Jardim de Infância
Resumo: Um pai ocupado. Uma professora dedicada. Definitivamente, há coisas que só se aprende na pré-escola.
Atenção: Inuyasha não me pertence!
Capítulo Dezenove: Vinho Tinto e Conhaque
O silêncio chegava a ser cortante. Uma navalha afiada que rachava o ar em todas as direções, fazendo com que os segundos que se arrastavam lentamente fossem cada vez mais incômodos; desconfortáveis, pelo menos era assim que Rin pensava.
Ela segurava a taça de vinho com as duas mãos; era cristal puro, ela sabia, tinha medo de quebrar, visto que seus dedos tremiam tanto que davam a entender que ela sentia muito, muito frio. Mas ela não sentia. Frio não. Ela sentia calor. Seu corpo inteiro parecia estar em brasa, queimando-a de dentro para fora. Sentia-se ridícula. Parecia uma adolescente; incapacitada de controlar suas próprias emoções. Como que apenas a presença dele a fazia se sentir daquela forma? Será que ele estava percebendo tudo, ali sentado em sua poltrona feito um Apolo em seu pedestal? Será que ele conseguia ver seus sentimentos transbordando confusamente pelos seus poros? Era por isso que ele a havia pedido para ficar? Para constatar o quão boba ela era?
Não. Ele não parecia ter esse intuito. Ele parecia realmente querer que ela ficasse. Parecia realmente querer sua companhia. Mas será mesmo? Será que aquele Sesshoumaru sempre tão prepotente e independente estava de fato necessitando conversar com alguém. Com ela?
Rin arriscou mira-lo finalmente, tirando sua atenção da bebida escura em suas mãos. Dali ele não parecia tão prepotente assim, muito menos um deus grego sentado em seu trono. Ele não a mirava, parecia perdido em seus pensamentos, sua bebida apoiada num dos braços da poltrona. Ele finalmente percebeu o olhar da outra, encarando-a de volta por breves segundos. Rin não desviou o olhar; estava surpreendida. Aquele ar sereno dominava novamente o semblante do outro, parecia que ele havia esquecido sua máscara de gelo em algum lugar. Ao contrário dela, ele não estava tenso. Não, ele estava relaxado, de uma maneira que não ficava há muito tempo. Seus olhos dourados repousaram nas mãos trêmulas da professora.
"Está com frio?" - ele indagou - "Posso acender a lareira" - disse fazendo menção de se levantar.
"Não! Não, senhor" - respondeu rapidamente, fazendo-o virar-se novamente em sua direção - "Eu estou bem"
"Tem certeza?"
"Sim" – e lhe ofereceu um pequeno sorriso. Sesshoumaru voltou a se sentar. O silêncio reinou novamente, mas dessa vez não lhe parecia tão desconfortável como estava antes, ela constatou bebericando seu vinho. Delicioso - "Esse vinho é muito bom" - comentou, rompendo ela mesma o silêncio dessa vez - "Acho que nunca experimentei um tão gostoso assim"
"Sabia que iria gostar" - respondeu, também tomando um gole de seu conhaque - "É francês, Miuga me deu"
"Foi um presente?" – arregalou os olhos chocolates - "E o senhor abriu para eu tomar? Porque fez isso? Não deveria..."
"Eu quis abrir, Rin" - ele disse simplesmente.
"Mas..."
"Sem mas…" - fez menção de contrapor mais uma vez, mas ele a interrompeu, antes que ela proferisse qualquer coisa - "Pense nisso como uma forma de agradecimento pelo jantar"
"Ora, isso não precisa de agradecimentos"
"Eu sei" – Sesshoumaru disse, enigmático, seus olhos atravessaram a professora intensamente, não de forma fria, mas bem estudada. Rin encarou-o de volta por alguns instantes, sentindo-se mais uma vez desconcertada. Não como anteriormente, mas a intensidade que ele a mirava estava deixando-a com falta de ar. Talvez fosse melhor romper aquele silêncio novamente, foi o que ela pensou, endireitando-se melhor no sofá, e logo o fez:
"Na verdade agora estou até com vergonha de ter oferecido pra vocês algo tão simples!" – falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça. Ele ergueu as sobrancelhas – "Um Lámen! Se eu tivesse um pouco mais de tempo poderia ter feito algo melhor"
"O Lámen estava ótimo. Faz tempo que não comia"
"Ótimo?" - riu levemente - "Duvido que a Senhora Kaede faça algo tão sem graça! E o Jakotsu-san? Toda aquela comida que ele fez para o noivado estava dos deuses"
Foi a vez dele rir. Ela teve que se concentrar bastante para não suspirar com aquele ato. Quantas vezes o via visto rir? Podia contar nos dedos.
"Ele cozinha muito bem mesmo, mas as vezes exagera"
"Exagera?" – ela indagou.
"Ele morou na França muito tempo. Na Itália também" - começou a explicar - "Gosta de cozinhar coisas extravagantes. É muito bom, mas tem dias que eu só quero..."
"Um Lámen?" – sugeriu.
"Um lámen" - ele confirmou, levando seu copo à boca – "É um pouco raro ele fazer comida oriental. Eu não ligo muito, gosto da culinária europeia, mas hoje eu vi que sentia falta de algo mais simples"
"Mas aposto que ele deve fazer pratos deliciosos! Ele é um chef de verdade, não é?"
"É sim" – murmurou ele, levantando-se da poltrona para pegar a garrafa de conhaque e a de vinho – "Trabalhou em excelentes restaurantes, tem ótimas referências" – comentou servindo a si e a outra de mais bebida.
"Tenho certeza que sim" – ela respondeu, observando-o colocar mais bebida em sua taça – "Mas, acho inusitado ele trabalhar em uma casa de família sendo tão bom. Não que ache errado" - acrescentou – "Mas normalmente as pessoas almejam ter uma carreira, certo? E principalmente na gastronomia, elas precisam ser vistas, trabalhar em restaurantes... Desculpe" – ela disse quando ntou que ele a analisava mais uma vez – "Falei algo de errado?"
"Não" – respondeu – "Você é muito observadora" – comentou com um meio sorriso – "Jakotsu trabalhava num restaurante muito famoso aqui em Tóquio" – disse – "Eu costumava ir bastante e também fazia jantares de negócios com parceiros importantes lá. Sempre gostei da comida. Eu conhecia o dono do restaurante, e também já conhecia Jakotsu. Ele era o chef da cozinha, sempre muito elogiado. Acontece que os dois se envolveram intimamente. Mas as coisas não deram certo. O dono do restaurante ficou uma fera e o despediu e fez uma péssima carta de recomendação"
"Que horror" – Rin comentou incrédula,
"Pois é. E ainda, sempre que o contatavam de outros restaurantes onde Jakotsu tentava uma vaga, ele fazia péssimos comentários... Então Jakotsu nunca mais conseguiu um bom emprego" – ele fez uma pausa – "Certa vez eu o encontrei na cozinha de uma lanchonete onde havia parado para fazer um lanche rápido... Fiquei surpreso. Então Sarah teve a ideia de..." – parou de súbito como se desse conta de suas palavras. Pela primeira vez desde que eles se encontravam ali naquela sala, ele pareceu incomodado, seu olhar se desprendeu das íris surpresas da professora por instantes, mas logo voltou-se para ela, e continuou – "Eu o contratei como cozinheiro da mansão, ele está aqui desde então"
Rin o analisou por uns segundos.
"Belo gesto" – disse com um sorriso – "Ele deve ser muito grato a você" - Ele não respondeu, apenas bebeu um pouco mais de seu copo – "Estou impressionada"
"Porque tanta surpresa?" – questionou com uma sobrancelha erguida. Rin gargalhou levemente.
"Ora, Senhor Sesshoumaru, me desculpe" – ela riu mais um pouco – "Mas para um homem que tinha um discurso como o teu, claro que me admira essa demonstração de compaixão ao próximo"
"Sabe Rin, sua sinceridade também é muito surpreendente" – ele murmurou; foi a vez da professora lhe lançar um olhar questionador – "Tirando InuYasha e Myouga, e Hakudoushi, é claro, todos ficam um pouco apreensivos de falar exatamente o que pensam para mim. Não sei bem o porquê..." - Rin riu mais uma vez. Ele acompanhou daquela vez – "Não sou tão insensível quanto pensa" – retornou ao assunto anterior – "Sou uma pessoa justa"
A professora o encarou.
"Tem certeza?" – ele também a olhou, esperando que continuasse, ela ponderou por uns instantes pensando se realmente deveria prosseguir – "Não tenho nada contra o Jeninji-san" – começou, escolhendo bem as palavras – "Muito pelo contrário, ele é um doce de pessoa... mas... o senhor despediu aquele outro motorista, não foi? Por causa daquele episódio do parque"
O empresário ficou calado por uns instantes.
"Despedi sim" – respondeu – "Mas tinha meus motivos. Ele traiu minha confiança naquele dia e você também" – Rin ameaçou falar alguma coisa, mas ele não permitiu – "Vocês simplesmente levaram meu filho sem meu consentimento. Eu tinha todo direito de demiti-lo e você também"
"Me demitir?"
"Pedir sua demissão, quis dizer"- consertou.
"Eu só estava querendo ajudar" – ela contrapôs – "E o senhor sabe disso, e até me agradeceu"
Sesshoumaru abriu a boca para responder, contudo apenas emitiu um pequeno puxar de lábios.
