Segredos
Capítulo 3
Por Arthemisys
O sono parecia lhe abandonar aos poucos, ainda que seu corpo relutasse contra isso. Ainda de olhos fechados, encolheu-se mais ainda por debaixo do lençol, enquanto sentia uma deliciosa brisa marinha tocar as partes de seu corpo que estavam desnudos do tecido que deveria cobri-la por completo. Aspirou o ar, e sentiu um leve, mas marcante aroma de perfume amadeirado. Sentiu também, que o lençol que usava era sobremaneira mais macio que o de costume.
"Não me lembro de ter comprado um lençol de cetim..." – a jovem pensou, enquanto se virava de lado novamente e no exato momento, notou uma estranha claridade que não era comum em nenhuma época do ano, já que o minúsculo apartamento que vivia parecia ser um cubo de concreto sem saída de ar nenhum.
Resolveu então abrir os olhos e com total surpresa, constatou que ao invés de encontrar a típica parede com a moldura de seu diploma universitário, encontrou na realidade, uma imensa porta de vidro que dava acesso a uma ampla varanda com uma vista única para o mar.
- Onde eu estou! – Juliane perguntou a si mesma, enquanto se sentava rapidamente na cama que também notou não ser a sua cama de solteira.
- Está em minha casa.
Os olhos da garota ficaram petrificados e girando o pescoço com lentidão, viu que diante dela estava Saga apenas de toalha e com os cabelos completamente molhados devido a um banho tomado há pouco tempo atrás.
- O que... O que...
- Você está em minha casa, no meu quarto e para ser ainda mais específico, na minha cama, bela adormecida.
De súbito, Juliane saltou da cama e ao cair o lençol, viu também – para seu maior constrangimento – que usava apenas calcinha e sutiã.
- Ai, droga! – ela praguejou, pegando a peça de cama e enrolando em torno do corpo. Saga não deixou de dar um sorriso perante a timidez da jornalista.
- Você vestida com esse lençol parece uma verdadeira deusa do amor.
- Dá pra parar de falar besteira! – e colocando uma das mãos nas têmporas que começavam a latejarem novamente, indagou. – O que eu estou fazendo aqui!
- Não se lembra do que aconteceu ontem? – ele perguntou enquanto abria os braços, reforçando ainda mais seu questionamento.
- Claro que não... Hei, espere. Ontem eu estava numa boate com a Dido! Daí eu me perdi dela e comecei a procurá-la pela rua. Então, uns caras mal encarados me cercaram e...
- E eu te salvei. – Saga completou com a maior simplicidade que poderia expor. – Quer um analgésico?
- Eu quero sair daqui... – ela retorquiu, enquanto olhava de soslaio, Saga preencher um copo com água de um jarro transparente. Reparou os cabelos ainda molhados grudarem em seu rosto, costas e parte do tórax que se movimentava ritmicamente através da respiração tranqüila.
"Belo." – foi o único pensamento da ruiva ao somatisar todos os atributos do homem a sua frente. – Aliás, quero saber como cheguei aqui.
- Você não consegue se lembrar do principal? – ele rebateu, enquanto lhe entregava o remédio e a água. Notou que Juliane corou.
- Dá para parar de me encher de perguntas e me dizer como raios eu vim parar... Tem certeza que essa é a sua casa?
Saga franziu o cenho.
- E porque não seria a minha casa?
- Parece mais uma mansão! E o salário de um professor não dá para comprar uma mansão à costa do mar.
- Você é capciosa, heim?
- Faz parte das minhas atribuições como jornalista.
- Bom. Essa casa foi herdada a mim por um parente mais abastado.
Juliane fez cara de quem não havia acreditado muito na estória dele. Pelo sim ou pelo não, o cavaleiro resolveu mudar o rumo da conversa. Foi até a porta semi-aberta, e indicou com o braço a mesa farta de frutas, sucos e pães. Um convite irresistível ao paladar.
- Não, obrigada. Eu preciso ir. Sério.
- Não estou prendendo você. Quero apenas que coma algo decente antes de sair daqui.
Antes que desse o primeiro passo rumo à varanda, o celular de Juliane tocou ruidosamente sobre o criado mudo. Ela virou os calcanhares rumo ao aparelho, atendendo e ao ouvir a conhecida voz do outro lado da linha, exclamou: - Dido!
