Título: Sob a sombra do mais silencioso carvalho

Autora: Kikis

Beta: Lally Y K (aka Lally, ou a garota dos 1001 nicks)

Par principal: Harry/Draco

Avisos: Slash, universo alternativo.

Disclaimer: Harry Potter e seus personagens não me pertencem e infelizmente nunca vão pertencer, não ganho nenhum dinheiro com isso, apenas algumas horas de diversão :D

Sumário: Harry acorda em uma casa no meio de uma floresta. Sem memória, sem marcas, apenas na companhia de um velho professor, um menino solitário, um lago, um carvalho sem pássaros e uma escolha.


Negrito e itálico – vocês vão descobrir ;)

Para Delamort


Epílogo

Sétimo e Último Ato

oOoOo

"No inferno não há ar," foi o primeiro pensamento de Harry ao retomar a consciência. Por mais que tentasse inalar o oxigênio, seus pulmões continuavam vazios.

Contudo, no inferno parecia haver mãos carinhosas, que massageavam suas juntas e dedos doloridos. Uma voz dizia para relaxar ao mesmo tempo em que algo cobria seu nariz e boca. Desistiu de relutar e permitiu que esse som embalasse seus sonhos "Respire, Harry", ela dizia.

E Harry respirou.


Quando seus olhos se abriram, o quarto se encontrava mergulhado na suave penumbra noturna. Não conseguia mover muito mais do que a cabeça e o pescoço, no entanto, os roncos leves de Neville ressoavam por todo o cômodo e cessaram sua intranqüilidade. A janela ainda estava ao seu lado, o companheiro de quarto ainda roncava, o céu não era estrelado, e o ar passava muito longe de ser puro.

Estava vivo. E isso foi suficiente.


O intuito era não começar a história com 'era uma vez', só que todas as histórias acontecem uma vez, e é isso que faz cada uma delas bonita. Bonita-triste, bonita-feliz, bonita-diferente. Tanto faz.


Os primeiros dias foram difíceis. Mione e Ginny riram e choraram ao lado de seu leito. Ron o olhou, brincando com os próprios dedos, sem saber como agir. Sua tia apareceu na porta do quarto e no segundo seguinte não passava de uma lembrança. Não que se importasse. Se sobrevivera, não foi por ela.

Não poder falar pareceu terrível inicialmente, mas provou-se fácil e útil. Observar as pessoas interagindo, tentando estabelecer um monólogo com seu corpo imóvel era seu entretenimento. Depois de algum tempo, era fácil prever ações e palavras. Podia fechar os olhos e presenciar suas suposições tornando-se realidade. Curiosos seres humanos, suspirava, já cansado de escutar sempre as mesmas frases.

Dormia na maior parte do tempo, para ser franco. Demorou um pouco até recuperar parcialmente as energias. Os médicos demonstravam otimismo, mas Harry não encontrava muitos motivos parar sorrir quando uma curta caminhada o deixava sem fôlego. Os doutores esperaram um pouco para recomeçar seu doloroso tratamento. No dia em que avisaram que iriam voltar, seu cabelo já tinha até crescido novamente.

Um mês. E remédios. E tratamentos. E desespero mudo ao mirar os fios de cabelo caírem pela segunda vez, como neve escura e fina sobre seus lençóis brancos.

E foi então que aquele nome surgiu em sua mente e lembrou-se.

Draco Malfoy.

"Não é só quem tem ódio que não esquece, sabe?"


Tudo começou em uma noite congelante de outono, que na verdade não era mais quase outono, já que os ventos frios de inverno já tinham começado a varrer todo os tons da estação anterior. Era quase triste ver as correntes geladas de ar descolorirem a para deixar apenas tons de branco e cinza. A vida parecia ficar gradualmente mais chata com a chegada do inverno. E era assim que ele se sentia, deitado em sua cama enquanto esperava os primeiros flocos caírem do céu escuro.

Claro que os flocos demorariam mais algumas semanas para chegar, masmal podia esperar, porque a visão dos pontinhos brancos inundando a paisagem trazia consigo uma idéia tão forte de revolução que lhe comprimia o peito. Era esse o momento mais esperado do inverno, o da primeira neve.

Esperava quase a noite toda, e pela manhã nunca lembrava o momento que tinha ido dormir.

Durante o dia conseguia esquecer aquela ansiedade que esmagava o peito. A vontade parecia ser carregada para fora junto com o cheiro de torta na beirada da janela.

Sua rotina era bastante normal. Acordava. Comia. Tomava banhos demorados. Levava bronca dos pais por ser tão devagar. Pedalava sua bicicleta verde até os jardins, para depois levarem-no até a escola. Enfrentava um dia tedioso, cheio de aulas e matérias. Voltava para casa. Fazia as tarefas. Via um ou dois programas na televisão. Jantava. Falava com os pais 'o que fiz no meu dia'. Aprontava-se para dormir.

Era aquele o momento mais glorioso, o de esperar a neve.

E seu coração transbordava de satisfação quando abria ambos os olhos para ver os pequenos flocos chocando-se contra o vidro.


Diversas vezes, ao cerrar as pálpebras, o rosto contorcido de Draco aparecia entre suas variadas recordações, murmurando "Se eu lembrar... Pode ser que nada seja verdade". Essa memória o atormentava dia após dia, porque pensava no lago no mesmo instante em que sorria para Mione ou conversava com Ron. Não adiantava ler, escrever em um caderno surrado, contar piadas para as enfermeiras, ouvir os CDs do David Bowie que a mãe da menina ao seu lado tanto gostava. Nada.

As lembranças sempre o deixavam apático. A maioria deduzia que sua tristeza era em função da enfermidade, e os olhares piedosos que recebia eram quase insuportáveis.

