chave de lá.

"Aqui." Hao lançou as sugestões do dia para Anna assim que ela entrou pelas portas duplas.

A loirinha arqueou as sobrancelhas, passando os olhos rapidamente pela lista e depois olhou para Hao.

"Está tentando provar o que com isso?" Ela perguntou com a mesma seriedade do dia anterior, mas Hao não se deixou abalar. Não daquela vez.

"Eu apenas quis me redimir chegando cedo e fazendo a lista de sugestões do dia." Ele disse com tranqüilidade. "Hoje é a primeira sexta-feira do mês."

"E daí?" Anna perguntou com indiferença.

"Ah, não te disseram ainda?" Os lábios de Hao se curvaram em um sorriso sarcástico que não agradou Anna.

"Não me disseram o quê?" Ela perguntou, sem perder a pose. Mas já estava se irritando.

"Tsc." Hao caminhou até Anna e circulou ela algumas vezes.

"Diga logo!" Ela finalmente cedeu ao primeiro sintoma de irritação. Isso aumentou ainda mais o sorriso de Hao.

"Hoje é o dia em que fazemos um prato inventado pelo Chef." Hao respondeu com um sorriso triunfante.

Claro que ele havia conseguido o que queria. Anna havia acabado de chegar e ainda estava se adaptando aos sistemas daquele restaurante, apesar de ela própria ter mudado muita coisa. Só que aquilo não estava em seus planos. Aquela idéia não era coisa de seu pai.

"De quem foi essa idéia?" Anna limitou-se a perguntar. Estava mais séria que o normal, e Hao havia visto ela perder a compostura no olhar, mesmo que por alguns segundos.

"Isso quem criou foi o próprio Hao." Anna ouviria a voz de Marco na entrada da cozinha.

"É isso aí." Hao respondeu com um sorrisinho. E aquele sorrisinho estava irritando Anna profundamente.

"Tudo bem." Ela limitou-se a responder. Sabia que se demonstrasse fraqueza, estaria dando um trunfo a Hao.

"Tudo bem?" Hao arqueou as sobrancelhas olhando para ela.

"Sim." Ela respondeu. "É só criar um prato, não é?" Ela perguntou.

"Sim, é." Hao respondeu com um sorrisinho.

"Então está bem." Ela tornou a responder com a seriedade normal.

"Veremos se está bem mesmo." Hao abriu mais aquele sorrisinho, antes de caminhar para um dos cantos da cozinha, onde começou a trabalhar em sua mais nova criação.

Claro que não estava nada bem, mas Anna jamais admitiria aquilo. Admitir que não estava bem, seria como perder para Hao. E isso, definitivamente, não estava em seus planos.

Anna tentava pensar em algo novo, talvez a junção de dois pratos. Não, não daria certo. O fato é que estava completamente aérea ao assunto e criar pratos sem uma idéia formada não era sua especialidade. Sabia organizar e mandar. Mas não criar.

"Se quiser posso te ajudar." Hao disse depois de ver Anna abrindo e fechando diversas quantidades de cadernos e livros de receitas. Já estavam próximos da hora do almoço e, mesmo assim, Anna não tinha nada em mente.

"Não preciso da sua ajuda." Essa foi a resposta de Anna. Curta, fria e grossa. Jamais admitiria que Hao lhe ajudasse. Isso estava completamente fora de cogitação.

"Tudo bem então." Ele respondeu encolhendo os ombros. Não chegou a sorrir, mas aquela resposta irritou Anna. Aliás, o simples fato de estar na presença dele já a irritava profundamente.

Sempre queria tudo do jeito dele. Achava que podia mandar em tudo e se achava o rei do mundo. Isso era simplesmente inaceitável para ela. Ele era insuportável.

"Você tem até de noite. Os pratos são apresentados no jantar." Ele disse, colocando o tempero na carne que estava cozinhando. Esta tinha um cheiro muito bom por sinal.

"Não precisa ficar me lembrando a cada cinco minutos." Anna respondeu olhando-o de maneira cortante e voltou a concentrar-se no que serviriam no almoço. Mas sempre olhava para os livros de culinária à procura de uma luz que pudesse salva-la daquela situação.

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Já era quase fim de tarde e Anna ainda não havia pensado em nada concreto. Sempre que começava algo, acabava deixando de lado por achar que a idéia não daria certo. Tudo isso no papel. Em contraponto a ela, Hao parecia já ter o prato feito. O rapaz parecia tranqüilo demais e trabalhava como se nada estivesse acontecendo.

