Nome da Fic: Xanadu
Autor: Magalud
Personagens: Severus Snape, Remus Lupin, Rubeus Hagrid, outros
Censura: NC-17
Gênero: Angst, romance, dark, mpreg, non-con,
Spoilers: AU, mas tem coisas dos seis livros
Resumo: Severus é descoberto como espião
Desafios:
2, 9, 85do SlashFestdo Potter Slash Fics
Agradecimentos:
À maravilhosa Ivi, beta sempre alerta
Notas:
Os nomes dos capítulos são traduções livres de versos de "Kubla Khan", poema de Samuel Taylor Coleridge, e da música "Xanadu", do grupo canadense Rush. Há uma forte inspiração num filme famoso cujo nome eu não posso dizer porque é spoiler, mas que todo mundo vai reconhecer. Se piscarem, trekkers reconhecerão algunas cositas...
Alertas:
mortes de personagens, people. MorteSSS, no plural. Sorry.Guerra é assim mesmo.
Disclaimer: Harry Potter e seus personagens são de propriedade de J.K. Rowling, Warner Bros, Scholastic e Bloomsbury, entre outros. Ou seja, quase todo mundo, menos eu. Samuel Taylor Coleridge escreveu dois belos poemas, um deles é "Kubla Khan". Rush é um powertrio canadense que merece ser ouvido.

Xanadu

"Em Xanadu,

Kubla Khan mandou construir

um magnífico palácio,

um palácio do prazer..."

Kubla Khan,

de Samuel Taylor Coleridge

Parte I – Antes de tudo

Capítulo 1 – Histórias sussurradas de imortalidade

Correr, correr. Era a única coisa que lhe passava pela cabeça. Tinha que ser sua idéia fixa, seu propósito maior. Seu corpo abatido mal se sustentava nas pernas, mas ele precisava continuar. E pensar na criança que carregava...

Enquanto tentava manter o ritmo, correndo no meio da noite, Severus Snape deixava para trás os gritos da encarniçada batalha, os sons de maldições cortando a noite, o cheiro de fogo e carne queimada que se erguia na Mansão Riddle. Não queria pensar no que estava acontecendo ali, não podia pensar nisso. Nem se quisesse, conseguiria. Ele só vira uma chance de escapar, de fugir, de dar um fim ao tormento que tinha vivido nos últimos meses.

Severus ganhou a floresta e a escuridão, sentindo-se um pouco mais seguro à medida que ia se distanciando da ação. Ele ainda não sabia se aquela era a batalha final entre o Lord das Trevas e a Ordem da Fênix, ou se era apenas um motim de Death Eaters. A verdade é que ele não se importava.

Para quem não tinha aonde ir, Severus até que corria bem depressa. As dores tentavam convencê-lo a diminuir o ritmo, mas ele se forçava a ir ainda mais rápido. Ele não tinha um lugar para ir, só um de onde fugir. Só no que pensava era imprimir a maior distância possível entre seu corpo combalido e o local que o deixara assim.

Ele quase gelou ao ouvir vozes:

– Tem alguém ali!

– Está fugindo!

– Rápido!

Com o coração acelerado, ele mudou de direção, mas as vozes continuavam perto. E as dores aumentavam.

Expelliarmus!

O maldito feitiço só funcionava corretamente em pessoas com varinha. Severus não via uma há meses.

Portanto, ao ser atingido em cheio, ele voou para trás, aterrissando contra uma árvore, o impacto quase lhe esmagando as costelas e os rins já sobrecarregados. Severus gritou de dor, e ficou estatelado no chão, incapaz de se erguer.

Rapidamente foi cercado. No escuro, ele não via rostos, mas viu ainda menos quando a ponta de uma varinha iluminada chegou perto de seu rosto, cegando-o, revelando sua identidade.

– Merlin!... É Snape!

– Ele está vivo?

– Ele esteve vivo esse tempo todo?

– Meu Deus... Olhem para ele.

Ele se sentia acuado como um animal. Na verdade, a aparência era exatamente essa. Portanto, só lhe cabia agir como um.

Usou um feitiço não-verbal, e um dos seus perseguidores se viu de ponta-cabeça. O alvoroço foi grande, mas uma voz se destacou:

– Severus, não!

Ele reconheceu a voz. Era Lupin. O homem suspenso no ar foi ao chão, tamanha sua surpresa.

– Severus – chamou Lupin mais suavemente. – Vamos tirá-lo daqui.

