Disclaimer: Não é meu, batam na próxima porta.

É estranho. A solidão, quando estamos acostumados a ela, parece um bálsamo para nossos pensamentos. Afinal, quando temos muito em que pensar, mais ainda do que se arrepender, tudo a perder e nada a sentir, ficar com sua própria companhia não poderia ser mais agradável.

Ou não.

Entretanto, é estranho também o quão confortante uma companhia se mostra quando justamente a vulnerabilidade desse estado - Merlin, e quão fraco posso ser, por mais que a idéia não soe bem, já que posso odiá-la - é incoerente, já que tecnicamente não posso sentir nada. Mas posso materializar o que eu deveria sentir em pensamentos – porque ela está lá, presente, mesmo com sua irritante e persistente ausência. . Coloca a mão pequena e quente no seu ombro, encosta o rosto em seu peito e deixa que acariciem seu cabelo num gesto de conforto.

Comer pudim não parece tão ruim.

Deus gosta de pequenas artimanhas de xadrez, provavelmente joga com alguém onde quer que esteja se é que Ele existe. Para mim, tudo não passa de uma grande charada, não acredito em ninguém.

Deixei de acreditar em mim mesmo. Podem estranhar como o mimado Malfoy não esbanja mais seu egocentrismo exacerbado. É verdade. Mas tem um pequeno detalhe que me deixa muito curioso, para não dizer intrigado; existe alguém que ainda acredita em mim. E não é perfeito ou divino. É suja, com mente rápida e provida de um orgulho e teimosia que nunca vi igual;

A sangue-ruim.

Insensibilidade

Por Lally Y K

Betas: Naru-L e Kikis

Capítulo 4 – Até que...

(Avril Lavigne – How does it feel)

“Você ficou maluca? Sair por aí sozinha em Hogsmeade, seguindo o idiota do Malfoy e ele te traz desacordada, com cortes e sabe-se lá mais o que!” O rosto sardento parecia uma massa vermelha, se misturava aos cabelos lisos que caíam-lhe na fronte e as mãos brancas gesticulavam com mais violência a cada vez que tentava se expressar e as palavras lhe falhavam.

“Pare de gritar, Ronald, estou com dor de cabeça.” Ela murmurou após apertar suavemente as têmporas, na tentativa de diminuir a intensa vibração das palavras do ruivo em seus ouvidos. Elas vibravam, e a cada pequeno tremor das sílabas, os músculos fatigados também se mexiam. E o peito parecia tão carregado, tão dolorido... Por que ele não cala a boca e me deixa em paz?

“Você anda estranha Hermione! Como quer que eu não me preocupe? Fica se remoendo pelos cantos, não conversa mais com a gente, acorda noites gritando e chorando e já desmaiou duas vezes e se negou a ir à Madame Pomfrey!”

“Se você não ficasse ocupado conversando sobre Quadribol o tempo todo, talvez eu passasse mais tempo ao seu lado.” Ela disparou e logo se arrependeu porque os olhos azuis chisparam em fúria e ressentimento. “Olha Ron, foi imprudente, não sou perfeita, okay? Estou cansada, preciso dormir e conversamos depois.”

Ginny chegou ao seu socorro antes que o irmão voltasse a gritar no meio do Salão Comunal. “Vamos subir Hermione, você está a ponto de desmaiar.”

Em silêncio, as duas garotas subiram as escadas e uma maré de compreensão abateu o ruivo sentado na poltrona. Eles definitivamente precisariam conversar.

(Fim da cena)

“Agora, Hermione, você pode me explicar o que é isso?” A ruiva apontou para os pulsos esfolados e a garota somente suspirou em exasperação como resposta. Ultimamente, andava mais estourada e impaciente, e a preocupação excessiva dos amigos a deixava muito estressada. Ah sim! Tem Ron também que anda me deixando lou... “Hermione?!”

“Não foi nada, Ginny.”

