Capítulo 9 – Entressafra eterna
Durante uma semana. Severus foi obrigado a exibir uma cabeleira loura que provocava risinhos por onde ele passava. Não houve jeito de tingir ou desfazer o efeito da poção dos gêmeos Prewett. Foi especialmente embaraçoso quando ele foi encontrar-se com Lucius em Hogsmeade, conforme o herdeiro Malfoy tinha pedido na carta enviada dias antes. Mas Lucius tinha uma proposta interessante a respeito do Lord que estava crescendo nas sombras.
Ainda naquela semana, Severus recebeu uma coruja com um bilhete singelo. Dizia apenas; "Desculpe – P".
P de pêssego, claro, ele pensou.
Mas nunca mais ele teve seu pêssego gigante.
A vida seguiu, e no ano seguinte, seu último em Hogwarts, Severus relutantemente aceitou o jovem Regulus em sua cama. Ele era muito novinho e confiava em Severus completamente. Severus não sabia se isso era bom ou ruim.
Era apenas natural que Regulus quisesse seguir Severus no círculo íntimo do Lord das Trevas, um lugar para o qual Severus tinha sido convidado por Lucius Malfoy e que lhe parecera extremamente atraente, depois que ele deixou Hogwarts para trás. Lord Voldemort (cujo nome não era pronunciado) era audacioso, ambicioso e muito persuasivo. Severus, perspicaz como sempre, previu que ele iria longe e faria grandes conquistas. Seu avô abençoou sua entrada no círculo de Voldemort e supervisionou as lições de Severus em Oclumência e Legilimência.
Sim, como Severus previra, chegara a hora de todos tomarem uma posição. Previsivelmente, Potter e seus amigos tomaram o lado de Dumbledore, em oposição ao Lord das Trevas. Aquilo não surpreendeu Severus, que sentiu uma espécie de melancolia ao ver seu pêssego do lado oposto ao seu.
Também não surpreendeu Severus que James tenha se casado (com Lily Evans, ninguém menos) e seguido sua vida. Era o que ele sabia que iria acontecer desde o início. Mas eles iriam se encontrar na próxima época de acasalamento. Ou, como Severus secretamente chamava, depois da entressafra de pêssegos, na próxima estação.
A guerra começara a escalar, e algumas das coisas que estavam acontecendo não tinham a concordância ou anuência de Severus. Ele abriu seus olhos para algumas das coisas que cercavam seu Lord das Trevas. Alertou Regulus também.
Pobre Regulus. Ele logo se revoltara contra tudo aquilo, e disse que queria sair. Mas não se sai dos serviços do Lord das Trevas. Regulus então disse que tinha um plano louco, um que tinha grande chance de dar certo. Não iria dizer o que era a Severus, e garantiu que estaria longe do louco perigoso em que Voldemort se transformara. Bem, infelizmente, a associação com o Lord das Trevas não era algo que se encerrasse com um aperto de mão e um adeus sincero. Regulus não sobreviveu a seu plano, fosse qual fosse. Severus sentiu a morte do amigo, e viu-se diante de dúvidas ainda maiores sobre o caminho que escolhera.
Então Severus recebera a missão de espionar Dumbledore. Ele podia fazer isso melhor se fosse professor em Hogwarts. Candidatou-se ao emprego e, no dia da entrevista, por um golpe de sorte (ou seria azar?), ouviu a maldita profecia da tonta chamada Trelawney e relatou-a a seu Mestre, esperando ganhar alguns favores ou dividendos. Mas o tiro saiu pela culatra.
Porque os atos de Severus fizeram seu Mestre perseguir seu pêssego gigante e Lily, com a intenção de matar o filho deles. Severus se viu desesperado. Nunca, nunca ele imaginara que isso pudesse prejudicar James. Ele também tinha afeição por Lily, de quem tinha boas lembranças. Merlin, ele não queria que nada de mal acontecesse a nenhum dos dois. Por que o Lord das Trevas tinha cismado em sair perseguindo os Potters? Por que ele tinha que ter relatado maldita profecia àquele louco perigoso?
A culpa o levou a uma porta à qual ele jamais pensou em bater: Dumbledore. Ele foi ao velho mago implorar. Implorar para ser seu espião e mudar de lado. Qualquer coisa, Severus faria qualquer coisa para salvar seu pêssego gigante. Ele realmente experimentava um arrependimento como jamais antes tinha sentido na vida, e estranhamente daquela vez Severus não optou por salvar seu pescoço. Optou por tentar salvar seu pêssego e a família dele.
Dumbledore fez de Severus o novo Mestre de Poções de Hogwarts, com a bênção de Slughorn, que desapareceu totalmente depois disso. Assim como James, que se escondeu com a família, provavelmente protegido por um Feitiço Fidelius. Agora com um emprego novo (em vários sentidos), Severus tentou se convencer de que seu pêssego gigante estaria seguro.
Qual não foi a sua surpresa quando, no Dia das Bruxas, o Lord das Trevas realizou um ataque bem-sucedido aos Potters. Severus não sabia direito como tinha acontecido. Pelo que ele conseguira descobrir, Sirius Black teria traído seu melhor amigo, mas o bebê Potter de alguma maneira não só sobrevivera como também tinha derrotado o Lord das Trevas, aparentemente. Enlouquecido com a derrota de seu Mestre, Black teria entrado numa fúria assassina que teria resultado na morte de Peter Pettigrew e mais 13 Muggles antes de ser capturado pelos Aurores e trancafiado em Azkaban após um julgamento-relâmpago. Pelo menos essa era a história. Mas isso pouco importava a Severus.