"Mas que droga..." Ela pensava consigo enquanto anotava algumas coisas no papel. Macarrões, Lasagnas, Raviollis, tipos variados de massas e molhos e nada disso parecia ser atraente o suficiente ou bom suficiente para ser considerado um novo prato.

Hao e Ryu não estavam na cozinha por terem um tempo de folga. Horo ainda servia as mesas, mas agora tinha ajuda de um outro garçom chamado Chocolove. Além de garçom, era também comediante, mas suas piadas não faziam muito sucesso. As pessoas apenas riam quando Hao aparecia para repreende-lo ou quando o próprio Horokeu o fazia.

"Aonde vai, Hao? Não vai aproveitar sua folga para me acompanhar numa partida de damas?" Ryu perguntou com ar casual.

"Não dessa vez, Ryu." Ele respondeu com um sorriso. "Eu deixarei para descansar mais tarde. Dê minha folga ao Horokeu e diga que o Chocolove pode servir as mesas sozinho um pouco, já que o verdadeiro movimento da noite só começa a partir das 19 horas."

"Tudo bem então..." Ryu respondeu arqueando as sobrancelhas e viu Hao entrar na cozinha.

"O que ele está aprontando, Ryu?" Horo perguntou e tanto ele como Chocolove pararam ao lado dele, com as bandejas vazias em mãos.

"Vai saber o que o patrão Hao pensa." Ryu respondeu coçando levemente o queixo.

X

Ou os livros de receita eram tão interessantes a ponto de fazer com que Anna se prendesse em seus assuntos, ou ela estava tão nervosa que mal conseguia prestar atenção na presença de Hao ali.

O rapaz aproximou-se dela com suas largas e silenciosas passadas, até que parasse atrás dela para bisbilhotar sua receita.

"Uhn, suas idéias não são ruins." Hao disse com calma, mas o simples fato de estar ali assustou Anna.

"O que você pensa que está fazendo?" Ela perguntou antes de fechar um dos livros ao seu lado.

"Eu estava apenas vendo a sua situação de desespero, Anna." Hao respondeu com um sorrisinho sarcástico. "Por que não aceita minha ajuda?"

"Porque eu não preciso dela." Respondeu de maneira cortante e Hao apenas encolheu os ombros.

"Se você quer assim..." Ele foi até a outra bancada e começou a preparar a própria receita.

Era quase cômico, se não uma piada, trabalhar com Hao e Anna. As vezes Horo e Chocolove entravam na cozinha para pegar alguns pratos já prontos, mas eram raras as vezes, visto que ainda eram cinco horas da tarde e apenas uma pessoa ou outra aparecia por ali.

Não eram raras as vezes que ouviam gritos por parte de ambos os lados e menos raras ainda as que terminavam com o som de um "Plaft!" ou "Slapt!" e com um Hao no chão. Também não eram raras as vezes em que as coisas começavam a voar na cozinha e Ryu tinha que se dobrar em dois para esquivar-se e para limpar tudo depois. Mas apesar disso tudo, e apesar de ser apenas o segundo dia, aquilo tudo era divertido.

Foi mais ou menos as seis horas da tarde que Ryu deixou a cozinha para cuidar do aquário de peixes exóticos que havia no centro do restaurante. Era uma vista panorâmica e talvez fosse uma das coisas que mais chamasse atenção ali. "Meu grande orgulho." Ryu já havia perdido a conta das vezes que escutou Marco dizer aquilo. E, no entanto, ele era o responsável por cuidar de tudo junto com Horokeu e – agora – Chocolove.

"Terminei!" A voz de Hao soou alegre demais quando finalizou sua obra-prima. Uma lasagna com cinco tipos diferentes de recheio que deixariam qualquer um com água na boca. Estava apenas montada e levaria apenas alguns minutos para que ficasse pronta no forno.

"Que bom pra você." Anna dizia enquanto parecia fazer a massa da pizza. Para isso ela tinha um livro aberto e olhava cada detalhe, acrescentando os ingredientes sem uma gota ou grão a mais do que deveria ter. Hao aproximou-se olhando para ela e fechou o livro. "Que está fazendo?!" Ela perguntou irritadiça.