“E por que voltou assim? Por que Malfoy te trouxe? O que anda acontecendo com você? E-”

“Eu não sei!” Ela gritou e novamente respirou fundo ao ver a sua amiga pular de susto. “Desculpe. Eu não sei o que anda acontecendo comigo, se eu soubesse já teria resolvido. Talvez seja pressão, muitas responsabilidades e...”

“Sabe...” Ginny a interrompeu com um tom quase doce, que a garota só usava quando estava prestes a jogar uma bomba na cabeça da outra pessoa. Daquelas bem grandes e explosivas. “Você não gosta de Ron. E está se envolvendo com Malfoy.”

Hermione ficou uns bons cinco minutos fitando os olhos castanho-claros da colega de quarto. Passou da descrença, desprezo, exasperação a uma raiva quase incontrolável. E depois tudo acalmou como a própria dor no peito enquanto registrava o que acabara de ouvir.

“Como... é?!” Ela piscou algumas vezes. “Olha, sério mesmo, Ginny... Você andou misturando o que nas suas refeições?”

“Nada. Acho que é você a afetada. Quem olha Malfoy é você, não eu.”

“Eu não olho Malfoy.”

“Cresça, Hermione.” A ruiva girou os olhos e começou a puxar os nós dos dedos, o que fazia quando estava extremamente irritada. “Você está estranha, escondendo algo de nós, em crise no seu relacionamento e ainda, de alguma maneira, envolvida com Malfoy. Assuma a postura madura que você se orgulha de possuir e admita pelo menos para si mesma o que acontece.”

“O que vou assumir?” Dor, dor, dor... Precisava desesperadamente de chocolate, banho, carinho, e que enfiasse seu cérebro inteiro em uma penseira. “Não tem o que assumir. Eu o provoquei. E nem Merlin explica por que eu disse aquelas coisas.”

Ginny parou por alguns instantes e fitou-a direto nos olhos. Algumas vezes, a amiga se mostrava muito ingênua ou evasiva no que se tratava de seus problemas e acreditava que podia esconder tudo atrás de sua curiosidade. Entretanto, ela sabia, de alguma forma, que não estava tudo bem.

“Bem, você quem sabe.” A ruiva começou com um ar de inteligência e contrariedade. “Mas não pense que pode enganar a todos, Hermione.”

Sem poder responder, Hermione se viu sozinha no ambiente opressivo do dormitório feminino. Não era tão cedo e logo teria patrulha. Com Malfoy. Seria bom tomar um banho e preparar-se para outro confronto com o loiro no mesmo dia.

Só não entendia porque ao mesmo tempo em que a água tocava sua pele e fundia-se a ela, as lágrimas encharcavam seu rosto com muito mais intensidade do que o fluxo do chuveiro. E , por alguma razão, os dedos dela doíam, doíam muito. Soluçou embaixo d’água, sorveu-a e engasgou. Junto com a tosse, o vômito desceu pelo ralo sem que pudesse freá-lo. A sensação física de ter feito algo nojento a acompanhava agora, e os olhos pareciam ter virado a própria água.

Não sabia se falava, gritava ou se estava em silêncio. A água corrente e o vapor faziam eco nos azulejos. E podia jurar que antes de perder os sentidos, azul e cinza se fundiram perfeitamente em duas esferas de metal tensas, secas e geladas como o inverno que ameaçava chegar com força naquele meio de novembro.

(Fim de cena)

“O que está fazendo aqui?” O loiro fitou o ruivo sério, ao ver que ele se aproximava nada feliz em sua direção.

“Patrulha, o que mais eu faria na sua desagradável companhia?” Ron retrucou, após deslizar os dedos pelos cabelos molhados. Estava tenso.

Hermione desmaiara no banheiro pouco tempo antes de a irmã puxá-lo para o local e fazê-lo carregar a namorada para dentro do quarto. Os restos do jantar mal engolido estavam sobre o ralo e, Merlin, como aquilo era nojento. Contudo, o que mais o intrigou é quando ficou sozinho com a garota no dormitório – o que era extremamente raro e proibido – ela murmurava palavras desconexas. E entre esses sons inteligíveis, ouviu Malfoy. Draco Malfoy. Draco.

