Disclaimer: os personagens de Naruto não me pertencem.

Observação: a personagem principal se envolverá com mocinhos e vilões. Logo, esta fanfic contém cenas fortes. Se for loucamente apaixonado por um Sakuraxquemquerquefor em especial, seja relevante :)


A COR DA NOITE (1)


Let me be the one you call
If you jump I'll break your fall
Lift you up and fly away with you into the night
If you need to fall apart
I can mend a broken heart
If you need to crash then crash and burn
You're not alone

(Deixe-me ser esse que você chama
Se você saltar e se machucar
Irei levantar você e voar com você pela noite
Se você precisar cair
Eu posso consertar seu coração quebrado
Se você precisar o quebrar e o queimar de novo,
Você não estará sozinho)

Crash and Burn – Savage Garden


Capítulo Um: O Fã-Clube

Todo esse tempo perdido e todas essas pessoas irritantes... Yeah, tudo me faz pensar: "Bem, por que não?" Por que não apenas saltar dessa maldita árvore e voltar para casa? Por que não apenas esquecer a situação, o presente, o futuro e tentar viver uma vida normal? Com uma carreira médica, tratando de pessoas feridas dentro de um hospital lotado, vestindo um jaleco branco. Perfeitamente agradável e pacífico.

Naruto está gritando logo ao lado, excitado com a ideia de se divertir num país estrangeiro. Mas ninguém o escuta – ninguém nunca o escuta mesmo que possa fazê-lo, que fique dito. O vento corta em nossos rostos forte demais para que consigamos ouvir qualquer coisa além dos nossos próprios pensamentos.

Isso é terrivelmente chato. Toda essa coisa de correr de um lado para o outro, como se o mundo dependesse de nós.

É claro, sempre gostei de ser ninja e dos códigos ninja e das táticas ninja e desse universo instigante, mas admito que acordei terrivelmente mau-humorada nessa manhã. Terrivelmente impaciente. Terrivelmente irritada. E a voz de Naruto não estão ajudando a melhorar a situação.

Faz absolutas trinta e duas horas que estamos embrenhados na mata, na direção do País da Chuva.

"Nee, Kakashi-sensei," chamei, impaciente. "falta muito?" Indaguei assim que consegui emparelhar com ele, já que, como líder do grupo, ele tomava a dianteira.

Diferente das outras vezes, Kakashi-sensei não estava lendo o maldito livro sobre relacionamentos e interações pervertidas. O que insinuava que devíamos ir com velocidade total – uma tarefa muito fácil para Sasuke-kun, que era praticamente uma flecha humana, mas não posso dizer o mesmo de mim. O período em que fiquei presa às tarefas na Vila minou a resistência e agilidade obtidas com treinamento físico.

Podia sentir pequenos repuxos nas pernas, fruto de todo aquele exercício excessivo. Não estava mais acostumada àquela rotina. O trabalho médico costumava me manter muito ocupada. E, de fato, era no que eu gostava de gastar o meu tempo. Pediatria era um serviço premiado.

"Falta." Respondeu ele, distraidamente.

Soltei um gemido, sentindo uma pequena gota de suor deslizar pela têmpora direita.

Por que diabos me escalaram para essa missão idiota?, pensei, rangendo os dentes. Seria muito mais fácil permanecer em Konoha. Não precisava me preocupar com o desgaste, com a falta de higiene adequada, com a falta de um lugar confortável para dormir.

Além disso, aturar Sai, Naruto e os estúpidos atrasos de Kakashi-sensei seriam os meus últimos desejos antes da morte.

Fechei os olhos por um momento, sentindo o frescor do entardecer na floresta. Com uma inspiração profunda, tentei amenizar um pouco da insatisfação que me acompanhara durante o dia e, de repente, senti o joelho fraquejar. Tudo culpa da maldita missão, diria se alguém me perguntasse.

Meu corpo se impulsionou para frente diante daquela falha estratégica e então percebi que Sasuke havia me segurado pelo braço, impedindo que eu despencasse – ninguém devia subestimar a altura de uma árvore anciã.

"Você está bem?" Ele perguntou tão logo me colocou sobre o galho da árvore.

"O que foi, Sakura-chan?" Naruto pulou até onde estávamos, sequer me dando tempo de responder à outra pergunta. Como sempre, os olhos azuis estavam esbugalhados, dando-lhe uma expressão ingênua e infantil.

