Capítulo 5

- Eu não sou bebezinho!

- Claro que não, Severinho – disse Mamãe Campbell.

- Meu nome é Severo! – ele continuou protestando.

- Posso chamar você de Sev?

Ele odiava aquilo, mas concordou. Tudo era melhor do que a outra humilhação suprema.

Eles estavam na loja de departamentos, escolhendo roupas para ele. Severo estava profundamente indignado porque sua mãe adotiva tinha escolhido um pijama de ursinhos. Ele achara aquilo muito pouco dignificante.

Mamãe Campbell não se fez de rogada e sugeriu:

- Quem sabe então esse com anjinhos?

Severo a encarou comum de seus olhares penetrantes, mas quando se tem quatro anos, eles não são tão efetivos. Terminou concordando com os anjinhos no pijama. Mas não abriu mão de participar ativamente da escolha de tudo que foi comprado para ele: blusinhas, camisas, calças compridas, bermudinhas, roupãozinho, cuequinhas e meias, tênis, escova e pasta de dente, toalha de banho – outra briga: "Ursinho Puf não!" – pratinho, copinho, roupa de cama, um cobertor, além de vários brinquedos.

Eles terminaram voltando para casa de táxi, de tanta coisa que tinham comprado. Severo concluiu que se os Campbell não eram exatamente ricos como os Malfoy, pelo menos eles eram bem de vida.

Mamãe Campbell ia colocando as compras nos lugares, e Severo ia gravitando ao lado dela, excitado com tudo de novo que via. Se alguém o observasse atentamente, diria que ele estava feliz. Não tanto com tudo que tinha sido comprado, mas estava feliz por ter sido recebido dentro de uma casa de gente que se preocupava com seu futuro, que o consideravam parte da família, mais do que simplesmente o abrigar, vestir e alimentar. Naquele momento, o pequeno Severo de 4 anos de idade se esqueceu completamente de que era um professor de Poções odiado, com um mal-humor típico de seus 37 sofridos anos, uma alma torturada em seus próprios desígnios. Mas naquele momento, só o que havia era o pequeno Sev, com 4 anos, amado como o Severo Snape de antes jamais tinha sido. As memórias daquele outro Severo estavam ficando cada vez mais e mais longe.

Por isso ele foi chegando perto de Mamãe Campbell. Ele queria sentir os braços dela a envolvê-lo de novo, sentir o carinho e a proteção daquela mulher que no momento dobrava pijaminhas com anjinhos na gaveta da cômoda.

- Mamãe?

- Sim, Sev?

- Você agora é minha mamãe?

Ela parou o que fazia e ajoelhou-se para ficar da altura dele.

- Sim, querido, sou sua mãe. Você agora tem uma família.

- Eu gosto de você, mamãe – ele se atirou nos braços dela – Obrigado por me adotar.

Jane Campbell abraçou seu mais novo filho com lágrimas nos olhos. Ela, que se afeiçoara quase imediatamente a Severo, sentia o calorzinho gostoso do pequeno corpinho tão frágil que ela iria cuidar dali para frente. Beijou-lhe a cabecinha e disse:

- Agora quem sabe você me ajuda, porque daqui a pouco seu irmão David vai chegar em casa. É importante que vocês se dêem bem.

- David é criança grande, não é, mamãe?

- Ele tem nove anos.

- Será que ele vai gostar de mim?

- Ora, ele foi visitar você lá no orfanato, lembra? Vocês brincaram juntos. Aqui não vai ser diferente.

Severo observou com apreensão quando David chegou em casa.

- Oi, mãe.

O garoto tinha os cabelos castanhos como os do pai. Jane era mais alourada, com um cabelo claro com algumas mechas bem amarelas. Ninguém ali se parecia com Severo, exceto pela pele branca.

- Oi, querido. Você viu quem está em casa? Seu novo irmão. Diga olá.

- Oi.

- Oi – respondeu Severo.

Mamãe Campbell disse:

- David, você quer mostrar seu quarto para Severo?

- Tá, mas não pode mexer em nada.

- Não mexo, não.

Os dois garotos subiram, e Jane Campbell sentiu o coração inchar de alegria. Ela tinha dois garotos. Todos disseram, os médicos principalmente, disseram que ela jamais teria uma casa cheia, mas agora havia dois meninos dentro de casa – apesar de seu problema de saúde e da incapacidade de ter mais filhos. Seu sonho estava realizado.

Severo olhou para cima, pois tudo estava tão mais alto em relação a seu quarto. Havia uma pequena TV, pôsteres no quarto, brinquedos em muito maior quantidade do que no seu quarto, uma cama legal, uma escrivaninha.

- Puxa! Que legal!

- É, mas não pode mexer.

- O que é aquilo?

- É o Yu-Gi-Oh. Você não conhece?

- Não. Eu já vi aquilo – apontou para a televisão – mas não sei para que serve.

- Não sabe para que serve uma televisão?!

- Não.

- Puxa! Você devia ser muito pobre.

Severo se corrigiu:

- É que eu morava longe da cidade. Não tinha carro também.

- Como conhece futebol?

- A gente jogava no orfanato. Eu sempre perdia. Você me ensina?

- Tá. Você tem bola?

- Mamãe me deu uma.

- Então pega a sua bola e vamos lá para fora.

Severo obedeceu e David entrou no quarto:

- Puxa, tudo aqui mudou. Mamãe ficou arrumando esse quarto durante dias!

- Nós fizemos compras hoje.

- E o que você ganhou?

- Roupas e brinquedos. Até uma toalha.

- Nossa, tudo isso?

- É que eu não tinha nenhuma roupa fora aquela que eu usava.

- Cara, você era pobre mesmo!

- É, acho que sim.

- Vem, vamos lá para fora.

Severo pegou a bola e os dois desceram as escadas correndo. David disse:

- Mãe, a gente vai brincar lá fora.

- E o seu dever de casa?

- Posso fazer depois do jantar?

Ela colocou a mão na cintura, franzindo o cenho:

- Você tem que fazer o dever, David.

- Eu faço depois. O Sev quer aprender a jogar futebol.

Ela olhou para o pequeno, que estava com a bola novinha em folha na mão e disse, indo para o outro cômodo:

- Fiquem aí um instante. Só um instantinho!

Severo não entendeu direito o que estava acontecendo, mas ficou parado até que ela voltou com uma caixinha preta na mão, que colocou no rosto. David resmungou:

- Ah, mãe!

- Esse momento tem que ser registrado! – protestou a mulher – Diga xis, Sev.

Ele não entendeu:

- Por quê?

Então uma luz cegante pipocou bem no seu rosto, e ele ficou um segundo totalmente cego e desorientado.

- O quê...? O quê?

- Tadinho. Ele não está acostumado com flash.

David cochichou:

- Mãe, ele não sabe para que a televisão serve. Acho que também nunca viu uma máquina fotográfica.

- Oh, pobrezinho – Mamãe Campbell se ajoelhou e abraçou Severo – Você está bem, meu amor?

- Acho que sim – disse ele, agora enxergando grandes pontos luminosos – O que foi aquilo?

- Uma foto, querido. Depois papai mostra no computador como ficou.

David disse:

- É uma câmera digital.

Aquilo causou muito pouca impressão a Severo, que não sabia o que era câmera, quanto mais digital. Ele perguntou:

- Podemos ir brincar agora?

- Deixa eu ver se estão bem agasalhados. Hum, tudo bem. Mas eu vou chamá-los para tomar banho antes do jantar. E procurem não quebrar nenhuma janela.

- Oba, vamos lá!

