Voz do Silêncio
(Anna Le Neige)

Abriu os olhos. Seu corpo, até então desfalecido, era banhado pela fina e fria água da chuva. Levantou-se, revelando as suas belas, porém manchadas de sangue, asas negras. Um anjo caído exalando toda a sua beleza divina misturada com todo o mistério obscuro das Trevas. Seus olhos profundos e imensamente tristes brilhavam à essência do desespero. A chuva caía-lhe como lágrimas de dor e de vazio. Vazio que preenchia-lhe até o profundo da alma, destroçando em milhões de pedaços o seu coração. Era uma criatura divina... Coberta por um manto negro de solidão.

O anjo revelava uma bela, porém melancólica forma feminina. A criatura mística estava trajando um longo vestido negro, que cobria-lhe todas as partes do corpo. Seu cabelo era negro como suas longas asas; liso e comprido, dando um aspecto mais sombrio contrastando com sua pele alva. Seus olhos misteriosos eram de uma inebriante cor vermelha e exalavam um brilho de profunda tristeza, como se estivessem sangrando... Tinha em seu pescoço um lindo pingente cor de prata em forma de pentagrama, o qual fora apertado fortemente por uma das mãos do anjo, enquanto uma única lágrima caía daqueles olhos tão tristes.

Estava nas areias de uma bela praia. Era noite. O céu, que deveria estar estrelado e iluminado pela luz de uma Lua Crescente, estava encoberto por cinzentas nuvens. O anjo aproxima-se do mar e deixa que suas límpidas águas cristalinas ajam como um espelho, refletindo a sua imagem depressiva, atenuada pela lugubridade daquele ambiente. Porém, aquele austero e solitário mar trazia uma simples sensação de paz para aquela criatura, fazendo-a esboçar um singelo sorriso nos lábios... Um sorriso tão puro, entretanto tão carregado de um profundo vazio, que beirava a melancolia.

- Quem eu sou...? O anjo perguntava para a sua imagem refletida no mar, como se aqueles olhos tão profundos que carregavam todo o mistério da sua essência pudessem lhe revelar a sua própria incógnita...

Silêncio. Fora a resposta que o anjo obtivera.

- ... Esse silêncio... Será sempre assim? O anjo caía de joelhos na areia da praia, enquanto a límpida água do mar que vinha suavemente ao seu encontro se manchava do profundo sangue vermelho de suas asas negras. – S-e-m-p-r-e...?

Novamente o silêncio. O sufocante silêncio que sempre acompanhara a sua solitária jornada em busca de si mesma. Em busca de sua essência que se perdera em alguma curva do destino. Estava imersa na pior das solidões. Havia perdido seus sonhos, os havia visto despencarem bem na sua frente, um por um, e tudo que ela pôde fazer foi ficar observando... Observando os seus pequenos fragmentos de esperança se esvaírem e, com eles, partes de sua própria essência. A pior das solidões é a falta de esperança em si próprio.

O anjo se levanta. Começa a caminhar lentamente pela areia da praia, deixando um rastro de sangue por onde passava. Não era o sangue de um ferimento físico, o ferimento era muito mais profundo. Era o desespero de sua alma perdida. Um desespero tão imenso que se manifestava em seu frágil corpo feminino. Porém, suas feridas eram lavadas pela água da chuva. A criatura divina era purificada pelas águas que caíam dos céus... E continuava a sua jornada a procura de reencontrar-se com sua própria esperança...