"Cãibras." Respondi, franzindo as sobrancelhas.

Ainda podia sentir os dedos de Sasuke me tocando, o que fez com que um pequeno arrepio subisse pela minha espinha (após todos esses anos, matem-me). Ele percebeu o efeito que provocava, pois sentiu os pelos eriçados sob a sua palma, e tomou distância.

Havia um sorriso irritante no canto da boca de Sai quando ele se aproximou.

"Qual o problema, feiosa?" Indagou. "Já está tão velha que nem mais aguenta o ritmo?" Debochou, desdenhoso.

"Vá pra porra, Sai." Rugi, furiosa.

Naruto e Sasuke pareceram ligeiramente surpresos diante daquelas palavras grosseiras (embora tenham sido espontâneas), mas não Sai. Nunca Sai.

Sim, era natural, agora eu penso. Nós sempre ficávamos presos a estranhos joguinhos sádicos, testando nossas próprias habilidades reflexivas. De modo que eu sempre o mandava para algum lugar não muito agradável (ou onde o sol não bate) quando percebia que a derrota era eminente – perder sempre resultava em humilhação.

Ele sorriu outra vez, dessa vez não um daqueles sorrisos irônicos, mas um dócil e fácil, que aprendeu enquanto ainda tentava compreender os sentimentos.

"Eu acho melhor pararmos por hoje." Declarou Kakashi-sensei, tomando as rédeas da situação. Logo, sacou o Icha Icha da bolsa presa à perna, o que sinalizava que ia se desligar do mundo, e me deu uma olhada certamente curiosa antes de abri-lo. "Eu a aconselharia a um banho quente, mas..." Ergueu os ombros.

Era algum tipo de piada? Estreitei os olhos na sua direção.

"Kakashi-sensei, eu sou médica. Acho que posso aconselhar a mim mesma." Disse, acidamente.

"Você está com um humor do cão, feiosa." Comentou Sai.

"Não encha o meu saco!" Resmunguei, sacudindo a cabeça, impaciente. "Não bastasse precisar aturar Naruto gritando nos meus ouvidos, rumar para a porcaria de lugar nenhum numa viajem sem fim, quase me espatifar numa queda de 4 m de altura, ainda preciso aturar você fazendo comentários sarcásticos?" Revirei os olhos. "Ah, poupe-me, Sai."

Disse a Kakashi-sensei que iria procurar por um lago, onde podia relaxar, tomar um banho e usar o chakra para aliviar as malditas contrações espasmódicas dos meus músculos (embora a água quente fosse melhor para isso, podia me virar com o que a natureza oferecia).

Naruto, é claro, perguntou o que eram contrações espasmódicas, questionamento para qual dei uma resposta silenciosa e eficaz: lancei o meu olhar mais estreito na sua direção – do tipo que havia aprendido com Sasuke-kun – e ele logo me deixou em paz, preferindo questionar Sai a respeito.

O tom alto e levemente esganiçado da sua voz fez com que alguns pássaros saíssem voando. Uma reação muito comum quando aquele Uzumaki estava por perto.


Tinha os cabelos ainda molhados quando retornei para onde os garotos haviam montado acampamento.

Nosso acampamento se definia por uma fogueira e quatro corpos sentados ao seu redor. O time 7 não era muito levado por preocupações como conforto. Eram demasiado preguiçosos para desenrolar os próprios colchonetes.

Silêncio, constatei enquanto me aproximava. Palavra cujo significado quase desaparecia quando estávamos em grupo, já que mesmo Kakashi-sensei às vezes costumava discorrer sobre treinamento árduo, exercícios de alongamento e bundas.

A água do lago, o qual ficava próximo donde estávamos, estava em uma temperatura quase glacial. Ainda podia sentir o corpo gelado, mesmo fazendo já meia hora desde que terminara o banho.

Meus cabelos, embora lavados, ainda continham resquícios de toda a poeira do caminho. Seria impossível limpá-los adequadamente com apenas água potável. E, apesar de normalmente ser muito precavida com relação aos objetos de necessidade básicos, havia esquecido o xampu e o condicionador na hora de sair, porque Naruto estava me apressando.

Kakashi-sensei lia o Icha Icha Paradise quando eu apareci.