Os dois saíram correndo para o jardim e ficaram batendo bola. Às vezes Severo literalmente batia na bola com as mãozinhas, de tão frustrado que ele ficava por não conseguir acertar o chute. David também não era bom jogador, mas ele era melhor do que Severo. Os dois caíram, correram, pularam e brincaram a valer. Durante o jogo, David falou que o melhor time de toda a Inglaterra era o Manchester United, aparentemente por ter alguém chamado Becker ou Beckham no time. Ele deveria jogar muito bem. Severo procurou assimilar seus novos conhecimentos.

Quando eles pareciam no melhor da brincadeira, Mamãe Campbell saiu da casa e disse:

- Está na hora do banho!

David reclamou:

- Ah, mãe!

- Sem reclamações! Os dois, já para dentro!

Severo correu para dentro, com medo de levar bronca, mas Mamãe Campbell disse:

- Querido, não se esqueça de trazer sua bola nova para dentro.

Ele voltou, pegou a bola e entrou para dentro de casa.

- E limpe os pés!

Ele voltou, limpou os pés no tapete e subiu correndo. Tinha toda a energia de uma criança de 4 anos, e Mamãe Campbell sorriu satisfeita. Ela já amava Sev de todo o coração. Era seu garotinho.

Mas na hora do banho...

- Eu posso tomar banho sozinho!

- Eu sei, querido, eu só estou aqui para ajudar.

- Não precisa ficar.

- Como eu disse, só para ajudar.

- Você vai me ver pelado!

- Eu sou sua mãe. Eu posso ver você pelado.

- O papai também vai me ver pelado?

- Quando eu não estiver, papai vai ajudar você a tomar banho. Além disso, papai também é menino, ele tem um pi-pi igual ao seu.

Por um instante, Severo teve saudade de seu pênis adulto. Não que ele fosse narcisista ou algo semelhante, mas realmente aquele pênis de lápis de uma criança de quatro anos retirava toda a sua autoridade e auto-imagem de si mesmo.

Tudo isso desapareceu de sua mente quando a Sra. Campbell terminou de retirar a camisa que ele vestia.

- Oh! – Com uma voz cautelosa, ela se aproximou dele – Sev, querido,o que é isso nas suas costas?

Ele tentou olhar para trás e viu: as marcas de uma vida inteira de abusos, fosse nas mãos de seu verdadeiro pai ou nas mãos de Lord Voldemort. As costas tinham vergões vermelhos de flagelação mágica e chibatadas com ponta de varinha.

Ele abaixou a voz e disse:

- Meu pai me batia. Outras pessoas também.

- Eles batiam em você? Por quê?

Ele deu de ombros, incapaz de dizer que às vezes o Lord das Trevas simplesmente gostava de ver alguém se contorcendo de dor. Seu pai também tinha um traço masoquista, e desde pequeno ele sofrera os abusos nas mãos dele.

Jane Campbell fez Severo olhá-la bem nos olhos (que aliás estavam vermelhos e com lágrimas) e disse:

- Sev, escute a mamãe e escute bem. Aqui ninguém vai bater em você, entendeu? Ninguém. E se alguém algum dia encostar em você para machucá-lo, você deve falar imediatamente comigo ou com o papai. Isso é muito importante, Sev. Eu não vou deixar ninguém te machucar nunca mais, entendeu?

Ele a abraçou, dizendo:

- Está bem, mamãe.

O banho foi divertido, e Mamãe Campbell sugeriu que ele levasse alguns bonequinhos para o banheiro. Severo perguntou quem eram alguns daqueles bonecos, e ela sugeriu que ele perguntasse a David depois. Havia alguns muito estranhos, e ele ainda teria que absorver o conceito de super-herói para poder entender direito o que era um X-Men.

Depois do banho, ele vestiu seu pijaminha de anjinho e desceu onde o papai já tinha chegado e estava vendo o jornal na televisão. Instintivamente, Severo sentiu o pavor.

Pai era uma palavra que sempre lhe metia medo, e na sua desorientada psique que oscilava entre os 4 e os 37 anos, ele tinha receio daquela figura paterna que poderia ser nova fonte de abuso e sofrimento. Mas mamãe tinha dito que ninguém iria machucá-lo nunca mais... Por via das dúvidas, ele ficou na cozinha com Mamãe Campbell, bem longe do papai.

Durante o jantar, ele foi servido por uma generosa quantidade de comida, e convidado a repetir, o que ele não conseguiu. Mamãe Campbell reclamou que ele estava "muito magrinho" e disse que "nem queria imaginar" o que serviam no orfanato. Sev comentou que a comida não era muito boa e eles não podiam repetir. Aquilo só impeliu Mamãe Campbell a colocar mais comida no seu prato.

Assim que terminou o jantar, David foi lembrado de que tinha dever de casa a fazer e subiu para o seu quarto. Sev ficou no chão da sala, onde pegou uma parte do jornal que papai estava lendo. Folheou as páginas (era o caderno de cidades) e ficou entretido com as notícias de uma grande cidade trouxa. O jornal era de um lugar chamado Surrey, e é claro que ele não esperava encontrar nenhuma notícia do mundo bruxo. Mas por uns instantes ele voltou a ter seu self de 37 anos, analisando as notícias e imaginando se alguma coisa no mundo trouxa poderia ajudá-lo a voltar para o mundo bruxo.

Foi quando ele se deu conta de que papai e mamãe o encaravam. Instintivamente, ele se pôs de pé, imaginando o que ele tinha feito de errado.

- Querido, você mexeu no jornal do papai?

- Eu só estava lendo... Eu não estraguei nada.

- Não, claro que não. Mas você pode mesmo ler?

- Eu sei ler, mas não sei se consigo escrever – disse ele sinceramente, olhando para as mãozinhas pequenas e sem grande coordenação motora fina.

Papai apontou:

- E o que está escrito aqui?

- "Prefeito discute taxa de iluminação pública".

Os dois se entreolharam, espantados.

- Mas você não deveria saber ler. Onde aprendeu?

- Meu pai me ensinou – e era verdade: Severo tinha sido educado em casa até receber a carta de Hogwarts.

Mamãe Campbell disse:

- Muito bem, isso é bom saber. Amanhã vamos à livraria para comprar uns livros mais adequados à sua idade. Hoje foi um longo dia, e é melhor você dormir agora.

Severo franziu o cenho. Estava um pouco cedo, mas ele tinha tido um dia cheio. Resolveu não protestar:

- Tá bom.

- Bom garoto. Dá boa noite pro papai.

- Boa noite, papai.

Papai Campbell beijou-lhe o alto da cabeça:

- Boa noite, meu filho. Estamos muito felizes por tê-lo em casa finalmente.

Aquilo o tranqüilizou um pouco mais. Talvez aquele pai fosse diferente do seu pai verdadeiro, afinal. Talvez ele não abusasse dele.

Mamãe Campbell o levou até lá em cima e o colocou na cama, enfiando-o embaixo das cobertas. Ela disse:

- Amanhã vamos à livraria comprar lindos livros de história para você.

- Vou gostar. Eu gosto de livros, mamãe.

- Que bom. Por hoje, posso contar uma historinha antes de você dormir?

- Uma historinha? Ela é pequenininha?

- É uma história para crianças de sua idade. Crianças de sua idade não sabem ler.

Ele deu de ombros:

- Sabe, mamãe, às vezes eu não me sinto tão criança assim.

Mamãe Campbell olhou para aquele rostinho e viu o tanto de sofrimento que ela julgava que ele passara. Mal podia ela saber que havia muito mais.