"1kg de farinha de trigo, 30 gramas de fermento biológico, 3 xícaras de água morna, ¾ de xícara de óleo, 1 colher de chá de sal, 1 colher de chá de açúcar, 2 colheres de sopa de saquê – para tornar a massa sequinha." Ele disse tudo sem nem sequer olhar no livro. "Essa é a receita que está escrita aí, mas o toque de saquê é algo só meu." Piscou para ela. "Se você sempre seguir o que está escrito nos livros, jamais vai conseguir criar sua própria receita. Veja."

Hao começou a acrescentar alguns ingredientes com calma. Uma pitada de farinha de trigo, um pouco mais de sal e açúcar. Coisas simples que, segundo ele, davam um toque especial à comida. Anna não pareceu se opor a nada do que ele disse desde que haviam começado a fazer aquela pizza. Começou a 'bater' na massa, preparando-a, mas Hao sorriu.

"Não é assim. A massa pode ficar muito melhor se bater nela com menos violência e colocar mais carinho." Ele disse repousando ambas as mãos sobre as dela e suavemente foi fazendo os movimentos para que massageassem a massa.

"Assim?" Ela perguntou olhando para ele por cima do próprio ombro. Estavam próximos, muito próximos. Hao se encontrava atrás dela e os braços quase a envolviam num abraço. O chapéu de mestre que ele usava estava levemente caído para o lado, assim como o dela. Os olhares se encontraram durante um longo tempo e ficaram em silêncio.

"Assim mesmo." Ele respondeu sem soltar as mãos dela e ficou olhando-a fixamente. Ambos começaram a aproximar o rosto e os lábios chegaram a se tocar, quando uma voz estridente soou da porta.

"Gente, onde está o Raviolli da mesa sete?!" Chocolove exclamou e Hao deu um pulo para trás, se afastando de Anna. "Er..eu atrapalhei algo?" Perguntou olhando para os dois.

"Não, nada." Anna apressou-se em responder e Hao suspirou.

"Está ali." Hao apontou para a pequena janela, onde os pedidos eram entregues.

"Ah, claro! Já estou saindo!" Chocolove pegou o pedido e apressou-se em sair da cozinha.

Silêncio.

Nem Anna, nem Hao ousaram a comentar nada sobre aquilo. Cada um voltou a se concentrar em seus próprios pratos enquanto se perdiam em pensamentos. Aquilo que havia acontecido era simplesmente impossível. Aquela proximidade para ambos era simplesmente inaceitável. Não se suportavam e esta era a única verdade.

Horo entrou na cozinha para pegar uma das sobremesas e apenas observou os dois. Ryu, que entrou logo depois, chamou o amigo de canto.

"O que foi que houve?" Ele perguntou baixinho.

"Eu não sei. A última pessoa que viu eles dois foi o Chocolove." Horo comentou.

"Oe, Chocolove!" Ryu puxou-o pela gola da camisa assim que adentrou a cozinha. "O que aconteceu entre eles dois que estão nesse silêncio?" Ryu apressou-se em perguntar.

"Eu não sei bem." O moreno respondeu, coçando levemente o queixo e de braços cruzados. "Eu entrei na cozinha e vi os dois bem próximos, sabe? Quase como se estivessem se beijando. Daí eles se afastaram e disseram que nada estava havendo."

"Eles o quê?!" Ryu e Horo falaram juntos, com os queixos caídos no chão.

"Mas será mesmo, Ryu?" Horo dirigiu o olhar para o outro.

"Então essas brigas eram de amor!" Ele bateu o punho contra a palma aberta.

"Está pensando no mesmo que eu, Ryu?" Os olhos de Horo brilharam maliciosamente.

"Por um casal feliz!" Ryu disse estendendo a mão para frente.

"Por um casal feliz!" Horo disse colocando a mão sobre a dele.

"Eu acho que isso não vai dar certo..." Chocolove disse com uma gota e recebeu olhares cortantes de Ryu e Horo. "Ta, tudo bem! Por um casal feliz!" Ele disse e colocou a mão sobre as outras duas. E assim se iniciava o plano dos três...

Notas da autora:

Esse é o primeiro capítulo de um desafio de uma comunidade que a tia cookie me apresentou e eu decidi participar. É uma série de 30 fics que terei de escrever, mas esta já está completa. Ficou maior do que eu esperava, então...

Espero que gostem!Deixem reviews para eu saber.

See ya soon!