O que era uma grande ironia, no final das contas. Harry lutara tanto, sacrificou diversas coisas para estar ali, vivendo.

E o que mais queria naquele momento era desaparecer. Quando se sentava em frente à janela e observava o vidro embaçado, ousava erguer um dedo e escrever 'morte', até que a palavra desaparecesse junto com todas as outras que havia desabafado naquele lugar.

Desaparecer, assim como as palavras ditas e aquelas escritas em vidros nos dias de inverno.

Ah, mas ele já estava morrendo, então não tinha muito com o que se preocupar.

Pelo menos, era o que ele achava.


Era um garoto bastante normal, o John. Com um nome mais comum ainda. E pais que gostavam bastante dele. A mãe o tratava como uma jóia que deveria ser guardada como o mais precioso tesouro. O pai cobrava força, postura, classe. Cada um com seu modo peculiar de amar e ser amado.

Contudo, todos têm, então não é nenhuma novidade.

Mas John tinha um segredo.


- Ele está deprimido. – Sussurrou uma voz feminina que parecia estar próximo.

- É normal. Muitos pacientes se sentem assim nesse estágio.

Silêncio. A garota pareceu hesitar por alguns segundos. Harry, que acabara de acordar, já sabia a pergunta que estava na ponta da língua dela, mas que relutava tanto em sair. Podia ver nos olhares de Hermione, nos seus gestos, no modo com que ela calculava o que iria falar, as piadas, os momentos certos para sorrir. Suspirou, apertando o travesseiro ligeiramente.

- Ele não... Será que... Tem... Não tem risco de suicídio?

- Srta. Granger... – Começou o médico. Som abafado. – Não acho que deva se preocupar tanto. O Sr. Potter pode estar deprimido, sim. Mas não é o tipo de paciente que apresenta tendências suicidas.

- Mas ele... Ele quer morrer, doutor.

- Entre desejar morrer, e fazer algo quanto a isso, Srta. Granger, há um longo caminho.

Falta vontade, pensava Harry. Vontade de fazer, de encarar realmente a faca quase cega que lhe davam nos dias em que se sentia melhor, quando que não vomitava todo o conteúdo do seu estômago. Já havia passado a parte afiada contra o dedão, e a única coisa que conseguiu foi um arranhão.

Não queria mais dor, não naquela altura do campeonato.

Porque ele ia morrer de qualquer jeito. Careca, cheirando a bile e azedo, com a pele grudada aos ossos e os olhos esbugalhados. Não gostava de espelhos. Não queria se lembrar de si mesmo daquele modo, como um garoto de membros débeis e estômago sensível. Nem mesmo um quinto do que fora. Suas mãos, que costumavam segurar e arremessar bolas de basquetes, elas tremiam, e quase não conseguiam sustentar os talheres de plástico.

Às vezes Harry sonhava que estava jogando.

Iria morrer dolorido, e embriagado de morfina.


John via pessoas e criaturas que mais ninguém podia. Era inevitável ser pego falando sozinho, pelos cantos, porque seu mundo era mais colorido e fascinante, e as conversas de seus amigos exclusivos tão mais interessantes.

Mas também era óbvio que tentaram tirar isso dele. Várias vezes. Porque não era normal, não seguia sua rotina regrada.

John ficou quieto. Enganou a todos, o danadinho. Por mais que doesse ver os olhos daqueles seres fascinantes o mirando, tentando comunicar-se com ele, teve que manter seu silêncio para não atrair tanta atenção. Somente à noite, enquanto esperava a neve, cedia ao luxo de ter conversas sussurradas com todos. Desde a menina de cabelo azul até o senhor carrancudo que tinha ataques de asma ocasionalmente. Gostava daquela vida, daquelas pessoas. Sentia-se completo.

Continuava indo à escola, ao clube, e a todos os lugares que deveria freqüentar. Era normal novamente. Normal e chato.

Só que, bem lá no fundo, por mais que se divertisse com todos, John tinha medo e receio. De alguma forma, acreditava que todos eram reais. Contudo, em algumas ocasiões duvidava, e deixava as opiniões dos outros se infiltrarem em sua alma.

Doía tanto apenas cogitar a possibilidade de que todos eles não passavam de simples mentiras. Fantasia.


Gostava de imaginar que Draco estava ao seu lado.

Tinha dias que se arrependia de ter ido embora. Em outros, duvidava da experiência.

Depois do segundo mês, quase se convenceu que tudo fora um sonho.

Então, por que ele não conseguia sonhar novamente?


Seus pais descobriram. E aquele dia foi, provavelmente, o mais infeliz da sua vida. Seu pai o encarava com suas feições geladas, e sua mãe parecia querer se esconder em um lugar distante, tamanho era seu desespero e desconforto. John até que entendia a atitude deles. Estavam acostumados com o brilho, a plenitude. Não deveria ser fácil ter um filho que não se encaixava no pragmático quebra cabeça que tinham construído por tanto tempo.

Foi por amor, e também por obrigação, que ele ouviu a família. Anos mais tarde questionou a cega lealdade familiar, aquela que o fez destruir o colorido, as pessoas interessantes e criaturas fantásticas que estiveram com ele quase desde sempre. No entanto, era insuportável olhar para sua mãe e ver o semblante perdido no rosto tão bonito, e olhos tão inchados que a maquiagem não conseguia disfarçar. Respirou profundamente, frente a frente com sua face no espelho de seu quarto, e prometeu não dar atenção a nenhum deles, por mais tentadores que fossem.

Havia ocasiões em que era impossível não trocar um aceno disfarçado, sussurrar poucas palavras.