Ela disse:

- É, mas uma criança sempre sente cosquinha!

E passou a correr as mãos no corpinho de Severo, rindo alto. Severo assustou-se.

A sensação era diferente de qualquer coisa que ele jamais sentira na vida. Era uma espécie de dor, mas não era dolorida, e ele se contorceu, rindo, suas células táteis explodindo de sensações, pois aquelas mãos pareciam saber exatamente onde tocar para suscitar aquelas sensações nele. Ele riu alto, como jamais rira na vida.

Ninguém nunca tinha feito cócegas em Severo Snape.

Após uns poucos minutos, contorcendo-se todo, ele ofegava feliz, e Mamãe Campbell também parecia muito feliz. Ela o abraçou, e Severo pensou que ele tinha sido mais abraçado naquele dia somente do que em toda sua vida.

- Mamãe, por que você me adotou?

- Eu queria mais um filho, de preferência um menino. Mas eu tenho um probleminha de saúde que me impede de engravidar. Isso quer dizer que eu não posso ter mais filhos.

- Por isso você foi no orfanato? Para escolher um menininho?

- Sim, e aí nos disseram que tinha um menino muito lindo, recém-chegado, que não tinha papai e mamãe. Nós imediatamente viemos vê-lo. E assim que eu o vi, meu amor, eu sabia que queria levá-lo para casa.

- Você é a melhor mamãe do mundo. Obrigado por me adotar.

- Não há o que agradecer. Agora deite-se porque está na hora da historinha!

Mamãe Campbell o colocou de novo debaixo das cobertas, apagou a luz e deixou só um abajurzinho ligado, enquanto ela contava a historinha do Trenzinho que Fazia Pi-uí.

Vencido pelo cansaço e os ternos cuidados maternais, Severo pegou no sono e jamais conseguiu saber o final da história do Trenzinho que Fazia Pi-uí.

Capítulo 6

Muitos meses se passaram, e Severo rapidamente se integrou à vida com os Campbell. Ele visitou o orfanato duas vezes, e a Mamãe Campbell doou brinquedos para os garotos. Stevie ficou muito satisfeito em ver Severo, que não sentia nenhuma saudade da Srta. Dóris.

Mamãe Campbell costumava levá-lo para brincar no parquinho quando o tempo estava bom, e ele conheceu também os garotos da vizinhança. No inverno, Severo soube o que era brincar na neve com outras crianças. Aliás, brincar com outros meninos era uma coisa que ele nunca tinha conhecido na vida. E ele gostou.

A família costumava sair bastante nos finais de semana: ao parque, ao rio, ao zoológico, ao shopping, ao cinema. Alguns fins de semana havia a emoção de viajar para algum lugar perto, geralmente algum lugar no campo, onde Severo entrava em contato com os animais de fazenda e David reclamava que não havia televisão. Era bom dormir fora da própria cama, com mamãe do lado.

O pequeno Sev conheceu muitas coisas novas. Pela primeira vez, chocolate era somente divertido e não remédio. Ele conheceu Power Rangers, Super-Homem, Batman, Homem-Aranha, Yu-Gi-Oh, Snoopy, Mickey, Pernalonga, McDonald's, videogames e todas essas coisas que povoam a mente das crianças trouxas. Ele adorou tudo aquilo e se divertia à beça.

Ele fez aniversário e completou cinco anos. Pela primeira vez em sua vida, Severo teve uma festa de aniversário, com bolo, cachorro-quente e pipoca, além de outras crianças. Alguns parentes dos Campbell vieram para festa, a fim de conhecer o mais novo membro da família.

Todo esse senso de família se aguçou na época do natal. Pela primeira vez, ele curtiu o sentido das festas, com famílias e amigos. Ganhou brinquedos e roupinhas, e agüentou a sessão de fotos do seu primeiro Natal com os Campbell. Ele gostou muito de saber a respeito de uma misteriosa figura chamada Papai Noel, que só mandava brinquedos para crianças que tinham sido boazinhas. Ele crescera sua infância inteira sem comemorar o Natal, sem ter idéia do traço de união entre as famílias e nunca soube o que era o verdadeiro espírito de Natal.

Mais e mais, as memórias do mundo bruxo estavam sendo esquecidas por Severo, que se limitava a praticar o simples feitiço Wingardium Leviosa – e nem sempre dava certo. O passado parecia cada vez mais distante, e estava lentamente sendo enterrado numa parte de seu cérebro, agora mais interessado nas brincadeiras e jogos típicos de uma criança de cinco anos.

Contudo, nem tudo estava totalmente esquecido.

Era um domingo em plenas férias escolares, e a família inteira estava passeando no shopping. O local estava lotado, com um novo filme de ação estreando naquela semana. David estava furioso porque a censura era 12 anos e os pais haviam determinado que ele não podia ir. Ele ficava passando em frente ao cinema lotado, com filas quilométricas, onde havia os grandes cartazes com os atores em poses de luta marcial – o preferido de David. Numa dessas passadas em frente ao cinema, Severo julgou ter visto um trio bastante conhecido.

Ele olhou uma vez, olhou duas vezes... E teve certeza.

Pensou rápido.

- Mamãe, posso ir com David?

- Quer ir com David?

- Quero ver o cartaz de luta!

- Tá bom, mas não vai...

- Oba! Obrigado!

- ... se perder! Severo!

Ele saiu correndo no shopping lotado de gente, desviando-se do mar de pernas dos adultos até que chegou a seu objetivo: a fila para entrar no cinema, onde ele havia visto o trio de ouro de Grifinória, esperando sua vez de ir ver o filme.

Ele chegou até eles, gritando:

- Harry Potter! Harry Potter!

Hermione Granger sorriu para ele e disse:

- Que bonitinho! Ele conhece você, Harry!

Rony Weasley disse:

- Você o conhece, Harry?

Harry Potter agachou-se e disse:

- Quem é você, amiguinho?

Severo fechou a cara e disse:

- Escute bem, Potter, e escute com atenção porque eu não sei quanto tempo eu tenho. Não importa o que você acha que está vendo, eu estou sob um feitiço.

Os três se entreolharam:

- Feitiço? Do que está falando?

- Eu sou Severo Snape.

- Onde ouviu esse nome, garoto?

- Esse é o meu nome, estou dizendo!

- Não é verdade! – disse Hermione – O Prof. Snape morreu há alguns meses.

O menino disse, petulante:

- E onde está seu corpo? Escutem: minha varinha foi destruída, então não posso provar quem eu sou fazendo mágica. Mas posso lhe perguntar, Potter: se eu quisesse encontrar um bezoar, onde deveria procurar? E o que eu obtenho adicionando asfódelo a uma infusão de losna?

O queixo de Harry caiu até o peito:

- Professor!...

- Ah, vejo que suas faculdades não o abandonaram, Potter.

Rony Weasley fez cara de incrédulo:

- Mas com uma camiseta do Mickey Mouse?

Harry perguntou:

- O que aconteceu, Professor? Quem lhe fez isso?

- O Lord das Trevas. Ele mandou que eu fosse deixado num orfanato e fui adotado por uma família trouxa. Meus pais devem estar procurando por mim. Eu fugi de meus pais.

- Pais?!

- Escute: precisam avisar Dumbledore. O feitiço usado foi um chamado Puer terragenum. Para revertê-lo, é preciso adicionar uma poção – eu tenho a receita no livro Poções Poeirentas. Mas precisam me tirar daqui. Vocês podem me encontrar junto à família Campbell. Eles são Bill e Jane Campbell, vejam aqui. Eles me fazem usar isso.

Ele mostrou um papelzinho pregado na camiseta, contendo o nome e endereço para o caso de a criança se perder. Hermione o encarou, e ela estava entre curiosa e penalizada, mas Rony indagou:

- Professor, o senhor está desse jeito todo esse tempo?

Ele deu um olhar ferino para o ruivo:

- Brilhante dedução, Sr. Weasley.

- Todos nós pensamos que o senhor estivesse morto. Fizeram uma homenagem e tudo. Acho até que estão pintando um retrato bruxo para colocar nas masmorras.

- Então todos sabem que sou um espião?

- Não. O Prof. Dumbledore achou melhor não revelar nada disso. É como se ele soubesse que algo assim estaria para acontecer.

- Potter, preciso que me tire dessa situação.

- Mas como?

- Um contra-feitiço é o indicado. Eu ainda tenho magia, mas não consigo realizar feitiços sem minha varinha - ele ouviu gritos e disse – Acho que meu tempo se acabou. Ajam como se me conhecessem!

Abrindo caminho entre a multidão, estava Jane Campbell, gritando:

- Severo! Severo! David, você deveria estar tomando conta do seu irmão!

- Eu? Mas ele sai correndo e a culpa é minha?

- Olha ele ali!

- Severo! Severo!

Ela correu até ele e o abraçou:

- Severo, meu filho! Oh, meu filhinho, que susto a mamãe levou! Você podia ter se perdido!

Severo, com a cara mais inocente do mundo, apontou:

- Veja, mamãe: é Harry Potter!

Ela o pegou no colo, aflita:

- Harry Potter? Quem é Harry Potter?

Harry se adiantou:

- Eu sou Harry Potter. Eu conheço o Prof- er – Severo.

Bill Campbell quis saber:

- De onde conhece Severo?

- De... antes. Fiquei surpreso por ele ter me reconhecido.

- Você era amigo dos pais dele?

- Não, de um... vizinho.

- Do tal vizinho que o levou ao orfanato, o tio Lúcio?

- Tio Lúcio? – Harry arregalou os olhos – Ah, sim, eu sei quem é Lúcio.

- Ele recolheu Severo depois do incêndio. Mas depois o largou num orfanato. Agora nós o adotamos.

- Que bom. Ele é meio teimosinho, mas é muito inteligente.

- Acredita que ele já sabe ler?

- Isso não me surpreende.

- Você mora aqui mesmo em Surrey, Harry?

- Isso mesmo.

- Gostaria de nos visitar algum dia? Sabe, rever Severo?

O menino se animou com a idéia:

- Sim, mamãe, podemos? Por favor?

- Você quer ver Harry Potter, querido?

- Quero sim, mamãe.

- Agora só temos que ver se Harry Potter quer ir nos visitar. Ele pode ter outros compromissos no verão.

Harry sorriu:

- Eu adoraria visitar Severo. Quem sabe eu posso ficar com um telefone para combinarmos os detalhes?

Os Campbell forneceram o número, e Severo ficou no colo da mãe, batendo palminhas que tudo estava se resolvendo.

Se tudo desse certo, em breve ele voltaria a Hogwarts.

Mas ele já não tinha tanta certeza de que aquilo seria uma coisa tão boa assim.

Mamãe Campbell serviu um prato de banana com aveia para Severo e indagou, com um sorriso:

- Sabe quem vem hoje para cá?

- Não.

- Harry Potter.

Severo abriu um sorriso:

- Harry Potter? Vem mesmo, mamãe?

- Sim. Ele ligou e eu o convidei para vir almoçar aqui. Vocês vão poder brincar juntos.

- Oba!

- Você gosta muito desse Harry, não gosta, Sev?

- Eu estava com saudades dele.

- E vocês brincam juntos?

Severo respondeu, rindo:

- Antes de eu vir morar aqui, ele me fazia sorrir muitas vezes.

- Que bom! Agora eu espero que vocês se encontrem mais vezes. Onde fica a escola dele?

Severo deu de ombros:

- Não sei. Mas ele diz que viaja.

- Oh, deve ser no interior, então. E você, meu querido, você vai para a escola também. Não é excitante?

- Escola? Que escola?

- Uma bem pertinho daqui de casa. A gente pode ir até à pé. David já freqüentou essa escola. Agora ele vai numa outra, que fica do lado. As aulas vão começar em breve.

O cérebro de Severo entrou em operação total. Aquela visita de Harry poderia ser sua última chance de ser resgatado de volta para o mundo bruxo.

Ele disfarçou, tentando prestar atenção na sua banana com aveia:

- Eu vou para a escola amanhã?

- Não – A Sra. Campbell sorriu – Você só começa as aulas em 1 de setembro, como todos os outros meninos e meninas.

- Então podemos ir nadar nesse fim de semana lá onde o rio faz a curva?

- É um ancoradouro de barcos. E eu já disse que você ainda é muito pequeno para nadar ali.

- Mas o David nada!

- David já é grande e sabe nadar. Você não sabe. Se entrar na água, pode se afogar, e aí vamos ficar todos muito tristes.

Magoar aquela gente seria mais dolorido do que ele imaginara. Sinceramente, ele disse:

- Eu não quero ver você triste, mamãe.

- Então me obedeça e nada de nadar naquele ancoradouro.

- Mas podemos ir lá? É fim de semana, não é?

- O fim de semana é daqui a três dias.

- Podemos ir lá quando for fim de semana, mamãe?

- Bom, eu vou falar com seu pai. Ele é quem decide.

- Por favor, por favor!

- Eu já disse que vou falar com ele. Já comeu sua banana toda?

- Já terminei, mamãe.

- Então pode ir brincar.

Ele desceu da cadeira, mas mudou de idéia e voltou.

- Mamãe?

- Que foi, meu filho?

Ele se abraçou nas pernas dela:

- Eu gosto muuuuuuito de você.

Ela beijou-lhe as faces, comovida:

- Eu também gosto muito de você, meu querido. Mamãe ama você.

Ele deu um beijinho no rosto dela e saiu para brincar.

Quando Harry Potter chegou, ele foi recebido com um sorriso pela Sra. Campbell. Olhando com cuidado para a casa, viu que era ligeiramente maior do que a dos Dursley, embora fosse parecida para alguém que olhasse o lado de fora. Foi instruído a subir e lá encontrou o seu professor mais odiado, o temível Mestre de Poções de Hogwarts empilhando blocos coloridos cheios de letras.

- Sev, querido – chamou Mamãe Campbell – Olha só quem chegou.

Severo sorriu:

- Harry Potter!

Harry levou um choque. Ele jamais tinha visto Snape sorrir antes – sempre era uma risadinha malévola ou maliciosa, mas nunca um sorriso tão espontâneo ou iluminado como aquele. O menino correu a puxá-lo pela mão:

- Vamos brincar.

Mamãe Campbell sorriu:

- Se quiserem brincar no jardim, podem ir também, aproveitar que não está chovendo.

- Obrigado, Sra. Campbell.

- Obrigado, mamãe.

Ela saiu e Severo cochichou para Potter:

- Empilhar blocos pode ser extremamente relaxante para a mente, Potter.

- Professor, eu estou pasmo. O senhor foi mesmo adotado?

- Exatamente. O processo foi todo legal, Potter, por isso é que será difícil tirar-me dessa gente. Legalmente, eu sou filho deles. Ninguém me disse nada, mas acho até que trocaram meu sobrenome.

- E como isso aconteceu?

Severo contou a história toda, sem omitir nenhum detalhe, por mais vexatório que fosse. Harry ouviu tudo boquiaberto.

