Saint Seiya não me pertence! Qualquer semelhança com fatos reais ou demais fics é mera coincidência!


1. A Frustração

– Père(1), finalmente chegou...

O adolescente de doze anos comemorava num leve tom de desespero e corria abraçar o pai. Estava trêmulo, sinal de algo muito grave havia acontecido.

– O que aconteceu, Paul?

Paul era o caçula da família. Tinha cabelos lisos e curtos – num tom castanho escuro, olhos castanho-esverdeados, traços masculinos, altura de 1,63 m e 50 Kg. Sempre fora muito carinhoso e atencioso para com os pais, dando-lhes muito orgulho graças ao seu desempenho nos estudos e comportamento em sociedade. Apesar da pouca idade, já se mostrava muito politizado e um bom estrategista para com os negócios. Sempre estava pesquisando, se atualizando sobre os mais diversos assuntos.

Seu pai, de nome Oliver, estava com 40 anos, tinha olhos azuis, estatura mediana e cabelos grisalhos. Portava-se como um lord da idade média e conservava seus cabelos lisos num penteado clássico do início do século XX. Sempre fora muito calmo e, apesar de seu trabalho consumir quase todo o seu tempo, gostava de ficar com sua família – mesmo tendo dificuldades de demonstrar esse sentimento.

Paul sempre teve muito respeito e carisma pelos pais. Sabia que aquele comportamento aparentemente frio que tinham era devido à educação que haviam recebido. Estavam vivendo o ano de 1965: um ano cheio de novidades, mudanças e promessas. Uma época onde começava uma grande revolução na vida de todos.

Num tom de tristeza e angústia, o garoto falou:

– A mamãe... Ela desmaiou... de novo!

Emilie tinha 36 anos, mas parecia ter, no máximo, 28. Tinha longos cabelos loiros e olhos cor caramelo. Era esbelta graças aos rigorosos ensaios de ballet, seu único vício! Sempre fora muito saudável, mas há 3 dias começou a apresentar sintomas de que algo de errado estava acontecendo. Sentia fortes vertigens mesmo quando não se esforçava e este já era o quarto desmaio desde então.

– Mon dieu!... Onde ela está?

– No quarto. Eu consegui levá-la pra lá depois que ela acordou. Eu queria chamar a ambulância, mas ela não deixou...

– Acalme-se, querido! Esqueceu que eu sou médico?

Sim... Oliver não era apenas um médico, tinha fama internacional. Não só pelo nome que carregava, mas também pelas suas atitudes. Era perfeccionista e abominava qualquer erro ou distração, por isso às vezes preferia não arriscar desenvolver técnicas novas sem antes ter certeza de que o paciente não corria risco.

Por mais que Paul tivesse conhecimento da fama de seu pai, temia pela vida da mãe. Não podia nem cogitar a morte dela sem sentir seu corpo estremecer. Conteve-se para não chorar perante o pai.

– Non. Mas eu tenho medo... Não quero que ela morra!

Oliver, ciente da sensibilidade do jovem, colocou a mão em seus ombros e olhou nos olhos deste com confiança. Sabia que teria de ser forte e passar toda a sua esperança ao garoto. Afagou os cabelos do filho e carinhosamente garantiu:

– Ela não vai morrer! Eu não vou deixar... Je promets(2)!

Paul sentiu-se tomado de uma nova coragem, fé e esperança. Sabia que seu pai faria o impossível para evitar uma tragédia. Agora já a via novamente no palco, demonstrando toda a sua graça e leveza! Deu um largo sorriso para o pai, certo de que tudo terminaria bem.

– Confio em você, papai. – Abraça-o – Posso ir junto?

– Non. Vou examiná-la e é melhor ficar sozinho.

– Tudo bem. Entendo! Vou à biblioteca, tentar distrair-me... Qualquer coisa me avise.

– Oui.

O médico dirigiu-se ao quarto que dividia com a esposa. Apesar de ter passado confiança ao filho, sentia seu coração pular de angústia e temor. Rezava para não sair de lá com um diagnóstico terminal, pois sentia sua vida esvaindo-se junto à da amada.

Desde o início formavam um só corpo, uma só alma sem possibilidade de separação sem seqüelas graves para ambos os lados. A morte de um seria a mutilação do outro – implicaria num golpe certeiro no coração! Uma lesão que levaria o sobrevivente a um dos dois caminhos: uma vida doente, trágica e sem sentido ou uma morte súbita.