John não tinha vergonha em admitir que não era uma pessoa que costumava sentir peso na consciência. Fazia o que fazia, e pronto. Fatos são fatos e acabou, não há discussão. Errou? Sim, errou. Ele era humano, passível de erros, e não iria se responsabilizar pela sensibilidade excessiva e intolerância alheias. Os problemas dos outros deviam permanecer com os outros.

Todavia, o rapaz se sentia culpado quando falava com as pessoas de 'mentira'.

Tudo estava ali. Mas ele tinha que ser forte, não podia deixar ser consumido totalmente por uma ilusão.

Por mais que doesse ver Carina – uma das ilusões – sentada em sua cama com olhos tristes e a maquiagem branca borrada, se despedaçando aos poucos, no entanto, nunca morrendo. Por mais que sentisse o toque gentil de Charlie ao dar seu passeio nos jardim e não poder responder, se entregar ao riso e o prazer barato que era uma conversa agradável.

Nesses momentos, nem que fosse por um insignificante segundo, para seu coração, ser verdade ou mentira não importava.

Custava admitir, mas sabia que nunca seria o herdeiro ideal. Mesmo que estivesse impecavelmente vestido e seus modos fossem exemplares, sempre haveria a desconfiança, pessoas que questionariam sobre sua sanidade, alegando que era louco. Doente.

John odiava tudo aquilo. Odiava ter que viver para algo que nunca conseguiria alcançar. Isso o cansava.

E foi por esse mesmo motivo que, no meio do outono, quando tinha dezesseis anos, seus pais o mandaram para a fazenda de seu tio, para que ficasse longe das tentações.

Carina ouvira tudo, e respondera, mal-humorada.

'Eles são uns idiotas. Você nunca vai poder se livrar da gente. Vamos aonde você for.'

Não sabia se ficava feliz, ou rendia-se de vez ao desespero.


Lágrimas queimavam sua pele.

Que saiam em pequenas gotas, quando tinha ânsia.

Saiam, largas, mesmo que fossem poucas, quando tinha saudade.


John conheceu Kelvin por acaso. E não podia negar que no início (e até no meio e no fim) a relação era um pouco conturbada.

O outro garoto apareceu na fazenda de seu tio. Ele também enfrentava alguns problemas.

"Agora virou terapeuta?" Provocava.

"Apenas carcereiro." Devolvia o tio com um de seus sorrisos desagradáveis.

Eram quase como opostos. Ele e Kelvin. Escondiam-se em suas mentiras por motivos diferentes.

John tinha medo de viver. E Kelvin de morrer.


Harry estava determinado a esquecer. Porque depois de tanto pensar, decidiu que Draco era uma ilusão. Tinha tantas coisas nas quais se focar... Não podia dar-se ao luxo de ficar ponderando sobre uma incerteza que agora parecia tão distante.

Lembrava-se de uma vez ter perguntado a uma professora do primário quando ela contava uma história.

'E havia um reino muito distante...'

'Professora!' Levantou a mão um Harry de seis anos, cabelos espetados, e olhos incrivelmente grandes para um rosto pequeno. 'O que é distante?'

'Distante?' Ela franziu o cenho, abaixando por um instante o livro. 'Ora. Distante é longe.'

O pequeno Harry sorrira em sua empolgação pueril, e se erguera, sem se importar com os olhares curiosos dos colegas ao redor. 'Distante assim?' Deu um passo para trás.

'Não.' Sorriu a professora. 'Mais longe.'

'Assim?' Deu mais um passo para trás.

'Não,' riu, dessa vez sendo acompanhada por algumas crianças curiosas, 'mais longe.'

Uma menina de cabelos negros levantou-se e correu para perto da porta. 'Assim?'

'Não, mais, mais longe...' (1)

Harry desejou repentinamente ir para aquele lugar mais, mais, mais longe.

Distante.


John ficou indignado quando seu tio, o dono do lugar em que estavam, pediu para que ficasse de olho em Kelvin, que ainda não se acostumara à rotina do campo. Tinha mais o que fazer, ora essa. Como observar o gramado ininterruptamente, dormir, e comer.

Kelvin era perdido demais, e John achava isso extremamente irritante. Paciência não era uma qualidade da qual poderia se orgulhar, ainda mais quando se tratava de praticamente desconhecidos. Não gostava de repetir as coisas, nem dos olhares vazios do outro garoto. Ficava com um bolo na garganta.

Como se estivesse olhando a si mesmo nos piores momentos.

O outro companheiro causava todo tipo de problema. Ficava doente, vomitava durante a noite, e o quarto ficava com aquele cheiro nojento de banheiro de boteco depois das vinte e três horas.

Mas Kelvin estava se afundando. Isso revoltava John, porque de fodido, bastava ele.

"ABRA OS OLHOS, SEU RETARDADO."

E esse foi o início de uma amizade.


- Bom dia, Harry! – Hermione entrou em seu quarto sorrindo de orelha a orelha com seu vestido de primavera.

Harry não pôde evitar sorrir de volta. Sentia-se solitário desde que Neville recebera alta, e não tinha mais os roncos suaves do companheiro para fazer-lhe dormir todas as noites. Não tinha mais ninguém com quem jogar conversa fora ou disputar uma partida de qualquer jogo de cartas nas ocasiões em que estava mais disposto. Sentia falta de contato, um pouco isolado do mundo, como se todos estivessem passando, vivendo suas vidas, enquanto ele estava lá, sem data certa, congelado, careca.

- Oi, Hermione. – Acenou com a mão.

A garota acomodou-se na cadeira ao seu lado e suspirou, contente.

- Os exames estão acabando. Eu nem acredito. Ah, Harry, me desculpa por não ter vindo antes, é que eu tive que ensinar isomeria óptica para o Ron, e bom, a prova estava bem difícil, sabe?

- Hmmmm.

- Mas! – Riu – Eu trouxe um presente para você.