"Não vamos entrar nessa de novo. Não quero discutir com você. Não hoje" – foi o que disse bebendo um bom gole de conhaque – "Mas só para você saber. Eu o recomendei pra um sócio meu. Ele está trabalhando como motorista na empresa dele" – e lhe lançando um olhar, que a professora só pode classificar como de deboche, completou – "Não sou tão sem coração quanto você pensa"
Ela sorriu.
"Nunca pensei isso" – respondeu – "Mas confesso que me surpreendeu" – completou com um pequeno sorriso, levando também sua taça a boca – "Novamente"
Silêncio. Mas surpreendentemente aquilo não a incomodou dessa vez. Se sentia mais relaxada, menos apreensiva. Talvez seja efeito do vinho. Ela pensou ao sentir suas bochechas quentes.
"Onde aprendeu a cozinhar?" – o som grave da voz dele preencheu o cômodo de novo.
"Meu pai" – a professora respondeu com um sorriso – "Ele não é chef, mas adora cozinhar. Faz cada comida deliciosa" – fez uma pausa, como se lembrasse de algo – "Faz tanto tempo que não o vejo que nem lembro mais do sabor de seu tempero"
"Onde eles moram?"
"Hokkaido¹. Num vilarejo há duas hora de Wakkanai"
"É meio longe" - ele respondeu – "Você cresceu lá?"
Ela confirmou com a cabeça.
"É bem pequeno. Praticamente todo mundo se conhece. Mas tem muito verde. Alguns turistas vão para lá para fazer caminhadas, aproveitar o ar puro..." – ela sorriu – "É ótimo para crianças também. Brincar no mato. Correr bastante. Nadar no rio, brincar com os peixes, procurar umas frutas... a noite se estiver muito frio, fazer uma fogueira para aquecer enquanto..." – ela parou ao notar que ele encarava com o cenho franzido. Ela ergueu uma sobrancelha - "Nunca fez isso, não é?"
"Confesso que não" – ele respondeu – "Sempre morei em Tóquio. Cheia, tecnológica, barulhenta..."
"Era muito bom" – ela assegurou – "Me divertia muito com meu irmão"
"Irmão?"
"Kouga" – respondeu - "Ele é dois anos mais velho que eu"
"Só são vocês dois?"
"E meu pai e minha mãe. Eles têm uma loja de conveniência no centro da cidade. Vende de tudo. Mas acho que o que papai queria mesmo era abrir um restaurante pequeno de comidas típicas. Ia ser ótimo, já que o turismo está crescendo bastante" – ela fez uma pausa, e Sesshoumaru não deixou te notar que seu olhar se tornou um tanto melancólico. Ela abaixou a cabeça encarando sua taça quase vazia – "Eu sinto falta deles. E de Hokkaido também. Gosto tanto de lá"
"Porque veio pra cá então?"
Ela o encarou, um leve puxar de lábios surgindo novamente.
"Porque queria estudar"
"Não tem faculdades em Hokkaido?" – ele indagou como se fosse óbvio – "Assim ficaria mais perto de sua família"
"Mas nenhuma delas é a Todai. Eu sempre quis estudar aqui" – ela riu – "Aquele velho sonho de gente do interior em viver na cidade grande. Meus pais deram duro pra eu poder vim e fazer a prova. E quando passei não tinha como eu não ficar. É a melhor faculdade do país, uma das melhores do mundo em Direito"
Sesshoumaru franziu o cenho, sua boca pendendo para baixo em surpresa. Rin sorriu, levando a taça mais uma vez a boca, terminando com seu conteúdo, achando graça de ver aquela expressão tão atípica no rosto do outro.
"Você cursava Direito?"
Ela afirmou com a cabeça
"Na Todai?"
Ela confirmou mais uma vez.
"Mas você é Pedagoga, não? O que a fez mudar?"
"Eu não gostei" – confessou – "Eu detestei pra falar a verdade. Era uma clima de competição o tempo inteiro e aquilo me sufocava. Eu fiz Direito porque achava que eu deveria ganhar dinheiro, mas a verdade é que eu não gostava do assunto, não gostava das aulas, não gostava daquela tensão. E isso me fez pensar que... havia algo de errado"
"De errado?"
"Com o sistema de educação" – respondeu simplesmente – "Ali estavam os melhores dos melhores, certo? Mas eles não pareciam querer estudar pra aprender. Eles pareciam querer estudar para superar uns aos outros, pra engolir uns aos outros" – explicou – "Por isso eu desisti. E mudei pra Pedagogia"
"Pra entender como o sistema funciona" – ele concluiu, acompanhando a linha de raciocínio da moça.
"Exatamente" – ela disse – "E me apaixonei. O clima de competição era menor também" – esclareceu – "Com o passar do tempo eu comecei a ver algumas coisas que eu não concordava sobre educação. Sobre a rigidez do nosso ensino, sobre como os adolescentes são muitas vezes sobrecarregados, sobre o quanto as crianças são cobradas desde cedo, comparadas á outras crianças o tempo inteiro. As separação de classes entre os melhores e os piores em algumas escolas, sem nem considerar que algumas pessoas tem mais dificuldades que outras. Eu queria tanto melhorar isso. Não acredito que ninguém seja pior do que ninguém, mas acho que todos tem que ser estimulados a estudar porque querem estudar, porque querem aprender, mas não porque eles precisam ser melhores que os outros" – ela fez uma pausa, os olhos dourados não se desprendiam de si – "Claro que não estou dizendo que nossa educação é ruim, é uma das melhores do mundo, mas acredito que ainda há coisas que devem ser aprimoradas"
"A competição também estimula" – ele comentou.
"Quando bem aplicada. Nada de ninguém ser melhor que ninguém. Mas cada um superar a si mesmo"
Ele continuou a encara-la por mais alguns segundos.
"É um objetivo bem ousado este o seu"
Ela riu fracamente em resposta.
"Eu sei" – concordou – "Depois de um tempo caí um pouco na real" – disse com um pouco de pesar – "Sei que é algo muito difícil de ser alcançado. Nada vai mudar de uma hora para outra. Por isso agora tenho um objetivo um pouco mais modesto" – ele ergueu as sobrancelhas como se falasse pra ela continuar – "Quero dar aulas para educadores, para mostrá-los a melhor forma de ensinar e estimular crianças a estudar por prazer. Depois pretendo construir uma escola com um modelo um pouco diferente. Estou estudando bastante sobre isso no mestrado e pretendo continuar no doutorado. Com o tempo, os pais vão poder ver que o rendimento dos alunos poderá melhorar bastante"
"E é eficaz?"
"Tenho bases científicas para crer que sim"
"Não vai ser fácil abrir uma escola diferente assim do nada"
"Estou batalhando para isso" – ela respondeu – "Me dedico bastante o tempo inteiro. Claro que hoje é um pouco difícil para mim. Sou apenas uma professora de pré-escola"
"Pensei que gostasse de crianças" – ele disse, sua voz um pouco mais áspera.
"Eu amo crianças, Senhor Sesshoumaru. Faço tudo isso por elas. Eu tinha outras propostas de emprego, mas nada me deixa mais feliz que ensinar meus pequenos" – ela sorriu – "Quero que aprendem melhor e sejam o melhor que podem ser"
Ele nada disse. Apenas limitou-se a mirá-la de sua poltrona. A sinceridade e a determinação no fundo de seus olhos castanhos eram invejáveis. Ele sentiu algo estranho dentro de si, tão desconhecido que nem mesmo ele soube dizer o que era ao certo. Mas o fazia se sentir um pouco desorientado. Ele nunca havia pensado que Rin possuía sonhos tão grandiosos e tão inspiradores. Muito menos que ela fosse tão inteligente a ponto de passar na Todai com tanta facilidade. Se sentiu envergonhado de ter menosprezado seu conhecimento, sua capacidade.
Ela é realmente incrível.
Sim, ela era.
"Acha tudo isso besteira, não é?" – ela o despertou de seus devaneios, com um sorriso tímido nos lábios rosados - "Desistir de uma carreira promissora do jeito que fiz..."
"De jeito nenhum" – Sesshoumaru respondeu com franqueza - "Você é surpreendente, Rin"
Ela baixou os olhos encabulada. A vivacidade daquele olhar era demais pra ela conseguir sustentar. Ele sorriu internamente. Olhou para a taça vazia que se encontrava na mesa de centro, movendo-se para servi-la novamente.
"Senhor, eu sou muito fraca com bebidas" – disse, observando-o encher sua taça com o líquido rubro e logo se servir de mais conhaque.
"Porque me chama de senhor o tempo inteiro?" – ele sussurrou baixo, algo que pareceu mais para si, do que para a moça.
O coração da professora pareceu falhar uma batida ao ouvir aquilo.
"É meu patrão" – respondeu. Ele tirou os olhos da garrafa em suas mãos, que ainda servia seu copo, para mira-la rapidamente. Voltando-se depois para sua tarefa, deixando seu copo um dedo a cima da metade. Ele voltou a se recostar na poltrona. Ela ficara desconfortável mais uma vez. Ele constatou quando a viu se remexer no sofá e desviar seu olhar. E por mais que na maioria das vezes apreciasse esse efeito que tinha sobre ela, daquela vez não fora isso que almejara.
"Hakudoushi com certeza estudaria em sua escola" - Ela voltou-se novamente para ele quando escutou o que disse. Sesshoumaru carregava um pequeno sorriso nos lábios. Sincero. Leve. Ela sorriu também.