Oliver sabia que estava sendo egoísta, principalmente para com seus filhos, mas já não se importava mais. Era a sua vida que estava em jogo e sabia que não tinha mais nenhuma criança em casa, por isso teriam que entender! Segurando firmemente sua maleta, corria contra o tempo, pronto para pegar sua esposa no colo e correr ao hospital.


– Chère...

Chegou esbaforido ao quarto e viu a esposa deitada na cama. Tentava conter seu desespero para evitar assusta-la. Sua vontade era de correr, ajoelhar-se ao lado da cama e chorar em seu colo, mas não fez! Continuou hirto, encarando-a da porta e respirando profundamente. Ela pareceu-lhe tão frágil, pálida! Sua imagem comparava-se a de um anjo puro e sereno, mas que não trazia alegrias e sim angústia, terror. Emilie agora era a sombra do anjo da morte!

– Oliver, mon amour!... Que bom que chegou mais cedo...

A francesa usava o apoio das duas mãos para sentar-se lentamente. Já sentia-se melhor, mas não queria esforçar-se. Não queria morrer agora! Seus filhos... Paul era apenas um pré-adolescente de 12 anos e Narcisse, o mais velho, estava com 16 e encontrava-se numa fase de rebeldia, no clima do rock. Sabia que o marido não conseguiria dar conta dos dois e temia pelo destino de sua família, por isso não iria dar chance ao azar.

Oliver agora já estava mais calmo e conseguia passar ternura. Dirigiu-se à cama lentamente, sentindo como se cada uma de suas pernas pesasse mais de uma tonelada. Era um pesadelo! Não podia ser real... Teria de usar de todo seu auto-controle se quisesse fazer algo pela esposa.

– A última consulta foi desmarcada em cima da hora. O Paul disse que você desmaiou novamente... Estou ficando preocupado. – Falava com um tom nobre e cordial, um sintoma de que começava a colocar a sua máscara – a máscara que ocultava seus sentimentos e fazia o homem dar lugar ao médico.

Emilie conhecia muito bem o seu amado e sabia quando ele estava preocupado, por mais que tentasse ocultar. Sempre tivera problemas com o calor e o mês de julho estava castigando-lhe por causa da alta temperatura. Sempre gostou do frio, da neve, do vento! Sentia-se tão leve, disposta... Às vezes tinha vontade de dançar na neve descalça e com pouca roupa – ato que nunca cometeu por saber tratar-se de uma insanidade que poderia custar-lhe a saúde. O verão, para ela, era sinônimo de inferno, pois fazia com que sua pressão baixasse e praticamente a impossibilitava de entrar em qualquer cômodo muito claro, pois sabia que isso implicaria numa tontura e, nos últimos dias, convertera em desmaio.

– Acho que é por causa da pressão. Você sabe que eu não suporto esse calor! Que a minha pressão sempre cai no verão...

A hipótese era coerente, mas não poderiam brincar com a saúde e Oliver sentou-se ao lado da esposa, acariciando-lhe os cabelos sedosos. Gostaria de poder fazer algo por ela, mas repentinamente lembrou-se da maldita ética médica e declarou serenamente:

– Pode ser, mas preciso que você consulte um médico e faça exame de sangue. Infelizmente seria antiético se eu lhe examinasse...

A francesa não gostava de ser tocada por outros homens, sentia-se impura. Por isso evitava consultar-se! Não estava se importando com o fato de ser um profissional da medicina. O que lhe importava era o sexo! Se fosse uma mulher...

– Eu sei, mas eu prefiro você a qualquer outro. Por favor, mon cher!...

Oliver olha a esposa e sorri ternamente. Se fosse algo grave, não teria tempo a perder. Teria que deixar a ética de lado se quisesse salvar a esposa! O médico suspira profundamente, levanta-se, pega o estetoscópio em sua maleta, coloca-o e começa um minucioso check-up. Não poderia deixar nada passar despercebido!

– Amanhã você vai ao consultório do doutor Barrot e contará sobre essa sua indisposição. Acredito que seja necessário um exame de sangue.

– O que eu tenho?

– Não tenho certeza, mas desconfio que seja algum problema hormonal... Você já está perto dos 40 e, a partir de agora, pode ficar na menopausa a qualquer momento.