O homem percebeu que a rosada tonalidade fugia as faces da jovem enquanto ouvia calada a amiga. Ela pos a mão em uma das têmporas novamente, fazendo com que o lençol que usava deslizasse suavemente, mostrando as curvas entre os ombros e os quadris. Ela parecia não se importar mais em cobrir o corpo. Suas atenções estavam completamente voltadas àquela ligação.
- Certo. Já estou indo. – por fim, desligou o celular e virando-se para o seu anfitrião, disse meio sem jeito. – Problemas no trabalho. Preciso sair agora. Onde estão as minhas roupas?
- Bom. – Saga pensou rapidamente nas palavras mais adequadas a usar. – Você não pretende ir ao seu trabalho com aquele vestido minúsculo, não é?
- Pretendo sim. Afinal, é a única peça de roupa minha por aqui. – e olhando ao redor. – Onde está?
Saga atravessou o quarto, rumo ao closet cujo design lembrava a letra "U". Ao sair de lá, ele entregou a ela a peça de roupa. Com uma cara completamente assustada, a ruiva verificou que havia um enorme rasgo no vestido. Ela encarou Saga e o vestido nas mãos durantes alguns segundos e...
- O que diabos você fez comigo!
- Não é nada disso que está pensando. – ele falou, mantendo o tom de voz tranqüilo.
- Como não!
- Creio que se dissesse que seu vestido rasgou quando a coloquei no meu carro para vir até aqui você não acreditaria.
- Não. – ela respondeu ríspida, entrando no closet, na esperança de achar algo para vestir. Não pode perceber Saga por trás dela, e apenas se deu conta disso, quando sentiu o roçado de um sobre-tudo lhe cobrir os ombros.
- Não há roupas femininas aqui. Somente posso lhe oferecer isso.
Virando-se assustada por não percebe-lo a mais tempo, Juliane ficou a poucos centímetros do rosto dele. Os orbes verdes que a miravam pareciam fazer uma súplica, um mudo pedido de socorro. Era como se todos os pecados do mundo estivessem em suas costas. Por um breve instante, pensou que a vida deles dois tomara rumos completamente diferentes: ela queria vingança e ele, a paz.
- Tudo bem. – ela dizia enquanto se aninhava na peça de roupa que mais parecia um comportado vestido longo. – Muito obrigada.
Viu Saga sorrir e sentiu-se encabulada pela proximidade entre eles. Resolveu dar um passo para trás, mas foi segurada por Saga.
- Acredite em mim, senhorita Onassis. A minha intenção é ajudá-la.
- Sim... Acredito. – ela respondia, enquanto sentia o rosto arder. – "Pare de agir feito uma idiota Juliane!"
O cavaleiro por sua vez, sabia de todas as reações dela. Afinal, um cavaleiro antes de qualquer coisa, era alguém com grande poder de percepção dos sentimentos humanos e isso era uma qualidade venerável tanto para a guerra, quanto para o amor.
- Permita-me que eu lhe dê uma carona. – ele falou, soltando-se da jovem com delicadeza.
- Pela gravidade da situação... – ela respondeu, parando um momento para ponderar uma resposta. – Sim, aceitaria sua carona de bom grado!
Não houve mais nenhuma palavra entre eles. Apenas, uma simples troca de olhares. Parecia que o choque inicial se desfazia, dando lugar à confiança. E isso pareceu bom aos olhos do cavaleiro de Gêmeos. Sua missão agora se tornaria mais "amena".
...x...x...x...
Juliane subia os degraus que davam acesso ao andar onde ficava sua sala. Dido havia dito no telefone que a aguardaria em sua sala, para não despertar maiores suspeitas. "O que diabos aconteceu agora!" – Pensava a jornalista, visto que a voz da amiga no telefone não parecia ser o sinônimo de boas notícias.
Alguns funcionários – por sinal, os mais "informados" - daquele andar, a olhavam de forma estranha. Por um breve instante, a ruiva pensou que a porta de sua sala estava há quilômetros de distância dela.
Finalmente, abriu a porta e o que viu foi aquém do que imaginava.
- Dido... Diz-me o que está acontecendo aqui...
A loira levantou-se sem jeito da cadeira e nada disse. Junto à recém chegada, apenas limitou-se a olhar para a sala, completamente abarrotada de caixotes. Todos os seus objetos de trabalho haviam sido lacrados e havia adesivos cujo destino era bastante claro: Almoxarifado.
- Onassis?
Ao se virar, ela deu de cara com um homem de óculos miúdos e ar interrogador.