"Yo, Sakura." Ele sequer levantou os olhos do livro. Sua capacidade de percepção era extraordinária mesmo em meio à balbúrdia. No silêncio sepulcral então, era infalível.

"Como você está, Sakura-chan?" Naruto se ergueu e correu na minha direção, ansioso por notícias.

A sua preocupação era tão verdadeira e agradável que me fez relaxar de modo quase inconsciente. Era muito difícil resistir ao magnetismo nato de Naruto. Ainda que tivesse uma personalidade temperamental, ele era naturalmente carismático.

Apesar disso, parte do encanto desapareceu quando me recordei dos gritos histéricos ao pé do meu ouvido durante parte do dia e esse sentimento de familiaridade e satisfação diminuiu.

"Gelada." Respondi, ainda aborrecida. Esfreguei os braços. "O lago está a quinze minutos daqui." Disse a Sasuke-kun, que nos observava, silencioso. "Nós podemos pegar alguns peixes." Sugeri.

"Hn."

Ele concordou com um aceno, pondo-se de pé.

Sasuke ainda usava a Kusanagi, a katana, mesmo após ter derrotado Orochimaru, de modo que, de quando em quanto, aproveitava-se do cabo da mesma para apoiar o pulso. Fosse de caso pensado ou não, aquele movimento fazia com que muitas mocinhas de coração fraco desmaiassem.

Anos de trabalho duro me fizeram parcialmente imune ao seu charme. Parcialmente imune, eu digo, pois de quando em quando sou atingida como um raio por um flash da sua beleza. E todo o esforço para esquecê-lo escoa pelo ralo.

"Bem, já que vocês pensaram nisso, tragam peixes para todos e nós os esperaremos para começar a preparar o jantar." Sugeriu Kakashi-sensei, erguendo a cabeça, um sorriso divertido em seus lábios.

Eu revirei os olhos diante daquela declaração, porque obviamente a nossa volta era imprescindível para a preparação do jantar – só havia trazido temperos e garrafas d'água e a menos que eles houvessem aprendido novas técnicas de fazer brotar carne do chão, não havia muito a ser feito além de caçar.

Naruto logo tomou a dianteira da situação, dizendo que nos acompanharia.

As dores nas minhas pernas haviam aliviado após alguma massagem. Como eu já estava andando normalmente, concluí que não pioraria o meu estado ao dar mais uma caminhada rápida até o lago. Sai, porém, tocou o meu ombro e me impediu de continuar.

"É melhor ficar por aqui, feiosa." Disse ele. "Desse jeito, vai apenas nos atrapalhar."

Apenas tive tempo de mandá-lo à puta-que-o-pariu antes que os três machões sumissem floresta adentro, me abandonando com Kakashi-sensei e o seu Icha Icha Paradise.

Normalmente, a falta de diálogo me incomodaria e eu tentaria iniciar alguma conversa fútil, mas me percebi muito cansada quando me escorei na árvore onde Sasuke-kun antes estivera sentado. Ainda pude sentir o seu perfume no ar antes que os meus olhos se fechassem.


Sacudindo. Eu estava sacudindo.

Soltei um gemido. Meu corpo ainda balançava contra a minha vontade, empurrando-me com mais força para a realidade.

Abri os olhos, primeiro um e depois o outro.

Podia ver as árvores ficando para trás, assim como Kakashi-sensei, Naruto e Sai correndo ao meu lado. Percebi, após um longo instante, que minhas pernas não estavam se mexendo – o que era completamente inimaginável. É um sonho, pensei, sonolenta e dolorida.

Tinha a cabeça escorada em algo quente e macio. A descoberta fez com que eu quisesse voltar a dormir. Mas os movimentos faziam com que meu ouvido raspasse levemente contra o que parecia ser um tecido, subindo e descendo, e a fricção constante irritava minha pele.

Reconheci o perfume de Sasuke-kun. Foi então que percebi que estava sobre as costas dele.

"Por que você está me carregando, Sasuke-kun?" Perguntei, a voz um pouco mole em função da sonolência.

"Ninguém conseguiu acordá-la." Disse ele apenas.

"Eu estou dolorida." Murmurei para mim mesma, procurando por pontos de dor ao longo do corpo. Permiti-me tornar a apoiar a cabeça no ombro de Sasuke-kun. "Faz muito tempo que não saio em missão." Comentei, bocejando.

O que era muito verdadeiro. O hospital estava sempre movimentado, não importando o dia, e, como uma das melhores médicas de Konoha, era o meu trabalho, era também uma honra, dar suporte para o país do Fogo.

Meus olhos foram se fechando gradativamente. Fazia muito tempo desde que eu havia tido longas horas ininterruptas de sono.

"Tinha me esquecido de como sentia a sua falta, Sasuke-kun." E dormi.


Sonhei com coelhos que saltavam de árvore em árvore, como nós.


Quando abri os olhos novamente, não estávamos mais nos movendo.

O cheiro de peixe cozido me despertou. Percebi que estava faminta. Tendo dormido antes do jantar, estava em jejum há mais de doze horas.

O primeiro a notar que meus movimentos preguiçosos foi Naruto. Ele estava com a boca cheia e me lançou um agradável sorriso de lábios fechados enquanto segurava o seu espeto de madeira próximo do rosto, preparando-se para a seguinte mordida.

"Bom-dia, Sakura-chan!" Disse.

Àquele movimento, pedaços de peixe semi-mastigados voaram na direção de Sai, que muito habilmente se desviou – saber escapar era uma habilidade básica quando se convivia com Naruto.

"Engula primeiro, idiota!" Sai bradou, irritado. Embora aquela cena fosse comum, não queria dizer que ele estivesse conformado.

"Yo, Sakura." Kakashi-sensei estava sentado perto de mim, escorado contra o tronco de uma árvore. Tinha uma perna estendida e a outra curvada, onde apoiava o braço. "Você parece bastante revigorada. Dormiu como uma pedra." Comentou, coçando o queixo. Logo tirou o Icha Icha do bolso e abriu numa página aleatória.

"Sinto muito." Me desculpei, fazendo beicinho. Estava frustrada. Era um pouco humilhante saber que havia atrasado o grupo. No entanto, ao me esticar, percebi que as minhas pernas não doíam mais. Isso foi um consolo satisfatório o bastante para atenuar o aborrecimento.

Sai me ofereceu um espeto recém tirado do fogo.

"Toma, feiosa." Disse, a voz arrastada.

"Obrigada." Agradeci, começando a comer. "Só não retruco o apelido porque estou faminta." Estreitei os olhos na sua direção.

Ele arqueou os ombros e sorriu o mesmo sorriso torto e espertinho de quando tinha um bom xingamento em mente, mas não chegava a verbalizá-lo por restrições que nunca compreendi.

Diante daquele olhar tão típico, comecei a rir. Por mais patético e irritante que fosse, Sai sempre conseguia soar terrivelmente cômico.

Todos me olharam como se eu fosse louca ou coisa do tipo – o que eu admitia ser um pouco, afinal, é impossível continuar sã após tantos anos ao lado do time 7 (quero dizer, vamos lá, os caras são doidos). Em minha própria defesa, lancei a Naruto e Kakashi-sensei um olhar impassível, eliminando qualquer chance de diálogo, e resolvi voltar a atenção para a pseudo-conversa que se desenrolava ali ao lado, e que parecia muito mais interessante.

"Você é muito óbvio." Comentei para Sai, quando vi que já não era mais o centro das atenções.

"Parece que a sua testa enorme abriga um bom cérebro." Retrucou ele, revirando os olhos. Cuspiu um espinho.

"O que já não é o seu caso." Sorri, tão gentilmente quanto foi possível, e fingi impassibilidade quando Sai se voltou, com as sobrancelhas arqueadas, na minha direção. "Mas nós só podemos culpar a genética, não é?" Debochei.

"Qualquer coisa além de um rosto deformado." E, é claro, eu emburrei diante daquela resposta.

"Idiota." Rugi.

"Feiosa."

Assim que ambos silenciamos, voltei a comer.


O sol estava alto no céu, o que devia significar meio-dia ou algum horário por aí.

As árvores frondosas faziam sombra sobre nossas cabeças, mas a temperatura estava alta, diferente do dia anterior, e eu estava suando. A fogueira utilizada para cozinhar os peixes não ajudava a amainar o calor.

Atraída pelos ruídos, ergui a cabeça quando Naruto começou a discutir com Sai – uma cena muito rotineira, como todas as outras – e percebi que Sasuke-kun me observava.