– Para trás! – Ele conseguiu gritar, desejando não parecer tão desesperado, tão vulnerável. – Não se aproximem!

– Está tudo bem, tudo bem – garantiu Lupin. – Queremos ajudá-lo. Somos amigos, Severus.

Não, eles não eram. Como podiam ser amigos? Ele matara Dumbledore, e eles o perseguiam usando Aurores como cães farejadores.

Por isso Severus tentou se levantar, e um deles (ninguém menos que Moody, reconheceu) gritou:

– Ele está armado!

Lupin ainda gritou alguma coisa, mas a saraivada de maldições que atingiu Severus não o deixou ouvir mais nada. Ou ver. Ele apenas sentiu a escuridão chegar, tirando-lhe a dor, a consciência...

Capítulo 2 – Esgotado da noite

– E então, Madame Pomfrey?

– Fez bem em me chamar, Sr. Lupin – disse a velha matrona. – Eu tive que sedá-lo para melhor tratar dele.

– O que ele tem?

– Além do óbvio? Ele está grávido, Sr. Lupin. Não só isso: ele tem sido constantemente abusado, espancado. Embora bem-alimentado, seu corpo foi levado ao extremo da resistência. Encontrei alguns sinais contraditórios: não há evidências de desidratação, mas os hematomas e ferimentos me dizem que ele tem muitos machucados profundos.

– E a criança?

– Extremamente saudável, ainda que haja uma aura das Trevas sobre ela. Mas o bebê está muito bem, desenvolve-se normalmente. Posso marcar uma cesariana para daqui a três meses. Não, Severus é quem realmente me preocupa.

– Em que sentido?

– Fisicamente, ele não está muito bem, mas eu já o vi pior ainda. Agora, tenho indicações de seus níveis cerebrais e detectei grande nível de estresse. Francamente, ele me parece um tanto desequilibrado emocionalmente. Até onde eu pude determinar, isso pode estar relacionado ao colar enfeitiçado que ele leva no pescoço.

– Colar?

A matrona cerrou os lábios, desgostosa:

– Na verdade, o nome correto para isso é coleira. Uma coleira mágica. Seus efeitos ainda são indeterminados.

Remus horrorizou-se:

– Por Merlin... Então, ele é...?

– Sim – concordou Madame Pomfrey, abanando a cabeça. – Um escravo, ao que tudo indica, talvez mantido para fins de reprodução. Isso pode ter ajudado seu estado mental e o desequilíbrio emocional que eu mencionei.

– Não sei se entendi muito bem. O que isso quer dizer?

– Quando acordar, provavelmente Severus não vai reagir como normalmente reagiria. Há a gravidez, há o estresse, e há indicações emocionais de depressão, talvez algum resíduo psicótico induzido. Não sei se estou exagerando, mas por precaução, pretendo colocá-lo em alerta de suicídio.

– Oh, Merlin... Ele bem que parecia um pouco transtornado ao nos ver.

– Estou deixando as poções que ele precisará tomar. Alguém terá que cuidar dele, Sr. Lupin. Será o senhor?

– Não posso, infelizmente. Com a morte do Prof. Dumbledore, o novo chefe da Ordem precisa de um homem forte e ativo. O cargo é meu.

– Por que tanto mistério com esse novo chefe? Por que ele não aparece e assume de vez seu posto?

– Para ele não virar alvo de Voldemort. No momento, ele está totalmente a salvo em Xanadu. Não sei por quanto tempo ele ficará assim. De qualquer forma, terei que arrumar alguém para cuidar de Severus. – O lobisomem ergueu uma sobrancelha. – Acho que tenho a pessoa ideal.

o0o o0o o0o o0o

Grandes olhos castanhos o encaravam quando ele abriu os seus. Atordoado, doído, Severus tentou se encolher, tentou se esconder.

– Severus. – A voz o chamou, doce. – Está tudo bem. Sou eu, Remus. Está tudo bem, você está seguro agora. Não precisa ter medo.

– Onde?

– Hogwarts. Você passou mal, mas agora está bem melhor. Ficamos preocupados.

Severus não devolveu o sorriso. Olhou em volta: não estava na enfermaria de Hogwarts. Ao invés disso, estava num ambiente claro e familiar, um cômodo único, atulhado de coisas no teto. Remus continuou:

– Você vai ficar bem, Severus.

– Como... terminou...?