"Vocês estão realmente bem, não é?" – ela indagou – "Saindo juntos, conversando bastante... Ele me contou tudo"
"Contou foi? Ele está meio fofoqueiro, falando pelos cotovelos"
"Está, não está? Isso me deixa tão feliz! Precisava vê-lo na cozinha parecia um mini-chef!"
"Não vou dizer que gostei dessa ideia" – ele murmurou – "Hakudoushi junto de fogo e facas não me deixa muito feliz"
"Estávamos supervisionando-o o tempo em inteiro. E ele adorou ajudar! Sabia que o Lámen foi ideia dele?"
Sesshoumaru parou por uns instantes. O copo pairando no seu caminho até a boca.
"Foi?"
Rin assentiu, estranhando a reação do executivo. Ele pareceu distante, embora seus olhos a mirassem vidrados, era como se ele não a estivesse enxergando. Percebeu sua face suavizar mais uma vez, de uma forma quase terna. Ele não estava ali; ela concluiu. Ele estava bem, mas bem longe dali.
"Falei algo que não devia?" – indagou, temendo que tivesse sido inconveniente em algum comentário. Ele acordou de seu divagação, as íris castanhas se focalizando mais uma vez a sua frente. Era Rin que estava lá e não...
"Não" – ele respondeu simplesmente, bebendo um gole bem grande do copo. Agora foi a vez de Rin o analisar. Ele ficara sério novamente, seu semblante de mármore havia voltado ao rosto descontraído. Ela se perguntava o que havia falado de errado par ele ter mudado tão bruscamente, mas não encontrava nada de mais em suas palavras. Viu-o beber mais um gole do conhaque, evitando mira-la nos olhos. Ele realmente estava incomodado com alguma coisa. Ela mirou a sua taça de vinho em suas mãos, estava pela metade. Se sentia um pouco quente e uma leve tonteira parecia estar logo logo por vim. Ela era realmente fraca com bebidas; e já havia bebido demais.
"Eu..." – ela começou – "Acho melhor eu ir indo" – e depositou a taça na mesinha de centro.
Sesshoumaru virou-se de súbito para ela.
"Porque?" – ele soou mais urgente do que gostaria.
"Já estava ficando tarde e... bem..." – ela escolheu bem as palavras enquanto se levantava do sofá – "Não quero ser inconveniente, Senhor Sesshoumaru. Acho que disse algo que não gostou"
"Não é nada disso, Rin" – murmurou – "É que..." – ele fez uma pausa, engolindo a saliva amargada pelo álcool. Ela continuava parada, esperando ele terminar de falar. Seus olhos castanhos o medindo de forma terna – "Você me lembrou de algo que eu não penso há muito tempo" – disse – "Ou tento não pensar" – confessou por fim, levando mais uma vez o copo aos lábios.
Rin nada respondeu. Continuou de pé sem se mover por alguns instantes. Sesshoumaru a mirava de forma enigmática como se esperasse pra ver o que ela falaria ou melhor se ela entenderia o que ele quis dizer com aquilo. Ela também o encarava; seus olhos o analisando de forma singela. Ele repousou o copo na mesa mais uma vez, se servindo um pouco mais. Fique. Era o que ela ouviu em sua cabeça; a própria voz do homem que lhe repetia, exatamente como há momentos atrás. Ela então se sentou novamente.
Sesshoumaru respirou fundo; ela entendera o recado. Contudo não conseguiu proferir mais nada por um bom tempo. Ele não sabia se realmente queria falar. Fazia tanto tempo. Ele jurara que não tocaria naquele assunto. Mas aquilo o estava sufocando. Tantos anos de pensamentos e lembranças reprimidas. Será que realmente deveria...?
"Sua esposa costumava fazer pra você?" – ele se virou surpreso em sua direção; o que encontrou foi um sorriso gentil, suave e ao mesmo tempo encorajador em seus lábios rosados. Sesshoumaru sentiu seu peito aquecer com uma sensação incomum de contentamento e acolhimento – "O lámen?"
Que diabos era aquilo? Que intromissão era aquela em seus assuntos? Que audácia a dela de se meter em sua vida daquela maneira e... Espera. Quem ele queria enganar? Os olhos de Rin lhe traziam uma segurança surreal e uma meiguice sem igual. Talvez ele quisesse sim falar sobre aquilo. Não, na verdade, talvez ele quisesse falar com ela sobre aquilo. E ela estava lá, pronta para escutar o que quer que ele quisesse dizer. E ele queria dizer. Talvez fosse finalmente a hora de desabafar um pouco. Com ela.
"Na verdade" – ele começou um pouco incerto, desviando os olhos para o copo que segurava – "Era a única coisa que ela sabia fazer" – e esticando um pouco os lábios, ele comentou – "Sarah cozinhava muito mal"
Rin soltou uma risada abafada. Ele falara. Ele realmente falara.
"Sério?"
"Seríssimo" – ele voltou seus orbes para Rin; ela ainda lhe sorria. E ele finalmente constatou o quanto ele realmente desejava desabafar. Aquilo o assustou – "Ela tentava cozinhar algumas coisas, desde o início do nosso namoro, ela sempre tentava. Mas nunca dava certo. Ficava muito salgado, ou queimava ou ela misturava os temperos errados. Sarah era um pouco atrapalhada" – ele riu de leve, e isso fez o coração de Rin disparar outra vez. Sentiu suas bochechas ficarem mais vermelhas, e dessa vez sabia que não era o vinho – "Eu costumava fingir que estava tudo gostoso. Até o momento que ela experimentava e via que estava péssimo. Ela ficava uma fera. O Lámen era a única coisa que ela conseguia fazer bem. Depois que veio morar comigo, sempre que ela ia para cozinha, era Lámen com certeza"
"Você acha que Haku-kun se lembrou disso?" – Rin indagou.
"Não sei. Talvez. Ele era bem novo"
"Mas ele se lembra de muitas coisas" – ela falou com cautela. Tudo que ela menos queria, era falar algo que ele não gostasse e aborrece-lo. Sesshoumaru não respondeu de imediato, parecendo pensativo novamente – "Mas ele tem medo de esquecê-la, sabia?"
"Impossível" – ele murmurou – "Se eu que já tentei tantas vezes não consigo, imagina ele"
Rin ficou surpresa com a aquela afirmação. Tão sincera e emotiva que realmente nem parecia ele mesmo.
"Porque tentar esquecê-la?" – indagou – "Tenho certeza que não é isso que ela gostaria"
"Com certeza não" – ele respondeu, se endireitando na poltrona. Erguendo um pouco o corpo para apoiar os antebraços nos joelhos; o copo ainda em sua mão. Ele bebeu mais uma vez – "Mas eu cheguei em um ponto que desacredito dessas coisas. Vi que esses sentimentos me prejudicavam demais. Por isso eu resolvi não pensar mais ou falar sobre isso" – ele a encarou por alguns instantes. Ela o olhava interrogativa – "Você não entende, não é?"
"Sinceramente, não" – respondeu – "Não vejo lógica em reprimir sentimentos, esquecer pessoas queridas. Não consigo pensar assim"
Sesshoumaru umedeceu os lábios, pensando se deveria continuar com aquilo. Estavam começando a seguir um caminho cada vez mais profundo daquela história. Mas o fato era que... bem, não sabia bem o porquê, mas ali... naquele noite, com Rin, ele queria continuar. Não o Sesshoumaru de agora, mas parecia que o Sesshoumaru de anos atrás, aquele que ele mesmo havia se esquecido que existia, queria falar tudo para ela; compartilhar tudo com ela.
"Sabe, Rin" – ele começou – "Nós crescemos em mundos muito diferentes" – ele comentou. A professora mais uma vez o olhou interrogativa – "Desde pequeno eu sempre tive tudo. Dinheiro nunca foi problema. Meu pai herdou a empresa de meu avô, que já era uma grande empresa antes, e ele a transformou numa referência aqui no Japão" – ele falou, seus olhos vidrados nos dela assim como os dela nos dele; um magnetismo inexplicável – "Ele nunca se importou muito com mulheres e casamentos quando era mais novo, pelo menos é o que Myouga me contou. Ele só se dedicava a empresa. Até conhecer a minha mãe" – continuou – "Minha mãe era modelo. Uma mulher muito bonita e muito ambiciosa também. Meu pai caiu de joelhos por ela. Eles se casaram bem rápido" – ele fez uma pausa, para respirar fundo – "Ela era bem nova quando me teve. Tinha acabado de fazer vinte anos. Ela..." – ele fez uma pausa novamente – "Ela nunca foi muito atenciosa comigo. Meu pai sempre foi mais... amoroso" – mais uma vez ele parou, dessa vez por um tempo um pouco maior – "Quando eu fiz quatro anos, ela nos deixou. Desapareceu do mapa"
"Como assim?" – Rin indagou arregalando os olhos.
"Um bilionário singapurense apareceu. Com mais zeros na conta que meu pai. Ela não pensou duas vezes e foi embora" – ela o mirava aterrorizada – "Eu me lembro até hoje do dia que ela se foi. Meu pai ficou arrasado. Não me lembro de tê-lo visto daquela maneira em nenhum outro momento"
"Céus" – ela sussurrou angustiada.
"Mas depois de um tempo veio Izayoi" – ele comentou com um sorriso pequeno – "Tudo mudou. Eu demorei para aceita-la de início, mas ela era tão doce, tão carinhosa, tão diferente da minha mãe que foi fácil dê-la como madrasta. InuYasha chegou logo depois. E eu me lembro que foi uma época muito boa. Não costumávamos brincar como você fazia, em rios ou no mato" – ele riu de leve – "Mas nos divertíamos. Brigávamos ás vezes, mas coisa boba. Você sabe, você tem um irmão" – e ela concordou com a cabeça. Ele parou mais uma vez, o sorriso morrendo em seus lábios. Rin já sabia que o que viria a seguir não era coisa boa – "Quando eu tinha quatorze anos meu pai e Izayoui morreram num acidente de carro e minha vida deu uma reviravolta enorme" – ela engoliu em seco, mas nada disse, embora seu olhar penalizado quisesse conforta-lo, ela sabia que deveria deixa-lo continuar– "Myouga nos ajudou bastante. Ele ficou com nossa guarda, mas nós continuamos morando aqui em casa. Kaede já trabalhava aqui, foi ela que criou InuYasha praticamente. InuYasha ficou transtornado, revoltado. Foi uma época muito difícil pra ele. E eu sabia que a partir dali, como filho mais velho, a responsabilidade ia cair toda sobre mim. A empresa entrou em crise, perdemos sócios, investimentos, Myouga não conseguia mantê-la sozinho" – ele parou, dessa vez para molhar sua garganta seca com bebida – "Eu comecei a trabalhar lá com dezessete anos. Não tive muita escolha. Cursei administração na faculdade porque era a alternativa que eu tinha pra manter o patrimônio da minha família. Foi difícil no início, as pessoas não me levaram muito a sério"
Rin permaneceu em silêncio, permitindo que ele continuasse se desejasse. Ele mirou a taça da professora que ainda repousava sobre a mesa, pegou a garrafa de vinho e colocou um pouco mais de seu conteúdo, enquanto continuava:
"Eu conheci Sarah no começo de minha faculdade. Ela era estudante de música" – depositou a garrafa na mesa novamente– "Era um momento conturbado, eu estava completamente desestabilizado. Muitas coisas estavam acontecendo comigo. A cobrança de todos na empresa que estava nas mãos de jovem universitário, a perda dos meus pais que mesmo depois de anos eu não conseguia superar direito, InuYasha adolescente sem querer fazer nada da vida" – ele se recostou no sofá – "E ela apareceu"
Sesshoumaru voltou-se para Rin, vendo toda a atenção que Rin lhe dirigia, seus olhos transbordavam em emoção enquanto ele fazia sua narrativa. Todavia naquele ponto, chegando bem naquele ponto, pareceu difícil de continuar.
"Vocês se apaixonaram" – Rin concluiu no lugar dele, percebendo sua dificuldade. Contudo antes que pudesse lhe dizer que ele não precisava continuar se não quisesse, ele prosseguiu:
"Ela era especial. Depois de tudo aquilo que havia acontecido, eu finalmente tinha encontrado alguém que se tornou tudo pra mim. Eu depositei todas minhas energias nela, meus sentimentos nela. Nós casamos bem jovens. Hakudoushi nasceu. E tudo começou a se ajeitar. A empresa voltou a ser o que era antes, InuYasha estava na faculdade de economia e logo se juntou a mim no trabalho, eu tinha a família perfeita e..." – seu peito apertou e ele viu que tinha que acabar logo com aquilo, já fora demais pra ele – "Ela tinha um tumor cerebral" – pausa – "Quando descobrimos já estava com metástase. Não havia nada que pudéssemos fazer"– outra pausa – "Ela morreu seis meses depois"
Silêncio. Rin sentiu os olhos marejarem. Ela continuava a encarar suas íris douradas, enquanto suas palavras repetiam em sua cabeça. Céus! Quantas pessoas ele havia perdido, quantas responsabilidades ele teve que assumir tão novo. Nunca imaginara que ele tivesse uma história como aquela.
"Eu sinto muito" – foi o que conseguiu proferir, sua voz já embargada com choro. Ela fazia todo esforço para as lagrimas não descer. Sem sucesso. Sesshoumaru se ergueu, indo até uma estante e tirando de lá lenços de papel. Ele ofereceu para ela, sentando-se dessa vez ao seu lado no sofá. Ela aceitou, pegando os papeis de suas mãos e limpando seu rosto.
"Já está virando hábito o senhor me ver assim, não é mesmo?" – ela falou, esboçando um sorriso sem graça em meio a cara chorosa – "Fico até com vergonha"
"Não precisa ficar" – ele murmurou.
"Mas isso tudo é muito triste. Eu me sinto tão mal por tê-lo julgado o tempo inteiro, sem nem conhece-lo direito e..."
"Acho que nos dois não nos conhecíamos direito" – ele a interrompeu um meio sorriso brincava em seus lábios ao se lembrar do que ela também compartilhara.
"Então foi por isso que ficou mais..." – ela procurou a palavra certa, mas não conseguiu achar.
"Pode falar insensível mesmo, eu não ligo" – ele a ajudou – "Pra falar a verdade, acho que essa foi a forma que encontrei de me prevenir de certos desapontamentos – confessou – "Eu cheguei a conclusão que que se eu simplesmente não pensasse mais nisso e nem deixasse Hakudoushi pensar, nós ficaríamos preparados para qualquer outro acontecimento que pudesse vim. Que enfrentaríamos tudo de forma sensata e racional, e não nos magoaríamos mais" – respirou fundo – "Mas talvez eu... eu estivesse errado" – ele fez uma pausa – "Eu me tornei uma pessoa seca, fria e sei bem disso. E estava levando meu filho para o mesmo caminho. Ainda bem que Hakudoushi conseguiu recuperar este tempo perdido. Está mais alegre, falante. Mas eu" – ele engoliu em seco, antes de terminar –"Eu não sei se conseguirei voltar a ser como era"
"E não vai conseguir" – Rin murmurou, ele a olhou interrogativo – "A gente não pode voltar no tempo. O que somos hoje é consequência do que vivemos. Não tem como você voltar a ser a mesma pessoa que foi no passado, sendo que já passou por tantas experiências" – ele assentiu, assimilando suas palavras – "Mas o que o você precisa fazer, é ser a melhor pessoa que consegue ser agora. Transformar tudo em lições, não repetir erros e fazer o bem sempre"
Ele a mediu por mais alguns instantes antes de dizer:
"Isso era algo que Sarah falaria"
Rin sorriu novamente, vendo-se refletida feito espelho naquelas íris de ouro. Só agora havia notado o quanto estavam próximos, suas pernas se tocavam levemente e ela podia sentir o calor que ele emanava ao seu lado. Céus, aquilo não era bom. Ela engoliu em seco. Não era mesmo.
"Deve ser incrível, não é?" – ela comentou; sua voz um pouco trêmula – "Sentir algo assim por alguém. Algo tão especial" – o que ela estava falando? Céus, ela tinha que parar; ela tinha que ir embora, ela tinha que ignorar a sensação deliciosa e ao mesmo tempo sufocante que estava sentindo naquele momento. Era o que vinho. Só podia ser o vinho. Por isso ela estava assim. Com as bochechas quentes, o pulso acelerado, o calor no corpo inteiro – "O senhor tem sorte. Dizem que só acontece uma vez na vida"
"Será?" – ele indagou, erguendo uma sobrancelha. Rin sentiu o coração falhar uma batida. Ele estava brincando com ela de novo? Era isso? Jogando de novo? A testando de novo? Mesmo depois de toda aquela conversa?
Não.
Não mesmo.
A maneira que ele a olhava naquele momento contrariava todos aqueles pensamentos. Ele a mirava com tanta intensidade que ela tinha quase certeza que ele podia ver através de suas roupas, através de seu corpo, decifrando sua alma apenas com aquele olhar. Ele a mirava como se ela fosse a única coisa que existisse. A única pessoa que existisse.
Mas ela não era.
"Verdade" – ela disse, esboçando um riso sem graça, sentindo um vazio enorme no estomago – "O senhor encontrou a Senhorita Kagura, não é mesmo?"
Aquilo caiu feito um balde de gelo na cabeça do executivo. O que diabos estava fazendo? Flertando com Rin? Havia simplesmente se esquecido por completo da existência de Kagura. Durante todo aquele tempo que estivera naquela sala com Rin, nem por um segundo se lembrara da noiva. Mas ela se lembrara.
"É" – foi o que conseguiu dizer, se sentindo desconcertado. Rin desviou o olhar também. Ele umedeceu os lábios. Uma curiosidade começou a martelar em sua cabeça – "Você nunca sentiu algo especial por alguém?" - Rin sentiu as bochechas arderem como nunca havia sentindo antes. O que ele estava fazendo? Ela voltou a encara-lo. Céus, ele estava tão perto; seus olhos cor de ouro miravam os dela a espera de uma resposta. Mas o que ela poderia dizer? Que ela sentia já sentira sim; que na verdade ela estava sentindo naquela exato momento? Que ela nunca sentira por alguém o que sentia por ele? Que tudo que ela queria fazer naquele momento era se atirar em seus braços? Por Deus. Ela tinha que sair logo dali.
"Não" – mentiu em um fio de voz.
"Então, significa que você... não tem ninguém especial?"