Menopausa? Era uma palavra muito forte, sinônimo de velhice! Emilie não gostava da idéia de ter de passar por isso tão cedo, mas ao mesmo tempo, sentia-se aliviada por não estar doente. Não iria morrer e poderia continuar ao lado de seus filhos e de seu marido.

– Menos mal...

– Ei, não fique assim, mon aimé! Você sabe que, mais cedo ou mais tarde, acabaria passando por isso.

– Eu sei, mas é tão estranho... parece que vou envelhecer uns 20 anos.

Oliver sabia o quanto esse diagnóstico era traumático para uma mulher na idade da esposa e usou de seu bom humor para levantar o astral dela. Faria o impossível para poder ver um sorriso em sua face e deu alguns passos, numa pose pensativa. Voltou a aproximar-se e, num tom de seriedade, questionava:

– Bem, quem sabe com isso não voltemos a aparentar uma pequena diferença de idade?

– Então você quer que eu envelheça, é?

– Está me chamando de velho?

– Não é bem assim...

– Desta vez passa, mas da próxima...

– O que vai acontecer? Vai me castigar?

– Hum... quem sabe?

– Não sei o que seria da minha vida sem você... Je t'aime(3)!

– Eu também! Estarei sempre ao seu lado... Não esqueça.

Oliver volta a sentar-se ao lado da esposa na cama e a abraça fortemente. Emilie retribui o abraço e logo parte para um beijo ousado. Ambos estavam um pouco incertos sobre o real estado de saúde da francesa, mas não se abalariam tão facilmente.


Um jovem de 1,89 m de altura, 84 Kg, cabelos loiros e olhos negros adentrava o quarto de Paul. Apresentava um semblante cansado, profundas olheiras e barba por fazer. Seus trajes estavam sujos e faziam o rapaz parecer um mendigo – fato que fez com que o garoto estremecesse com a imagem.

– N-não pode ser...

– O que foi, não está me reconhecendo, Paul? Só sumi por um mês e já esqueceram de mim?

– N-não... Mas é que...

– Era só o que me faltava! Nosso pequeno gênio ficou tão entretido nos livros que esqueceu como se fala?

O mais velho rodeava o garoto, como um lobo envolvendo sua presa. Precisava de dinheiro e sabia que esta seria sua melhor fonte! Não se importava com a aparência e muito menos com a sua família. A única coisa que o fazia voltar àquela casa era a fortuna de seus entes. Havia caído no vício das drogas e sentia que seu corpo precisava de mais a cada dia.

Paul sabia que o irmão havia escolhido um mal caminho e sempre fazia o impossível para tentar trazê-lo de volta, mas nunca era escutado. Da última vez que tentara impedir o irmão, fora espancado pelo mesmo que só parou quando o mais novo entregou sua mesada. Felizmente os ferimentos puderam ficar ocultos dos pais e desde então passou a não mais enfrentá-lo. Hoje não seria diferente, ainda mais com a doença de sua mãe.

– Credo, Narcisse! Você está fedendo.

– Tais toi(4), pirralho! Você não manda em mim.

– Você sabia que a mamãe está doente?

– E eu com isso? Não sou médico e não posso fazer nada. Agora vai, me dá sua mesada!

Paul sentiu-se enojado ao ouvir as palavras do irmão. Odiava a idéia de sentir aquilo pelo mais velho, mas não via a hora de vê-lo longe dali. Sua simples presença causava asco ao garoto e o descaso para com sua família era deprimente. Não queria que a mãe visse o estado do lastimável do irmão e por isso pegou seu dinheiro o mais rápido que pôde.

– Tome!

Entregou o montante na mão de Narcisse. O valor correspondia a pouco menos de um salário mínimo e havia sido acumulado para emergências. Paul sabia que este não seria um fim digno, mas evitaria tristezas desnecessárias e, quem sabe, a morte da mãe.

De uma forma desesperadora, o mais velho contou a quantia e decepcionou-se. Não era nem metade do que esperava. Foi tomado por um sentimento de raiva pela mesquinhez do ente paterno. Olhou o mais novo com desconfiança e perguntou:

– Só isso? O velho está dando uma de mão-de-vaca agora? Ou será que você não está mais sendo fiel a mim?

– O papai não anda dando mesada... Ele deposita quase tudo na poupança pro meu futuro, pra minha faculdade.