– Voldemort – Remus ignorou a expressão de Severus – conseguiu fugir com uma meia dúzia de auxiliares próximos, pelo que pudemos averiguar. Mas foram os únicos que sobraram. Os que não foram presos, estão mortos. Mas resgatamos Harry e os demais.

Uma sombra passou pelos olhos de Severus. Ele murmurou tão baixo que Remus quase não ouviu:

– Fugiu...

– Aqui você está a salvo – garantiu Remus. – Está protegido, vai ser cuidado. Acima de tudo, ninguém sabe que você está aqui, fora uns poucos membros da Ordem. Aliás, ressalto que não são todos que sabem que você está aqui.

Ele sabe – ressaltou Severus. – Sabe que estou vivo. Ele virá atrás de mim. Atrás do bebê.

Remus arregalou os olhos, olhou para o ventre inchado do homem na cama, só então se dando conta do que estava vendo.

– Merlin... O bebê é de Voldemort.

Severus suspirou:

– Sim. O bebê é dele.

– Por isso o colar?

Instintivamente, Severus levou a mão ao pescoço, encontrando o objeto que simbolizava sua servidão involuntária e seu sofrimento. Lembranças explodiram na sua mente. Uma onda de dor perpassou-lhe todo o corpo e ele fechou os olhos, sentindo o abdômen retrair-se.

– Severus? – chamou Lupin. – Você está bem?

– Como estarei em segurança aqui? Deveria ter morrido. Seria melhor que eu tivesse morrido. Eu precisava ter morrido. Por favor, me mate.

– Não diga isso. Vai irritar seu anfitrião, que também será seu enfermeiro.

Anfitrião? Por isso aquele lugar lhe parecia familiar. Era a casa de alguém.

Severus olhou para o outro lado, onde um rosto amigo, com um imenso e franco sorriso o encarava. A voz parecia de um trovão, mas tinha a gentileza das asas de uma borboleta.

– Olá, Severus.

Severus fechou os olhos, exausto. Seu enfermeiro seria Hagrid.

Capítulo 3 – O tempo me esqueceu

– Você vai ser meu novo dono?

Hagrid encarou o homem na cama, intrigado.

– O que quer dizer, Professor?

– Eu não sou mais professor – Severus baixou o olhar. – Só estou perguntando se espera que eu o sirva.

– Você está doente – explicou Hagrid, que estava no fogão, preparando o que parecia ser um cozido. – Vou cuidar de você. Não precisa fazer nada.

– Se quiser que eu o sirva, vou precisar de ervas para fazer poções – continuou Severus. – Claro, poções não são necessárias. Mas ajudariam, por causa da diferença entre nós dois. Você é tão grande...

– Quando você estiver bom o suficiente para fazer poções, podemos voltar a falar disso. No momento, você precisa descansar muito. Deite-se e não se preocupe.

Severus virou-se de lado, de costas para Hagrid. O meio-gigante ficou com a impressão de que algo não estava certo naquele diálogo. Mas, como Severus precisava descansar, ele decidiu não insistir. Logo, a respiração profunda do outro fez o meio-gigante sorrir e continuar a preparar seu ensopado.

o0o o0o o0o

Severus olhou em volta. Hagrid estava sentado numa imensa poltrona, encordoando seu arco.

– Severus! – Ele abriu um sorriso imenso. – Está acordado! Quer comer alguma coisa?

– Não, obrigado.

– Você precisa se alimentar, Severus. É bom para o pequeno.

Por um instante, Hagrid achou ter visto revolta e rebeldia nos olhos pretos. Mas logo eles adquiriram o tom opaco, e Severus se ergueu, sentando-se na cama.

– Não precisa se levantar – adiantou-se o meio-gigante. – Eu faço isso num instante.

Realmente, em questão de minutos, Severus estava frente a frente com um prato fumegante de cozido com batatas. Sem qualquer vontade de comer, brincou com a comida.

– Quantos quartos têm essa casa?

– Só esse. Não preciso de muito.

Severus olhou em volta de novo e, sem uma palavra, desceu da cama, sentando-se no chão. Hagrid ficou confuso:

– Severus, o que está fazendo?

– Essa é a sua cama. Devo ficar no chão. O chão é o meu lugar.

– Mas que idéia é essa? De onde você tirou essas coisas?

Num reflexo, Severus encolheu-se todo, os braços tentando proteger a cabeça, o corpo tentando proteger o ventre. Hagrid arregalou os olhos ao se dar conta do que estava vendo.