"Não"
Sesshoumaru soltou o ar, sem saber ao certo se sentia aliviado ou decepcionado com a resposta. Aquilo era realmente estranho para ele. Quase como novo. Não se lembrava da última vez que se sentira daquela forma. Aquela ansiedade que lhe embrulhava o estomago; aquele nó na garganta que lhe impedia de respirar direito; aquela atração inexplicável por aqueles olhos castanhos que lhe fazia querer olha-la sempre. Admira-la. Como era bonita; encantadora; com seus cílios grandes, suas bochechas rosas, seus lábios cheios. Era tão jovial, tão bela. Seu rosto desprovido de qualquer maquiagem lhe transmitia um ar de pureza incomum, de paz. E ao mesmo tempo lhe era tão sedutor... Ela não parecia ter qualquer noção disso, o que o deixava ainda mais atraído.
Ele ergueu uma mão, depositando-a em uma das suas bochechas. Acariciou-a ali, com o polegar. Como era macia.
"Não acredito" – ele disse; sua voz suave. Não raciocinando muito sobre o que estava fazendo. Será que era efeito do conhaque?
"O que?" – ela indagou; havia simplesmente se esquecido do que estavam falando. Se esquecido de Kagura. Se esquecido do assunto. Céus, aquilo era bom. Sua mão era tão quente. Nem se lembrava do porquê de querer tanto sair dali. Não se lembrava de mais nada. Queria ficar ali para sempre.
"Que não tenha ninguém" – demorou para responder. Também parecia ter se esquecido, enquanto se concentrava na sensação daquele pele sob a sua. Macia. – "Impossível"
Rin depositou uma de suas mãos sobre a dele, que ainda se encontrava em seu rosto. Se sentia tonta, todavia também não sabia dizer se era efeito da bebida ou dos olhos dourados que lhe encaravam com uma adoração descomunal. Mas aquilo não era uma sensação ruim. Era bom. Muito bom.
Sesshoumaru suspirou levemente quando sentiu a mão pequena sobre a sua. Seus olhos chocolates não desgrudavam dos seus e mais uma vez se sentiu hipnotizado. Eles eram imãs. Eles o puxavam com tamanha força que por mais que tentasse resistir, ele não conseguia não se atrair. Como se ele tivesse resistindo. Quem ele queria enganar? Não havia resistência alguma. Ele sorriu levemente ao constatar aquilo, enquanto se inclinava devagar em sua direção. Imã.
E como imã, ela também fez o mesmo. Seus narizes se tocaram. Mas seus olhos continuaram abertos. Imã.
Suspiraram ao mesmo tempo, cada um sentindo o ar do outro em suas bocas entre abertas. Vinho tinto e conhaque.
Fecharam os olhos juntos. Cientes que faltava apenas milímetros para que seus lábios se tocassem. Seus corações batiam desenfreados em expectativa.
Um barulho os despertou.
Vinha da sala de jantar.
Seus olhos se abriram de supetão.
O que estavam fazendo?
Se afastaram no exato momento que uma figura apareceu na entrada da sala.
Silêncio.
MMMM
"Jaken?" – Kaede lhe chamou ao entrar na cozinha e notar a presença do pequeno mordomo sentado numa cadeira junto a mesa – "O que faz acordado ainda?"
"Estou... pensssando" – ele respondeu.
"Em comprar outro pijama, eu espero" – a velha comentou, apontando para o cômico pijama de flanela que o homenzinho estava vestido. A face de Jaken logo tomou uma coloração rubra.
"Vá catar coquinho, velha chata" – contestou irado – "E você? O que essstá fazendo de pé? Essstá doente. Não deveria ficar andando pela casssa feito alma penada"
"Eu estou sem sono" – ela respondeu se dirigindo até a geladeira e pegando um vaso de água – "Descansei bastante no meu quarto. Agora não estou conseguindo dormir" – continuou, enquanto se servia – "Quer um pouco?" - ele negou com a cabeça – "Então, me diga. Em que tanto pensa?" – terminou, sentando-se á mesa de frente a ele.
"Bom" – ele começou parecendo pensativo – "Bem... é que..." – ele coçou o queixo – "Sssabe, eu não..."
"Ora, Jaken. Vai falar ou não vai!?"
Jaken respirou fundo. Ele olhou para os lados, como se temesse que alguém mais estivesse na cozinha. Ao constatar que estavam sozinhos, finalmente desembuchou:
"Aconteceu algo essstranho agora a pouco" – revelou num sussurro, se debruçando a mesa.
"O que?" – a idosa indagou, erguendo as sobrancelhas grisalhas.
"Eu vi o patrão e a professora na sala de essstar"
Kaede quase engasgou com o copo d'agua que levara a boca. Sua face se iluminou e ela abriu um sorriso enorme no rosto velho, para o estranhamento do mordomo.
"O que você viu?"
"Bem" – ele continuou – "Elesss essstavam sssentados... pareciam essstar bebendo"
"E?" – ela perguntou em expectativa.
"E o que?" – disse franzindo a testa.
"Como e o que? O que eles estavam fazendo?"
"Bom" – ele coçou o queixo – "Nada" – revelou por fim – "Quando eu entrei na sssala, elesss pareciam essstar só conversssando"
Kaede estreitou os olhos.
"Você o que?" – indagou com a voz arrastada – "Você entrou na sala?! Você é idiota?"
"Ora, velha nojenta! Eu vim para a cozinha pegar um pouco do chá de Rin-sssensei que havia sssobrado e vi a luz da sala acesa! Pensssei que não havia ninguém e fui desssligar! Estava cumprindo com minha obrigação. Eu não sssabia que elesss essstavam lá!"
Kaede bufou incrédula.
"Você é um paspalho, Jaken" – murmurou balançando a cabeça de um lado para o outro. Mas antes que ele protestasse, a cozinheira prosseguiu – "Você sentiu algum... clima entre eles?"
"Clima? Mas que clima? O Senhor sesshoumaru tem noiva, Kaede! A Senhorita Kagura!"
"Que é uma cascavel nojenta!"
"Você nem a conhece direito!"
"Ninguém a conhece. Ela esconde muito bem quem ela é. Já Rin não! É uma mulher correta! Ou vai me dizer que você também não prefere a Rin do que a Kagura"
Jaken ficou calado por um tempo. Pensando.
"Quem tem que sssaber disssso é o patrão, Kaede. Não nós. Sssomos apenasss empregadosss" – Kaede concordou a contra-gosto – "E além dissso, eu sssinceramente não vi nada de maisss. Eu me desssculpei por ter entrado na sala. Eless dissseram que não tinha problema. Depoiss dissso ela simplesssmente dissse que tinha que ir embora. E pronto. Eless provavelmente essstavam sssó conversando sssobre o menino Hakudoushi"
"Certo. Mas agora me diga. Se não houve nada, porque está tão pensativo?"
Ele ficou mudo mais uma vez.
"Jaken"
"Está tarde, Kaede. Temos que dormir" – murmurou se erguendo – "Melhoras. Qualquer coisa pode me acordar, se não estiver se sentindo bem"
E ele saiu as presas, sem admitir que de certa forma, ele sentia que havia interrompido alguma coisa entre Rin e Sesshoumaru, sim. Ele não sabia direito o que era, mas definitivamente havia interrompido.
E ele sentia culpado por isso. Pois, seja lá o que fosse, tinha a sensação que era algo especial.
MMMMMM
Kohaku era, sem dúvida, um rapaz surpreendente. Ele tinha um carisma e um charme que não se via muito por aí. A habilidade de contar histórias, de rir facilmente e especialmente de fazê-la rir facilmente era surreal. Ele era bonito; chamava a atenção das moças por onde passava; ela podia ouvi-las murmurar o quanto ela era uma mulher de sorte. Ele tinha um sorriso muito atraente também; aberto, grande, sincero. E como era inteligente. Conversava sobre temas polêmicos, expondo seu ponto de vista com tanta perfeição, que parecia ter nascido para ser um orador. Ele realmente era impressionante, ela não podia negar.
"O que achou do filme?" – ele indagou, assim que eles pisaram na calçada saindo do cinema. Eles já haviam passado numa cafeteria antes da sessão e conversado enquanto comiam uma deliciosa torta.
"Achei fenomenal!" – Rin respondeu – "Gosto muito de filmes de terror"
"Eu também" – sorriu – "Esses dois gêmeos² eram de dar calafrios, não eram?"
"Ah! Nem tanto. Mas eu achei a história bem feita, esses austríacos sabem como fazer um bom filme"
"Uma pena que não tenha ficado com tanto medo"
Ela o olhou de esgoela, lhe lançando um sorriso travesso.
"Você queria que eu ficasse com medo, não é mesmo?"
"Não, imagina" – mentiu dando de ombros. Ela lhe ergueu uma sobrancelha – "Tá ok! Eu queria. Pensei que poderia ganhar uns abraços"– confessou fazendo beiço – "Só não esperava que você fosse tão destemida!"
Ela gargalhou com vontade, quando eles dois pararam num sinal que estava fechado para pedestres no momento. Já havia anoitecido e o centro da cidade começava a ficar agitado. Pessoas chegavam para o Happy Hour depois de um dia cansativo de trabalho e os restaurantes já se preparavam para abrir e receber seus clientes para o jantar.
Rin encarou o homem ao seu lado, constatando que ele já a mirava. Ela lhe ofereceu um sorriso acanhado ao que ele lhe retribuiu com gosto, expondo todos os seus dentes brancos feito leite; seus olhos se contraindo de maneira divertida.
"Não sabe o quanto eu fiquei feliz quando recebi seu telefonema" – ele murmurou.
"Estou feliz de ter aceitado o convite para sair" – ela disse.
"Está brincando? Eu estava dormindo com o telefone no meu travesseiro, caso você ligasse!"
Ela corou, após aquela afirmação tão espontânea, colocando uma mecha do seu cabelo negro atrás da orelha, meio sem jeito.
A verdade era que ela se sentiu um pouco culpada. Havia pensado bastante antes de ligar para o rapaz e chama-lo para dar um passeio. Tinha dúvidas se realmente estava fazendo a coisa certa, mas depois daquela noite na sala da casa dos Taishou, ela chegou à conclusão que tinha que fazer alguma. Seus sentimentos por Sesshoumaru estavam foram de controle. Se Jaken não tivesse aparecido naquele momento, ela não sabia o que aconteceria. Ali com ele, sozinha, após umas boas taças de vinho. Ela não tinha mais comando sobre si. E aquilo não era bom. Tinha que afasta-lo de sua cabeça, porque naquele momento a única coisa que queria era ter sentido seus lábios novamente. Queria que ele a tivesse abraçado. Queria ter estado em seus braços e... Não! Ela tinha que parar com isso! Fora tudo por culpa daquele maldito vinho. Porque havia aceitado ficar afinal? Porque havia bebido? Ela sabia que aquilo não poderia acabar bem. E todo aquela história de se afastar? De não se envolver mais? Ela tinha que pôr um ponto final naquilo tudo de uma vez por todas! Por isso havia seguido o conselho de Sango e Ayame, não era? Não podia mais sentir aquilo por Sesshoumaru! Não podia. Havia extrapolado a linha quando cozinhara para eles, quando ficara mais tempo com o empresário, quando conversaram sobre tudo aquilo...
Suspirou ao lembrar-se de tudo que ele havia compartilhado com ela, se desprendendo do olhar atento de Kohaku e mirando a frente, caminhando junto com ele pela faixa de pedestres. Nunca havia imaginado que ele pudesse ter passado por tudo aquilo. Sendo franca, sempre imaginara que ele havia sido muito mimado e por isso não sabia lidar com seus problemas. Nunca se perguntara o que havia passado com seus pais ou o que realmente havia acontecido com sua esposa. Se sentia culpada por tê-lo julgado tão mal. Ele tinha cicatrizes bem profundas. Assumiu responsabilidades enormes mesmo sendo um adolescente e...
Não! Ela tinha que parar! Mesmo não achando certo, fora por isso que chamara Kohaku, não fora? Para se destrair! Para esquecer os Taishou; para tentar esquecer Sesshoumaru. E Kohaku era tão bom. Uma pessoa tão encantadora... Como ela se sentia terrível. Sentia como se estivesse usando-o. Mas não podia mentir que durante todo aquele tempo, não havia pensando nos Taishou. Sim... Talvez não tivesse sido tão ruim ter saído com ele. Sango talvez estivesse certa:
"Não há nada de mal em sair e se divertir. E além do mais você precisa esquecer o Taishou. Nada como um cara legal, inteligente e divertido para fazer isso!"
E Kohaku era tudo aquilo.
Ela sentiu o calor da mão do rapaz na sua, fazendo-a voltar a realidade e virar-se para ele assim que haviam cruzado a avenida. Ele ainda lhe sorria.
"Sei que marcamos um programa light para hoje" – ele começou, parecendo acanhado – "Mas eu tomei a liberdade de reservar um restaurante bem legal pra a gente jantar essa noite"
"Jantar?" – Ela arregalou os olhos em surpresa – "Mas Kohaku, eu nem estou vestida para isso"
O rapaz analisou seu vestido floral simples cobertos por uma jaqueta, suas sandálias de pouco salto e sua leve maquiagem.
"Você está maravilhosa, Rin" – lhe informou com um olhar encantado – "Vai ser a mulher mais linda em qualquer lugar que estiver"
Ela corou novamente.
"Mas Kohaku..."
"Sem mas..." – ele falou, quando chegaram ao lado de sua motocicleta estacionada da rua – "Foi muito difícil conseguir reserva nesse restaurante. Mas um amigo meu quebrou este galho pra mim. Tenho certeza que vai gostar" – e com um olhar meio que pidão, continuou – "Não me faz essa desfeita, vai..." – ele subiu na moto lhe oferecendo um dos capacetes, enquanto ela se encontrava de pé, vacilante – "Vamos?"
MMMMMMM
"De qualquer forma, acho válido continuarmos a investir, me parece um mercado promissor" – InuYasha murmurou, enquanto fazia suas últimas anotações em seu laptop. Diferente de alguns minutos atrás, a sala de reunião estava vazia, com exceção dos dois irmãos Taishou que permaneceram um pouco mais após a saída dos demais.
Não houve resposta. InuYasha ergueu os olhos dourados da tela a sua frente, para encontrar o irmão observando pela a grande janela de vidro da sala, os carros que passavam lentamente, devido ao horário de pico. Sesshoumaru estava imóvel.
"Sesshoumaru" – ele o chamou. Mais uma vez não houve resposta – "Sesshoumaru!" – disse um pouco mais alto, finalmente chamando a atenção do mais velho – "Aconteceu algo?"
Sesshoumaru rodou os olhos, começando a organizar alguns papeis soltos na mesa.
"Não vai dar uma de Myouga, não é?" – disse, analisando rapidamente uma das folhas e a colocando em sua pilha.
"Só estou perguntando..." – o outro respondeu, voltando a digitar – "Você passou o dia inteiro distraído. Pensei que tivesse, sei lá, acontecido algo com Hakudoushi"
"Ele está bem. Estou indo busca-lo em casa para jantarmos"
"Busca-lo?" – o outro estranhou – "Pensei que ele tivesse que ficar em casa de repouso"
"Dr. Takeo disse que não tinha problema sair um pouco. Ele já ficou muito em casa"
"Entendi" – murmurou, coçando o queixo, enquanto analisava seu relatório no computador – "Ele vai ficar bem feliz. Um jantar de pai e filho"
Sesshoumaru sentiu a boca secar.
"Kagura vai também"
InuYasha ergueu os olhos para ele novamente. Sesshoumaru sustentou seu olhar, como se o desafiasse a dizer alguma coisa, mesmo sem saber muito bem o porquê de estar fazendo aquilo. InuYasha não desaprovava Kagura, não era?
"Acho bom. Entrosamento" – o caçula finalmente falou. O outro não deixou de notar que sua fala pareceu meio mecânica - "E como está Rin?" – indagou após uns segundos.
"E porque eu deveria saber?" – respondeu mais agressivo que deveria. Algo que não passou nem um pouco despercebido por InuYasha, que lhe suspendeu as grossas sobrancelhas prateadas.
"Eu quis dizer com as aulas particulares pro Haku"
Sesshoumaru finalmente desviou o olhar, com o máximo de astucia que conseguia, odiando ter sido pego daquela maneira.
"Está bem" – respondeu simplesmente – "Ela sabe o que faz"
InuYasha o analisou por uns instantes, percebendo que o empresário a sua frente parecia divagar novamente. Se perguntou se aquele era o momento para entrar naquele assunto; não podia negar que tinha receio de reações adversas vindas do outro. A verdade era que não sabia o que esperar. Seu irmão não queria admitir, mas o caçula sabia muito bem que ele já havia percebido que algo havia mudado dentro de si. Ele podia negar, se esquivar, se camuflar, todavia para o telespectador InuYasha, tudo parecia claro feito água.
"Você está estranho" – comentou, fechando devagar o notebook a sua frente. Sesshoumaru voltou seu olhar para o rapaz mais novo – "Sei que tem algo te incomodando"
Os pares de olhos dourados se encontraram. Desde a morte dos pais, o relacionamento entre os irmãos passou por altos e baixos constantes. Mas nenhum dos dois nunca chegou a desejar coisas ruins um para o outro. Se afastaram bastante. Era verdade. Já discutiram bastante; já até se agrediram. Mas tudo não passava de momentos fugazes onde a cabeça quente falara mais alto. Nunca foram de demonstrar muito carinho, mesmo quando eram pequenos, mas ambos sabiam que um se importava muito com o outro.
Sesshoumaru se endireitou na poltrona, passando a mão por suas madeixas cor de prata. Observou que o mais novo nem sequer piscava, atento a seus movimentos e ao que ele diria; todavia não havia aquele quê de deboche tipicamente presente em seu olhar, muito pelo contrário. O olhar que InuYasha carregava era o de alguém que estava pronto para escutar, para aconselhar e ainda, que tinha muitas coisas a dizer. Era só Sesshoumaru permitir. Era só ele dar a deixa.
Mas o que InuYasha queria que ele dissesse afinal? Ou melhor o que diabos ele falaria para InuYasha? Seus pensamentos estavam tão fora de ordem que nem ele próprio conseguia se orientar entre eles. Sua mente estava um caos. Desde aquela noite que estivera com a professora, ele não conseguia se concentrar direito, não conseguia pensar direito. Seu cérebro fazia questão de voltar sempre para sua sala de estar, para aquela conversa, para aquele momento.
Até então, ele ainda não entendera o porquê de ter contato tudo para Rin. Quando deu por si já estava falando sobre tudo que havia enterrado tão fundo, e por tanto tempo e com uma facilidade tão grande que até o assombrara. Ele jurara que não tocaria naqueles assuntos. Com ninguém. Nunca mais. Porém quando se deu conta, estava narrando tudo como se fosse um tema corriqueiro. Como se não fizesse anos que ele se esforçava para não pensar em nada daquilo.