- Senhor Ptolomeu... O que está aconte...
- Vá para a sala do editor. Ele quer falar com você.
Muda, ela saiu daquele lugar que já começou a considerar como ex-sala de trabalho. Agora entendia os olhares e a aflição de Dido. Não era necessário ser uma clarividente para entender que havia sido demitida do Argeifonte.
Completamente desanimada, entrou no elevador rumo ao penúltimo andar. Só de pensar que após aquela "surpresa" nada agradável, ainda teria que encarar o rosto sisudo do velho Agripinos, Juliane sentiu uma imensa vontade de se atirar da janela. Talvez a recepção a ela no mundo dos mortos seria mais agradável.
Ao chegar à sala do Editor-chefe, uma secretária pediu que Juliane aguardasse, enquanto ela a anunciava ao homem que estava dentro do recinto cujas portas tinham enormes puxadores dourados, que faziam um circulo ao redor da porta dupla. Em menos tempo do que imaginou, a secretária deu o aval para que a ruiva entrasse.
Dirigiu-se até a porta e puxou um dos puxadores para si. A porta deslizou-se facilmente, e sem olhar para o homem sentado atrás da imponente mesa, ela finalmente entrou naquela sala que ela mesma contava nos dedos as escassas vezes que tinha acesso àquele lugar.
- Senhorita Onassis, que bom conhecê-la pessoalmente.
Ao reconhecer o tom de voz completamente diferente, a ruiva levantou a cabeça e por uns instantes, não acreditou que estava vendo aquele homem à sua frente.
- Senhor...
- Por favor! Nada de senhor.
Não tinha mais dúvidas. Quem estava ali, era ninguém mais, ninguém menos que Nikolas Chryssa, o jovem e único herdeiro do grupo Chryssa S.A., um conglomerado de empresas espalhadas por toda a Grécia e grande parte da Europa. Não é necessário afirmar que o jornal O Argeifonte também pertencia ao grupo.
O loiro, cujos cabelos crescidos e caídos desordenadamente por entre os olhos azuis, parecia mais um ator hollywoodiano do que um executivo grego. Ele a olhava dos pés a cabeça e toda aquela situação estava incomodando demais a jornalista.
- Ah... Perdão. – ele disse, percebendo o constrangimento de Juliane. – Sou mesmo um cara mal educado. Por favor, sente-se.
- Senhor Chryssa. Hoje de manhã cheguei a minha sala...
- Pois é. Você chama aquilo lá de sala? Parece mais um antro!
- Não gosto que nem mesmo o dono deste jornal chame o meu local de trabalho de "antro". – retrucou rispidamente.
- Desculpe-me. Mas não encontro uma palavra melhor para descrever aquele local que você trabalha.
- Trabalhava.
- O que está dizendo? – ele indagou com um sorriso garboso. – Por acaso está se demitindo?
- Eu não estou me demitindo. Eu já me sinto demitida.
Após dois segundos de silêncio, Nikolas jogou a cabeça para trás, soltando uma gostosa gargalhada. Juliane por sua vez, se sentia a pessoa mais idiota de toda a face da Grécia. Entretanto, não deixou de notar a beleza mediterrânea do homem à sua frente. Analisou rapidamente e percebeu que Nikolas deveria ser mais novo que Saga.
A gargalhada começou a cessar lentamente e enquanto parava de rir, Nikolas encostava um dos braços no encosto da poltrona, enquanto a mão lhe servia de encosto para o rosto que agora exibia um sorriso brejeiro. A encarou olho-a-olho e mordeu levemente os lábios avermelhados.
- Você é adorável. Tudo o que diz é simplesmente, adorável.
- Como pode saber? Nunca conversou comigo.
- Mas sou um leitor assíduo de seus artigos.
- É...? – ela indagou com descrença, imaginando que tipos de artigos um homem como aquele poderia ler. Talvez, artigos sobre os últimos lançamentos de pranchas de surf.
- Sim, é. Aliás, aquele seu último artigo...
- Bom, aquele artigo...
- Foi magnífico.
- Foi!
- Sim, foi. Foi algo esplêndido. Se meu avô estivesse vivo e tivesse lido o seu artigo, tenho certeza que ele empreenderia toda a sua fortuna atrás da armadura de Taça.
Dessa vez, foi Juliane que sorriu abertamente.
- Eu compreendo que um texto como aquele recebesse toda a sorte de críticas. Críticas dos ateus mitológicos, dos historiadores, até mesmo do governo, mas desse último poderíamos esperar esse tipo de reação, concorda?
