Send me an Angel

Fim

Música: "Send me an angel", by Scorpions.

Para Lally-dono.

Li Syaoran arrumava-se com pressa.

Precisava encontrar-se com o doutor Tsukishiro para que este liberasse a saída dele um dia antes do permitido. O outro dia seria aniversário de Sakura e ele planejava sair naquele dia para comprar um presente e passar o outro ao lado da garota.

Andando pelos corredores, ele chegou à porta da sala e bateu, escutando a voz suave de Tsukishiro Yukito falar alto para que entrasse.

-Ohayo, Tsukishiro-sensei... – Syaoran falou ao entrar, fechando a porta atrás de si.

-Para você também, senhor Li. – o sensei falou, sorrindo – Não dormiu direito hoje para acordar mais cedo que o de costume hoje?

-Iie... É só... aquilo que eu falei ao senhor na semana passada... Eu vou precisar sair hoje...

-Oh...

-Isto é, se conseguir liberar minha saída. – o rapaz falou, sorrindo timidamente.

Yukito o fitou por alguns minutos, dando um sorriso gentil, falando:

-Sente-se, senhor Li. Vamos resolver isso antes que a senhorita Kinomoto apareça por aqui e o impeça de sair para comprar o presente dela.

Syaoran aproximou-se de uma cadeira e sentou-se, vendo o jovem médico pegar o telefone e discar um número. Passados alguns segundos, Yukito começou a falar:

-Senhor Hiiragizawa, por favor?

Mais alguns segundos em silêncio.

-Senhor Hiiragizawa? Aqui é Tsukishiro-sensei. – ele olhou Syaoran rapidamente e deu um sorriso – Sem nenhum problema, ele está bem comportado.

Os dois começaram a conversar sobre outros assuntos a respeito do tratamento de Li e sobre alguns "incidentes" que o rapaz teve que enfrentar durante o certo tempo que Yukito e Eriol não conversaram. Syaoran passou, então, a observar o escritório, coisa que estava habituado a fazer sempre que tinha que ir lá. Havia alguma coisa naquele escritório que chamava a atenção do rapaz, mas ele nunca conseguia descobrir o que era. Alguma coisa meio escondida, como se fosse uma mensagem subliminar, que chamava a atenção sem que ele soubesse exatamente o que era.

A conversa estava tão interessante para os dois, Syaoran continuou observando.

Até que os olhos dele perceberam.

Numa foto em cima de uma mesinha perto do aquecedor, aqueles dois eram...

-Senhor Li? – Yukito o chamou – Ele quer conversar com você. – entregou o telefone a Syaoran.

-Sim?

Quanto você precisa para o presente que quer comprar? – a voz de Eriol estava calma.

-Quanto está disposto a me dar?

-Ora... – Eriol abafou uma risada, mas Syaoran conseguiu percebê-la – Só estou tentando ajudar. O doutor explicou a mim que você não pode receber muito dinheiro... E por isso eu quero ter uma idéia do que você quer dar à garota para eu falar a ele. – a voz de Eriol estava com o sotaque inglês que tinha quando o rapaz acordava muito cedo ou estava muito cansado.

-Quem vai me dar o dinheiro é ele? – olhou Yukito e, felizmente para ele, o médico não percebeu o olhar arregalado que tinha por estar sorrindo de olhos fechados – Mas por que diabos...?

-Li... – Eriol começou – O que pensa em dar à garota?

-Eu... – Syaoran coçou o nariz e sentia-se envergonhado quando falou, baixinho – Eu não sei...

-Oh... – Syaoran escutou de novo o amigo tentando abafar uma risada.

-Por que diabos você está rindo tanto?

-Pode me dizer pelo menos o nome dela?

-Não. – o rapaz foi enfático.

Não adianta falar isso, posso descobrir por outros meos.

-Duvido que seus meos funcionem.

-Pare de brincar com meu sotaque, idiota, ou não vai comprar presente pra sua garota.

-Minha garota? – o rapaz olhou o telefone como se pudesse ver o amigo através dele.

-Qual o nome dela?

A resposta demorou a sair, mas, ponderando sobre a ameaça, Li respondeu:

-Kinomoto... Kinomoto Sakura...

A linha ficou em silêncio, fazendo Syaoran pensar que a ligação tivesse caído. Segundos depois, o rapaz escutou uma gargalhada de Eriol e o amigo conversando com Tomoyo, escutando também uma graciosa risada dela.

-Non acredito... – Eriol voltou a falar – Ai, eu simplesmente non acredito...