- Então foi simplesmente uma prova? Voldemort só queria uma prova de lealdade e o fez passar por isso tudo?

Severo deu de ombro:

- Como meu lorde, é uma prerrogativa que ele tem.

- Bom, nesse caso o senhor vai gostar de saber que sua morte foi muito pranteada, como se diz. A Profª McGonagall fez seu panegírico, porque o Prof. Dumbledore caiu doente quando o senhor desapareceu. Ele temia que o pior tivesse acontecido.

- Mas você disse que ninguém sabe que eu sou um espião.

- Sim, isso foi mantido em sigilo. O Prof. Dumbledore parecia estar prevendo algo assim. Ele mandou diversas missões da Ordem da Fênix procurarem pelo senhor – ou por seu corpo, se fosse o caso. Ele nunca deixou de ter esperança.

Severo estava tocado.

- Alvo é um grande amigo. Mas eu estou ficando preocupado, Potter. Às vezes minha cabeça se esquece de quem eu sou e eu fico pensando que tenho cinco anos, como qualquer menino de cinco anos, e me esqueço de minha vida pregressa.

- Eu falei isso com o Prof. Dumbledore. Ele ficou entusiasmado que o senhor está vivo e me mandou combinar o seu resgate. Alguma idéia?

- Eu tenho apenas uma, mas não sei se vai dar certo. Teremos que fingir um acidente para que os Campbell e a polícia trouxa não o acusem de rapto de criança.

- Rony e Hermione querem ajudar.

- Escute o meu plano.

Ao final da explicação, Harry deu algumas sugestões para melhorar o plano, e viu que realmente ele teria que fazer tudo sozinho. Todos os detalhes foram combinados cuidadosamente em voz baixa.

- Acho que está tudo certo. Tem grandes chances de funcionar.

- É minha única chance. Os Campbell são muito protetores. Se eles desconfiarem que alguém está tentando levar seu filho, vou ficar mais trancado que Rapunzel na torre.

- O senhor sabe quem é Rapunzel?

- Está num livrinho que eles me deram.

Harry olhou o quarto:

- Hum, eles realmente o adotaram não foi? Eu nunca tive um quarto desses – ele apontou para o pôster na parede –Manchester United?

- É, o Man Uni foi presente do meu irmão. Ele me transformou em fã do Beckham.

- Simas Finnigan torce pelo West Ham.

- Você tem time?

Harry deu de ombros:

- Só de quadribol.

- Aqui ninguém conhece quadribol, Potter. Escute, que tal jogarmos o baralho Yu-Gi-Oh?

Os olhos verdes de Harry se arregalaram:

- O senhor conhece Yu-Gi-Oh? Nem eu conheço direito essas cartas!

- Bom, eu tenho sido um menino de cinco anos em tempo integral. Tive que aprender algumas coisas. Agora já sei quem são os X-Men, a Liga da Justiça e mais um monte de personagens. Sei ligar a televisão também.

- Impressionante.

- Impressionante é o que os trouxas fazem sem magia. Se eu sair daqui com minhas faculdades intactas, vou ter que repensar todos os meus conceitos sobre os trouxas. E acho que vou ter uma conversinha sobre o Lord das Trevas a respeito deles, também.

- O senhor parece ter se adaptado muito bem à vida trouxa.

- Bem demais – disse ele pesadamente – Estou esquecendo que tenho quase 40 anos! Só no que penso é nessas cartas Yu-Gi-Oh!

- O senhor parece ter muitas delas.

Ele se entusiasmou:

- Eu tenho o Dragão Branco de Olhos Azuis! É a carta mais poderosa do Yu-Gi-Oh!

Mamãe Campbell apareceu na porta e disse:

- Meninos, se vocês quiserem ir se lavando, vamos almoçar daqui a alguns minutos. Harry, você pode se certificar que Severo lave as mãos?

- Com prazer, Sra. Campbell.

Os três almoçaram, pois David tinha ido para a casa de amigos e o Sr. Campbell estava trabalhando em Londres. Harry e Severo "brincaram" mais um pouco depois do almoço, até que Harry deu uma desculpa e disse que iria voltar para casa, pois tinha que chegar antes do jantar. Agradeceu a acolhida e abraçou Severo, dizendo:

- Vou deixar tudo preparado para o resgate.

- Tchau, Harry Potter! – e em voz mais baixa – Estarei esperando.

Capítulo 7

O fim de semana amanheceu glorioso e os Campbell se prepararam para ir passear no velho ancoradouro onde muitas famílias se reuniam para seu lazer de verão. O local era permitido nadar, mas com um aviso de atenção por causa da correnteza que se formava na maré alta. Contudo, na hora em que eles iam, a maré era baixa e não havia perigo. Mesmo assim, Severo não tinha permissão para nadar.

E ele estava inconformado.

- Por que eu não posso nadar?

Enfiada num conjuntinho florido de short e blusa, chapéu e óculos escuros, Mamãe Campbell ajeitou o boné em Severo e repetiu:

- Você ainda é pequeno e não pode nadar sem acompanhante. David já é grande e sabe nadar. Você vai ter aulas de natação e aí poderá nadar.

Severo Snape também vestia um conjuntinho de short e camiseta, com estampas dos Power Rangers.

- Mas eu quero nadar agora!

- Mas não pode. Deixa eu te dizer o que você pode fazer. Você pode brincar na beiradinha com seus brinquedos. Mas fique bem à vista. Você tem que tomar cuidado com o sol, também. Não tire o boné.

- Está bem, mamãe.

- Obedeça a sua mãe, menino.

- Sim, papai.

Severo se jogou para sua mãe:

- Eu amo você, mamãe.

- Eu também te amo, Sev.

- Eu vou te amar para todo o sempre!

- Eu também, querido, mas mesmo assim você não pode nadar.

- Está bem, mamãe. Eu não vou nadar. Vou ficar na beirinha!

Ele pegou seu saquinho de brinquedos e foi para o local indicado, que efetivamente ficava na beirinha da água. O rio não parecia ser muito fundo, mas certamente o era para uma criança de cinco anos.

Era perfeito.

Severo se entreteve com seus brinquedos e de vez em quando corria até a mãe, que lhe oferecia suco e água, pois estava bem quente. Ele não se furtava a sempre agradecer e a dar beijos nela e no seu pai.

Porque afinal de contas ele sabia o que estava para acontecer.

Eles estavam no local há uns cinqüenta minutos e Severo estava sozinho, brincando a uns 50 metros dos pais, bem na beira do cais quando ouviu uma voz no ar.

- Professor Snape!

Era o que ele estava esperando. Pôs-se de pé e disse:

- Potter, precisa aproveitar um momento que eles estiverem com a atenção desviada. É melhor criar uma distração agora, conforme combinamos.

- Certo.

Debaixo da sua Capa de Invisibilidade, Harry Potter correu até adiante no ancoradouro, onde um homem estava parado com um saquinho de pão, tentando alimentar os peixes. A idéia mais óbvia lhe pareceu a mais segura: ele simplesmente empurrou o homem para dentro da água:

- Ohhhhh!

Splash!

- Socorro! Socorro!

Várias das pessoas que se divertiam no rio se aglomeraram para ajudar o infeliz homem, molhado até os ossos. Felizmente o tempo era bom e quente, e dificilmente ele ficaria gripado.

Enquanto as pessoas estavam se aglomerando, de costas para onde Severo brincava, Harry correu até Severo, abaixou-se e abriu a capa, dizendo:

- Entre aqui!

Severo obedeceu, mas sua mente sabia que aquela era a sua porta de saída da vida dos Campbell. Ele teve que fazer um esforço físico para não voltar atrás e retornar a uma vida segura, cheia de amor e carinho.