- Então você tem a mesma opinião de que o governo camufla muitas informações a respeito dessa ordem de guerreiros? – ela perguntou, completamente entusiasmada.
- Eu tenho a certeza de que o governo interage com os "cabeças" do Santuário. E digo mais: eles estão mais influentes e espalhados do que todos nós poderíamos imaginar. Sempre os comparo com aqueles vilões dos livros do Brown (1): Sempre esquecidos, sempre escondidos, sempre atuantes.
Juliane mal podia acreditar no que estava vivenciando. O dono do jornal em que trabalhava estava naquele momento, dando lhe o crédito devido ao seu trabalho e a sua matéria. Aquilo sem dúvida era uma providência divina! E para a sua maior alegria, as surpresas não parariam por ali.
- E é por acreditar em seu trabalho sempre tão profissional, que eu quero agora lhe fazer uma pequena proposta.
- E qual seria?
A resposta veio com uma apresentação em slides do lap top de Nikolas. Juliane olhava para as projeções, completamente abobalhada. Aquela idéia era simplesmente tudo o que ela necessitava para por o seu plano adiante. Sem dúvida, um milagre que veio em boa hora.
...x...x...x...
Saga não saíra da casa de praia durante toda aquela manhã. De posse de um lap top, ele vasculhava na Internet, qualquer informação a respeito de antigos artefatos gregos que estariam espalhados não apenas nos museus gregos, como também, nos maiores museus do mundo.
As palavras que usou para encontrar alguma pista eram simples: "armadura", "constelação" e "taça". Logo na primeira tentativa, o site de buscas apontou cerca de seiscentos e quatro links relativos. Na primeira página, não encontrou nada relevante, assim como na segunda e terceira páginas do buscador. Começou a pensar que aquela pesquisa não o levaria a lugar algum, até que um determinado link chamou sua atenção: era uma notícia datada de dez anos atrás, referente a um crime envolvendo um casal e filho. A única referencia que a notícia fazia a busca de Saga, era a da palavra "constelação".
Quando ia acessar a página, o telefone de sua mesa tocou. Ao atender, não conseguiu deixar que um sorriso escapasse de seus lábios.
- Juliane?
- Saga! Desculpe o incômodo...
- Você não é um incômodo.
- Eu preciso falar urgentemente com você!
- Claro. Pode ser hoje de noite?
- Sim! Hoje às oito horas no Ritz Caffe, o que me diz?
- Por mim, tudo bem.
- Saga...
- Fale.
- Você pode achar loucura o que vou dizer, mas... Eu hoje sou a pessoa mais feliz do mundo!
- Fico feliz por você.
- Por favor, pare de falar com esse tom de voz formal! Olhe, depois de ouvir o que eu tenho para dizer a você, acredito que ficará tão contente como eu!
- Tão contente quanto, eu acredito que não. Mas me esforçarei.
Ela soltou uma gargalhada do outro lado da linha e continuou.
- Você tem certeza de que é um professor?
- Juliane. Porque não acredita em mim?
- Porque com essa voz, você está parecendo mais com um padre.
- Eu não sou um padre. Não sou santo.
- Ainda bem! Até a noite!
Ele pousou o fone no gancho do telefone, pensativo. Seria alguma coisa relacionada à armadura? De qualquer forma, ela já se aproximava dele e isso era um bom sinal. Em breve, Athena requeria dele alguma notícia referente à Taça. E mais breve do que imaginava, poderia dar a informação que a deusa tanto desejava.
Entretanto...
Taça não era uma armadura comum. Nem tampouco, desconhecida de Saga de Gêmeos... E nem de seu outro "eu".
Ares também sabia de sua existência. E talvez, por isso, um dia a desejou.
E esse era o maior medo de Saga de Gêmeos.
Continua...
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(1): Nikolas fez referência ao escritor norte-americano Dan Brown, autor do best-seller O Código da Vinci.
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Notas da autora:
Para variar, o terceiro capítulo demorou... E o Milo ainda não apareceu!
Mas não se preocupem, o arrasador cavaleiro de Escorpião vai dar o ar de sua graça por aqui e melhor: irá ajudar Saga a desvendar os segredos que envolvem a armadura de Taça! .
Ah, aproveitando, quero agradecer a todos que estão acompanhando Segredos e deixando seus comentários e críticas. .
Até o próximo capítulo!
Arthemisys