– Que desperdício...

– Não vou discutir contigo. Dei tudo o que tinha...

– É insuficiente!

– Infelizmente não posso fazer mais nada.

– Peça pra nossa mãe. Diga que precisa de um tênis novo, uma camiseta, sei lá!

– Eu já disse que ela está doente e não vou incomodá-la.

– Então farei uma visita. Quem sabe ela não se anima...

– NON! – gritava em desespero – Eu vou!... Espere-me aqui.

– Sabia que não iria me decepcionar, Paul.

Com um profundo sentimento de raiva, o garoto deixa o mais velho em seu quarto e dirige-se ao quarto da mãe. Conseguira dinheiro alegando ser para comprar material para as pesquisas escolares – material este que levaria à escola e deixaria lá. Voltou ao quarto com uma quantia um pouco superior à que havia entregado a Narcisse e atirou-lhe na cara.

– Tome! Se juntar os dois, vai dar pouco mais de 2 salários. Agora vá embora e não volte tão cedo! Não quero ter que mentir pra mamãe novamente.

– Não estou reconhecendo-lhe, maninho...

– Preciso estudar! Tenho prova de história amanhã.

– Tudo bem. O deixarei em paz. Sei o quanto é viciado nessa porcaria...

Paul sentiu-se tomado de uma profunda tristeza. Como o irmão poderia dizer aquilo? Ele era viciado em algo muito pior, em drogas das quais até o menino estudioso tinha total desconhecimento! Havia mentido a ele: não tinha prova no dia seguinte! Fora obrigado a tomar esta atitude, pois sabia que esta seria a única forma de expulsar o primogênito e sentiu as lágrimas que escorriam pela sua face.

Narcisse não contou desta vez. Pegou o dinheiro e sumiu de vista. Apesar de tudo, respeitava os estudos do caçula e, no fundo, torcia para que ele conquistasse seu merecido sucesso. Mesmo não admitindo, amava o menino e seria capaz de entregar a própria vida para salvar a dele. Foi tomado por um sentimento de culpa ao ver as lágrimas de Paul, mas não voltou atrás e não voltaria! Seguiu seu caminho, por mais obscuro e tortuoso que fosse.


– Oliver, mon amour!

– Emi, mon ange!... Diga-me, já saíram os resultados?

– Já. E não tem nada a ver com menopausa...

– Então...

– Eu não sei se você vai gostar da notícia.

Oliver sentiu-se tomado por um clima de pânico. Se não era menopausa, então estavam encarando uma doença grave e, talvez, fatal. Estava perdendo sua esposa e certamente não poderia fazer nada. Sentia seu coração ser perfurado por algo pontiagudo e as estocadas eram cada vez mais cruéis. Preparou-se para receber a má notícia e pediu, num último fio de voz:

– Por favor, fala logo!

Emilie não sabia como aquela notícia seria recebida pelo marido e tinha dificuldades para começar. Os resultados dos exames mudariam a vida dos dois. Abaixou sua cabeça e confessou tremulamente:

– Eu... Eu estou grávida!

– G-grávida?

– Oui... Sabia que você não iria gostar!...

– Non! Eu só fiquei surpreso...

– E agora?

Oliver sempre fora doido por ter uma menina e sabia que essa seria sua grande chance. Já estavam quase na idade de serem avós e a notícia de um novo bebê trazia novas alegrias, novas esperanças a ele. O médico, que já esperava um diagnóstico terminal, tinha tido um diagnóstico de vida, saúde e a possibilidade de ter o seu maior sonho realizado. Chorava de alegria com a boa nova e agora se portava como uma criança que acaba de ganhar o brinquedo tão desejado.

– Vamos comemorar. Vai ser a nossa menina... A menina que eu sempre quis!

A francesa nunca havia visto seu marido tão feliz. Acreditava que ele fosse rejeitar a gravidez por causa do avanço da idade e por não ter sido planejada. Felizmente a reação foi exatamente a oposta, causando-lhe uma admiração.

– Cher?

– Ah! Emi... como eu estou feliz! Nossa menininha vai ser tão linda e delicada quanto a mãe. Herdará seu talento e será a melhor bailarina da França e, tenho certeza, do mundo! Já estou vendo: o quartinho rosa, cheio de vestidos, lacinhos...

– Mas... e se for menino?

– Já temos 2 meninos. Desta vez será menina. A minha princesinha...