O garoto permitiu-se sorrir de canto, esforçando-se ao máximo para afastar a melancolia que trazia ouvir sobre a escola.

- Um presente?

- É! Eu acho que você vai gostar... É um livro.

- Um livro? – Mordeu o lábio inferior para conter o riso.

- Não faça essa cara! Você gosta de ler!

- Só estou brincando com você, Mione. – Sacudiu os ombros de forma displicente enquanto se aconchegava melhor no travesseiro.

Ela concordou com a cabeça e levantou-se para abrir a janela. Harry fechou os olhos. Gostava daquele ar de primavera quase verão. Tudo nascia de novo, como se nunca tivesse morrido. Mais fresco, mais bonito. Fazia bem ao seu pulmão doente respirar um pouco de vida.

Se acreditasse em cura pelo pensamento positivo, talvez até sentisse que estava melhorando só pela presença do perfume das flores do canteiro de sua janela.

O cabelo de Hermione balançava, suave. Podia ver o castanho refletir o sol agradável em vários tons. Mel. Preto. Marrom. Chocolate. Dourado. Vermelho. Cores que ondulavam e se misturavam ao sabor da brisa de uma nova estação. O vestido azul também revoava ao redor dos joelhos da garota.

E Harry se sentiu feliz. Porque viu o mundo apenas pela beleza das coisas.

A pura e simples beleza do cabelo que flutuave, mas que talvez ninguém notasse, e do vestido azul turquesa.

Cores.

- Achei que ia gostar do livro. – Ela continuou abruptamente. – Livros sempre me fazem sentir menos sozinha.

Oh.

Hermione não olhou para ele ao dizer 'sozinha'. Não era nenhuma surpresa. Quase bufou, sentindo a familiar irritação crescer em seu peito. Cerrou as pálpebras por alguns instantes, e forçou-se a racionalizar a situação. Mione era daquele jeito, e pronto. Determinada, mas hesitante quando lidava com coisas que não podia prever totalmente. Tinha sempre as melhores intenções.

O rapaz passava por uma fase interessante de sua doença. Era uma aceitação, ora amarga, ora calma. Ele pertencia ao mundo daqueles que já tinham partido. Sua amiga ainda viveria por longos anos. Seria grandiosa, tinha certeza. Se alguém merecia o sucesso, era ela, nem que fosse apenas para ele, por ter permanecido naquela cadeira desconfortável mesmo quando ele colocava as tripas para fora e seus olhos estavam apagados.

Não era mais hora de segurá-la.

- Obrigado. – Respondeu, e ela se virou com uma sobrancelha erguida.

Assim que ela deixou o embrulho em seu colo, o rapaz segurou-a pelo pulso para puxá-la para um abraço. Era estranho acomodar um corpo macio nos seus braços esqueléticos e duros. Ela não reclamou, ele tampouco. Fazia tanto tempo que não tinha qualquer contato que não fossem apertinhos na mão – que faziam seus dedos doerem e o aborreciam profundamente.

Cheiro de pêssego, os cabelos coloridos.

- Adoro o cheiro do seu cabelo. – Disse, risonho.

E Hermione começou a chorar, com direito a nariz escorrendo e olhos inchados.

- Oh, Harry...


"Você é um idiota!" Bradou Kelvin, com a respiração descompassada.

John sorriu afetado, deixando toda a malícia transbordar em seu rosto.

"Ah, é mesmo? Eu acho que não ligo."

As brigas eram quase diárias, em função de coisas bobas, como divisões de tarefas ou por algum insulto que depois de vários minutos de gritos, ficava esquecido. Mas a vida era boa daquele modo. John sentia-se orgulhoso de suas ofensas, e quase não percebeu que deixava Kelvin se aproximar daquele jeito selvagem.

E o tempo foi se fundindo em si mesmo como massa de bolo. E John não saberia dizer quando é que os dois se tornaram amigos. Porque seus medos eram opostos, mas eram medos de intensidades muito parecidas, e essa quantidade de angústia os tornou mais próximos, fez com que falassem uma língua parecida.

Uma língua que só os dois podiam entender.


Foi só uma semana depois da visita da amiga que começou a ler o tal livro. Na verdade, teve de ser lembrado a continuar sua leitura.

- É um livro muito bom, sabe! – Exclamava Hermione enquanto Ron girava os olhos – Eu li duas vezes, e achei que você ia gostar.

Ron encolheu os ombros num pedido mudo de desculpas pelo escândalo. Harry sorriu.

- Eu nunca disse que não era bom e que não ia ler, Mione.

- Sério, Harry! Você fica o dia inteiro olhando para a porcaria da janela enquanto deveria se distrair um pouco.

Distrair por quê? Pensava Harry. Do inevitável? Dos dias que faltavam para seu pulmão desistir de funcionar?


John chegava a quase se esquecer do mundo, porque Kelvin sorria e não tinha medo de tocar-lhe com aquelas mãos desajeitadas. Os dedos passavam pelos seus cabelos, e ele fechava as pálpebras. Porque não precisava sonhar.

Compartilhavam um sorriso. E era suficiente.

Enquanto o tio de John cuidava da administração da casa, os dois curtiam seus dias no campo, suas férias inusitadas.

Espreguiçavam-se e olhavam a paisagem com olhos semi-cerrados.

O mundo parecia um lugar um pouco melhor.


- Sirius! – Harry exclamou, surpreso.

O homem riu-se, achando graça da cara do afilhado e se aproximou logo.

Harry deixou-se levar para risada do outro. Era engraçado os olhares que o espalhafatoso Sirius e sua velha jaqueta de couro brilhante atraiam. Depois de todo aquele tempo, o padrinho não havia mudado muita coisa. O mesmo brinco de prata, os mesmos anéis, o mesmo cabelo cor de ébano – agora ligeiramente grisalho – preso em um pequeno rabo de cavalo. Era assim que o homem aparecia nas fotos com seus pais, e em todos os eventos em família.