Severus esperava ser espancado.

O meio-gigante horrorizou-se em imaginar o que tinha acontecido ao ex-professor durante seu cativeiro e ajoelhou-se ao lado dele. Tocou-o com muita suavidade.

– Está tudo bem, Severus. Você não fez nada de errado. Venha, volte para a cama. Você não vai ficar no chão.

Severus não resistiu quando foi erguido nos fortes braços, posto de volta na cama e alimentado como uma criança pequena, na boquinha. Não disse mais uma palavra. Hagrid estava cada vez mais preocupado com ele.

o0o o0o o0o

Assim que Severus fora descoberto como espião e preso, ele fora mantido numa cela miserável, estreita, úmida, fria e fedida. A verdade é que grande parte do mau cheiro tinha sido causada por ele mesmo, pois o local não tinha estrutura para que ele se livrasse corretamente de seus dejetos. Era terrível admitir que o fedor era nada comparado às sessões de tortura a que ele era submetido.

Severus precisou de todas as suas forças para não desejar morrer. Mas ele cumprira sua missão – descobrira todas as Horcruxes do Lord das Trevas e passara o segredo a Harry Potter. Infelizmente, no processo, ele se deixara ficar exposto, e caíra na armadilha preparada para pegar o traidor que o Lord desconfiava estar se criando em seu ninho de Death Eaters.

Voldemort nem sequer se dava ao trabalho de torturá-lo pessoalmente. Não, Macnair se deliciava fazendo isso, assistido pela insana Bellatrix. Mas todos tinham permissão para tirar uma casquinha. Severus jurava que seus "colegas" estavam descontando broncas de décadas. Seu corpo não tinha mais onde doer, por onde sangrar. Mais vezes do que ele gostaria de se lembrar, ele imaginou que estava morto ou à beira da morte. Eles sempre o reviviam, para renovar a violência.

A violência, aliás, era de diversas formas. Havia o uso de brinquedos, de instrumentos clássicos, de técnicas apuradas. Sexualmente, ele foi agredido de todas as formas possíveis e imagináveis – e algumas que ele nunca tinha imaginado. Foi servido para quem quisesse, ou estivesse disponível. Virou brinquedo, objeto, menos que um homem.

Isso demorou semanas. Severus imaginou que tivessem sido semanas difíceis, aquelas que ele era agredido e vilipendiado por seus ex-colegas Death Eaters. Em compensação, imaginou ter mantido sua sanidade – ao menos até certo ponto.

Mas aí Voldemort resolveu assumir sua punição. Severus descobriu, então, que até aquele instante seu sofrimento tinha sido mínimo.

Capítulo 4 – Mil anos vieram e passaram

Ele nada mais era do que um escravo, uma propriedade e um objeto. Aprendera isso rapidamente; era por isso que usava a coleira.

Como escravo, Severus aprendera de maneira rápida (ainda que extremamente dolorosa) a satisfazer seu dono. Ele tomava a iniciativa de chegar junto dele e atender suas necessidades. Natural, portanto, que ele fizesse isso também agora, mesmo que tivesse mudado de dono.

Ele era um escravo. Isso era o que ele fazia.

Seu dono estava a seu lado, na grande cama, ainda adormecido. Nada mais natural que Severus o acordasse do jeito que provavelmente o deixaria de bom humor.

Com cuidado, Severus removeu as roupas e pôs-se a manipular o membro flácido e farto. Seu dono não acordou imediatamente, e ele aproveitou para inclinar-se e tentar abocanhar o órgão, a fim de firmá-lo. Não foi fácil, e Severus não pôde deixar de imaginar o estrago que o membro, quando ficasse ereto, poderia fazer nele. Mas foi apenas um momento, porque como escravo ele não podia reclamar.

Cumprindo seu dever, Severus abocanhou o que pôde e pôs-se a estimular seu dono. Finalmente, ele acordou. Severus ergueu o olhar e seus olhos encontraram-se com os de seu dono. Mas estavam estranhos. Não estavam vermelhos e cruéis, mas sim pretos e ternos.

o0o o0o o0o o0o

O que Severus estava fazendo?

Hagrid não tinha se dado conta de que tinha feito a pergunta em voz alta até Severus responder, com toda naturalidade:

– Estou servindo você, meu dono.

Hagrid ficou chocado, mas só o que ele disse foi:

– Você não precisa fazer isso, Severus.