Emilie sentiu-se tomada por um pequeno pânico. Sua mente perguntando de forma repetitiva: "E se for menino?". Temia que o bebê fosse rejeitado. Entretanto, já tinha dois filhos do sexo masculino e passou a confiar em seu esposo. Deus não poderia fazer essa falseta para com eles!

Eram católicos praticantes e a francesa sabia o quanto Oliver sonhava com uma filha. Não que viesse a rejeitar seus filhos – muito pelo contrário. Sempre fora um pai exemplar, mas agora teria seu grande sonho realizado e a loira sentia a alegria que transbordava da alma do seu amado. O medo da rejeição transformava-se em esperança.

– Fiquei com tanto medo de você não aceitar a idéia...

– Você sabe que o meu maior sonho era ter uma menina e agora... Acha que eu iria rejeitá-la? Já pensei num nome: Eloise Marie. Que tal?

– Ainda estou no segundo mês. Teremos tempo pra pensar...

– Você não gostou?

– É um nome bonito, mas acho que ainda é cedo... Você pode mudar de idéia.

– Oui. Tem razão... O que importa é que ela nasça saudável. Falando nisso, você precisará ter mais cuidado, pois uma gravidez nessa idade é considerada de risco.

– Irei a um especialista e farei tudo o que for preciso.

– E eu começarei a montar o quarto o quanto antes.

– Ela será muito bem-vinda e amada...

– Quem diria que nossa filha nasceria quando eu tivesse idade para ser avô?...

– Avô? Só se for você... Eu ainda nem cheguei aos 40...

– Mas não esqueça que o Narcisse já tem 16 anos.

– Ele que invente de ter filho antes dos 20 pra ver...

– Você é mesmo maravilhosa, Emi!

– O que eu não faço para agradar-lhe?

– ... Je t'aime, mon ange!

Emilie sorri e o abraça fortemente. Sabia que este seria o maior e melhor presente que poderia dar ao marido. Já havia feito as contas e sabia que o bebê nasceria por volta do dia 28 de fevereiro. A menina seria um presente de aniversário ao pai coruja e traria muita prosperidade e felicidade à família.


Narcisse havia voltado no mesmo dia em que Emilie descobriu estar grávida. Desta vez não viera pedir dinheiro – apenas ver a mãe. Observou-a de longe e tentou atualizar-se com o caçula. Infelizmente Paul não havia tido nenhuma notícia até então e só conseguiu relatar os sintomas ao mais velho, que saiu cabisbaixo, preparando-se para o pior.

– Paul, onde está o Narcisse?

A pergunta soou-lhe como uma facada. Como imaginava, seu irmão não havia visitado a mãe. Estava num dos raros momentos de lucidez e por isso não se atrevera a piorar o estado de saúde dela. Não queria tocar no assunto, mas agora não tinha escapatória. Tentou contornar da melhor forma possível.

– Ele saiu. Você está melhor? Posso ajudar em alguma coisa?

– Estou muito bem, meu filho! E acostume-se com este mal-estar, pois irá repetir-se muito...

Há muito o garoto não via a mãe tão feliz. Desde que Narcisse decidira entregar-se às drogas, há mais de 6 meses, Emilie não dava um único sorriso. Ainda não sabia no que primogênito havia se envolvido, mas sabia que ele estava envolvido em algo errado – talvez ilegal. Completamente confuso, Paul comentou:

– Eu não entendo... Você está feliz por estar passando mal?

A loira sorriu ao caçula. Por mais inteligente que fosse, não poderia imaginar o motivo de tal felicidade. Testando seus conhecimentos, começou a dar pistas.

– É porque desta vez não é doença.

– Você fica desmaiando, sentindo tonturas, náuseas, enjôos e... – Paul encara a mãe com susto, ao desconfiar o motivo do mal-estar.

Sentia-se atordoado com a notícia. Então teria mais um irmão? Não sentia-se preparado para isso. Obviamente não iria rejeitar o bebê, mas jamais poderia imaginar ter um irmão aos 12 anos de idade. Não sabia como reagir à notícia.

– É exatamente o que você está pensando: estou grávida!