“Onde foi parar sua namoradinha?” Perguntou casual. A maneira fria que o rapaz se referia à Hermione fazia seus nervos esquentarem mais que o usual e suas bochechas e orelhas já se tingiam de escarlate, mesmo que ainda tivessem dado poucos passos pelo corredor escuro.

“Eu gostaria de saber o que você quer com ela.” A voz era baixa, perigosa. Os olhos cinza o estudaram por alguns instantes antes das sobrancelhas loiras se erguerem em uma expressão que beirava a displicência.

“Meu interesse pela sangue-ruim é equivalente à conta bancária do seu pai em Gringotts; Inexistente.”

Ron pegou sua varinha no bolso interno e gritou “Everte Statum”, fazendo o loiro girar no ar antes de cair a alguns metros de distância a sua frente. Mas ao contrário do que havia previsto, Draco simplesmente se levantou, bateu as vestes para tirar a poeira imaginária, fitou-o por alguns segundos e murmurou algo como ‘Weasel imprestável’ antes de continuar a patrulha logo a frente.

Neste instante, Ron percebeu o quão erradas as coisas estavam.

“Vai correr com o rabo entre as pernas, Malfoy? Não é capaz de revidar um feitiço simples?”

“Espanta-me ver como Gryffindors são carentes.” O loiro virou para encará-lo com um olhar que beirava à ironia, só que muito mais frio e impessoal. “Sua namoradinha tem o mesmo problema. Talvez se gastassem mais tempo aglomerando-se nas suas próprias companhias imprestáveis, deixariam o resto de Hogwarts em paz.” Então, Draco sacou a varinha e apontou-a na garganta do sardento, falando baixo, sem dar abertura para o outro reagir. “Não pense que tenho medo de você, Weasel. Eu posso matá-lo muito facilmente. E estou pouco me fodendo se pensa o contrário. Recomendo que mantenha Granger longe de mim também. E que volte para sua casinha de cachorro, porque se eu ficar mais um minuto perto de você, não vou resistir ao Avada que fica cantando em meus ouvidos.”

Logo depois disso, Malfoy desapareceu com passos rápidos em direção ao outro andar.

“Filho da puta!”

Foi o que Ron disse antes de tomar o caminho para o seu Salão Comunal. Talvez tivesse mais sorte com Harry aquela noite... Xadrez de bruxo parecia uma excelente idéia.

(Fim de cena)

“Eu não vou para a enfermaria, não adianta!”

A garota tinha acordado de mau humor. Mas não era algo normal, estava tão azeda que os amigos estavam com medo de se aproximar dela, com receio de levarem uma das várias patadas que distribuíra naquele dia. Hermione geralmente gostava das manhãs, café com menta, bolachas de aveia e tagarelar.

Ron estava pensativo. Tomava o café da manhã devagar, sem o habitual desespero, com receio de que os elfos domésticos levassem toda a comida embora; só que não saboreava, e sim divagava em suas conclusões, ora olhando para a garota irritada, ora para os amigos que também decidiram ficar em silêncio. Neville parecia o mais desconsolado.

Harry virou na direção do ruivo e ergueu uma sobrancelha questionadora, estranhando o comportamento taciturno do amigo. Em resposta, Ron meneou com a cabeça tristemente, olhando em direção a Hermione. Esta, por sua vez, levantou com mais mau humor do que havia se sentado à mesa, pegou a mochila abarrotada de livros e saiu do salão principal.

“O que há, Ron?” O moreno questionou em um som baixo, curioso.

“Hermione, Harry.” Ele respirou fundo e neste instante o loiro deslizava silenciosamente para fora do Salão Principal. “E Malfoy.”

“Enlouqueceu?” O garoto ajeitou as lentes que teimavam em cair e empalideceu. “Ela não pode estar com...”

“Ela não está.” Ele cortou-o impaciente e começou a ficar vermelho como pimenta. “Mas alguma coisa há entre eles.”

Com um aceno de cabeça, os dois saíram também da mesa. O Mapa do Maroto¹ seria muito útil naquele instante.

(Fim da cena)

Ela estava ali, encostada nas balaustradas, com os milhões de livros socados na mochila, jogada despreocupadamente no chão, olhando para o tempo cinzento que corava suas bochechas e balançava os seus cabelos. Ocasionalmente, um ou outro pássaro cruzava o caminho dos céus e a garota colocava uma mecha teimosa para trás da orelha e respirava fundo. Ninguém notou que seus olhos estavam cheios de lágrimas, o pequeno corte no seu rosto ou os pulsos esfolados.

Exceto eles,seus amigos, mas se acostumou a ficar invisível entre os outros alunos.

Suspirou desanimada e colocou a mochila pesada nos ombros, e quando iria se virar, uma cabeça loira saiu do Salão Principal e se dirigiu na direção das masmorras. Entretanto, acabou virando um corredor à direita, que levava a uma sala de aula vazia. Lá, Malfoy abriu a porta e deu passos largos até a mesa que seria do professor, que naquele instante estava abarrotada de volumes grossos, como se o garoto estivesse estudando por lá.

A curiosidade falou alto; seguiu-o.

‘Por que não usar a biblioteca? Esse Malfoy é muito excêntrico mesmo...’ Pensou consigo mesma enquanto adentrava a sala quietamente, porque o rapaz já se encontrava sentado, absorto na leitura de um dos volumes.

O loiro olhou para frente e sorriu irônico ao ver a garota se aproximar em passos lentos, até ficar separada dele pela mesa. Os dois se fitaram durante algum tempo, e quando Draco se cansou do jogo, voltou os orbes para o livro e fez algumas anotações em um pergaminho.

“Você é canhoto?” Ela perguntou após observar que a mão esquerda dele movia a pena com agilidade, e sua caligrafia precisa e meticulosa preenchia quase uma página toda. Ele a mirou, um tanto surpreso, e umedeceu os lábios antes de responder.

“Sou ambidestro.” Depois, mergulhou a pena no tinteiro mais uma vez, para apenas segurá-la entre os dedos e continuar a analisar a garota. “Sabe, Granger, ontem seu namoradinho foi tirar satisfação comigo sobre o nosso pequeno encontro em Hogsmeade.”

“Eu sei.”

Era uma das razões do mau humor dela. Ginny gritou durante uns bons dez minutos com o irmão quando ele voltou ao Salão Comunal da patrulha noturna e isso fez sua cabeça latejar mais incessantemente. Tinha a vaga lembrança de ter desmaiado no banheiro, mas não tinha muita idéia de como fora parar em seus lençóis.

“O que ele falou?”

“Nada demais.” Ele deu de ombros e viu a garota esticar os olhos para sua pesquisa. “Curiosidade matou leões.”

“E serpentes morrem mordendo as próprias línguas.” Ela retrucou e continuou a ler o conteúdo. Basicamente, tinha o procedimento de um encantamento e parecia ser bastante complexo. “Tem um nome para isso?” Ela contornou a mesa e puxou um banquinho, sentando ao lado do loiro. Malfoy ficou estático por alguns instantes e depois relaxou, correndo o dedo pela página aberta até encontrar o título.

“Truncare corde.” Ele respondeu com uma voz meio baixa. “É um feitiço bem esquisito. E a maioria desses livros só diz como fazê-lo, e ainda é incompleto.” Então, direcionou o olhar à garota que lia com interesse o novo assunto. “Honestamente, Granger, por que está tão curiosa a respeito disso? Ainda mais quando se trata de mim

“Eu não sei.” Ela disse sem tirar os olhos da página. “Não me faça perguntas difíceis.”

(Fim da cena)

No dormitório masculino de Gryffindor, o Mapa dos Marotos mostrava dois nomes em um lugar isolado do castelo. As aulas não começariam em um intervalo de uma hora, e já fazia uns bons trinta minutos que as pessoas estavam lá.