Ele carregava uma atmosfera tão diferente, tão familiar que o garoto permitiu esquecer-se que estava prostrado em uma cama de hospital.

- O que você está fazendo aqui?

As feições de Sirius adquiriram um ar severo ante a pergunta.

- Ora essa! Agora eu preciso de motivos e motivos para fazer uma visitinha ao meu afilhado?

O sorriso de Harry encolheu alguns milímetros.

- É que você quase não aparece. Estranhei, só isso.

Oh, Harry sabia que o comentário havia machucado o padrinho. Nem precisaria estar a encarar o rosto surpreso quando ele se contorceu.

Só um pouquinho, me permita ser só um pouquinho egoísta.

Todavia, o garoto poderia muito bem ter imaginado o momento em que suas palavras feriram Sirius, porque segundos depois estava lá ele sorridente e animado, suas bochechas coradas de sol.

- Pois é, Harry, é que eu vou passar um tempo na cidade, e pretendo te visitar bastante.


John acabou descobrindo pelo jeito difícil que Kelvin era uma daquelas pessoas de coração irritantemente bom, com o desejo de salvarem tudo e todos.

Kelvin queria salvá-lo, livrá-lo de seu medo para que pudesse seguir em frente. Isso o incomodava, porque Kelvin parecia desejar um companheiro para enfrentar os desafios, e não podia tê-lo enquanto John ficasse lá, estático, com seu dilema de mentira e verdade.

Só que John não tinha escolha. Kelvin a possuia, e achava ridículo ele querer ficar lá, e se transformar em uma alma errante.

"Ninguém pode me ajudar." Disse em uma briga, e bateu a porta.

Porque em algum momento, eles teriam que encarar os problemas.


Harry tinha uma nova meta. Queria brigar o menos possível com as pessoas ao seu redor, mas tinham aquelas situações em que não dava para não discutir.

- Estou doente, tudo bem. Mas eu ainda não fiquei idiota. – Resmungou entredentes, contando lentamente em sua cabeça. Um, dois...

- Harry...

- Sério, Hermione. – Respirou profundamente. Sete, oito, nove. - Eu não quero que Sirius fique aqui na cidade por minha causa.

- Harry, ele é seu padrinho! Ele está preocupado, todos nós estamos!

Onze, doze, treze, quatorze, quinze...

Por Deus! Por que as pessoas tinham de ser tão irritantes?

- Um pouco tarde demais para isso, não? – Disse o mais alto que conseguia.

Hermione derrubou o copo em sua mão. O chão ficou todo manchado de coca-cola.


"Para que eu vou voltar para minha vida?" Perguntou Kelvin.

"Eu não sei." Respondeu John. "Acho que nunca vai saber se não voltar."

"Profundo hoje, não?" Sorriu o outro, maroto. "O que você bebeu?"

"Algo que não dividi com você, obviamente."


Era um pouco estranho, mas sempre que o doutor entrava no quarto com um sorriso no rosto, Harry sabia que dificilmente apreciaria as novidades. Da primeira vez, tinham descoberto uma forma de tratá-lo mais eficientemente. Da segunda, o cateter. Da terceira, teria que recomeçar a quimioterapia. Da quarta, era que se fizesse menos exercícios de subir e descer escadas, melhoraria mais rápido, ou seja, estava confinado no seu andar até a hora do passeio do jardim. Isso só se estivesse bem disposto.

Da quinta, era que haviam testado um remédio que ajudaria com a dor. O que o doutor havia esquecido – sem querer, é claro – de mencionar era que aquilo aumentava seus enjôos, e nem sempre era possível fazer uma viajem ao banheiro para colocar tudo para fora. O que significava que usava a adorável bacia de metal ao lado de sua cama com mais freqüência, e geralmente tinha que chamar uma enfermeira, já que com certeza alguma coisa tinha saído do lugar. Soro, tubos etc.

Maravilha de vida.

- Sr. Potter! Creio trazer uma maravilhosa notícia!

Oh, droga.

- Eu acabei conversar com seu padrinho. – O sorriso aumentou – E ele consentiu em deixá-lo sair daqui!

O queixo de Harry caiu, e ficou lá por bastante tempo.


Os dois sabiam. Era um medo bom, daqueles que além de dar frio da barriga, envia coragem e antecipação para o resto do corpo.

John descobriu que gostava das coisas daquele jeito. De poder ter algo por tanto tempo. De poder tocar essa coisa sem receio. Por mais que Kelvin o machucasse com algumas atitudes estúpidas, por mais que estivesse longe de dividir todas as suas angústias.

Afinal, algumas vezes, o bom era melhor que o ótimo.


- Mas e o tratamento? E o hospital? E... E...!

- Ah, Sr. Potter. O seu padrinho vai cuidar de tudo. Não achamos que seja mais necessário se tratar aqui quando pode ficar no conforto da casa de um ente querido. Seu tio até já assinou todos os requerimentos. Só precisamos decidir uma data com o senhor.

Então, o entendimento chegou a Harry como uma bala que atinge seu alvo. Rápido. Só ouve-se a bala depois que ela chega a seu destino. Maldição.

Sentiu-se um pouco tonto.

Todo seu orgulho por ter controlado os enjôos por pelo menos cinco horas foi por água abaixo quando sua garganta queimou com a bile.

Azeda. Amarga. Como o gosto da derrota e da dura realidade.

Harry chorava lágrimas grossas e furiosas enquanto baba escorria por seu queixo e o gosto ruim ainda estava em sua língua. Impregnado. Na verdade, parecia que nunca mais sairia. Ficaria lá para todo o sempre, não importava quantos tubos de pasta de dente gastasse para tenta deixar seu hálito um pouco mais mentolado. Piedade, maldita piedade.