Só que não era sua vida.

Ele jogou o boné na água e se escondeu embaixo da Capa da Invisibilidade, dizendo, tentando conter as lágrimas:

- Vamos embora! Vamos logo!

Na verdade, ele estava com pressa porque não queria ouvir os gritos desesperados da Sra. Campbell quando ela se desse conta de que seu filho mais novo, adotado há poucos meses, tinha desaparecido num dia ensolarado de verão, provavelmente caído no rio. Severo tinha se afeiçoado demais à sua mãe adotiva, e magoar aquele coração que só lhe dera amor tinha sido uma das decisões mais difíceis que ele tinha tomado.

Mas era o único jeito: eles tinham que imaginar que o garoto estava morto, e parar de procurar por ele.

Em meio à confusão, Harry apressou o passo e Severo correu para longe do ancoradouro. Os dois andaram pelo menos duas quadras até usar a varinha de Harry para pegar o Nôitibus Andante até um endereço conhecido: Largo Grimmauld, 12.

Quando eles entraram na casa, um pequeno grupo os esperava: alguns membros da Ordem da Fênix estavam lá. O Prof. Dumbledore foi o primeiro a exclamar:

- Chegaram em segurança! Excelente! Vocês foram vistos?

Harry respondeu:

- Não, senhor.

- Por Merlin – disse Remo Lupin – Sirius teria adorado ver isso.

Severo fez uma careta e mostrou a língua para o lobisomem. Lupin arregalou os olhos, surpreso.

- Você parece bem, Severo – disse o diretor de Hogwarts – Está corado. Ganhou peso.

- E estou bem pequeno também. Prof. Dumbledore, eu peço que me retire logo o feitiço. Eu... não estou bem.

- Sente alguma coisa, Severo?

Ele apertou os lábios e disse, já entre lágrimas:

- Estou com saudades da mamãe.

- Oh, sim. Harry nos contou sobre sua... adoção. Sinto muito, Severo.

- Por favor, poderia ser mais rápido?

- Infelizmente, não será possível – disse o Prof. Dumbledore – A poção só poderá ser terminada amanhã, com a adição do último ingrediente. Sabe que é uma poção complicada. Você dormirá essa noite aqui no Largo Grimmauld.

Nymphadora Tonks se ofereceu:

- Eu posso encolher um pijama para você.

- Obrigado. Mas sem ursinhos, por favor.

Remo Lupin disse:

- Ah, Severo, você realmente está muito bem. Aqueles trouxas fizeram um milagre.

Já morto de saudade, Severo deixou escapar uma lágrima:

- Por favor, precisamos falar disso?

A Profª McGonagall disse:

- Mas deixem o pobre pelo menos se sentar. Ele acabou de chegar de Surrey e tem apenas cinco anos. Provavelmente está com fome. Quer comer alguma coisa, Severo?

- Obrigado, Minerva.

- Venha comigo até a cozinha.

Ele procurou a mão dela, surpreendendo a rígida professora. Foi de mãos dadas que eles foram até a cozinha, que ficava no porão. O resto do grupo veio atrás, incluindo muitos Weasley.

Harry olhou a camiseta dele e disse:

- Power Rangers. Eu ouvi falar que eles estão voltando.

- Não tinha camiseta do Yu-Gi-Oh.

- Escuta, Ron e eu estamos jogando Snap Explosivo. Se você quiser jogar, pode vir conosco.

- Obrigado. Aliás, eu gostaria de lhe agradecer, Potter. Você se arriscou muito.

- Não tem erro. A polícia não vai desconfiar de mim. Eu nem estive perto de vocês no fim de semana, lembra-se?

- Eu sei. Como eu disse, minha cabeça ainda está um pouco confusa. Eu sei que estou entre amigos, mas sinto um impulso irresistível de voltar para minha mãe adotiva.

- Você gosta muita dela, não gosta?

- Sim. Essa separação... está sendo difícil.

- Eu sinto muito. Aquele lugar parecia ser muito feliz.

- Eu nunca tinha tido isso na vida, Potter. Pais que me amavam, uma infância tranqüila. Você não calcula como tudo isso está sendo difícil.

Minerva McGonagall apareceu com um prato de sanduíches, um copo de suco de abóbora e disse:

- Coma um pouco, Severo, e procure se hidratar. Potter disse que você estava no sol durante muito tempo, isso pode afetar seu humor também.

- Sim, Profª McGonagall.

- Mas se você puder conservar esse traço cordato que parece ter adquirido, seria ótimo para todos nós.

Ele tomou o suco e disse:

- Não se preocupem. Em breve vocês terão de volta o Mestre de Poções que vocês gostam tanto de odiar.

McGonagall disse:

- Coma o seu sanduíche. Você está em fase de crescimento.

Snape voltou à velha forma e rosnou:

- Não por muito tempo.

Remo Lupin disse:

- Pronto: o professor Snape resmungão de sempre está de volta.

Tonks olhou para a cara dele e disse:

- Que nada. Isso é puro soninho. Alguém não tirou sua sonequinha hoje.

Severo se inflamou:

- Para seu governo, Srta. Tonks, eu não tiro sonequinhas todos os dias. Sua insinuação é desrespeitosa, insultuosa e irritante!

- Mas você passou por grandes emoções hoje – disse McGonagall – Por isso vai ter sonequinha, sim. Se já terminou de comer, pode ir para o seu quarto.

- Mas o que é isso?! – disse Severo, só que sua voz ainda era de criança, e não era nada intimidadora – Um complô para me dar ordens?

Molly Weasley interferiu:

- Calma, gente, eu sei lidar com crianças teimosas que ficam com sono. Vamos, Severo, vamos mimir.

- Mas eu não estou com sono!

- Ah, mas logo vai estar – disse McGongall – Eu coloquei uma poção no seu suco para você dormir um pouco. O estresse emocional de hoje foi grande, Severo. É melhor você dormir um pouco mais.

- Eu deveria ter reconhecido o gosto do asfódelo!

- As papilas gustativas de crianças são diferentes das dos adultos. Além do mais, eu disfarcei com açúcar.

Molly Weasley estendeu a mão:

- Venha, Severo. Eu vou colocá-lo na cama.

- Isso é um absurdo! Eu não sou um bebezinho! – mas ele bocejou.

Harry disse:

- A poção certamente já está fazendo efeito...

Ron garantiu:

- Não, é só o mau humor típico do nosso querido professor Snape.

Severo estourou:

- Mais respeito, Sr. Weasley! Eu ainda sou seu professor.

- Acho que aquele joguinho de Snap fica para outro dia, hein, professor?

Snape sentia seu corpo relaxando. A poção começava a fazer efeito, e ele se levantou da cadeira, dizendo:

- Onde fica mesmo aquele quarto?

A Sra. Weasley pegou a mãozinha dele e disse:

- Eu o levo até lá.

Já mal se agüentando em pé, ainda que fosse de tarde, ele subiu as escadas e a Sra. Weasley o levou para dentro do quarto. Lá ela o colocou debaixo das cobertas e disse:

- Durma bem, Severo.

Meio adormecido ele disse:

- Obrigado por me adotar, mamãe...

Capítulo 8

Na manhã seguinte, no quartel-general da Ordem da Fênix, os Weasleys voltaram para a Toca e os demais também deixaram a sede. Na verdade, os únicos que permaneceram no Largo Grimmauld foram Dumbledore e McGonagall, com Severo. Eles iriam realizar o contra-feitiço para fazer Severo voltar à sua forma original.