Seus olhos eram tão negros que pareciam piche. Seriam capazes de me engolir se quisessem. Provocavam a mesma sensação de estar afundando num pântano: quanto mais eu me desesperava atrás de liberdade, mais profundamente submergia.

Encarei-o até sentir o frio no estômago que sempre sentia, então me deixei distrair pelo que acontecia ao nosso redor.

Voltei-me para Kakashi-sensei.

"Ainda falta muito?"

"Esta noite." Respondeu ele, distraído na leitura.

"Qual é o problema, feiosa?" Sai se virou para mim, dando um ponto final ao bate-boca com Naruto. Sorria, presunçoso. "Dormiu a manhã toda e ainda está cansada? Devemos começar a ficar preocupados? Ou é apenas a testa que pesa demais?" Escarneceu.

"Sai," comecei, gentilmente. "por que você não pega esse espeto em que estava o seu peixe e o enfia no lugar que mais te dá prazer?" Estreitei os olhos na sua direção.

Àquela resposta mordaz, ele deu um riso baixo e confortável, cheio de sabedoria, que queria dizer claramente "Cachorra feiosa" e que, noutros tempos, me deixaria às lágrimas. Agora, porém, eu costumava reiterar com um meio sorriso torto que significava, basicamente, "Filho-da-puta detestável".

"Ora, ora, feiosa, quem diria que você seria uma grande entendedora de áreas erógenas. Quem é o pobre coitado que te serviu de cobaia?"

Se eu fosse um pouco mais pudica, teria esbugalhado os olhos. Também teria ficado tão vermelha e tão constrangida que gaguejaria e perderia completamente o fio da meada. Seria o fim da minha honra. Mas admito que talvez devesse ser mais delicada e menos dura. Então, quem sabe, eu nunca me visse naquela situação, para começo de conversa.

Fiquei calada por um longo segundo, porém, encarando-o. Precisei de um momento para pensar. Nós nunca havíamos partido para o campo sexual da discussão. E eu não sabia que conotação dar à minha resposta.

"Por que a curiosidade, Sai?" Arqueei uma sobrancelha. "Está pretendendo se utilizar dos meus ensinamentos com o seu novo namorado?"

"Feiosa." Ele estreitou os olhos, em tom de aviso.

"Tudo bem." Eu o interrompi, gesticulando com indiferença. "Eu sempre soube." Fitei-o, batendo no peito em sinal de solidariedade. "Sempre soube que você também fazia parte do fã-clube do Sasuke-kun, Sai. Você não precisa se envergonhar disso."

A sua expressão era tão horrorizada que eu quase me engasguei com a saliva ao começar a gargalhar. Num raio de 20 m, todos deveriam ter me ouvido.

Então o rosto masculino se aproximou do meu de tal modo que os nossos narizes se encostaram. Havia uma profunda seriedade em sua face – mesmo assim, eu ainda lutava contra as lágrimas provocadas pelo riso e era incapaz de levá-lo a sério. Ele apontou o espeto em que o seu peixe antes estivera e o pressionou contra o meu ombro esquerdo.

"Você sabe que eu não gosto das suas insinuações a respeito da minha sexualidade, feiosa." Resmungou.

Quase fiquei arrependida. Obviamente, não o suficiente para lhe pedir desculpas.

"Às vezes precisamos admitir a realidade, Sai." Disse, estalando a língua e fazendo um gesto de indiferença.

"Eu não sou obcecada pelo Uchiha como você, feiosa." Sua voz estava baixa e ameaçadora, mas não me senti oprimida. As reações de Sai raramente me amedrontavam.

Ao invés de temer, corei. Sabia que tanto Naruto como Sasuke poderiam escutar a nossa conversa da distância em que estavam.

Aquele tipo de situação me levava à pose defensiva. Nos últimos anos, havia chegado à conclusão de que a melhor maneira de me defender seria atacar. E isso era muito útil no que dizia respeito aos meus embates verbais.

"Ora," rangi os dentes, deixando o constrangimento se esvair. "pelo menos ele vale a pena. Diferente de você." Falei, secamente.

"Eu não me arriscaria a dizer isso." Ele coçou o queixo. De repente parecia bastante distraído para alguém que estava aborrecido. "Você sabe tanto sobre Sasuke quanto sabe sobre mim. Ou seja, nada." Sorriu torto, sarcástico.