Severus estava arrasado. Seu pêssego... morto. Lily, que um dia fora sua amiga, morta. Traídos por aquele miserável Black. E tudo por quê? Para salvar a vida daquele pirralho. Ele não se conformava. James e Lily mortos para salvar um guri, um maldito guri!
E o fato de o menino ter derrotado o Lord das Trevas em nada impressionava Severus. O nome do garoto era pronunciado com reverência, ele ganhara títulos, o Garoto-Que-Sobreviveu, e outras bobagens como essa, inventadas pela mídia. Aquilo só servia para aumentar o desprezo e a raiva de Severus pelo menino.
Nada mudava a verdade terrível. O maldito pirralho era o motivo pelo qual James e Lily estavam mortos e, por esse motivo, Severus jamais iria perdoá-lo. Por outro lado, Severus sentia que o Lord das Trevas não estava totalmente extinto. Estava incapacitado, escondido, em lugar incerto, mas não estava morto. Não, ele não seria destruído por um pirralho de menos de 15 meses, não importa o que o mundo bruxo e o Ministério da Magia dissessem. Lord Voldemort iria voltar algum dia, ele sabia disso.
E Severus teria que estar preparado para esse dia.
Durante 10 anos, ele teve duas direções a guiar sua vida. Aguardar a volta do Lord das Trevas e odiar o maldito pirralho. Isso se ele não morresse antes, claro.
Por um tempo, Severus temeu por sua própria vida após a morte de James. Seu avô tinha sido bem claro: uma vez que um Koboldine tivesse encontrado seu parceiro, seu destino era se acasalar ou morrer. Mas agora James estava morto, e Severus raciocinou que ele também estaria morto na próxima época de acasalamento.
Bom, não foi isso que aconteceu. Aparentemente, o instinto de acasalamento precisava ser iniciado pelo feromônio do parceiro. Com a morte de James, Severus não passou pela compulsão do acasalamento nunca mais. Sem seu pêssego gigante, Severus não sentia mais o delicioso aroma de pêssegos, um aroma especial, um que nem mesmo a safra da fruta trazia de volta.
Estava perdido para sempre, um aroma que só existiria na sua memória, numa mistura de tormento e melancolia. Mas Severus seguia adiante, em sua miserável existência, dedicada a esperar a volta do Lord das Trevas e a odiar o menino que vivera e matara seu pêssego gigante.
Como Slytherin, Severus não era de ficar remoendo o passado ou se afundar em arrependimentos. Mas ele não podia negar que carregava uma profunda mágoa pelo modo como as coisas terminaram. Numa atitude que ele dificilmente admitiria em voz alta, Severus intimamente imaginava que, se tivesse feito o que James pedira, sua vida seria totalmente diferente. Se eles tivessem ficado juntos, talvez Severus nunca tivesse aceitado a proposta de Lucius Malfoy em se juntar ao Lord das Trevas. Teria sido um escândalo. As chances eram grandes de que Severus fosse brutalmente assassinado por Black. Se ele era mesmo aquele homicida retratado pelos jornais, sua primeira vítima poderia ter sido Severus, por ter "corrompido" o santo James Potter. Lily jamais se tornaria a Sra. Potter, o pirralho nunca teria nascido para constar de uma profecia e ser alvo da fúria do Lord das trevas. Severus talvez até se aliasse voluntariamente a Dumbledore. Não como ele terminou fazendo, movido pela culpa e pelo remorso do que acontecera a seu pêssego gigante. Eles podiam estar juntos...
Contudo, previsivelmente, Severus não se detinha nesses pensamentos. Ele nunca fora um homem de "se" ou "poderia ter sido". A realidade sempre fora inexorável na vida de Severus, e ele jamais fugira a ela, mesmo que adversa. Portanto, ele tocou sua vida adiante, carregando sua mágoa, convivendo dia a dia com suas escolhas e as conseqüências delas.
E então chegou o dia em que Harry Potter foi para Hogwarts.
Era pior do que Severus imaginara. O guri era idêntico ao pai, em tudo o que o pai tinha de mais irritante. Foi ódio à primeira vista. Mas Dumbledore lhe deu a missão de proteger o pirralho e lembrou-lhe de uma dívida bruxa para com James, que o salvara do lobisomem. Severus engoliu em seco e teve que proteger o moleque.
Durante anos, ele fez justamente isso: ajudou o pestinha, que tinha um talento espetacular para se meter em confusões e situações difíceis – como o pai, aliás. Primeiro, a Pedra Filosofal e toda a confusão com Quirrell. Depois, o guri abriu a Câmara Secreta do próprio Salazar Slytherin. O terceiro ano foi o pior, com a volta de Sirius Black, e inocente, ainda por cima! Claro que o pestinha ia se aliar ao padrinho, mesmo que Black fosse considerado um assassino perigoso. Então, no Torneio Tribuxo, o garoto tinha passado por todas aquelas provas e voltara com o corpo de seu colega Diggory, jurando que o Lord das Trevas estava de volta.
Severus compreendeu então que o dia tinha chegado. O dia em que Lord Voldemort voltara. E ele fez o que tinha que fazer.
Mas Severus não estava preparado para os eventos do quinto ano de Harry Potter em Hogwarts. Aconteceu depois do Natal, um pouco antes de seu aniversário.
Hogwarts foi invadida por um cheiro que ele conhecia bem.
Um cheiro de pêssegos. Maduros, deliciosos, frescos, suculentos. De dar água na boca.
Vindos, obviamente, de ninguém menos do que Harry Potter.
The End