-Pode me dizer que raios é tão engraçado? – o rapaz perguntou, irritado.

-Nada importante a você, meu amigo... – pausou a fala durante alguns segundos e Li percebeu que Eriol voltara a conversar com Tomoyo, voltando a falar, segundos depois – Perguntei a Tomoyo sobre um bom presente... Que tal uma jóia?

-Muito inglês. – Syaoran falou – Que tal um kimono?

-Muito japonês. – Eriol opinou – Quem deu a opinião foi Tomoyo, que entende dessas coisas. Vai aceitar a sugestão dela?

Syaoran mordeu os lábios enquanto pensava na questão. Tomoyo era uma garota com um gosto muito apurado, talvez ela tivesse razão. O problema é que ele iria sozinho à compra, e ele praticamente não tinha outra escolha além daquela.

-S-Sim... Vai dar pra comprar?

-Claro... Se for pra alguém como... hã... a senhorita Kinomoto – tratou-a tão formalmente que quem escutasse aquilo pensaria logo que Eriol realmente não a conhecia -, pode ter certeza de que terá minha ajuda.

-Nossa... – Li deu um sorriso de satisfação – Obrigado.

-Passe para o doutor Tsukishiro. Ele conversará com você depois.

O rapaz entregou a o fone ao médico e este deu um sorriso ao falar:

-Pode sair, senhor Li. Eu mandarei entregar algo em seu quarto. E pode ir arrumar-se.

-Ah... – a boca abriu, mas as palavras demoraram a sair, e, quando vieram, foi com uma certa surpresa. Como o jovem médico sabia que Eriol havia dito "sim"? – Arigatou...

O rapaz caminhou até a porta e tentou lembrar-se o que estava pensando antes de começar aquela conversa com Eriol. Olhou o escritório antes de sair, mas balançou a cabeça ao ver que era inútil a tentativa de lembrar-se.

Dirigiu-se ao quarto para arrumar-se. Minutos depois, quando terminou de vestir a roupa, foi olhar-se no espelho para pentear os cabelos castanhos. Quando ficou satisfeito com o resultado, ele virou-se e deu de cara com o rosto sério de Touya encarando-o. Li deu um grito assustado e recuou, recompondo-se segundos depois ao perceber que aquela reação tinha sido ridícula. Se fosse um assassino ou um ladrão, o rapaz seria uma vítima perfeita. Tantos anos de treinamento e um certo período de ioga naquela clínica e ele reagia daquela forma? O que o antigo mestre dele de artes marciais diria?

-O doutor Tsukishiro mandou entregar isto. – o enfermeiro estendeu um pedaço de papel, preso a um cheque por um clipe.

O rapaz tocou nas duas folhas, mas o enfermeiro não largou. Li o encarou e percebeu que o enfermeiro lançava-lhe um olhar tão hostil que mataria Syaoran, se realmente olhares daquele tipo pudessem matar.

-Obrigado. – o rapaz falou, seco. Touya não largou o papel e Syaoran teve que puxá-lo, enfatizando outro agradecimento entre os dentes – O-bri-ga-do!

Touya largou a entrega e continuou olhando mortalmente o rapaz, virando-se pelo menos um minuto depois para sair do quarto.

Syaoran deu um suspiro de alívio e verificou o que Yukito havia mandado a ele. O papel era uma licença para sair da clínica durante quatro horas. O cheque era para ser trocado em um banco e o rapaz poder comprar com dinheiro um presente em alguma loja da cidade.

Dentro de quatro horas.

Há muito tempo que não saía. Quanto tempo? Nem ele sabia, isso porque teve mais problemas no período em que esteve na clínica, todos relacionados ao uso de drogas.

Saiu do quarto e andou pelo corredor, passando por Touya, que vigiava outro paciente que acabara de chegar. Quando passou, Li teve a impressão de ter escutado o rapaz rosnar como um cachorro que protege a casa de um potencial invasor. Ele o ignorou, continuando a andar. Aquele enfermeiro dava-lhe calafrios desde um certo incidente no quarto dele envolvendo uma Sakura inocentemente sentada por entre as pernas dele.

Naquela noite, a confusão reinou dentro da clínica. Os xingamentos de Touya conseguiram alcançar os ouvidos de metade do corpo de enfermeiros e de Yukito, e todos tentavam acalmar o irmão de Sakura, que xingava Syaoran com adjetivos quase incompreensíveis. Quase ninguém entendeu a história, e pelo menos seis pessoas tentavam conter o ciumento irmão, que tinha as mãos estendidas para agarrar o pescoço de Li. Touya só parou depois que jogou uma pesada cadeira no pé de Yukito, que quebrou novamente.

Syaoran tentou conter um sorriso com aquela lembrança. Tinha sido muito engraçado. Pobre doutor Tsukishiro...

O rapaz apressou o passo para sair dali. Ele tinha quatro horas para voltar, e Sakura não poderia notar a ausência dele. A enfermeira não cuidava apenas dele, mas de muitos outros pacientes em tratamento. Ela estava um tanto quanto sobrecarregada, e havia acertado um horário para acompanhar Syaoran nas atividades da clínica. Na parte da manhã, ela ficava com outros pacientes, voltando a acompanhar os passos do rapaz durante a tarde e à noite.

Aquela manhã era folga dela, e tinha que ser naquele horário que Syaoran deveria sair.

Passou pelos portões da clínica depois de mostrar aos seguranças a licença que portava, não querendo nem olhar para o nome da clínica.

Quanto tempo fazia que não saía? Seis, oito... Dez meses?

Depois da recaída que teve na primeira vez que saiu, Syaoran nunca mais teve outra oportunidade como aquela. Ele mesmo havia se proibido de sair, preferindo ficar ali mesmo na clínica durante todo o período de tratamento, achando que estaria livre das tentações, como ele mesmo chamava as drogas, ficando dentro da clínica.

Grande engano.

Alguns meses depois, um paciente chegara à clínica e fizera amizade com Syaoran. Um dia Li descobrira que o misterioso paciente era distribuidor de drogas e que entregava algumas "encomendas" a outros pacientes da clínica.

A visão do homem estendendo-lhe um pequeno pedaço de papel dobrado doía-lhe na memória.

Quando lembrou-se que aceitou aquilo, o peito ardeu ao lembrar. Aquele "presente" tinha sido de graça, e Syaoran teve que dar roupas dele para pagar pelos outros, além de roubar objetos do local para servir de pagamento para mais.

Sakura percebeu que as conversas entre Li e aquele homem eram sempre demoradas demais, além de perceber que o rapaz tinha pouquíssimas roupas no armário. Numa manhã qualquer, pediu para o rapaz fazer os exames de sangue e urina como se fossem para controle.

Li não teve como escapar. O resultado fez Sakura ficar uma semana sem falar com ele.

O homem fora preso, e uma semana depois, Sakura perdoou Li quando este foi pedir desculpas a ela.

E Li teve a "estadia" na clínica aumentada mais alguns meses, além de receber pelo correio mais roupas de casa.

Se bem que ele não se importava muito em passar mais tempo ali se tivesse de ficar ao lado de Sakura, mas aquele pensamento era tão perverso que ele logo teve que esquecer. A garota queria que ele saísse dali, e não ficasse em tratamento para sempre.

Syaoran teria que sair um dia. Ficar longe de Sakura.

Este outro pensamento também era tão perverso...

Bem, enquanto isso não acontecia, ele tinha que correr para fazer a compra do presente e voltar o mais depressa possível.


A manhã já estava acabando quando Sakura retornou à clínica. Havia voltado da folga dela, e deu um suspiro cansado quando lembrou que teria que passar o aniversário dela trabalhando. Não que ela não gostasse do trabalho, mas preferia passar o dia em casa com o pai e com o irmão ao ter que cuidar de um monte de pacientes. Se bem que era preferível cuidar dos três pacientes pela manhã e ter que ficar com apenas um à tarde e à noite.

-Já cheguei... – ela falou ao passar pelo irmão quando o encontrou na sala dos enfermeiros, usando um tom cansado na voz.

-Não gostou da folga? – ele perguntou.

-Papai está muito ocupado com aquele monte de trabalhos que tem que corrigir... Eu não quis ficar muito tempo e atrapalhar... – ela deu um sorriso quando pegou o jaleco e jogou-o sobre a roupa que usava – Eu ganhei uma roupa dele!

-Esse presente parece aqueles que aquela prima te dá...

-E o que você vai me dar? – ela estreitou os olhos e levantou uma sobrancelha.

-Vai ver amanhã. – ele escondeu o rosto atrás da revista que lia.

-Ora... – ela saiu da sala e começou a andar pelos corredores.

A garota olhou as horas. Como havia avisado que não cuidaria dos três pacientes durante a manhã, resolveu procurar seu único paciente da tarde. Foi até o quarto de Li e bateu na porta, embora pudesse logo entrar por ter a chave.

-Ele não 'tá aí. – a voz de Touya saiu atrás dela e Sakura deu um grito assustado, recuando assustada ao ver o rosto sério do irmão atrás dela.

-Como diabos chegou aqui? – ela perguntou com os olhos arregalados e com a mão tentando controlar as batidas do coração.

-Ué, eu te segui. Não percebeu? – a expressão era tão séria que chegava a ser cínica – E o moleque não está aí, não... Saiu bem cedinho e até agora não voltou.

Os olhos verdes de Sakura ficaram arregalados e sentiu o coração bater acelerado. Como podia Li ter saído sem ao menos avisá-la? Ele não podia ter feito aquilo!

Sem ao menos dizer uma única palavra ao irmão, ela saiu correndo em direção ao escritório de Yukito, sem ao menos bater antes de abrir a porta deslizante.

-Yue! – ela gritou, fazendo o médico levantar-se assustado da cadeira e largar alguns papéis que lia – Onde está Syaoran?

-Sakura... O que faz aqui? – ele perguntou em vez de responder a pergunta – A sua folga terminava apenas às duas da tarde!

-Onde está Li? – ela repetiu a pergunta, enfatizando um tom de ameaça na voz.

-Ele... teve que sair.

-Aonde ele foi? – ela aproximou-se do médico e estreitou os olhos.

-A saída dele foi remarcada para hoje... E ele saiu cedo... Pra um passeio em quatro horas.

-E que horas ele saiu?

A resposta demorou a sair.

-Às nove.

Sakura olhou o relógio e viu que este marcava quase uma da tarde. A garota apoiou-se numa cadeira para controlar o nervosismo que sentia.

-Fique calma, Sakura. – Yukito a alertou, forçando-a a sentar-se numa cadeira – Ele voltará logo.

Sakura não respondeu, mas ficou sentada enquanto sentia as mãos de Yukito bater-lhe nos ombros, tentando acalmá-la.


Quatro da tarde.

Sakura continuava esperando.

Sentada no banco do jardim da clínica e com a cabeça apoiada entre as delicadas mãos, a garota sentia-se desesperadamente angustiada. Syaoran já deveria ter voltado, mas ainda não tinha notícias. Quando o relógio marcou duas da tarde, as buscas pelo paradeiro do rapaz começaram, e Yukito estava à frente delas, pois sentia-se de certo modo culpado pelo sumiço do rapaz.

Entretanto, todos os esforços eram incertos. Delegacias, hospitais, abrigos... Nenhum canto tinha notícia de um certo descendente de chineses perdido em Tomoeda.

Se algo grave tivesse acontecido com Syaoran, seria a terceira vez que ela choraria por algo que não conseguira impedir.

Mas por que será que se importava tanto com ele?

-Que droga... – ela murmurava, arrasada em perceber o quanto doía saber que tanto ele quanto ela sofriam naquela batalha.

Mas não era apenas aquilo que doía...

Ao contrário do que o irmão dizia, Syaoran nunca tentara nada contra ela. Era bem gentil e, apesar dos problemas que ele enfrentava, podia-se perceber que ele recebera uma educação primorosa. Muitos dos rapazes em Tomoeda já tentaram chamar a atenção dela, mas nenhum chegou aos pés de quem nem ao menos era japonês.

E por que Li ainda não havia voltado?

-Mas que droga... – ela murmurou, ainda com o rosto abaixado.

-Sakura? – uma voz conhecida falou pronunciou como se estivesse testando o nome dela.

A garota ergueu o rosto devagar e a vista encontrou os olhos castanhos de Li, este abaixado para ficar em um nível que pudesse encarar Sakura sentada.

Encaravam-se, mas nenhum deles falava. Ficaram assim por muitos segundos, até que Sakura pulou da cadeira e caiu sobre o rapaz.

-S-Sakura! – ele gritou, atordoado por aquele "abraço" repentino – Es-Espere um pouco!

-Onde você estava, seu... seu... bobo? – ela perguntou, não sabendo se o abraçava ou batia nele.

-Eu fui... fui... – ele deu um gemido ao perceber que a costa doía – Com-Comprar seu presente...

Os olhos verdes tinham um brilho vazio, em sinal de espanto às palavras dele.

Syaoran mostrou um cordão que tinha um pingente que era uma espécie de báculo com uma estrela no centro. A jóia estava dentro de uma pequena caixa que o rapaz abrira para mostrar a ela.

-As lojas estavam lotadas... E eu tive que brigar com um cara para conseguir esse... – ele falou, sentindo-se completamente sem jeito e esfregando a nuca, sentindo o rosto corado.

Sakura pegou o objeto e continuava olhando-o algo no vazio enquanto tinha os pensamentos perdidos.

-Feliz aniversário adiantado, Sakura. – ele falou, olhando-a com um sorriso gentil.

Somente naquela hora que Sakura percebeu.

-Não vai me deixar levantar, Sakura? – ele perguntou com outro sorriso sem graça nos lábios, sofrendo horrores para agüentar a dor que sentia nas costas.

Estava apaixonada.

Li estranhou ao perceber que os olhos de Sakura tinham um brilho emocionado, dando uma pequena impressão de que a garota choraria.

-Seu... bobo... – ela murmurou, aproximando o rosto do dele sem que ambos percebessem.

Os hábitos se confundiam, e apenas segundos depois é que Syaoran percebeu o que aconteceria. Fitou os lábios de Sakura como quem observa uma bonita paisagem e fechou os olhos.

-Moleque tarado... – alguém falou numa voz rosnada perto deles.

Ambos arregalaram os olhos e viram Touya parado ao lado do doutor Tsukishiro, este sorrindo gentilmente.

-É melhor correr, moleque... – Touya o ameaçou, levantando um punho no qual se podia notar uma veia saltada.

Syaoran não teve outra alternativa a não ser tirar a garota se cima dele e correr o mais depressa possível para qualquer ponto que pudesse protegê-lo.

Enquanto isso, Sakura olhava com carinho para o pingente em forma de báculo...


Quatro meses depois:

Sakura estava deitada na cama do apartamento onde morava. A cabeça estava pesadamente pousada sobre os travesseiros do futon, os olhos fixos no cordão que Syaoran dera-lhe de aniversário.

Há uma semana que o rapaz havia saído da clínica, e Sakura nem ao menos pudera despedir-se do rapaz. Parecia que ele a evitara durante os três dias que antecederam a saída dele da clínica. E tinha uma leve impressão de que Yukito pedira para que ele fizesse aquilo. Numa vez, Syaoran foi chamado para ir à sala do médico e a conversa demorou demais para acabar. Quando saiu, ele falou num tom alegre demais que estava saindo do local em poucos dias. Aquilo era uma alegria e uma tristeza ao mesmo tempo para ela.

Mas ele merecia sair, não? Ele tinha se esforçado tanto nos últimos meses para se livrar do vício, finalmente alcançando o objetivo depois de muita luta e algumas recaídas.

E quando ela soube que ele tinha ido embora sem ao menos falar com ela...

Deu um suspiro e apertou com força o pingente na mão esquerda.

-Sakura! – uma voz conhecida dela a chamou no apartamento. Aparentemente, aquela pessoa havia acabado de chegar Sakura, está na hora!

Uma graciosa garota entrou no quarto da enfermeira e esta pôde escutar o som de chaves tilintando. A única pessoa que tinha as chaves do apartamento era a prima dela, então...

-Sakura, por que ainda não arrumou-se? – Tomoyo perguntou, aproximando-se da cama e colocando a bolsa que carregava na beirada da cama.

-Eu não quero ir... – ela falou, encobrindo a cabeça com o travesseiro.

Escutou uma risada de Tomoyo e tirou a almofada do rosto, olhando com curiosidade a amiga e prima.

-Vamos, Sakura... – Tomoyo insistiu, fazendo-a sentar-se na cama – Você vai gostar da festa... E Eriol ficará decepcionado em saber que você não foi à festa para conhecer o amigo dele.

-Não me importo com o amigo dele... – ela falou, fazendo uma cara de choro e levantando-se da cama – Mas se for pra você parar de... – parou de falar. Não queria tratar mal a prima que sempre a divertia e era a melhor amiga que possuía. Era melhor mesmo que aceitasse, a companhia dela poderia fazer-lhe bem no resto daquele fim de semana de folga que possuía.

-Mas será tão divertido! – a prima bateu palmas – Você vai gostar!

Sakura não respondeu. Apenas colocou em cima da penteadeira o cordão e escutou outra risada da prima.

-Deixe-me ver seu guarda-roupa... – Tomoyo abriu a porta do móvel e mexeu em alguns vestidos pendurados nos cabides – Acho que este aqui está bonito... Vá tomar seu banho, Sakura. – a garota deu um sorriso gracioso – Vou arrumar você e depois vamos à festa.

Sakura deu um suspiro e decidiu tomar o banho. