N.A.1: Explicação básica: a fic está insana, eu sei. Mas, foi assim que ela se fez, que posso eu fazer, a idéia original era totalmente outra. E eu juro, juro, que a loucura gradual da Bella surgiu espontaneamente na fic. Eu nem sabia que ia ficar assim.
N.A.2: A música utilizada na fic é Snow White Queen, Evanescence (que não é minha), porém, a letra está espalhada pela fic, não necessariamente na ordem em que aparece na música. Cada parte foi utilizada onde ela se aplicava melhor.
BLACK SNOW
Foi naquele segundo. O segundo de um olhar. O espaço ínfimo e quase inexistente entre dois batimentos cardíacos. Aquele pequeno espaço de tempo que permitiu que eu revisse tudo, do primeiro olhar, ao último momento. O segundo que permitiu que lembrasse meu amor e gelasse meu ódio. O segundo que levou para que eu o matasse.
E soubesse que jamais me arrependeria.
I can't save your life
Though nothing I bleed for is more tormenting
Eu já havia enfeitiçado minha sobrinha. Alguém de minha própria família que havia me traído, por omissão, mais uma que havia se juntado ao lado errado, e contra mim. Sorri, satisfeita, ao ver os ridículos cabelos cor de rosa espalharem-se no chão. Ia me juntar novamente à luta, quando o vi, vindo em minha direção. Eu não o havia procurado, mas ele veio até mim... Eu não iria recusar. Era tanta raiva acumulada, tantos anos de ódio reprimido passando através de cada feitiço, que nem ao menos me dei conta de que o único bruxo que meu mestre temia estava no local.
- Vamos, você sabe fazer melhor do que isso! – ele berrou, rindo-se de mim, quando errei um feitiço. Eu fixei as íris cinzas, tão cinzas quanto as minhas. Ah, eu sabia. E faria, muito melhor. Porque era Sirius. E ele merecia.
You'll never know the way your words have haunted me
I can't believe you'd ask these things of me
Era meu aniversário de treze anos, e, em um mês, voltaria para Hogwarts. Sorria, presunçosa, enquanto olhava as outras crianças espalhadas pelo quintal de minha casa. Finalmente eu estava deixando de ser tratada como criança e aprendendo magia de verdade. E eu queria ser poderosa. Ser a melhor. Meu olhar correu mais uma vez e fiz uma careta de desagrado quando vi Narcissa brincando de pega-pega com um garoto de cabelos negros. Era a minha festa e eu não queria nenhuma criança pulando e berrando em volta. Repreendi Cissy que, já naquela idade, me lançou um olhar gelado e deu as costas para mim, como se não tivesse me escutado. Minhas irmãs eram tão irritantes, às vezes, que eu sentia vontade de fazê-las sumir.
Foi quando ainda pensava se deveria seguir Narcissa que escutei uma risada presunçosa e arrogante atrás de mim. Sirius, o mais velho dos meus primos, irmão do garoto que brincava com Narcissa, me encarava com um ar reprovador, e me provocava, perguntando se eu não queria ir mexer com alguém do meu tamanho, irritando-me com suas manias de herói dos pequenos indefesos.
A voz dele soava repreensora, mas os olhos brilhavam de diversão. Irritava-me apenas para se divertir. Garoto idiota.
Dei-lhe as costas. Como era imbecil. Fui em direção ao jardim dos fundos, para ficar sozinha. A festa já estava me cansando. Sentei-me por ali e sorri comigo mesma. Estava louca para voltar à Escola de Magia. Sair daquela casa, do controle de minha mãe, da companhia das chatas das minhas irmãs, até mesmo dos primos insuportáveis. Ouvi passos próximos de mim e me virei. Era ele mais uma vez. Indaguei-lhe se ele não tinha nada melhor para fazer do que me seguir. Lembro do brilho de diversão em seus olhos quando disse que, na verdade, não tinha. Sorrindo abertamente, sentou-se ao meu lado, declarando, ainda sorrindo, que, a partir daquele ano, seríamos apenas nós dois, já que ele também estaria indo para Hogwarts. Eu lembro de responder qualquer coisa ferina, que o fez sorrir ainda mais, e o encarei, irritada.
Éramos tão parecidos. Os mesmos cabelos, lisos, brilhantes e negros, os mesmos olhos cinza dos Black, a mesma tez clara. Apenas o sorriso dele era aberto, até demais, mas era interessante vê-lo sorrir. E, claro, as minhas feições eram mais delicadas, pelo menos agora, que ele começava a aparentar os primeiros sinais de amadurecimento. Analisando seu rosto, percebi que era a primeira vez que o via como um garoto. Levantei o olhar e percebi que ele também me analisava.
Ele reafirmou mais uma vez que seríamos apenas nós em Hogwarts, numa tentativa infantil de quebrar o clima estranho que havia se estabelecido. Eu repliquei que seríamos nós e mais algumas centenas de alunos, na esperança de fazê-lo irritado e acabasse por me deixar em paz.
Ele sorriu. Sorria sempre, de tudo. Sorria tanto, que me irritava.
Ao ver meu desagrado diante de seus sorrisos que costumavam derreter as pessoas, indagou-me porque eu era sempre tão indiferente, porque eu fingia superioridade o tempo todo, por que eu parecia achar tudo aborrecido, sempre. Não lhe dignei uma resposta, apenas ressaltei que talvez eu o achasse aborrecido e, por isso, sempre que perto dele, acabasse me portando daquela maneira. Foram palavras indignadas que se seguiram à minha afirmação. Sirius afirmava que não era aborrecido e eu pedi-lhe que me provasse.
Aquele foi o momento em que cruzei nossos destinos, os entrelacei e assinei nossa sentença. A partir daquele momento, fomos unidos e condenados.
Ele se aproximou de meu rosto e, sem desviar o olhar, encostou seus lábios nos meus e fechou os olhos, fazendo com que eu arregalasse os meus, de surpresa, mas jamais deixaria que ele percebesse isso. Afastou-se um momento depois, sorrindo novamente. Eu o encarei, os olhos brilhando.
Lembro-me de ter-lhe provocado, dizendo que se aquele era o melhor que ele poderia fazer, ele precisaria treinar mais, mesmo aquele tendo sido o meu primeiro beijo. Ri e me afastei, deixando-o com um brilho de desafio nos olhos. O mesmo brilho que havia nos meus.
Havíamos dado início a um jogo, que eu não estava disposta a perder.
There's nowhere to run, so lets just get it over
Analisando tudo que nos aconteceu agora, depois de tantos anos, percebo que nosso caminho foi trilhado baseado em traições, mentiras e sentimentos falsos e sujos. Foi um resto de verão perturbador aquele que se seguiu à minha festa de aniversário. Os olhos cinzas de Sirius me perseguiam até mesmo em meus sonhos, seus sorrisos pareciam estar refletidos em todos os cantos e eu me peguei pensando cada dia mais naquele rapaz dois anos mais novo e que eu julgava de uma petulância e arrogância que só rivalizavam com as minhas. Eu traçava caminhos para nós, mesmo sem ter verdadeira noção do que estava fazendo. Sirius era talentoso, belo, um sangue puro e que teria poder e capacidade para estar ao meu lado. Ele seria capaz de me compreender, nossos anos de rivalidade poderiam transformar-se em uma competição saudável e proveitosa. Os dois anos que nos separavam certamente não importariam para mim, nada me impedia de ter o que eu queria, e este caso não seria uma exceção.
Foi com alegria quase perturbadora que tomei o trem para Hogwarts naquele ano. Consegui localizar Sirius na estação, mas, deliberadamente, o ignorei, juntando-me aos outros alunos de meu ano e de minha casa. Teríamos tempo para conversar mais tarde, quando ele estivesse ao meu lado, na casa a que todos os nossos ancestrais haviam pertencido.
Agora eu reconheço o quanto fui tola. Foi naquela mesma noite que sobreveio a primeira grande traição dele para comigo. A seleção era longa, mas Sirius era um dos primeiros na fila. Mal havia sentado no banco e posto o chapéu na cabeça, o pedaço esfarrapado de tecido anunciou "Gryffindor" em alto e bom som. E Sirius, como sempre, sorriu. Quando paro para pensar, me pergunto se foi realmente naquele instante que consegui ver sua primeira traição, ou se só muito tempo mais tarde dei-me conta disso. Traição comigo, com nossa família, com nossas crenças e nossos ancestrais. Sirius era irritante e arrogante, mas ainda assim, era um Black, deveria se orgulhar disso. Mas não. Sirius deu as costas a mim e a nossa família, na noite em que o vi passar o cachecol vermelho e dourado pelo pescoço e me lançar um sorriso desafiador do outro lado do salão. A faísca da traição penetrou em minha alma pela primeira vez, àquela noite, e a primeira parcela de ódio se imiscuiu entre os planos que eu tinha para nós.
No entanto, Sirius fez com que eu esquecesse essa noção de traição, logo na primeira noite dentro do castelo. Saímos do Salão principal, como novato, ele deveria estar na fila, atrás de seu monitor, mas não. Sirius esperava por mim, os cabelos negros displicentemente caídos sobre os olhos e mostrando toda a graça natural que eu conhecia tão bem, pois a via em meu espelho todos os dias. Ele me estendeu um pequeno bilhete, e, com um sorriso de lado, afastou-se, enquanto eu abria o pequeno pedaço de papel. Nada mais era que um convite para que eu o encontrasse, no dia seguinte. Ele teve a arrogância de dizer que havia, de fato, praticado durante o verão. Com um sorriso tão malicioso quanto o dele, no momento em que ele se virou para ver a minha reação, amassei o papel e, com um leve aceno da varinha, o fiz em cinzas, dando um último sorriso vitorioso e seguindo para as masmorras enquanto ele ia para a torre.
Por um breve momento, eu realmente acreditei que aquilo encerraria nossos encontros e que aquela estranha sensação que eu tinha desde o verão iria se extinguir. Eu estava enganada mais uma vez. E não demorou muito para que eu percebesse que a única pessoa capaz de me enganar era Sirius Black.
Eu, obviamente, não iria ao tolo encontro que meu primo havia marcado. Nada me faria ir atrás de um moleque de onze anos, mesmo que aquela fosse, no fundo, a minha vontade. Passando pelos corredores, em direção à biblioteca, na hora em que deveria estar caminhando pelo pátio, no suposto encontro com meu primo, eu o vi, junto com um bando de primeiranistas da Grifinória, calmamente andando pelos corredores. A simples visão fez meu sangue ferver, era claro que ele também não tinha tido intenção alguma de encontrar-se comigo, e, quando passamos um pelo outro, vi o brilho de desafio nos olhos cinzas. Éramos reflexos naquele momento, desafiando um ao outro até nos pequenos gestos, fazendo questão de ressaltarmos nossas diferenças, ao mesmo tempo em que algo nos atraía. Uma força maior que qualquer de nós dois. Ao menos, eu pensava que a força atraía a nós dois. Com o tempo, percebi que nada era como eu imaginava.
Foi um ano de pequenas desavenças, em que eu ganhava status dentro de minha casa por frustrar tanto o Black que havia ousado ir para a Grifinória, e em que Sirius tornou-se um estandarte da rebeldia, junto com seus inseparáveis e insuportáveis amiguinhos, por desafiar tão abertamente todo e qualquer um que cruzasse seu caminho. No meio das desavenças, no entanto, era como se uma chama tivesse surgido entre nós. Nós nos desafiávamos, implicávamos um com o outro, tínhamos uma necessidade constante de conflitos, o que nos unia e nos fazia como um só. Por mais de uma vez, eu imaginei o que não poderíamos ter feito se estivéssemos, durante nossa vida, lado a lado, e não de lados opostos, sempre. Esse é um pensamento que me atormenta até hoje. Opostos. Conseguíamos personificar a antítese de tudo. E nos orgulhávamos disso. Como fui tola.
Eu entrava no quarto ano, quando Regulus entrou em Hogwarts. Ele era uma miniatura de Sirius, talvez em uma versão mais simples. Não foi necessário muito tempo para que ele se adaptasse a perfeição dentro de Slytherin, ele tinha orgulho de ser um Black, parecia querer completar em sua família todas as falhas que Sirius tinha. Aproximei-me dele, era um garoto esperto, altivo e frio. Era um Black perfeito. Com uma perfeição um pouco assustadora, para ser franca. O ódio que ele sentia por Sirius depreendia do jovem rapaz como uma força física, mas era claro que muito poucos entre nós notavam isso. Quanto mais eu me aproximava de Regulus, mais eu e Sirius brigávamos, mais conflitos surgiam entre nós dois, mais a chama que nos consumia crescia... Mais obcecada eu me tornava.
Para alguém criada como eu fui, em uma família que me ensinou a ser fria desde sempre, em que pessoas menos poderosas ou influentes do que nós baixavam a cabeça enquanto passávamos, ter o título de ser intimidadora era um grande feito. Havia muito poucas pessoas em Slytherin, e até em minha casa, que não me temiam, mesmo quando eu nada mais era do que uma adolescente. Ver Sirius erguer a cabeça, me desafiar, ter a audácia de me contradizer, mesmo eu sendo de outra casa, sendo mais velha, sendo da família, me dava uma estranha sensação de conforto. As brigas com Sirius, os conflitos, me faziam me sentir mais... Humana. E eu os instigava, os procurava. Quando notei que Regulus o detestava, passei a ser uma irmã mais velha para o garoto, apenas para ter o prazer de ver o belo rosto do moreno contorcer-se em fúria.
Quase no fim daquele ano, no entanto, aconteceu algo que fez com que eu percebesse que nem tudo era como eu imaginava. Talvez Sirius não fosse assim tão parecido comigo, afinal. Eu estava no pátio da escola, lendo, calmamente, um livro. Os exames já haviam terminado, na manhã seguinte o trem nos levaria para casa e aquele seria meu último ano de paz em Hogwarts, eu tinha certeza disso. No ano seguinte, Andromeda entraria para a escola e eu teria que suportá-la em horário integral novamente. Passos se aproximavam e, quando levantei a cabeça, vi Sirius parado em minha frente, os olhos brilhando com uma raiva que ele não fazia questão alguma de esconder. Ele exigia que eu me afastasse do irmão dele. Dizia que eu era má influência para o rapaz. Eu ria. Má influência? Certamente, melhor que a influência dele, que era praticamente nula. Perguntei a Sirius se ele não enxergava que o irmão era muito melhor do que ele, muito mais digno. Comparei-o a Andromeda, e disse que pensava que os dois eram fracos. Mal sabia eu o quanto me arrependeria desta comparação, anos mais tarde.
Fui deixada sozinha novamente. Aquela havia sido nossa primeira briga que não visava apenas a distração, o prazer de brigar. Sirius se importava com o irmão, ele não o detestava como Regulus fazia. E ele realmente havia pedido que eu me afastasse dele. Não por ciúme ou birra, mas não me querer perto do rapaz por quem ele tinha carinho, a quem ele queria proteger.
Repentinamente, percebi que Sirius não encarava nosso jogo da mesma maneira que eu. Ele não fazia nada do que fazia por diversão. Ele realmente queria me superar, me afastar, me anular. Sirius pensava que eu era má e cruel. Ele não me compreendia como pensei eu compreendesse. Sirius me detestava.
Foi uma viagem perturbadora e férias que eu mal percebi que haviam passado. Tudo que eu queria descobrir era como eu me aproximaria de Sirius. Ele tinha a capacidade de me fazer sentir viva, como poucas coisas fariam.
Na noite da seleção de minha irmã, por longos minutos temi que ela fosse enviada para Gryffindor. Eu via o sorriso de Sirius para ela, sabia que eles se dariam bem, ela tinha o mesmo espírito que ele, apenas reprimido pela nossa família, de uma maneira que Sirius jamais havia sido. Quando Andie pôde, enfim, sentar-se à mesa verde e prata, eu dei-lhe um sorriso quase grato, que ela ignorou, e foi se sentar longe de mim. Mas eu estava grata de qualquer maneira. Tinha medo que ela se aproximasse de Sirius. Ela era tão parecida comigo e, no entanto, tão distinta. Tinha medo que meu primo se encantasse com minha irmã... E isso realmente aconteceu. Mas foi Regulus quem se encantou por Andie, pelo jeito doce e calmo, pelo sorriso frágil e a maneira desinteressada com que ela via as tradições de nossa família. Saindo do Salão, guiando os primeiranistas, como meu dever de monitora dizia que eu deveria fazer, dei um sorriso de escárnio para Sirius, que conversava com Regulus. Ele me devolveu no mesmo tom, mas não por muito tempo. Propositalmente, Regulus tropeçou em Andie e começou a conversar com ela. Sorri ainda mais. Minha irmã teria alguém em quem se basear e poderia ser também, um orgulho para minha família, Regulus seria ótima influência para ela, e isso a manteria afastada de Sirius.
Eu não estava disposta a perdê-lo. Eu sabia, já naquela época, que o queria junto a mim. Eu precisava da humanidade dele, para me sentir humana também.
You don't know me
Now and ever
You belong to me
Como lutar uma batalha que já se sabe perdida? Como dizer a si mesmo que você não deseja o que seu coração clama como seu? Como desprezar as oportunidades para ficar próximo de alguém apenas para saber que ele não é seu, se a presença deste alguém é a única coisa capaz de lhe tirar de uma espécie sádica de torpor, em que você se encarrega de usar uma máscara, onde você alegremente faz o papel de bruxa malvada para que possam surgir as damas em perigo? Admiraram minha força, minha inteligência, meu poder, minha beleza. Ninguém jamais apreciou minha humanidade. E, creia-me, eu tive uma, um dia. E Sirius teria o poder para me devolvê-la, para que eu pudesse utilizá-la, para que eu não precisasse mais ser a encarnação da maldade que todos julgavam que eu era. Infelizmente, eu acreditava neles. E Sirius também.
Com a percepção que eu tive de que Sirius encarava nosso jogo de maneira tão diversa à forma que eu encarava, minha vida tornou-se um contínuo e perpétuo inverno. Eu nunca gostei desta estação, tão fria e morta. Eu sempre apreciei o verão, suas cores intensas, os perfumes elevados pela atmosfera, o calor que não nos permite descansar, mas que nos induz ao torpor. Era a estação que, para mim, fazia minha magia florescer. Mas foi o inverno que me restou. Onde nada nasce, nada cresce, tudo é morto, e disforme, e sem vida. A batalha árdua que é necessário fazer para conquistar cada passo, o preço alto que se paga por cada gesto imprudente, a solidão das garoas geladas, das ventanias secas, da temperatura cortante, do limite entre vida e morte por descuidos. Um inverno selvagem, passado em lugares remotos. Era como se eu pudesse observar a neve acumular, pouco a pouco sobre mim, a verdadeira Bellatrix, dando lugar à estátua de gelo que todos queriam, e acreditavam, que eu fosse. Fria, bela, distante, cruel, poderosa e sem alma, sem coração ou sentimentos.
Eu me condenei ao frio e à morte pelo sentimento que tantos alegam ser a salvação de todos.
O que sabe Dumbledore sobre amar? Quem foi o tolo que o fez acreditar que esse sentimento é sempre puro, é sempre belo, é sempre para o bem? Como crer nisso ainda, se foi esse exato sentimento que me moldou no que eu sou hoje? Eu me adeqüei. Eu apenas respondi, naqueles anos que me restaram em Hogwarts, ao que todos queriam que eu fosse. Não que eu não gostasse do posto que ocupava. Eu sempre tive prazer em liderar, eu acredito piamente na pureza de nosso sangue, eu creio com todas as minhas forças que nosso mundo seria um lugar muito melhor sem esses sangue ruins e esses amantes de trouxas à nossa volta. Mas eu poderia ter tomado outras decisões ou caminhos. Eu poderia não ser tão aberta, poderia ter seguido outros mestres. Mas depois daquele ano... Meu caminho estava traçado.
I can't escape the twisted way you think of me
Ao ano que se seguiu à declaração de Sirius que não me queria perto de Regulus foi, talvez, a primeira vez em que senti amarga. O que eu tinha feito, além de ser eu mesma, para que ele me condenasse? Qual era o mal dele comigo? Ele fazia exatamente as mesmas coisas, ele prejudicava, talvez, muito mais gente com as brincadeiras idiotas dele e de seus amigos do que eu fazia com minha apologia à pureza do nosso sangue. Passei a sentir raiva, naquele ano. Passei a refinar minha crueldade. Quem ele pensava que era para me julgar? Ou desprezar? Pensar que me conhecia pelo que falavam às minhas costas?
Eu queria vingança. Mas não tinha plena consciência do que fazer. Na verdade, eu não fazia idéia. Sirius era, para meu quase desespero, indiferente a mim. Se eu não iniciasse uma briga, ele não iniciaria. Eu tomava as iniciativas, ele seguia até certo ponto e então se cansava, ia embora, virava as costas e desaparecia. E eu tentava, a cada dia, aumentar a intensidade de minhas atitudes, reforçar minhas crenças, intensificar minha crueldade, propagar aos quatro cantos o quanto eu apoiava toda e qualquer coisa que Sirius desprezasse. Quem sabe assim ele não me considerasse, ao menos, uma inimiga?
Foi no meu sexto ano que eu conheci os dois homens que foram decisivos na escolha de um caminho. Rodolphus Lestrange era meu colega em Hogwarts, desde o primeiro ano. Eu simplesmente jamais havia prestado atenção nele. Um menino moreno, com olhos intensamente negros, exatamente como seus cabelos, que lembravam os cabelos de Sirius, lisos, caídos sobre os olhos, mas sem o toque displicente que meu primo tinha. Rodolphus era um garoto calado, que passava grande parte de seu tempo lendo, ou observando as pessoas ao seu redor. Eu era explosiva, gostava de desafios. De uma maneira casual, jamais nos aproximamos e conseguíamos seguir nossas vidas sem problemas. Por aquela época, discussões sem sentido aconteciam quase diariamente na Sala Comunal de minha casa. Horas em que dois grupos distintos discordavam sobre a pertinência ou não de se unir ao bruxo que estava tentando tomar o controle da Inglaterra e que pregava a pureza do sangue. O Lorde das Trevas, um mago tão temido que ninguém ousava sequer pronunciar seu nome.
Sirius desprezava as idéias e os ideais deste bruxo com o tipo de intensidade que só ele conseguia ter. Cada palavra aquecida pelo repúdio que ele manifestava contra tais crenças gelava um pouco mais o inverno de minha alma e tragava minha lealdade para a escuridão que emanava daquela poderosa força chamada Lorde Voldemort. Devido a esta insensata vendeta particular, eu já apoiava incondicionalmente o Lorde, mesmo antes de saber o que ele pretendia de fato.
Qualquer coisa para alimentar a chama do desdém de Sirius, para que ela, ao menos, me mantivesse aquecida, para que fizesse com que o inverno e o gelo tardassem um pouco mais e não me dominassem completamente.
Tola. E, de certa forma, ingênua, por me iludir durante tanto tempo, acreditando que Sirius me veria a partir de qualquer outro prisma que não o que ele já se habituara: a prima maléfica, a bruxa das trevas, a mulher a quem ele prestava apenas indiferença.
Foi durante uma de muitas discussões sem sentido entre apoiar ou não o tal bruxo que queria purificar nosso mundo que prestei atenção em Rodolphus pela primeira vez. A conversa já durava horas e estávamos discutindo apenas pelo prazer da discussão. Apenas duas pessoa naquela sala se mantinham caladas durante todo o tempo: Rodolphus Lestrange e Lucius Malfoy. O último era um quartanista loiro, um belo rapaz de ar arrogante e frio, que nos observava de uma maneira quase desdenhosa, mas bebia cada uma de nossas palavras, o interesse, tão bem escondido pela expressão, traído pelo brilho dos olhos intensamente cinzas. Rodolphus, por outro lado, apenas observava a conversa com ares de espectador. Sorria a cada dois ou três comentários, um sorriso lento e superior, como se soubesse de coisas que o resto de nós não sabiam. Aquela constante observação e os olhares que ele lançava começou, aos poucos, a me irritar de maneira incrível. Em determinado momento, acabei questionando-o diretamente, farta que estava de vê-lo sorrir, como se fôssemos todos crianças ignorantes e ele, o conhecedor dos mistérios da vida humana.
Até hoje não sei se fico contente ou me desespero por ter conhecido Rodolphus. Foi naquela discussão que tomei conhecimento do grupo chamado Comensais da Morte, o círculo íntimo de Lorde Voldemort. Aparentemente, os Lestrange tinham prestígio dentro daquele círculo.
A partir daquela noite, me tornei a cada dia mais próxima de Rodolphus. Seu ar calado equilibrava minha fúria e minha necessidade por explosões. Penso que ele foi a única pessoa capaz de, realmente, me conhecer e, talvez, ainda que de forma precária, me entender. E foi desta proximidade que meu ódio criou raízes entre o gelo e se fixou, para nunca mais me abandonar, tornando o inverno uma constante e uma certeza. Rodolphus era o homem certo para mim. Ele me compreendia, conseguia ver através da máscara que eu mostrava para o mundo, ele percebia que eu era nada mais que uma jovem, um ser humano, antes de ser a sangue puro arrogante e má. E eu não conseguia me aproximar dele, não conseguia me doar. Eu não conseguia amar. E a culpa era de Sirius. Sirius que me desprezava, Sirius que me ignorava, Sirius que virava as costas para a família, Sirius que sorria e me fazia desejar que ele me ensinasse a sorrir, Sirius que com seu riso me fazia menos fria, que com sua atitude despreocupada me fazia mais humana, que pela sua irresponsabilidade me fazia mais inteira.
Sirius que era tão humano, tão simples e verdadeiro, que merecia a morte por não enxergar que eu só queria que ele tivesse compartilhado tudo isso comigo, me permitindo viver, me permitindo sentir, me permitindo abandonar o inverno. Mas Sirius não via. Nunca viu, ou verá. E foi assim que o ódio tornou-se meu combustível e eu decidi não mais tentar. Eu seria o que o mundo, e Sirius, haviam feito de mim. Fria. E Rodolphus, como o homem maravilhoso que sempre foi, foi o primeiro a me ajudar com isso.
Naquele verão, com a interferência de Rodolphus, eu conheci os primeiros seguidores do Lorde e também o próprio Voldemort. Ele emanava poder. Era impossível não cair em suas armadilhas, não ver que ao lado dele nada seria impossível. O Lorde das Trevas também não levou muito tempo para perceber o que me movia. Foi com a promessa de que eu poderia me tornar uma Comensal que retornei para Hogwarts aquele ano, Rodolphus como meu namorado, meu ódio gelado como companheiro e meu inverno como refúgio.
Regulus estava mais interessado do que nunca em minhas novas relações e eu via os olhares apreensivos e preocupados que Andromeda lançava a cada vez que nos via juntos. Garota burra, que jamais percebeu que eu poderia tê-la ajudado com nosso primo. Sirius continuava em sua campanha contra toda e qualquer coisa que fosse "das Trevas", o que me movia mais ainda para aquele lado da guerra que certamente não demoraria a acontecer.
Na noite de minha formatura, a minha última noite em Hogwarts, apenas Rodolphus me abraçou. Sirius fez diversos comentários ferinos sobre como o ar seria tão mais limpo dentro do castelo quando bruxas das trevas não estivessem ali. Não acho realmente necessário dizer que o ódio que eu já sentia pareceu multiplicar infinitas vezes. Eu o queria perto, ele ficava feliz em me afastar.
Foi por essa época que eu me dei conta do poder verdadeiro do meu Senhor. Nada seria impossível ao lado de Voldemort. Se você fosse um servo dedicado, você teria recompensas, o mundo seria seu, quando o controle dele pertencesse ao Lorde. Sirius seria meu, se eu fosse uma serva fiel. E eu seria humana novamente, eu sairia do inverno novamente, quando tivesse Sirius. Eu seria a mais dedicada, fiel e perfeita serva que Lorde Voldemort jamais teria. E eu faria tudo isso por Sirius.
Soon I know you'll see
You're just like me
Eu trabalhei pela causa do Lorde das Trevas por meses, até que tive notícias de que Sirius havia fugido de casa quando a família Black tornou claro que apoiava também o meu senhor. Isso foi tudo que eu precisava para que quando anos depois Regulus me pedisse ajuda para tornar-se um Comensal, eu o ajudasse instantaneamente. Era toda a família dele lutando do lado certo, não levaria muito tempo para que ele percebesse que estávamos do mesmo lado, que ele poderia juntar-se a nós de maneira definitiva, que o lugar dele era conosco, e não ao lado daqueles traidores do sangue.
Meus planos talvez tivessem corrido perfeitamente, não fosse pela morte de Regulus, algum tempo depois. Garoto tolo, que fugiu ao perceber o que implicava ser um Comensal. Minha irmã Andromeda fugiu com um sangue-ruim pouco tempo depois. Narcissa estava tão entregue aos Malfoy que já nem poderia mais ser considerada uma Black.
Restávamos eu e Sirius e, na hora certa, ele veria que éramos, sim, apenas nós. Como ele dizia que seríamos em Hogwarts, como estávamos destinados a ser. Ele me tiraria do inverno, ele me faria humana.
Rodolphus permanecia ao meu lado, independente de minhas crenças ou convicções. Ele me ajudava, me apoiava, não havia missão minha que ele não estivesse ao meu lado, não havia noite insone em que ele não me apoiasse. Nós nos casamos em algum momento entre a morte de Regulus e o fim da guerra...
O fim da guerra.
I'm losing my mind and you just stand
There and stare as my world divides
Um moleque mestiço, filho daqueles traidores que andavam com Sirius na escola, tirou os poderes do meu mestre. Eles todos mereciam a morte. Os pais por terem roubado a companhia de Sirius de mim, aquele moleque por ter tirado todas s chances que eu ainda tinha de ser humana, de ter Sirius. Eu procurava por meu mestre incessantemente. Por vezes, Rodolphus tentava me acalmar e dizia que talvez nossa busca fosse inútil, que nosso mestre não teria como voltar, que ele deveria estar morto. Eu me recusava a acreditar. Meu mestre não me abandonaria como Sirius fez, eu não abandonaria meu mestre como Sirius fez comigo e Rodolphus estava ao meu lado, sempre, meu fiel companheiro, meu ajudante.
Um dia, nossos planos deram errado. Um casal inútil que se negava a contar o paradeiro de meu mestre e eu tinha certeza que eles sabiam. Eles mereceram cada Cruciatus que receberam. Disseram que eles enlouqueceram pela tortura. Enlouqueceram rapidamente. Eles tinham sorte. Eu tinha consciência que eu estava enlouquecendo lentamente, aos poucos, em meio ao gelo. E meu único refúgio, minha única paz seria ver Sirius, ele precisava me ajudar.
E então eu soube, no dia em que os Dementadores nos levaram, que minha esperança havia acabado, o inverno era eterno, definitivamente.
Sirius estava preso, acusado de traição.
Quando eu soube, eu ri. Eu gargalhei e foram necessários quatro aurores para me levarem para minha cela. Sirius, um traidor? Sim, sempre, eternamente, pena merecida, punição conquistada por anos de traição, e não apenas um único ato. Nunca traição àqueles amigos ignorantes. Traição a mim. Sempre a mim. Sirius estava sendo punido pelo seu único crime. O mundo fazia sentido.
E agora que Sirius estava preso, agora que ele estava tendo a punição merecida por tudo que havia me negado, ele passava horas e horas comigo. Eu quase me alegrava pelos dementadores que me faziam relembrar todas as nossas brigas, todos os sorrisos dele, todas as vezes em que eu percebi que ele estava feliz, que ele estava feliz sem mim ao lado dele, que ele ousava sorrir sem compartilhar seu sorriso comigo, que ele ousava viver sem me ensinar como, que ele ousava ser humano, sem me tornar humana também.
Foi no dia em que eu senti falta da presença constante de Sirius ali, no dia em que aquele animago conseguiu escapar de Azkaban, só Salazar sabe de que forma, que o último floco de neve caiu sobre mim, me tornando, realmente, gelo. Foi a última traição. Ele partiu sem me levar, ele me abandonou, não me deixando nem ao menos as lembranças. Ele me deixou no vazio, ele me relegou ao frio, ele criou o meu inverno e me prendeu nele. Naquele momento, eu não estava mais [ino[i inverno. Eu [isou[i inverno.
O inverno que destrói, que condena e mata. Que acaba com a vida. Eu não matei Sirius. Ele matou a si mesmo, eu fui apenas o meio usado por ele. Usada, mais uma vez.
Alguém pode me condenar por saborear minha vingança? Chamar-me de assassina, quando ele me matou, anos antes? Dizer que eu não tinha coração, quando Sirius jamais permitiu que eu tivesse um? Dizer que eu sou fria, quando ele me fez o frio? Não seria justo. Simplesmente não seria.
E agora ele se foi. Com um olhar espantado, e um sorriso no rosto, cruzando o véu de forma graciosa para nunca mais voltar. Tudo a minha volta não tem sentido, que me importa se a profecia se perdeu? Que me importa se aquele moleque mestiço tenta me atingir com um Crucio que jamais terá efeito, porque ele é fraco, e não sabe odiar?
Sirius não existia mais. Eu estava livre dele e da minha não-humanidade. Meu mestre cumpriu tudo que havia me prometido, eu lhe era grata e eternamente fiel.
É tudo que me resta.
Sirius se foi.
E o meu inverno permanece.
N.A.2: Meus muito obrigadas para a Buh, que fez essa capa deslumbrante e me motivou a terminar a fic, com as músicas maravilhosas e o presente surpresa que essa capa foi, à Sweet, pela primeira capa da fic, que a chata aqui ia fazer ela alterar, à Becky pelas ameaças de morte se eu não terminasse, e à minha Twin, Agy, por me aturar escrevendo isso e mandando para ela em tempo real. Huahuahuahauhauhau
Bjs, criaturas!
R E V I E W !