Se sentia esquisito. Mas ao mesmo tempo, não podia mentir... se sentia... leve. Como se o peso de uma tonelada houvesse saído de seus ombros. Não foi tão difícil quanto pensara. Não fora doloroso e muito menos lhe causara tanto desconforto. Os olhos castanhos lhe transmitiram tanta compreensão e estavam tão atentos a si que ele simplesmente se deixara levar. Ele sentira como se ela merecesse saber. Como se lhe devesse algum tipo de explicação. Sobre seu comportamento. Sobre seu modo de ser. Não sabia ao certo, porém naquele instante, ele sentira vontade de lhe contar tudo. E assim havia feito. Não sabia o que o havia levado a fazer aquilo e tampouco sabia o que lhe levara a quase fazer em seguida.
Quase a beijara de novo. Quase. Se Jaken não tivesse chegado, não tinha dúvidas de que a beijaria. E como queria beija-la. Naquele instante, a única coisa que ele pensava era em sentir seus lábios novamente, só isso. Ele simplesmente havia esquecido de tudo. De tudo.
E novamente ela havia fugido. Havia se afastado dele com tanta rapidez, que assim que o mordomo entrara na sala, ela já se encontrava no outro lado do sofá. Ela recusou que ele lhe pagasse o táxi também. Nem havia olhado em seus olhos. E outra vez ele se sentiu ridículo. Havia mais uma vez se comportado feito um rapazola. Havia mais uma vez se esquecido que era noivo. E ainda, havia se esquecido que ela, assim como no dia do hospital, estava apenas o confortando. Ela não tinha interesse nele. Ou tinha?
E ele tinha interesse nela por acaso? Ele... tinha?
Rin era uma moça inteligente. Muito inteligente. Astuta, corajosa. Qualidades que ele presava bastante. Mas ao mesmo tempo, ela era muito sensível, meiga, sentimental... Tudo que por anos ele se esforçara para não ser. Ao mesmo tempo que apreciava sua companhia, também se sentia meio incomodado. A verdade era que não sabia. Realmente não sabia como se sentia em relação a ela. Ou melhor, talvez soubesse como se sentia, mas não queria dar nome aquilo. Era algo tão distante de sua realidade atual que ele não tinha certeza se deveria, se desejava dar nome aquilo.
Talvez fosse melhor... esquecer. Esquecer aquela noite. Esquecer aquela conversa. Esquecer aquelas coisas que estava o confundindo. Sua vida estava bem agora. Estava começando a se equilibrar. Aquela noite fora algo inexplicável; um deslize seu. Mais um. Mas não fora sua culpa... Fora culpa do... conhaque! Isso. Aquilo tudo que se passara fora efeito do álcool em seu sangue. Aquele maldito conhaque! Aquela conversa não tivera importância nenhuma, certo? Nada daquilo. A única coisa que precisa se importar de verdade era com seu filho. E Hakudoushi estava bem; eles estavam desenvolvendo uma boa relação; o filho e Kagura também pareciam estar desenvolvendo uma boa relação. E ele próprio e Kagura, apesar dos pesares, também se entendiam bem; ele sabia como lidar com ela; sabia o terreno que estava pisando. E Rin era... Rin era o imprevisível. A última coisa que ele precisa era de instabilidade naquele momento. A última coisa que ele precisava era não saber aonde estava indo; não saber o que fazer.
E Rin era o desconhecido. Ela era instabilidade. Ela era a surpresa. Ela era...
"Sesshoumaru?" – a voz de InuYasha o despertou novamente. O irmão ainda esperava uma resposta. Ainda esperava pra ouvi-lo. Sesshoumaru tinha a impressão que ele já tinha até respostas prontas, na ponta da língua, para o que ele próprio pudesse falar.
Só que ele não queria falar. Dessa vez não, diferente de outrora, naquela noite. Não queria tocar naquele assunto. Não queria surpresas.
Era melhor esquecer.
"Estou um pouco preocupado" – ele começou. InuYasha o analisava concentrado – "Com a viagem que terei que fazer" – mentiu, lembrando-se que na reunião daquela tarde resolveu que iria pessoalmente fechar o contrato com novos sócios na Coreia do Sul. O dono da empresa coreana era um senhor tradicional, e fazia questão que o presidente das companhias fossem pessoalmente assinar a sociedade com ele – "Deixar Hakudoushi sozinho... ele não está totalmente recuperado"
InuYasha respirou fundo. Fechando os olhos por uns segundos. Sabia muito bem que não era exatamente aquilo que afligia o irmão. Sesshoumaru não queria falar. Não queria se abrir.
"Se quiser eu vou no seu lugar" – disse, se recostando na cadeira e cruzando os braços a sua frente, não com ar desafiador, mas sim derrotado. Sesshoumaru não falaria e ele não podia obriga-lo a falar. Sesshoumaru ficaria furioso se ele forçasse o assunto e a intenção do mais novo não era brigar – "São poucos dias de qualquer forma"
"O Rang faz questão que eu vá, já que sou o mais velho" – respondeu.
"Então deixa o Haku passar o fim de semana comigo no apartamento enquanto você viaja. Assim ele não sente tanto sua falta" – Sesshoumaru lhe ergueu uma sobrancelha – "Qual é? Acha que eu não posso cuidar do meu sobrinho?"
"Acho que ele vai ter trabalho cuidando de você" – debochou enquanto se erguia da poltrona com os documentos em mãos.
"Você não reclamou quando passei a noite no hospital"
O mais velho ponderou.
"Vou pensar sobre essa opção"
"Tsc" – InuYasha rodou os olhos, enquanto Sesshoumaru se dirigia a porta – "Sesshoumaru" – ele o chamou, fazendo o outro se virar – "Não tem nada que você queira conversar mais?"
Silêncio.
Não queria surpresas.
"Não" – e saiu da sala.
MMMMM
Rin soltou uma exclamação de surpresa assim que entraram no Restaurante Shiba. Era um pouco afastado do centro, ela mesma poucas vezes passara por ali, mas já tivera oportunidade de admira-lo. De fora, é claro. Era a primeira vez que o via de dentro. Shiba era um dos melhores restaurantes de Tóquio, e ela nunca se dera o luxo de jantar ali ou em qualquer outro lugar que fosse daquele nível. Tinha outras prioridades; não gostava de gastar seu dinheiro de forma fugaz. Mas não podia negar que ali era maravilhoso. O hall de entrada era quase do tamanho de seu apartamento, decorado de forma esplendorosa e ao esticar a cabeça para tentar enxergar por dentro das portas de vidro que davam acesso ás mesas, constatou que havia poucos lugares vazios, a maioria repleta de pessoas bem vestidas que exalavam dinheiro mesmo àquela distância.
"Kohaku" – ela o puxou levemente, antes que ele se dirigisse ao recepcionista, postado ao lado das portas de vidro – "Tem certeza que quer comer aqui?" – ele a olhou confuso – "Isso... é um pouco demais, não acha?"
O rapaz lhe sorriu levemente.
"Rin, não se preocupe com isso"
"Me preocupo sim" – ela contrapôs – "Aqui é um lugar muito caro. Se está tentando me impressionar, já te adianto que não precisa. Não ligo para essas coisas. Podemos comer num lugar mais modesto"
"Acho que já a conheço o suficiente para saber que não se importa com essas coisas" – murmurou.
"Kohaku, eu não vou comer aí. É realmente muito caro. Até porque faço questão de dividir a conta e mesmo assim vai ficar uma fortuna!"
Ele rodou os olhos, tirando um papel do bolso da jaqueta e estendendo para ela.
"É um voucher. De 50%. A agência que eu trabalho faz o marketing do restaurante. Eles deram para os funcionários que trabalharam na campanha desse mês" – ele sorriu guardando o voucher novamente – "Dizem que eles têm as carnes tão macias que derretem na boca. Queria experimentar" – e piscando um dos olhos, determinou – "E queria que experimentasse comigo"
Rin abriu a boca mais uma vez.
"Esquece isso" – ele a interrompeu antes que ela protestasse mais uma vez – "Vamos aproveitar. Foi duro conseguir uma reserva pra hoje. Você vai gostar, eu tenho certeza!"
Ela ponderou por uns instantes, mas logo sorriu levemente para ele.
"Está bem" – concordou finalmente. Eles foram até o recepcionista, que os cumprimentou cordialmente.
"Eu tenho uma reserva no nome de Kohaku Yoshio"
"Certo, senhor" – o homem murmurou, verificando os nomes na lista em cima de seu balcão – "Por favor, me acomp..."
"Rin-sensei?" - uma voz cristalina preencheu o hall, feito música aos ouvidos de Rin. Mas a professora não conseguiu nenhum um pouco desfaçar seu espanto quando ao virar, se deparou com Hakudoushi parado na porta de entrada, e logo atrás dele estava uma muito bem vestida Kagura e um Sesshoumaru com uma expressão tão surpresa quanto a que ela deveria estar carregando naquele momento.
Céus!
Ela teve certeza que seu coração voou até a sua garganta, e fechou institivamente a boca com medo dele pular para fora, tamanho o compasso frenético de batidas que este assumiu. Pensou por uns instantes que fosse desmaiar. Mas não foi o que aconteceu. Ela sentiu algo agarrando fortemente suas pernas, trazendo-a de volta àquela dimensão, àquela realidade. Hakudoushi a abraçava com força. Havia corrido com toda velocidade que suas perninhas podiam lhe dar, até ela; seu olho brilhava com intensidade e ele carregava um sorriso de pura alegria.