Era o gosto do fim.

Ah. Como era horrível.

- Vocês estão me levando para casa para morrer, não é? Sirius está me levando para eu morrer no conforto de um ente querido, não é?!

Ele tentou, jurou que tentou fazer com que cada palavra saída daquela boca soasse tão azeda quanto o sentimento era. Porque, de repente, tudo ficou mais claro. Ofuscante, se fosse ser bastante sincero. A vinda de seu padrinho, aquele lá que não precisava de desculpas para visitar o afiliado. Ele queria passar um tempo na cidade. Um tempo. O maldito tempo até o dufunto de Harry, o afiliado doentinho, esfriar e estar a pelo menos uns cinco palmos do chão.

Imaginou se ele usaria a jaqueta de couro em seu funeral também.

- Ah, que morte feliz! Que legal que vocês vão me deixar morrer do lado dos meus amiguinhos. Do meu padrinho querido!

- Sr. Potter...

- Ué, doutor! Não vê meu sorriso de alegria? Estou radiante! Será que vai dar tempo do meu cabelo crescer um pouquinho até o velório ou vocês não vão parar o tratamento? Ah, assim não dá, doutor! Vou passar meus últimos momentos com essa merda de remédio? As pessoas vão beijar a cabeça de um cadáver carequinha antes de fecharem o meu caixão?

Quando percebeu, havia duas enfermeiras que o seguravam. Uma de cada lado, fazendo com que ele esticasse os braços. Olhou para cima, para aquele teto pálido e chato que fora sua paisagem durante tanto tempo e sentiu-se indo para a cruz. Cabeça erguida e braços estirados. Raiva que queimava terrível em seu peito e tornava a respiração difícil. Um mero chiado.

O mundo rodopiou sem a graça de uma bailarina, e tornou-se negro. Vagou pela escuridão sem sonhos ou consolos, imerso no silêncio desesperador. Ao acordar, ainda podia sentir o rastro de lágrimas, o que irritava sua pele sensível.

Não pôde evitar.

Sozinho, ele chorou. Porque nada mais parecia distante. Tudo estava perto.

Perto demais.


"Não vai acontecer nada se sua mão ficar parada aí..."

O que fazia o contentamento de John aumentar – mais do que todo o contato, toda a proximidade dolorosa e insuportável que não podia deixar de ter – era o fato de que, em algum momento, os dois acabaram se entendendo. Sem trocar nenhuma palavra. Entendiam os problemas um do outro.

Só que Kelvin, sendo quem era, insistiu e insistiu. Até que John, relutante, com um suspiro cansado, resolveu que deixaria que o outro o ajudasse.

E não estava mentindo quando disse para si mesmo que não estava sendo ajudado porque precisava de ajuda. Fazia isso porque aquilo satisfazia o outro, porque, mesmo que relutasse em admitir, essa coisa, essa lealdade, era parte de si. De um modo peculiar talvez, mas era.


Exatamente um mês e onze antes de seu aniversário, Harry foi colocado em uma ambulância e foi para a casa de Sirius. Não havia janelinhas, apenas o barulho de caos da rua e o balançar irregular do veículo.

Houve uma festa de boas vindas, com direito a balões coloridos e doces.

Pena que ele não pudesse comer metade deles.

Odiava aquela situação. Odiava.

Foi sem querer que achou o livro com que Hermione o presenteara, e que havia sido esquecido após ler as primeiras trinta páginas. Não que tivesse achado a história ruim, entretanto, aconteciam coisas que demandavam mais atenção na sua vida. Como a vinda para casa de Sirius.

Decidiu continuar a leitura. Não custava, não é? Do começo, porque a primeira vez que lera o fizera de pouco em pouco, e acabou esquecendo boa parte de tudo.

O intuito era não começar a história com 'era uma vez'...

--

Fato: ficar longe do hospital e dos outros pacientes deixava Harry com mais tempo livre. Bastante tempo para pensar e repensar em diversas coisas.

Tempo o suficiente para o medo instaurar-se em seu coração, dissolver o ranço e fazer sua voz soar trêmula quando chamou o padrinho:

- Sirius.

O homem parou na porta de seu quarto, com uma bandeja na mão.

- É o fim, não é?

O homem somente concordou com a cabeça, e declarou, com a voz abafada:

- Eu sinto tanto, Harry.

Se Sirius tivesse se virado e visto a desesperança dos olhos do garoto, teria entendido que ele sentia também.

E muito.


As tentativas de ajuda de Kelvin quase conduziram a morte de John por afogamento. Era insano, estúpido e perigoso tudo que estavam fazendo.

Mas Kelvin insistia em falar com aquela voz determinada.

"Vamos continuar tentando!"

Harry franziu o cenho após terminar o capítulo. Alguma coisa soava terrivelmente familiar.

Seu coração apertou.


- Ron, vá embora, é sério. Eu não preciso de babá.

O ruivo balançou a cabeça furiosamente, ainda separando as peças de xadrez para guardar.

- Não estou aqui para ser sua babá, Harry.

- Ah, é?

- É, seu idiota. Estou aqui porque sou seu amigo, e gosto da sua companhia.

Um sorriso cruel moldou as feições do moreno.

- Minha companhia realmente deve ser agradabilíssima nesse meu estado saudável...

Ron parou com sua arrumação por alguns instantes, e apoiou-se na mesa, apertando os olhos com força. Tanta força que quando os abriu novamente, a vista estava ligeiramente embaçada. Por que diabos o amigo tinha de ser tão difícil? Tão arrisco? Por que ele não podia simplesmente aceitar o que estavam lhe oferecendo? Suspirou, sentindo um cansaço colossal.