Olhos verdes se abriram com curiosidade e azuis com estranheza.

“O que diabos ela está fazendo com Malfoy?” Harry indagou em voz alta, enquanto observava que os dois não se moviam da sala, nem mesmo do lugar.

“Eu não sei.” Ron respondeu pensativo, coçando o queixo em seu habitual gesto de concentração. “Só que se for o que eu estou pensando...”

O moreno fitou o amigo com descrença e Ron limitou-se a balançar negativamente a cabeça. Era o que mais temia.

“Ser corno pelo Malfoy. Que bela merda.”

(Fim da cena)

“Estamos lidando com a minha vida, sabe?”

“Sim.” Ela finalmente o olhou. E sentiu a dor do vazio que os olhos cinzas expressavam. E seu próprio peito se contorceu em algo muito semelhante ao remorso e tristeza, ainda que o seu sentimento fosse uma espécie esquisita de compaixão. Por Merlin, de onde vem o resto? “E...?”

“E eu não tenho certeza se quero a sua ajuda.” Ele disse com franqueza. Draco não suportava muitas coisas, e a pior delas era a pena. Preferia o ódio, o ressentimento, até mesmo a indiferença, que estava presente enquanto fitava os cachos e olhos castanhos, tão coloridos e vivos, contrastando com a sépia monocromática de sua própria existência. “Acho que agradeço sua preocupação, só que você realmente não quer se meter nisso.”

“E por acaso você manda em mim ou me conhece para ditar regras do que eu devo fazer ou não?” Ela disparou seca, levantando-se com a fúria da teimosia de sua coragem. “Não me subestime, Malfoy. Posso até desvendar essa charada por você.”

“Certo.” Ele continuou a fitá-la indiferente e frio. “E por que você faria isso? Nós dois sabemos que não preciso da sua pena.”

“Você precisa que alguém esteja ao seu lado.” Hermione respondeu como se fosse óbvio. “E eu quero ajudá-lo.”

“E por que faria isso?” Hermione sentiu a irritação que ele deveria sentir. Já Draco a fitava em uma serenidade displicente, como se o fato da rivalidade entre eles por todos os motivos do mundo fosse irrelevante.

“Porque você perdeu tudo.” Ela tinha os olhos marejados, e nem de longe havia a maldita compaixão em seu semblante. Era dor, algo que Draco só sabia perceber no físico. Quase desejou aquela sensação, só para saboreá-la. “E não tem nada para acreditar.”

Eles ficaram em silêncio por algum tempo, Hermione de pé, lutando contra as lágrimas e o coração pesado, e Malfoy sentado, fingindo ler as mesmas passagens que anotara, um pouco surpreso pelo que ela dissera, mas nem de longe comovido. Não há comoção quando só existe vazio no coração.

“E não me pergunte o porquê...” Ela pegou a mochila pesada e colocou sobre os ombros, lançando-lhe um último olhar sobre o ombro, fazendo-se visível a pequena trilha molhada que descia as maçãs do rosto para morrer no queixo. “Mas eu posso acreditar por você. Em você. E é o que eu vou fazer.”

Então, a garota saiu da sala sem olhar para trás.

(Fim de cena)

Doía.

Não era calmo ou opressor, mas simplesmente presente naquele pontinho da unha encravada que machuca na lateral do sapato ou da pelinha ardida do dedo indicador. Era a dor latente, incessante, insistente, incomparável, inconsistente.

Draco parou no meio do salão comunal de Slytherin e colocou a mão no peito. Tinha certeza que não machucara o local, não era descuidado por natureza. Talvez a camisa lhe causasse ardência e alergia, já que não era do algodão ou da microfribra que costumava usar. Preferia o segundo, amarrotava menos ao longo do dia.

Mas as divagações sobre o tecido de sua camisa não ajudavam a compreender. Dor. Aquela que toca embaixo do tecido adiposo, formada de músculos, coberta por gordura em alguns casos, bombeia sangue arterial e venoso. Era a dor no coração, uma aflição estranha, aperto que não tinha origem.

O esquisito é que aquela sensação o acompanhou desde quando a sangue- ruim saiu da sala. Maldita garota presunçosa!, pensou. Afinal, ela se considerava muito esperta para entender um feitiço de Arte das Trevas sendo que era a maior ativista contra os ideais de Voldemort e bem estar dos elfos... Qualquer que fosse aquela merda.

Doía.

Ele não sabia qual a origem da dor, se não tinha se machucado, se não tinha problemas cardíacos, se não podia sentir além da sua própria ausência. A falta não poderia doer, afinal, a ardência do vazio era incoerente. Mais incoerente do que pensar na sangue-ruim. E no calor que propagou pela ponta de seus dedos por causa da pele que ele tocou.

Sorriu.

A dor não aumentou, tampouco diminuiu. Mas ela mantinha quente aquele lugar frio, esquisito, que parecia ter mudado de consistência quando seu pai fizera toda aquela confusão. E aquela dor só vinha quando pensava nela. Nela. E nos seus olhos.

Do mesmo tom de castanho que gravou sua insensibilidade.

Parou de doer.

(Fim da cena)

Ela sabia, de alguma forma, que ele era o responsável por aquele aperto.

Bastou sair da sala que seus olhos se encheram de lágrimas - de novo. Sentiu a falta, a dor, a angústia, o desespero, o medo, a tristeza, o ódio, o remorso, a incompreensão. Tudo que era tão fora de si, aqueles sentimentos turbulentos e contraditórios. Hermione era bastante determinada e essas sensações converteram-se em determinação de pesquisar sobre Truncare Corde depois de suas lições.

Malfoy era ambidestro.

Era uma característica rara, peculiar, e até um tanto útil. Só não entendia por que ele sempre escrevia com a mão direita na sala e naquele ambiente, usava a esquerda. Talvez fosse para contrariar ou estivesse treinando sua caligrafia com a outra mão. Excêntrico.

Seu coração acelerou ao pensar no que os seus amigos pensariam se estivessem com o mapa e a vissem na mesma sala que Malfoy sem ouvi-los lançando feitiços um contra o outro. Era inconcebível a idéia de convivência harmônica entre os três. O loiro sempre insistia na convicção que precisavam se auto-destruir com insultos e encantamentos pelo fato singelo da sua linhagem sangüínea não ser mágica.

Já demonstrara diversas vezes que não ficava aquém de qualquer puro sangue no quesito de inteligência. Não que Malfoy fosse estúpido, mas tinha modéstia o suficiente para saber que na escola, era muito boa. Melhor do que ele; com pesquisas, com encantamentos. Exceto vôos. Quem precisa dessas porcarias inúteis chamadas vassouras? Os pés cumprem bem a sua função, muito obrigada.

Folheou uma página amarelada que expunha uma série de encantamentos antigos, de magia negra, com rituais difíceis e ultrapassados demais para serem aplicados nos dias atuais. O loiro veio a sua mente novamente e quase sorriu. Os maiores momentos de paz que sentiu desde o começo do ano foram quando estava naquela sala. Com ele.

Com isso, ela constatou duas coisas. A primeira é que Truncare Corde acabou por ligá-los de uma maneira bizarra. E a segunda é que tinha que parar de pensar nele. Porque o seu rosto ficou gravado em sua mente durante toda a tarde.

E só por isso não sentiu dor.

E nesse momento, você percebe que nada disso é importante. Ela está lá, você se apóia nela sem que tenha consciência do que faz. E quando se torna essencial, você não quer, não pode e não consegue mais dispor. Dela.

Da sangue-ruim.

A ser continuado...

A você, caro leitor, cabe o papel de julgar se essa fanfic é digna ou não de um review. A demora não é da beta, é minha, confesso. Agradeço a quem leu.

n/b: Chutem a beta, por favor, grande parte do atraso é minha culpa.

n/b² - Na dúvida, chutem as duas. Kikis e Lally o.o Sou a única inocente nisso!