Capítulo I - Alcatéias

Remus fala:

Fui mordido ainda criança. Conheci dor, solidão, amizade, traição e desprezo. Sobrevivi a tudo isso.

As feridas de Bill foram curadas dentro do possível, mas as marcas de dentes no pescoço e na face tornaram-se cicatrizes irremovíveis. Ele se sentia diferente. Nos primeiros dias, tentou não pensar no quanto estava modificado. Fleur era mesmo a grande mulher que ele imaginara. Ela tinha verdadeiro orgulho das cicatrizes dele e não permitiu que ele se deprimisse. Era a mulher perfeita para ele.

Mas então, à medida que a primeira Lua Cheia se aproximava, ele começou a compreender. Os curandeiros disseram que ele não se transformaria em lobo, e que suas únicas seqüelas seriam as cicatrizes e um gosto maior por carne. Mas o que eles podiam saber sobre mordidas de lobisomens na forma humana? O que eles entendiam do coração de um lobisomem?

À medida que a Lua crescia, Bill se sentia mais impaciente, mais agoniado por estar fechado na Toca. Ele desobedecia às ordens médicas e saía para longos passeios solitários. Sua cicatrização acelerou, o clima o afetava menos, seus sentidos se tornaram mais agudos, em especial o olfato. Seus reflexos eram mais rápidos, e quando ergueu sozinho um pesado baú no sótão, ele teve certeza que havia muito mais de lobisomem nele do que os curandeiros imaginavam.

Bill gostaria de poder conversar com Lupin a respeito do que estava acontecendo desde que fora mordido por Greyback, mas o lobisomem assumira o encargo de vigiar a casa de Harry por aqueles dias. Sabia que Molly andara interrogando Lupin, e que ele prometera vir até a Toca depois da Lua Cheia.

Mesmo ocultando da família as mudanças que aconteciam, Bill sentia que precisava de respostas.

Hermione trouxe, a seu pedido, tudo que pode encontrar sobre lobisomens, e Bill reconheceu os sintomas e aprendeu sobre eles. Todo lobisomem experimentava um aumento da força e dos sentidos a partir do momento em que era mordido. Esse aumento variava no decorrer do mês e atingia o máximo na noite de Lua Cheia. Depois, vinha o período de prostração. Por um ou dois dias, o lobisomem estava mais lento, mais fraco, como se estivesse exaurido pela Lua. O cansaço da transformação durava um tempo variável. Quanto mais o homem tentasse conter o lobo, pior seria.

Na noite da véspera da Lua Cheia, Bill não conseguia mais respirar direito dentro da casa de seus pais. Precisava sair. Andou sozinho por lugares ermos. Quando chegou em casa, o dia já estava raiando. Fleur e sua mãe estavam na sala, agoniadas, consultando o relógio mágico a cada minuto. Ele se desvencilhou das duas, alegando cansaço, e foi para o quarto, mas nem mesmo tentou dormir.

Passou o dia pensando, tentando entender porque não conseguia mais ficar ali. Seus instintos pediam que ele fosse embora, descobrisse quem se tornara. Pegou um espelho e encarou as cicatrizes. De alguma forma, sentia-se mais parecido com o homem marcado do que com o jovem de boa aparência que fora até pouco tempo.

Ao entardecer, terminou o noivado com Fleur, despediu-se da família e saiu em direção à floresta próxima. Ia vestido como um trouxa e levava apenas sua varinha e uma mochila com alguma comida e um pouco de dinheiro. Agradeceu aos deuses que Fleur mantivesse a compostura, já lhe bastavam as lágrimas de sua mãe. Sabia que estava magoando as duas, mas não podia ficar. Pelo menos não agora.

Bill estava sozinho na ravina quando a Lua nasceu. Ele não se transformou, mas compartilhou a dor que os lobisomens estavam sentido naquela hora. Quando as coisas se acalmaram, ele se afastou, embrenhando-se na floresta.

A Luz da Lua // A Luz da Lua // A Luz da Lua // A Luz da Lua // A Luz da Lua // A Luz da Lua

Bill fala:

No começo, eu não percebi o que estava acontecendo comigo. Achei que a pior parte fossem as marcas no meu rosto. E nem isso parecia importar muito. Mas isso foi na época em que eu ainda não sabia de nada.

Remus não voltou para junto dos lobisomens a tempo de participar da celebração pela morte de Dumbledore. Não se importava nem um pouco se isso irritaria Greyback. Apenas tinha certeza de que não poderia suportar as risadas e a comemoração pela morte de quem fora quase um pai para ele. Ele só se uniu à alcatéia um dia antes da Lua Cheia.

O bando era uma visão estranha para quem não estivesse acostumado. O grupo de lobisomens era composto unicamente por homens, Greyback não mordia mulheres ou trouxas, pelo menos não sem matá-los. Alguns dos lobisomens adultos tinham companheiras – algumas bruxas, a maioria trouxas, a quem Greyback proibira que eles mordessem. Eram mantidas em cavernas próximas e encarregadas de cuidar do acampamento.

Em todo o bando, só havia um lobisomem que não tinha sido mordido por Greyback: Ian. Seu sobrenome se perdera com o tempo, como acontecia com a maioria deles. Era um homem velho, um bruxo de quase cem anos, que dizia ser lobisomem há mais de setenta. Era sábio e o único aliado de Remus. Greyback só o tolerava porque sem ele e seus conhecimentos de ervas, os lobos não teriam um curandeiro.

Greyback era o líder inconteste da alcatéia. Havia doze lobos adultos e uns vinte adolescentes que o seguiam sem discutir. O número de crianças era variável. Muitas morriam de tristeza ou maus tratos pouco depois de serem mordidas. Atualmente, havia meia dúzia com idades entre seis e nove anos. Abandonadas pelos pais, espezinhadas pelos lobos mais velhos, elas só tinham Ian e Remus.

O líder da alcatéia chegou pouco depois da hora do almoço e, quando viu Remus sentado junto a Ian, rosnou ameaçador. Eles haviam estado em lados opostos da batalha, e não era segredo na alcatéia que Remus lutava pela Ordem da Fênix mesmo contra as ordens do líder.

Os mais selvagens do bando se prepararam para outra briga entre os dois. Todos sabiam que o líder considerava uma questão de honra domar o filhote rebelde, como ele chamava Remus. E todos sabiam que Remus não gostava de ser tratado assim. Era o único que não dava o título que Greyback reivindicava. Nem para salvar a própria vida Remus chamaria o miserável de Pai.

O lobisomem mais velho aproximou-se já com atitude de quem ia entrar em combate. Ambos eram bruxos, no entanto não usariam magia. Se Greyback o fizesse, corria o risco de perder o respeito da Alcatéia. Se Remus se atrevesse, seria atacado por todos os lados. As "lições" de Greyback eram sempre dadas com garras, dentes e músculos.

Eles tinham quase a mesma altura, mas o líder era mais selvagem. Greyback atacou com as garras na direção do rosto de Remus, que conseguiu aparar o primeiro ataque, e contra-atacar, socando-o no estômago e no rosto.

Remus sentiu as presas do outro homem enterrarem-se no seu braço direito. Ainda tentou usar a mão esquerda para atingir Greyback, mas o adversário enfiou as garras na barriga de Remus, fazendo com que ele perdesse o fôlego de dor.

Desesperado, Remus acertou um soco no nariz do outro lobisomem e ouviu o barulho dos ossos se quebrando. No entanto, ele insistia em lutar como um homem, e Greyback atacava como uma fera.

Greyback uivou e investiu com fúria redobrada. Remus se defendeu, mas acabou sendo derrubado, e o lobo mais velho sentou-se sobre ele, prendendo seus braços. Remus ainda tentou desequilibrar o adversário e, por um instante, pareceu que ia funcionar, mas não teve força suficiente. Greyback usou as garras para retalhar o rosto e o peito do lobisomem mais novo, deixando-o estirado no chão.

Remus ainda ouviu seu uivo vitorioso e as risadas da alcatéia, antes de desmaiar.

Continua...