Levantou-se, dando por encerrada a conversa, e avisou a Kakashi-sensei que daria uma olhada nas redondezas. Quando ele se foi, eu me senti um pouco solitária e perdida. Nossas discussões sempre faziam com que, em momentos como esse, eu me sentisse amparada. Furiosa – sempre –, mas amparada.

Voltei os olhos para o peixe ainda pela metade, pensando sobre aquelas palavras.

Por mais que detestasse admitir, Sai estava certo: sobre Sasuke-kun, eu sabia apenas o que era de conhecimento geral. Tudo o que se passava pela sua cabeça ou mesmo os seus sonhos eram um mistério. Não tinha ideia nem mesmo a respeito das coisas mais simples, como a sua cor preferida.

Confesso que a situação em si era um pouco irritante. O fato de Sai sempre estar certo sobre tudo que se relacionasse a Sasuke-kun e a mim, digo. Porque ele sempre sabe, sempre sabe, o que eu quero ou o que me perturba, ou simplesmente o que eu não quero.

Diante destes fatos, percebo que só há duas conclusões plausíveis: devo supor então que ele me conheça bem de mais ou que eu me conheça de menos.

"Ei, Sakura-chan, você não precisa dar atenção ao que aquele idiota diz." Naruto pousou a mão quente sobre o meu ombro.

O toque me arrancou daqueles pensamentos tempestuosos. Ergui a cabeça, franzindo as sobrancelhas.

"O quê?" Indaguei, ainda um pouco confusa. Então percebi a quê ele se referia. "Ahh, não se preocupe. Eu não estava pensando no que Sai falou." Respondi, balançando a mão em sinal de pouco caso.

"Nee, Sakura-chan!" Ele chamou novamente - eu já tinha retornado às minhas próprias reflexões então, tentando reencontrar o fio da meada do fluxo de pensamentos. "Eu posso socá-lo, se você quiser." Ofereceu, o peito estufado. Sua voz ligeiramente aguda e esganiçada soava bastante alta, uma vez que estava próximo.

Acho que pareci horrorizada por um segundo diante daquela proposta estapafúrdia (se eu apelasse para a luta física cada vez que tivesse uma discussão inflamada, muito provavelmente já estaria presa por insubordinação). E meu horror não caiu bem, logo percebi.

"Por que diabos eu ia querer isso?" Indaguei, tentando aparentar normalidade, e franzi as sobrancelhas.

"Mas ele está te aborrecendo e..." Naruto coçou a cabeça, parecendo incrivelmente confuso diante da minha súbita proteção para com Sai.

Seu pensamento era lógico. Qualquer um que conhecesse ou convivesse com Sai poderia se sentir tentado a socá-lo. Ele era demasiado irônico e amargo para ser apreciado. E era necessária uma grande gama de auto-controle para resistir bravamente às suas insinuações (porque ele era o rei das insinuações).

Movi a mão, numa tentativa de atenuar a forte implicatura da minha pergunta.

"Posso fazer eu mesma." Respondi, impingindo à frase uma nota de ansiedade pela auto-suficiência.

Logo o assunto morreu.

Então, aproveitando-me do fato de que Naruto estava distraído demais cutucando um formigueiro com uma vareta e que Sasuke e Kakashi não prestavam atenção ao que acontecia à sua volta, decidi ir procurar por Sai. Saí me esgueirando do acampamento.

Naruto me chamou, ou melhor, berrou por mim, mas não lhe dei atenção.

Tenho certeza de que, se ficasse mais tempo por lá, acabaria por me irritar – com o silêncio, com o calor, com os mosquitos. No meio de uma floresta e longe da civilização, não faltam motivos para colocar uma mulher no seu pior estado de humor. E Sai era o único capaz de me distrair com eficiência. Ao menos, não posso deixar de pensar, os debates entre nós dois são construtivos e bastante ofensivos, o que faz a adrenalina correr.

É claro que mudaria de ideia se Sasuke-kun me pedisse para lhe fazer companhia. Mas, obviamente, um pedido desses só aconteceria nos meus sonhos mais delirantes.


(1) Há um filme do Bruce Willis chamado A Cor da Noite, mas na realidade eu nunca o assisti. Só gostei do título e achei que se adequava a esta situação. Encontrei meu próprio sentido.