A palavra grávida, entretanto, despertou-lhe de seu transe e sentiu-se tomado de uma enorme felicidade. Não só pelo fato de ter um irmão, mas também pelo alívio por saber que sua mãe não estava doente. Finalmente teria um companheiro ou uma companheira e já planejava ensinar-lhe a gostar de livros e estudos desde cedo. Com muito cuidado, abraçou a mãe. Não teve vergonha em soltar lágrimas de felicidade.

– Grávida? Que bom, mamãe!

– Quem diria... A esta altura da vida eu tendo a menina que seu pai tanto desejou.

A afirmação era tão segura que Paul nem teve coragem de questionar. Teria uma irmã! Iria protegê-la, amá-la e ensiná-la. Já via a menina: uma verdadeira boneca de louça com cabelos loiros como os da mãe e os olhos azuis do pai. Não iria dançar, mas flutuar no palcos. Seria culta, educada e muito bela. Certamente ele teria que fazer papel de guarda-costas dela e não deixaria sua doce e delicada irmã ser tocada por qualquer um. Com os olhos brilhando de felicidade, comemorava a boa nova:

– Ela vai ser linda... Como a senhora!

– E espero que seja muito amada também.

– Você sabe que eu a receberei de braços abertos. O único problema será o Narcisse...

Não conseguiu terminar a frase. Se a mãe soubesse no que o mais velho estava envolvido, poderia perder o bebê ali mesmo.

Emilie percebeu a tristeza com a qual seu atual caçula havia dito a última frase e acreditou ser pelo fato de temer a reação do mais velho. Colocou a mão no ombro dele e olhou em seus olhos. Usou de toda a sua confiança para tentar animá-lo.

– Não se preocupe mon fils(5). Eu conversarei com ele e tenho certeza de que vai dar tudo certo. Narcisse vai aceitar a chegada dela... – sorria acariciando o próprio ventre.

– Estarei torcendo por vocês.

– Eu sei, mon ange. Você sabe que eu te amo e tenho muito orgulho de você.

– Oui, maman(6)!

Emilie sentia que precisava mudar de assunto e decidiu tocar em algo que deixasse o menino animado: seus estudos!

– Falando nisso, como estão os estudos?

– Fui o primeiro da sala novamente.

– Parabéns! Fico muito feliz.

– Eu serei médico como o papai ou um general como o vovô e salvarei muitas vidas!

– E eu estarei lá, lhe apontando e dizendo: estão vendo aquele jovem de cabelos castanhos e olhos esverdeados?... É meu filho! Foi o melhor em todas as provas...

– Não exagera mãe.

– Não seja modesto, Paul. Você consegue.

– Maman... ma mère(7)! – abraça.

– Meu menino... O futuro doutor Paul Henri François Vigneux sur Seine Poissy.

Paul não tinha nada contra seu nome. Gostava, mas sempre achou muito comprido. Suspirou profundamente e, num tom de pesar, comentou:

– Coitados dos meus pacientes! Morrerão antes de terminar de pronunciar o meu nome.

Emilie não disse nada. Apenas sorriu e novamente abraçou seu filho. Não cansava de repetir aquele gesto e agora, repleta de felicidade, brincava com o garoto.


– Mãe, qual será o nome dela?

Paul perguntava de forma carinhosa, acariciando a volumosa barriga de 8 meses da mãe. A esta altura a casa já estava toda preparada para a recepção da nova integrante: o quartinho decorado em rosa e branco tinha uma faixa pintada ao centro com estampas de delicadas flores. Uma enorme variedade de bonecas e bichos de pelúcia adornava o recinto. Os armários encontravam-se abarrotados de vestidos dos mais diversos formatos e tamanhos. Fraldas de pano, pequenos sapatinhos de lã e roupas para agüentar o inverno europeu completavam o enxoval. O berço era branco com detalhes rosa claro e apresentava roupas de cama dignas de uma pequena princesa. Para completar o cenário, havia a cama onde dormiria a babá.

Não haviam mais dúvidas sobre o sexo do bebê. Seria realmente uma menina! Era unanimidade pelo formato da barriga, a aparência física de Emilie. Com exceção de Narcisse, todos estavam felizes e devidamente preparados para a chegada da nova integrante da família.

– Seu pai ainda está em dúvida... quer ver o rosto dela antes de definir.

– E qual são os possíveis nomes?

– Eloise Marie ou Nicole Gabrielle.

– Espere! Nicole é o nome da sua mãe e Gabrielle da mãe do papai.

– Nada mais justo que homenagear as duas, non?