– Sim, eu preciso. Sou seu. Lupin me deu a você, então você é meu dono. Você me deixa dormir em sua cama e pode fazer uso de meu corpo. Devo satisfazer meu dono sempre.

As palavras fizeram Hagrid se sentar na cama num único pulo. Severus se assustou e se encolheu.

– Não, Severus, não. Não, não precisa nada disso. Eu não sou seu dono. Não precisa ter medo.

Um brilho de dor e rejeição passou pelos olhos do ex-professor.

– Não me quer? Posso entender que Lupin não me quisesse, pois ele nunca gostou de mim. Mas pensei que fôssemos amigos, Hagrid. Pensei que fosse me querer.

Se fosse possível, Hagrid podia jurar ter ouvido sons de um coração se quebrando: o seu próprio. Com voz suave, ele tentou explicar:

– Oh, Merlin, Severus. Você não precisa fazer nada disso. Não sou dono. Somos amigos, e você precisa de tratamento. Estou aqui para ajudar.

Severus baixou o olhar, deprimido. Hagrid recompôs-se e pegou a mão de Severus:

– Você está salvo agora, Severus. Aqui somos seus amigos e queremos ajudá-lo. Ninguém é seu dono, só amigos.

– Eu sou seu prisioneiro.

– Não, claro que não! – Hagrid estava escandalizado. – Mas você está em grande perigo. Nós estamos escondendo você, não prendendo.

– Para ele não me achar?

Hagrid não precisou perguntar a quem Severus se referia. Por algum motivo, Hagrid o achou tão triste, tão rejeitado, que o envolveu em seus braços. Sentiu algo duro: o tal colar.

– Isso parece desconfortável. Deixe-me tirar isso.

Severus gostaria daquilo. De não ter coleira. De não ter mais dono. De não se sentir tão usado.

Mas não era possível. O Mestre tinha explicado que Severus não era bom o suficiente para coisa alguma, só para ser escravo. Ele não podia ter amigos, pois ninguém ia querer ser amigo dele. Aliás, as pessoas o odiavam, e ele só era um escravo. O Mestre o aturava porque Severus ia fazer uma tarefa que ninguém mais queria fazer.

Ele continuaria pensando essas coisas, mas Hagrid colocou as mãos no seu colar e tentou arrancá-lo usando apenas as mãos nuas. Ele fez força descomunal, e Severus sentiu dor, mas então uma explosão saiu do artefato, jogando Severus longe.

– Severus! Severus! – Hagrid foi até ele. – Você está bem?

O corpo estava imóvel, mas respirava. O colar continuava no mesmo local, intacto. Hagrid recolheu Severus com cuidado, ajeitou-o na cama e foi buscar ajuda.

o0o o0o o0o o0o

– Sr. Lupin – começou Madame Pomfrey –, estou muito preocupada. O quadro que Hagrid me descreveu está muito além do que eu inicialmente previa. Severus está sedado, mas ele obviamente está afastado da realidade. Acredito que seja efeito da tal coleira que ele usa no pescoço. Tem que ter algum tipo de Maldição Imperius muito forte no objeto. Se fosse uma Imperius comum, Severus resistiria. Mas o quadro geral também pode ser afetado por seu estado de espírito.

Hagrid parecia envergonhado ao admitir:

– Foi culpa minha. Fui tentar tirar o troço para ele ficar mais confortável, e tudo explodiu bem na cara dele.

– Não é culpa sua, Hagrid.

Lupin explicou a Madame Pomfrey:

– Quando Hagrid me contatou, eu fui a Xanadu falar com o Chefe da Ordem. Ele me aconselhou a descobrir mais sobre o que está errado com Severus. Ele indicou o uso de Veritaserum, mas é claro que prefere verificar isso com você, Poppy.

– Não sei que bem isso traria, Sr. Lupin – confessou a velha enfermeira. – Não sou especialista, mas não acredito que Veritaserum funcione muito bem com pessoas que não distinguem a verdade da imaginação. Sem mencionar o risco que isso pode significar para Severus. Eu não sei se ele está sob outros feitiços que podem reagir ao soro, ou o efeito psicológico no meu paciente. Claro, se o chefe acha melhor, eu farei isso.

– Não, não é imprescindível.

Do seu jeito simples, Hagrid indagou:

– Quem sabe a gente pode tentar perguntar para Severus?

– Mas, Hagrid, acha que isso adiantaria?