"Haku-kun" – ela disse, sorrindo, afagando os cabelos prateados – "Que surpresa, meu anjo"
"Verdade, querida. Que coincidência adorável" – Kagura comentou, a voz bonita num tom acima do seu habitual, esboçando um sorriso aberto por detrás do batom cor de vinho, enquanto se aproximava junto com o noivo – "Nunca esperava encontra-la aqui"
Mas Rin mal parecia ouvir a outra mulher. Seus olhos estavam estagnados nos de Sesshoumaru. Ele a mirava de forma atônita. Parecia também não crer que ela estava ali a sua frente, e muito menos acompanhada. Sua face mudou drasticamente para um semblante completamente indecifrável ao analisar o rapaz que se encontrava ao lado da moça.
Kagura acompanhou a reação do noivo de esgoela. Apertou o punho com raiva. Contudo a professorinha, que estava paralisada até então, não podia ter dado melhor oportunidade para ela virar aquele jogo ao seu favor.
"Não vai nos apresentar, querida?" – indagou, indicando o jovem ao lado de Rin.
"Ah, sim. Claro" – Rin murmurou tentando esboçar um sorriso, enquanto Hakudoushi se desprendia de suas pernas para ouvir as apresentações; também estava curioso para saber quem era aquele homem ao lado de sua sensei – "Kohaku Yoshio, estes são Sesshoumaru Taishou e sua noiva, a Srta. Kagura Yeda" – Rin fez as honras, tentando ao máximo fazer com que sua voz não soasse vacilante nem por um instante.
"É um prazer, conhece-la" – Kohaku apertou a mão de Kagura educadamente – "Senhor Taishou, é uma honra enorme conhece-lo também. Admiro muito seu trabalho. Liderar uma multinacional tão jovem é uma tarefa para poucos"
"Não é tão difícil quanto aparenta" – respondeu, apertando a mão de Kohaku logo em seguida. Os dois homens se encararam por uns instantes. A tensão crescendo conforme os segundos passavam. Hakudoushi franziu o cenho olhando de um lado para o outro, ora para seu pai, olha pra Kohaku, procurando entender o que estava acontecendo. Ele então observou Rin e Kagura e constatou que elas também se encaravam da mesma forma que os outros. Estranho, ele pensou. Muito estranho. Ele podia jurar que a qualquer momento se iniciaria uma batalha dignada de qualquer filme da Marvel.
Ele torceu o nariz, resolvendo tossir forçadamente para trazer a atenção dos adultos para si.
Conseguiu, vendo-se mirado de cima por quatro padres de olhos.
"E este daqui é um aluno muito querido e o menino mais corajoso que conheço" – Rin sentenciou, sorrindo para a criança.
"Deixa eu adivinhar" – Kohaku falou, ajoelhando-se no chão, ficando quase do mesmo tamanho do garoto – "Você deve ser o Hakudoushi" – o pequeno afirmou com a cabeça – "Eu já ouvi muito sobre você, sabia?"
"Verdade?" – Hakudoushi perguntou.
"Sim, a Rin fala o tempo inteiro de você"
Sesshoumaru sentiu seu estomago embrulhar. Lançou um olhar para professora, mas ela parecia não querer encara-lo. Ele engoliu em seco, reprimindo a raiva que assustadoramente havia brotado dentro de si. Quem diabos aquele tal de Kohaku pensava que era?
"Ela fala coisas boas?" – indagou o pequeno.
"Só coisas muito boas" – o outro riu – "E esse olhinho aí, como está?"
"Melhorando" – ele levou a mão ao curativo – "Eu estou de repouso. Mas o médico deixou eu sair de casa um pouco. Mas é chato ter que ficar com isso o tempo todo"
"Chato? Você tá brincado!?" – Kohaku exclamou – "Eu queria ter um desse, cara! Você parece um pirata! Devia começar a usar um tapa-olho de verdade!"
O olho cor-de-rosa brilhou ainda mais ao ouvir aquilo. Seu rostinho de criança se iluminou de forma adorável.
"Eu adoro piratas!"
"Eu também" – sussurrou fazendo sinal de silêncio – "Mas é segredo" – concluiu rindo, bagunçando os cabelos do garoto enquanto se reerguia.
"Mas então" – Kagura disse, analisando o casal a sua frente de cima a baixo – "Kohaku..." – continuou, voltando-se para o rapaz – "O que você faz da vida?"
Ambos, Kohaku e Rin, se espantaram com tal pergunta.
"Bom, eu sou publicitário" – ele respondeu incerto, lançando um discreto olhar questionar para Rin. Kami-sama. Ela precisa sair dali – "Trabalho na Nyusu"
"Oh! Que ótimo, não é querido?" – virou-se para o noivo. Que nada respondeu – "E como vocês se conheceram?"
"Kagura..." – Sesshoumaru murmurou com tom de repressão.
"Sou irmão de uma amiga de Rin"
"Ah! Que interessante!" – Kagura murmurou, abrindo ainda mais seu sorriso – "E a quanto tempo estão juntos?"
Rin quase engasgou com a própria saliva. Sua vontade era de sair correndo daquele lugar. Queria que um buraco se abrisse no chão naquele momento para ela se esconder. Ou melhor, queria dar uma boa de uma resposta para Kagura e declarar em alto e bom som que ela não tinha nada que se meter em sua vida. Será que ela estava fazendo aquilo por mal? Não podia ser! E Sesshoumaru? Porque não falava nada?
Mal sabia ela que a sua frente, Sesshoumaru tentava formular desculpas para não entrar naquele maldito restaurante, ao mesmo tempo que se controlava para não arrancar Rin do lado daquele moleque sardento que achava que tinha intimidade para falar tão abertamente com seu filho.
Kohaku tentava balbuciar alguma coisa coerente, seu rosto adquirindo a cada segundo uma tonalidade mais e mais vermelha, enquanto Kagura parecia se divertir diabolicamente com a situação.
Por mais incrível e ilógico que parecesse, a única pessoa suficientemente racional naquele momento finalmente interviu:
"Vamos entrar de uma vez? Estou com fome" – Hakudoushi murmurou para pôr um fim de vez naquele circo. Mais uma vez os olhos dos quatro pousaram em si – "Vocês vão sentar com a gente, Rin-sensei?"
"N-não, meu anjo" – ela respondeu – "Já temos a nossa mesa..."
"Mas vocês podem sentar com a gente. Não é, papai?"
Rin e Sesshoumaru trocaram um olhar. Ambos tentando controlar ao máximo aquela enxurrada de sensações confusas que os invadiram.
"Hoje Rin tem acompanhante, Hakudoushi" – o empresário falou de forma áspera, sentindo um gosto amargo na língua.
Rin não deixou de notar a rudez do outro. Mas disse de forma gentil para a criança:
"Desculpa, Haku-kun" – o menino abaixou levemente a cabeça. Ela segurou seu queixo, o erguendo de forma terna fazendo com que ele a mirasse – "Deixa pra próxima, está bem? Um dia jantamos todos juntos"– ele concordou esboçando um leve sorriso, enquanto a professora se virava para o recepcionista que, até então, observava tudo de fora com um quê de interrogação – "Pode nos mostrar nossa mesa?"
"Claro, senhorita" – e virando para os outros três, disse – "Senhor Taishou, a mesa de sempre, eu presumo. Por favor me acompanhem"
Eles se sentaram não tão próximos, mas com uma visão privilegiada das mesas um do outro.
Rin e Sesshoumaru pediram, respectivamente, vinho tinto e conhaque para beber no intuito de tentar conseguir digerir aquela noite.
Kagura fazia planos mirabolantes em sua cabeça, enquanto Kohaku ainda tentava compreender toda situação.
E o pequeno Hakudoushi apenas balançava a cabeça discretamente de um lado para outro enquanto lia seu cardápio... Adultos.
É, aquela seria uma noite longa. Muito longa.
MMMMM
1 – Hokkaido: é a segunda maior ilha do arquipélago japonês, localizada ao norte do país.
2 - Esses dois gêmeos – Eles assistiram o filme austríaco de terror Boa noite, mamãe. (super recomendo, por sinal).
NOTAS: Olha quem está de volta e com um capítulo gigante pra compensar o atraso! Sim, sou eu! Deu trabalho pra escrever, mas ficou pronto, galera! Atendendo á pedidos e também porque já estava mais que na hora, este cap foi super centralizado na Rin e no Sess. O passado veio à tona, eles finalmente começaram a se conhecer de verdade, mas como não poderia faltar, a intrigas e os triângulos amorosos também estão aí para dar um pouco mais de tensão na história. Infelizmente nosso querido Haku não apareceu tanto dessa vez, mas calma, ele é um dos protagonistas e vai aparecer firme e forte nos próximos capítulos.
No mais, me graduei em Odonto, comecei o mestrado e a especialização, mudei de novo de cidade. A vida tá corrida, mas tentarei publicar assim que puder.
Aquele agradecimento de sempre aos leitores que sempre me acompanham: Marília, Renata Himura, HarukaSempai14, Lily Heronchild, Sarah, Sotam, Victorique-chan, Bruna-san, Josimar, Larissa G, Haru Haru, Lamoky, Maya CS, Cycy, Esmeralda004, Yogoto, , Lenita Hiko, Dessanasiloski, LuuH-Chan, Ana Clara e Guest (?). Obrigada por sempre comentar e acompanhar a história.
Adivinha quem ama reviews? Sim, sou eu! Mandem, please!
Aquele beijaço,
Cath Black