– Oui! Elas merecem...

Já na janela, olhando a neve caindo, Emilie demonstra um olhar de melancolia e toca o vidro frio com muita tristeza. Começava a imaginar-se no meio da neve: brincando, esquiando, sentindo o frio no rosto. Entretanto, sabia que não poderia sair. Já havia passado mal por causa da gravidez e não queria arriscar. Embora sua alma clamasse pela saída, sua consciência forçava a francesa a permanecer em casa e proteger a sua menina.

– O que foi mère? Parece tão triste...

– Estou sentindo falta da neve, do frio...

– Ué, porque não se veste de forma adequada e sai um pouco?

– Não posso. Já passei mal graças à gravidez e não quero arriscar. Afinal, pelas minhas contas, faltam umas 3 semanas pro nascimento da sua irmã.

– Que dia mesmo está previsto pra ela nascer?

– No dia do aniversário do seu pai: 28 de fevereiro.

– Ainda bem que não estamos no ano bissexto, senão ela poderia nascer no dia 29 e só fazer aniversário a cada 4 anos.

– Garanto que ela iria adorar. Toda mulher teme envelhecer...

– Pai?

Oliver havia dito as palavras num tom bem-humorado, provocando a esposa. Paul reconhecera o timbre forte e sereno: seu pai havia chegado do trabalho! Correu abraçá-lo e sorriu ao ver a troca de olhares apaixonados do casal.

Sem que houvesse sido pedido, largou o pai e deslizou pela porta, deixando-os a sós. O médico aproximou-se com um largo sorriso nos lábios e ajoelhou-se diante da esposa, acariciou a barriga de uma forma terna.

– Boa noite, mon ange! Aqui quem fala é o papai... Eu sei que você me escuta e me entende, por isso quero que saiba desde já que eu te amo muito e que a receberei de braços abertos. Você será a minha princesinha e dançará como a sua mãe. Também fará aulas de teatro, música, pintura. Será uma perfeita dama: muito culta, bonita e delicada.

– Oliver! Eu já disse que isso é besteira... ela não ouve!

– Ouve sim! Há muitos psicólogos que defendem a teoria de que os bebês ouvem tudo desde o ventre e eu quero que a minha boneca sinta-se amada desde o ventre!

– Tudo bem... Não vou discutir.

– Como você está, mon amour?

– Um pouco cansada, mas muito feliz. Só falta o Narcisse voltar a ser um bom garoto para que eu possa me sentir no paraíso.

– Logo ele acorda para a realidade. Tenho certeza que esta menina foi um anjo enviado para nós e veio para trazer esperança, felicidade! Ela veio para restaurar nossa família...

– Você não acha que está criando muitas expectativas para a nossa filha?

– Non. Eu sei que parece que estou idealizando um ser perfeito, mas pense bem! Por mais que o Narcisse não deixe transparecer, eu sei que ele gostou da notícia e vai abandonar aqueles bandidos que chama de amigo para cuidar da irmã. Talvez não agora, mas assim que ela começar a falar e andar, ele não resistirá...

– Sei não! Lembra quando o Paul nasceu?


Flashback

Desde o nascimento do novo irmão, Narcisse passou a ficar mais agitado e maldoso. Não aceitava a presença do bebê, pois não teria mais o amor e a atenção dos pais só para si. Passou a destruir tudo o que via pela frente e que poderia chamar a atenção dos entes paternos. Não aceitava ter de dividir seus pais com ninguém! Ele havia chegado primeiro e tinha o direito ao carinho exclusivo e incondicional. O estranho que ficasse com o resto!

Os ciúmes do mais velho cresciam a cada dia. Como sempre, Emilie deixou o bebê na sua cama enquanto esperava a água da pequena banheira ficar na temperatura ideal. Narcisse aproveitou a ausência da mãe e empurrou o irmão para o chão. Sua intenção era matá-lo e só não conseguiu concretizar seu intuito pelo fato da mãe ter conseguido chegar a tempo.

Fatos como esse repetiram-se, mas os pais nunca ergueram a mão contra o primogênito. Conversavam muito com o filho e, com o tempo, conseguiram reprimir essa revolta. Narcisse aceitou o caçula, mas nunca mais foi o mesmo! Envolveu-se com más companhias e começou a afundar-se cada dia mais. Emilie e Oliver nunca se perdoaram por não ter preparado a criança para aceitar a vinda de Paul.