Severo estava angustiado.

- Isso vai demorar muito?

- Tenha calma – disse McGonagall – A poção só precisa esfriar. Está quase no ponto.

O Prof. Dumbledore garantiu:

- Na verdade, acho melhor darmos início aos procedimentos imediatamente. Vamos à biblioteca.

Eles se trancaram na biblioteca, McGonagall levando uma muda de roupas e o frasco da poção.

- Severo, beba isso.

- Como funciona?

- A poção vai deixá-lo um pouco anestesiado, assim você não sentirá o efeito total do feitiço, como foi da primeira vez.

- Doeu muito daquela vez – ele lembrou.

- Bom, agora também vai doer, mas a poção deve aliviar isso. É melhor você tirar suas roupas para evitar que elas se rasguem. Eu separei uma muda de roupa de Sirius para você usar temporariamente.

- "timo – disse Severo, azedo – Espero que tenham tirado as pulgas.

Ele engoliu a poção e fez uma careta.

- Que coisa horrível!

- Como eu disse, o paladar de uma criança é diferente de um adulto. Depois que o feitiço for realizado, você vai sentir menos essas coisas.

- É o que eu espero.

- Como se sente?

- Engraçado. Estou um tanto cansado.

- Você vai ficar cansado quando a transformação se completar. É melhor você se preparar para descansar quando voltar a ter sua idade.

- Dormir de novo?

- Vai ser um grande estresse no seu corpo. A redução não é tão estressante quando o alargamento. Agora tire suas roupas e sente-se naquela cadeira.

Ele obedeceu, dobrando cuidadosamente o conjuntinho de short e camiseta dos Powers Rangers, já sentindo saudade de ser uma criança. Depois ele se sentou numa poltrona da biblioteca, bocejando.

Dumbedore se posicionou de pé, em frente a ele, abriu os braços, e apontou a varinha, dizendo:

- Reverte Puer Terragenum!

Severo sentiu uma onda poderosa de magia a percorrer-lhe todo o corpo. Um formigamento intenso cobriu-lhe a pele, e ele sentiu a dor começando.

Lancinante, a dor se transformou em formigamento novamente, mas os músculos começaram a se esticar, ossos a se alongar, e sem perceber, Severo começou a gritar sem conseguir se adaptar ao acelerado processo de crescimento, sua cabeça doendo muito, o rosto crispado pelas terríveis sensações que experimentava. Ele se contorceu de dor e foi ao chão, ainda aos gritos.

Tudo pareceu levar horas, embora apenas alguns segundos tivessem se passado. Aos poucos, os gritos foram morrendo e ele foi se assenhorando das sensações de seu corpo.

Ele era, de novo, Severo Snape – dono de um corpo e uma mente de 37 anos.

Ele olhou para os seus braços, agora compridos, cabeludos, suas mãos grandes, e suas pernas também lhe pareceram estranhas. Num gesto inconsciente, levou as mãos ao rosto, e sabia que estava de volta o rosto implacável, torturado, de um homem que raramente tinha conhecido felicidade na vida.

Dumbledore pôs a mão no seu ombro e sorriu:

- Bem-vindo de volta, Severo.

Dando conta de sua nudez, ele pôs-se a vestir a muda de roupa especialmente separada para ele, enquanto McGonagall recatadamente olhava para o lado.

- Obrigado, diretor – disse ele, já vestido.

- O que deseja fazer, agora que está de volta?

- Retomar minha vida. Diga-me, eu poderia contar com a ajuda de um dos dois para chegar até o Beco Diagonal? Preciso providenciar uma nova varinha, passar no banco, e essas providências práticas.

- Há uma... providência prática que você deveria tomar com a maior urgência, Severo, se me permite a opinião.

- Qual, diretor?

- Voldemort.

Uma onda de repulsa passou pelo corpo recém-reconstituído de Severo. Sim, sim, claro. Ele tinha que se reapresentar aos quadros dos Comensais da Morte o quanto antes.

- Certamente. Mas primeiro preciso me reequipar. Tenho que ter pelo menos uma varinha!

McGonagall disse:

- Não sem antes você descansar um pouco, Severo. Você precisa se readaptar.

- Não há tempo!

- Você ainda está se comportando como uma criança de cinco anos. Faça o favor de subir ao seu quarto e tirar uma sonequinha.

A contragosto, ele obedeceu. E notou, ao despertar, que se sentia bem melhor.

McGonagall o levou até o Beco Diagonal. Mas Severo conseguiu pelo menos Aparatar até o Caldeirão Furado. Com seu corpo adulto, sua mágica também estava amadurecida.

Após uma breve passada em Gringotts para reabastecer a carteira, ele foi direto para a Olivaras, onde adquiriu uma nova varinha, idêntica à que Voldemort destruíra: 18 centímetros, coração de dragão, ébano. O Sr. Olivaras explicou que ele não conseguiria ter uma varinha diferente mesmo que quisesse. Afinal de contas, era a varinha que escolhia o bruxo, tivesse ele cinco, onze ou 37 anos.

Só depois de estar totalmente equipado, mais confiante de si mesmo, Severo Aparatou até a Mansão Riddle. Voldemort ficou surpreso ao vê-lo ali.

- Severo, meu servo – disse ele – Devo confessar que estou surpreso.

- Vim apresentar-me depois de cumprida minha missão, milorde.

- Conte-me. Você foi adotado por uma família trouxa?

- Precisamente.

- E como eles eram?

- Bem trouxas. Jamais tinham ouvido falar em magia, e viviam suas vidas sem saber de nosso mundo.

- E como eles te trataram?

- Como uma criança trouxa órfã de quatro anos. Subestimaram minha inteligência.

- Isso me parece fascinante, Severo. E o orfanato? Lúcio me disse que você chorou quando ele o deixou.

- Eu precisei me adaptar ao novo corpo. Milorde tinha razão. Em diversas ocasiões meu controle emocional falhou. Acredito que ainda deva estar abalado até agora.

Usando a Legilimência, Voldemort disse:

- Sim, sim, eu posso ver em sua mente fragmentos do ocorrido. Você tinha um irmão?

- Só depois que fui adotado. No orfanato, a vida era dura.

- Não precisa me dizer isso – disse Voldemort – Eu me lembro como era.

- Espero tê-lo deixado satisfeito com minha missão, milorde.

- Sim, eu estou surpreso com você, Severo. Eu ouvi as notícias de sua morte pelo mundo bruxo. Creio que agora ouviremos a notícia de sua volta. Como explicar sua ausência?

- Direi que tive que resolver alguns problemas no mundo trouxa, assuntos inadiáveis.

- E isso vai convencer as pessoas?

- Convenceu Dumbledore.

- Velho tolo! Ele acredita em tudo, até em Comensais da Morte regenerados. Por isso ele vai perder quando eu conquistar o Ministério da Magia.

- Sim, senhor. Devo acrescentar que reconquistei minha posição junto a Dumbledore. Espero em breve trazer notícias de seus planos.

- Ah, Severo, meu fiel servo. Confesso que eu esperava que você fraquejasse, mas vejo que sua força de vontade o ajudou a sobreviver mais essa prova de lealdade. Sim, sim, eu estou satisfeito. Volte mais tarde, que nós faremos uma comemoração, com tortura de trouxas, muitos Cruciatus, você sabe – diversão.

- Sim, milorde.

Severo Snape deixou a Mansão com um sentimento indefinível, misto de repulsa e ojeriza. Mas aquela era sua vida: um espião, e até Voldemort ser destruído, era aquela vida que ele tinha que viver.

Mas um outro plano começava a se formar na sua mente.

Era meio da tarde quando ele Aparatou para um local determinado em Surrey. Ele ficou parado em frente à casa por alguns segundos, tentando dominar as emoções que o acometiam: havia saudade, nostalgia, uma pontada de dor e de alegria.

Mas ele tinha que ir em frente.

Tocou a campainha.

Jane Campbell abriu a porta, olhou o homem estranho diante de si e indagou:

- Sim?

- Boa tarde. A senhora deve ser a Sra. Campbell.

- Eu o conheço?

- Não, acho que não. Meu nome é Severo Snape.

Ao ouvir o nome, ela arregalou os olhos. Ele apressou-se a dizer:

- Vejo que estou na casa certa. O menino que a senhora adotou há alguns meses é meu sobrinho.

- Sr. Snape... Por favor, entre... – ela deixou que ele entrasse, pálida – Sente-se enquanto eu preparo um chá para nós – ele obedeceu – Eu estou surpresa. Eu não sabia que Severo tinha família.

- Eu moro na Alemanha há muitos anos, fazendo pesquisas científicas. Meu irmão e eu nunca nos demos muito bem, então rapidamente eu perdi contato com a família aqui na Inglaterra. Mas eu sabia que tinha um sobrinho como o mesmo nome que eu, e quando eu soube que meu irmão tinha morrido, eu vim procurar o garoto. A senhora calcula o que eu passei até localizá-la.

- Então o senhor já sabe... Digo, sobre Severo?

- Só o que sei é que ele está desaparecido há mais de seis meses. O que pode me dizer sobre isso?

Ela contou tudo sobre aquele dia no rio, e as lágrimas vieram:

- Ele simplesmente sumiu. O boné dele foi encontrado dentro da água, então é provável que tenha caído no rio e levado pela correnteza mais profunda. Ou então que alguém o tenha levado. A polícia ainda está com o caso aberto, mas nenhum suspeito foi visto no rio naquele dia. Sabe, no caso de ele ter sido raptado. Como não acharam nenhum corpo no rio, eu tive esperança até pouco tempo que ele fosse encontrado, mas agora começo a acreditar que nunca mais verei meu querido Sev...

- Tenho certeza de que a senhora gostava muito dele.

- Ele foi feliz enquanto esteve conosco, eu tenho certeza. Ele chegou aqui tão magrinho, tão carente de amor. Ele não teve nenhuma dificuldade de se adaptar à família – ela se ergueu e apanhou um porta-retrato – Veja aqui: no dia que ele chegou. Ele queria aprender a jogar futebol com David. Olha só as perninhas magrinhas dele! Agora veja essa outra – ela pegou um outro porta-retratos – No aniversário dele. Ah, ele estava tão feliz nesse dia. Ele disse que nunca tinha tido um aniversário. Eu ficava de coração doído ao ver tudo que tinha sido negado a ele. Nós o amávamos muito. Até meu filho mais velho sente a falta dele. Ele deixou uma impressão profunda em nossas vidas. Eu até desisti de procurar um outro menino para adotar.

- A senhora não pretende mais ter filhos?

Ela preparou o chá, respondendo:

- Não posso mais ter filhos. Foi uma complicação depois do parto de David. Mas eu sempre tive o sonho de ter duas crianças. Pensei que com Severo esse sonho tinha se realizado. Mas quando ele sumiu... Oh, desculpe-me. Estou chorando de novo.

- Isso é natural. Desculpe-me por ter vindo e tê-la feito relembrar tudo isso.

A Sra. Campbell serviu o chá, dizendo:

- Ah, mas foram tempos felizes. Eu nunca vou me esquecer deles.

Com um gesto de mão, Snape ocultou dela o que fazia: colocava alguma substância no seu chá. Uma poção especialmente preparada por ele durante meses. Uma poção que realizaria o sonho de Jane Campbell de ter mais filhos.

Ele pigarreou e disse o discurso ensaiado:

- Sra. Campbell, deixe-me dizer uma coisa: eu sou um cientista. Trabalho justamente na área de reprodução humana. Por isso é que posso dizer, mesmo sem conhecer direito o seu caso: não desista de ter filhos.

Ela tomou o chá com a poção e disse:

- Sr. Snape, desculpe eu dizer isso, mas é que foi tão sofrido para nós. Tentamos durante tanto tempo.

- Pois tente mais um pouco. Só um mês, é só o que peço. Se a senhora não engravidar, eu posso cuidar do seu caso pessoalmente. Estamos mexendo com algumas substâncias experimentais que têm dado excelentes resultados impregnando mamíferos. Se a senhora aceitar ser nosso objeto de estudos, posso arranjar para que receba o medicamento que a deixará capaz de engravidar naturalmente.

- Naturalmente? Sem reprodução assistida?

- Nada de bebês de proveta. Um bebê natural, seu e de seu marido.

- Mas por que eu?

- Seu caso parece ser interessante e está dentro dos nossos parâmetros de pesquisa. Além do mais, eu gostaria de agradecer pelo que fez por meu sobrinho. Eu soube o quanto ele sofreu e como foi importante ser adotado por uma família que o amava.

- Eu o amava muito. Aliás, ainda o amo.

- Então tentaria fazer isso? Por mim e por meu sobrinho?

- Esse tratamento tem algum efeito colateral?

- Não em mamíferos. Totalmente inofensivo.

- Eu preciso falar com meu marido, é claro.

- Obviamente. Deixe-me dar-lhe um endereço pelo qual poderá me contatar pelo correio. Sabe, minha instituição de pesquisa fica reclusa, e não há telefones ou outros meios de comunicação. Contate-me em dois meses.

- Sim, eu farei isso.

Ele lhe passou o pedaço de papel com o endereço de Hogwarts, e Jane Campbell sorriu para o homem estranho que lhe trouxera esperança em sua vida. O pequeno Sev se fora e nunca mais voltaria, mas quem sabe, um bebezinho seu traria novamente a alegria de volta àquela casa.

Em Hogwarts, Severo Snape voltou a dar aulas normalmente, e sua volta foi apenas uma nota de rodapé no banquete do início de ano. O odiado e amargo Mestre de Poções estava de volta, o que não era motivo de alegria para os alunos. Mal sabiam eles que aquele não era o Severo Snape que partira, mas sim um que agora tinha memórias de uma infância mais feliz, mais cheia de amor e com um sentimento de família muito melhor do que o anterior.

Dois meses mais tarde, enquanto corrigia redações, ele recebeu uma carta muito especial.

"Caro Professor Snape,

Um milagre aconteceu. Estou grávida. Os médicos estão boquiabertos. Não sei dizer como isso aconteceu, mas aparentemente Deus decidiu me dar chance de ter mais um filho. Por isso, eu quero agradecer sua generosa oferta de um tratamento em sua instituição de pesquisa, mas ela não será mais necessária.

Se Deus nos der um menino, o nome dele será Severo Campbell. O senhor é bem-vindo para nos visitar quando quiser.

Deus o abençoe.

Jane Campbell"

Snape dobrou a carta com cuidado, um sorriso nos lábios. Por um instante, ele deixou as ondas de felicidade e calor banharem seu corpo, relembrando aquela mulher que para ele tinha sido mãe e fonte de calor e amor quando ele tanto precisava.

Esquecendo-se das redações, ele se ergueu da escrivaninha e foi até seu armário de onde tirou uma pequena peça de roupas, uma guardada com todo carinho.

Um conjuntinho de short e camiseta com estampa dos Powers Rangers, tamanho P.

A lembrança de uma infância feliz.

Fim