O meio-gigante deu de ombros:

– A gente vai conversando, sem querer, dizendo coisas que não diria normalmente. Se ele não quiser responder, ele não responde. Só achei que deveríamos tentar isso antes de começar a enchê-lo de poções que podem fazer mal ao pobrezinho.

Remus olhou para o amigo. Hagrid era assim: não podia ver um animal doente, que logo queria cuidar dele. Obviamente, Severus também estava se enquadrando nessa categoria. Mais do que isso: ele se sentia culpado.

– Não foi sua culpa, Hagrid – repetiu Madame Pomfrey.

O meio-gigante olhou para o corpo imóvel no grande leito, reparou na respiração lenta e tranqüila e imaginou quanto tempo ele respiraria daquele jeito.

Capítulo 5 – Esperando o fim do mundo

Quando acordou, Severus viu que havia convidados para o jantar. Hagrid não o deixou ajudar a colocar a mesa, visto que só eles dois iram comer ali. Como a mesa era pequena, Madame Pomfrey e Remus Lupin optaram por comer nas grandes poltronas. Madame Pomfrey tentou iniciar um diálogo:

– Hagrid, se me permite, posso mandar os elfos de Hogwarts trazerem refeições balanceadas para Severus. Não é nenhuma crítica à sua comida. Só estou pensando no bebê de Severus.

– Por mim, tudo bem – disse o meio-gigante gentil. – Assim Severus não enjoa da minha comida.

– Não é meu – disse Severus, sem erguer a cabeça do prato ou parar de comer o cozido.

Os três se entreolharam. Remus foi quem indagou:

– Como assim, Severus?

– O bebê. Não é meu bebê. Eu só o estou carregando.

– Você sabe de quem é o bebê?

– Do Lord das Trevas e de Bellatrix – ele respondeu, sem emoção. – Ele não queria que ela deformasse o corpo com a gravidez, então eu o carrego para ele. Meu corpo pode ficar deformado, então eu o carrego.

Houve silêncio. Remus, porém, tentou soar o mais natural possível:

– E você pretende criar o bebê, Severus?

– O Lord virá buscá-lo.

– Eu já lhe disse que Voldemort não pode entrar aqui. Você está a salvo dele. Poderá ficar com o bebê, se quiser.

Severus ergueu a cabeça e observou Lupin:

– É o que você quer?

– Não, estou perguntando o que você quer.

– Mas você é meu dono, então eu quero o que você quiser.

– Severus – Lupin disse, a voz gentil. – Você não pertence a ninguém. Somos seus amigos e estamos aqui para ajudá-lo. O que Voldemort fez com você foi muito errado, e ninguém aqui vai fazer o mesmo com você.

– Por quê? É o que eu sou. Ele disse isso.

– Voldemort mentiu. É o que ele faz.

– Você não me quer, eu sei. Obrigado por me dar a Hagrid. Mas Hagrid também não quer ser meu dono. Então, suponho que você vai me tirar daqui e me dar para uma outra pessoa. Espero que me dê para alguém que fique comigo.

– Severus, preste atenção. Ninguém mais vai ser seu dono. Estamos cuidando de você porque você está doente e vai ter um bebê. Vocês dois precisam ser cuidados.

– Por quê? Eu só estou carregando o bebê. Depois que eu o tiver, o Lord o tomará de mim. Aí, você vai me jogar na rua?

– Não, Severus, claro que não. Você é nosso amigo. Já sofreu muito. E Voldemort não vai mais machucá-lo, está bem?

Severus não acreditava muito nele. Mas como ele era o seu novo dono, então ele não contestou mais. Hagrid tentou encerrar o mal-estar:

– Há muito tempo para decidir sobre o bebê. Severus, até lá, eu gostaria de pedir sua ajuda.

O ex-mestre de Poções o encarou, intrigado. Hagrid prosseguiu:

– Estou pensando em organizar um canteiro de ervas. Bom, na verdade, é mais do que um canteiro. Mas o verão ainda está aí por algum tempo, e nesse meio tempo podemos cultivar alguns ingredientes de poções ao ar livre, fora das estufas.

– Uma excelente idéia, Hagrid – incentivou Lupin. – Tenho certeza de que um homem com o conhecimento de Severus poderá ser muito útil.

Madame Pomfrey interveio:

– Mas não vá se esforçar demais, Severus. Não se esqueça do bebê.

– Oh, eu garanto tomar conta dele – disse Hagrid. – Ele só vai ajudar. Se quiser, claro.

Remus olhou a reação de Severus com atenção. A sugestão de dar algo para Severus fazer tinha sido combinada entre os três. Isso seria bom para tentar restaurar-lhe a autoconfiança, de algum modo.

Severus olhou para Hagrid, os olhos ainda com aquela estranha expressão apagada. O meio-gigante achou que ele fosse simplesmente recusar, mas ele apenas respondeu, dócil:

– Podemos começar amanhã.

o0o o0o o0o o0o o0o

Severus logo se acostumou àquela rotina. Era bom ter uma rotina, pensou. Severus não gostava de se lembrar muito do tempo com o Lord. Ele parecia ter um véu na cabeça, que embaçava seus pensamentos. As poucas memórias que tinha não eram boas.

Mexer com a terra era muito bom. Hagrid o tratava muito bem. Ele gostava de dormir na mesma cama com alguém e só dormir, sem ser acordado no meio da noite para ser possuído e usado. Ele até se sentia meio culpado, porque ele é quem acordava Hagrid, com os pesadelos.

Ele sonhava com as sessões na Mansão Riddle. Quando via seus alunos, crianças que vira crescer, sendo torturados. Não que ele gostasse dos pestinhas, mas ninguém merecia aquilo. Seu Lord não o deixava interferir. A coleira era capaz de causar dor também. Além disso, claro, havia a punição se ele tentasse interferir ou fechar os olhos. Não, ele era forçado a ver. E eles tinham que vê-lo, saber que ele era parte da tortura.

Com o colar, ele sentia que o Lord estava o tempo todo na sua mente, inspecionando seus pensamentos. O colar não o deixava usar Oclumência. Ele sabia que antes ele podia fechar-se, mas agora não mais. Ele era uma coisa, um escravo do Lord. Nada pertencia a si mesmo, nem seus pensamentos. Tudo era do Lord.

Depois que Severus recebeu o bebê do Lord para carregar, seu tratamento melhorou muito. Ele era alimentado, dormia numa cama, tinha um quarto aquecido. O Lord ainda o possuía, claro. Sempre que queria. Severus continuava a ser uma coisa. Claro que não lhe devolveram a varinha nem seus pensamentos, mas ao menos ele era tratado quase como um humano. Quase.

Hagrid é que o tratava muito bem.

De todos os donos de Severus, aqueles até que não eram ruins. Lupin, seu dono, não gostava dele, mas Lupin quase nunca estava ali. Hagrid é quem ficava com ele. Era seu carcereiro, mesmo que ele dissesse que não. Mas não era ruim. Hagrid o abraçava quando ele sofria de pesadelos, e Severus gostava daquilo. Ninguém nunca o abraçava assim, só para confortá-lo. Bom, talvez sua mãe quando ele era pequeno, mas ele não se lembrava muito disso.

Severus não tinha direito de gostar de ninguém, por ser apenas uma coisa, mas, se tivesse, ele bem que poderia gostar de Hagrid. Ele sentia falta de Hagrid quando seu anfitrião precisava que ir ao Castelo e chamava um elfo para fazer companhia a Severus. Ou quando saía para uma missão da Ordem (Severus esqueceu que ordem era essa), e Madame Pomfrey tomava conta dele.

Foi num desses dias, em que Madame Pomfrey tomava conta dele, que tudo aconteceu.

Aquele dia foi estranho desde cedo. Hagrid saiu muito animado, dizendo que essa missão era importante, e Severus sorriu para ele. O sorriso de Hagrid foi tão grande que pareceu iluminar a cabana toda. Madame Pomfrey o levou para ver o jardim das ervas, e Severus foi com dificuldade, a barriga pesando.

Um tempo depois, quando Severus já estava de volta em casa, sentadinho na cadeira de balanço, ele começou a se sentir estranho. O colar começou a ficar quente, e ele também sentiu uma grande dor na barriga. Tentou se dobrar, mas a barriga não deixou, e a dor foi muito grande, muito maior do que qualquer tortura. A barriga dele estava sofrendo, ele podia sentir. Era como Cruciatus, mas muito pior.

– O bebê... – tentou dizer.

Não conseguiu mais dizer nada. Só gritar. E a dor, a dor...

Madame Pomfrey correu até ele, e levou-o para a cama. Ou melhor, tentou.

Severus desfaleceu no meio do caminho, tentando segurar a barriga, tentando segurar o bebê que carregava...