Era complicado. Procurar as palavras certas. Os gestos certos. Tomar cuidado para não ser mal interpretado.

Como é que sua mãe descrevia situações como essa? Pisar em ovos ou algo do gênero...

Hesitante, apertou o ombro do amigo com uma das mãos.

- Por favor, Harry, a gente só quer te ajudar.

O rapaz de cabelo espetado soltou a respiração pelo nariz, quase como um riso contido, e respondeu:

- Ninguém pode me ajudar.

Isso, para logo em seguida arregalar os olhos, assustado e tapar a boca com os dedos.

Não..!


"Eu fiz uma coisa que não vou poder te contar" disse John, com o rosto enterrado no ombro do outro rapaz.

- Não... – Murmurou, as páginas tremendo em suas mãos.

E virou-as, rápido.

- Não...

... mas John tinha medo. De que Kelvin não fosse de verdade, e isso o impedia de se aproximar. O medo é realmente o mais eficiente repelente do mundo...

- Não...

John havia escolhido esquecer, porque não podia suportar a possibilidade de tudo ser mentira. Porque seus pais tinham lhe pedido, e também não podia agüentar decepcioná-los daquele modo.

- Draco. – Murmurou.

"Eu gosto tanto de você." Doeu como não devia doer, porque era uma declaração que ia muito além daquilo que foi falado.

Todavia, John sabia que ele não poderia receber aquelas palavras, ou de qualquer outra pessoa. Porque ele tinha medo, e aquele medo já havia devorado todo seu espírito, se apossado de sua alma, de forma que ele não era mais John, e sim o medo.


- O autor? Ah, eu também pesquisei bastante Harry! O nome é um pseudônimo, e ele escreveu baseado em sua própria experiência. – Revelou a garota após tomar um gole de seu chá.

O moreno franziu o cenho.

- Experiência, Mione? Mas como alguém pode ver criaturas no ar e-

- Harry! – Ela bufou, exasperada – O autor sofria de esquizofrenia desde pequeno.

Oh.

Esquizofrênico.

Havia algo mais. Uma outra informação na frase de Hermione que era igualmente importante.

O verbo.

Por favor, desejou silenciosamente, por favor, por favor...

- Por que sofria? Ele foi curado? – Questionou, colocando sua xícara de chá intocada na bandeja para que fosse levada de volta à cozinha.

- Ah não, Harry. Não tem cura permanente para esse tipo de coisa. – Ela sorriu. – Ele morreu há uns cinco anos, eu acho, com trinta e quatro. O livro foi publicado dois anos antes de sua morte.

Respirar. Ele tinha que se lembrar de respirar.

- E ele morreu de que? – Perguntou com a voz fraca.

- Ninguém sabe ao certo. Acham que ele confundiu os remédios que tinha que tomar para controlar a esquizofrenia. Mas eu fico feliz que esteja tão interessado! Você leu a dedicatória? – Ela perguntou, claramente animada.

O rosto de Harry poderia ser resumido em um grande ponto de interrogação.

- Dedicatória?

- É! A dedicatória do livro. Abra na segunda página.

Em letras cursivas, estava:

Para a ilusão, que agora, depois de tanto tempo, não acho que seja uma mentira, nem uma verdade. É algo só meu.

Para ela, que será sempre viva debaixo do carvalho, em frente ao lago.

- Não é lindo? – Perguntou a garota com os lábios curvados para cima de modo quase sonhador.


"Você sempre pode escolher, John."

"Eu já escolhi."

Olhos tristes. Olhos de Kelvin. Olhos que queimavam sua alma, não da forma carnal ou voluptuosa, e sim daquele jeito devastador que arrancava pedaços e não os devolvia. Daquele jeito destruidor.

"Tem certeza? Você não parece muito feliz com suas decisões..."

"É claro que não estou feliz, seu asno! Por que você não vai praticar suas incríveis habilidades filantrópicas e terapêuticas com outro otário? Porque comigo JÁ DEU!"

John fechou os olhos, e aguardou alguns minutos. Quando era apenas o silêncio e sua respiração descompassada, ele ousou abri-los novamente, esperando que Kelvin já tivesse saído do cômodo e desistido de toda aquela estupidez.

Mas ele ainda estava lá, o que contribuía com sua teoria de que o outro era realmente idiota.

"Escolha outra vez, então." Kelvin disse suavemente.

Incrivelmente, seu companheiro estava sorrindo, e era como se a calma em pessoa tivesse talhado seu semblante.


Naquele dia, antes de dormir, Harry abraçou Sirius.

- Obrigado por tudo, Sirius.

O homem ficou um tanto estático. Quando isso acontecia, era certo de que seria comparado com seus pais em algum ponto.

Porém, naquele dia, para o espanto do garoto, isso não aconteceu.

Sirius o abraçou de volta, com força suficiente para quebrar seus ossos, e Harry não se importou nem um pouco se iria ficar fraturado ou não. Apenas mergulhou a cabeça na camisa cinza, cor do céu em dias chuvosos.

- Você... È tão especial, Harry.

Voz estrangulada.

- Estou tão orgulhoso de você. Sempre estive, ouviu? Sempre.

Obrigado.


"Vamos, John... Você tem que decidir alguma coisa. Escolher alguma coisa."


Mentira?

Verdade?

Ou seria apenas o estupor de um sonho?

Eram os delírios de Harry quando ele não conseguiu mais respirar.

Mas ele entendeu, sorriu, e fez sua escolha.

Não importa.


No último capítulo, na última página, estava escrito assim:

"Eu tomei minha decisão. Acho que cheguei a alguma conclusão."

Kelvin levantou os olhos, intrigado pela fala do amigo, e ergueu uma sobrancelha num pedido mudo para que ele falasse.

"Eu não sei," começou um tanto incerto, "não sei se você é mentira ou verdade. Não sei se tudo isso que eu criei existe ou não, porque por mais que as outras pessoas me digam que estou louco, que tudo isso é invenção da minha cabeça, eu não consigo acreditar completamente. Nem em mim, nem nos outros."

John respirou fundo e sentiu Kelvin se aproximar.

"Isso quer dizer que você vai continuar negando? Com esse medo absurdo de mentira e verdade? De ilusão."

"Não." Disse, resoluto.

O lago estava bonito naquele dia.

"Então, me explica, Kelvin, porque eu não consegui entender... E eu não posso ficar, a gente não pode existir se você não decidir nada."

"Você vai embora?"

"Você vai ficar?"

Tudo se tornou claro. E os últimos raios de sol iluminaram o horizonte.

"Há coisas que não importam."

"Como?"

"Se é verdade ou mentira. Se você é uma invenção da minha cabeça, se isso não existiu ou não. Isso não é o importante para mim. O que faz diferença é o que aconteceu comigo. O que eu escolhi acolher como experiência. Verdade e mentira viram termos insignificantes perto de tudo isso."

Os dedos gelados se encontraram.

"Não importa mais."

Estava nevando.

Fim


'Me diga uma última coisa,' disse Harry 'Isso é real? Ou tudo aconteceu dentro da minha cabeça?'

Dumbledore sorriu brilhantemente para ele, e sua voz soou alta e vigorosa nos ouvidos de Harry, mesmo que a neblina reluzente estivesse descendo novamente, obscurecendo sua figura.

'Claro que está acontecendo dentro da sua cabeça, Harry, mas por que diabos isso significa que não é real?'

Harry Potter and the Deathly Hallows, capítulo trinta e cinco.

Fim

(1) – Diálogo adaptado de um texto teatral que infelizmente não consegui achar o autor na internet :(.

N/B: Se divirtam. E a você, minha querida, os muitíssimos PARABÉNS por uma história tão cativante e sensível. Fico honrada em tê-la acompanhada desde o inicio e ter tido o privilégio de poder apenas dar um pequeno polimento ao que já tem luz própria. Espero que apreciem o final, porque outro não seria tão poético quando esse. Lally. (Em 18-12-2007)

N/A: Ok.

Essa é a hora que a gente agradece, certo?

Obrigada. Do fundo do meu coração. Quando comecei essa história, ainda no ano passado, não achei que teria um retorno tão positivo, sendo essa minha primeira HarryxDraco publicada :D. Foi uma experiência incrível, agradeço novamente ao apoio de todos vocês, às reviews grandes, médias, pequenas, engraçadas, indignadas, curiosas. Ao apoio, aos puxões de orelha, às críticas e aos elogios :).

thais Weasley Malfoy, Srta. Kinomoto, Sarih, milinha-potter, Rafael9692, Aline, Delamort, Lally Y K, Sandy Mione, Death A., Bibiss, BéhBentes, Sy.P, Lady Ying Fa, MS Tiago, Larissaaa, Simca-chan, Jackeline, Tety Potter-Malfoy, Laura, Maaya M., Lover.44, Lullus, Rapousa, lovecandy, Giulia Lovegood, Felton Blackthorn, Condessa Oluha, May Malfoy Snape, Pan Grey, Gabri Chaplin, Lis, Fabrielle, Inativo, Bru Black, Miyu Amamyia, ...Makie..., Ann Cashew, Jann Candor, lua, Aplísia, Isa Tinkerbell, Sam Crane, JayKay-chan, Nanda Yukimura, Neko Lolita, Hanano Kaze, Thanatos, Karol Misao, Fernanda, HannaSnape, Kalyl Clyve e sophy malfoy.

Agradecimentos especiais a minha beta querida, por ter me agüentado durante todo esse tempo, corrigindo meus vícios com o pretérito-mais-que-perfeito, colocações idiotas, furos na história etc. Obrigada, monstrinha loira ;D!

Delamort, fico até envergonhada, obrigada por ler, e desculpe por ter terminado seu presente agora xD.

No início, minha intenção era algo relativamente curto, com três partes. Pois é. Esse monstrinho dobrou de tamanho. E os finais... Bom. Os finais foram vários XD. Tinha finais mais tristes, mais felizes, mais idiotas. Acabei, de última hora, ficando com este. Eu adoro finais felizes, mas cada história tem o final que combina melhor com o conjunto, que a deixa mais completa. E bom, não acho que combina com essa o Harry e o Draco se encontrando no final e ficando felizes para sempre. É muito... fora da realidade. Eu sei que isso é ficção, mas até uma história sem pé nem cabeça como essa tem que ter uma dose de mundo real.

Quanto aos 'mundos intermediários', céu, terra, inferno e afins, isso foi só uma idéia, ok gente? Não estou tentando pregar minha religião/crença através de uma fanfic, nem quero que ninguém fique acreditando nisso. Se você achar que isso é história para boi dormir ou que tudo faz sentido, é com você. Minha intenção foi divertir (a mim e a vocês) apenas.

Mas! Espero que vocês tenham gostado, eu me diverti muito, e não tenho jeito para escrever notas-despedidas, porque espero vê-los novamente várias vezes D.

Responderei todas as dúvidas, reviews, conversas, piadas, enfim :).

Críticas e elogios são bem-vindos! E vou-me agora, porque essa nota está quase um posfácio. Até a próxima!

Beijo na testa,

Kikis, uma autora (agora) mais do que salti por poder trocar o status da história para 'complete' mesmo que vá morrer de saudades de escrever essa fanfic.

Início: 20-12-06

Término: 18-12-07

Se considerarem essa história digna de reviews, a autora ficará muito honrada em recebê-las.