Lembrando-se dessa seqüência de fatos, Oliver ficou cabisbaixo. Talvez a esposa tivesse razão e nunca teriam uma família perfeita, como ele sempre sonhou. Sentiu as lágrimas juntando em seus olhos, mas não chorou! Numa tentativa de convencer a si mesmo, afirmou:

– Naquela época, ele era só uma criança e não entendia as coisas agora...

– Agora é um adolescente problemático!

– ...Ainda tenho esperanças e não desistirei enquanto tiver saúde.

Emilie fica em silêncio. Não sabia o que responder nem o que falar. Oliver, ainda tomado pela tristeza, lembra-se da surpresa que havia trazido consigo. Queria animar a esposa e sabia que esta seria a melhor forma.

– Chère, há algo que eu quero lhe mostrar...

– O que seria?

– Espere! Vou pegar...

– Oui.

Oliver sai e retorna com um embrulho em suas mãos. Entrega-o nas mãos da esposa, que desfaz o laço com capricho. Emilie é tomada de um susto ao ver o que tinha na caixa. Pegou o conteúdo como se este fosse se desfazer com um único toque e, emocionada, volveu seu olhar ao marido, que carinhosamente envolveu-lhe num abraço.

– Oliver... Mas como...

O conteúdo tratava-se de um pequeno conjunto composto de um collant e uma saia bailarina, ambos no tom rosa-bebê. Emilie começou a imaginar a filha com aquele traje. Pelo tamanho, talvez a pequena já estivesse até andando quando o vestisse pela primeira vez.

– Gostou? Encomendei pro primeiro aniversário dela. Infelizmente não consegui nenhum lugar que fizesse sapatilhas, mas...

– É a coisa mais linda que já vi!

– Que bom, mon amour! Fiquei com medo da sua reação...

Emilie abre um largo sorriso ao marido, ainda segurando o collant. Volta a dobrá-lo com cuidado e o guarda novamente na caixa. Estava emocionada e não conseguia falar. Decidiu expressar-se em atitudes e puxou-o para um novo e envolvente abraço. Ficaram trocando juras de amor e carícias delicadas.


As dores do parto começaram a ser sentidas na noite do dia 6 de fevereiro e o bebê veio nascer no dia 7, à meia-noite e quinze. Devido ao avanço da idade, Emilie havia sido levada ao hospital mais próximo para que pudesse ter a criança. Não houve problemas no parto e a criança havia nascido havia nascido perfeita. Com o bebê em mãos, uma das enfermeiras adentrou a sala de espera e chamou:

– Doutor, Oliver?

– Sou eu. Diga... como está a minha esposa?... E a minha filha?

– Está tudo bem! O parto ocorreu conforme o planejado. Este é o seu filho.

– Filho? Non... é uma menina!

Oliver aproxima-se da enfermeira com um sorriso de orgulho em seus lábios. Vai até o bebê e começa a admira-lo.

– Minha princesa é linda! Vai se chamar...

– Doutor Oliver, eu acho que o senhor não entendeu. É um homenzinho!

– Non! Não pode ser...

– Não precisa ficar emocionado...

– Não estou emocionado. Eu queria uma menina! Montei o quarto e preparei tudo pra receber uma menina e agora... Há algum engano. Por favor... fale que é uma brincadeira, que houve alguma troca.

– Não há enganos! Este é o seu menino.

– Mon dieu! NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOON!

Oliver cai de joelhos no chão, tomado pelo desespero. Todos os seus sonhos se esvaindo com o anúncio do sexo daquele bebê. Tinha certeza que seria uma menina, a sua tão desejada princesa e agora... Não podia, não queria aceitar tamanha tragédia! Chorava compulsivamente tomado pelo desespero. E agora, como iria proceder? Não sabia como encarar a esposa, o que fazer com os objetos, os vestidos, os planos!


CONTINUA


Vocabulário:

(1) Pai

(2) Eu prometo!

(3) Eu te amo!

(4) Cala a boca

(5) Meu filho

(6) Mamãe

(7) Minha mãe


Infelizmente eu não tenho conhecimento de francês. Usei de traduções on line e da ajuda de amigos para colocar esses termos. Se houver algum erro, avisem-me para que eu possa corrigir!

Dúvidas, críticas ou sugestões? Mandem reviews!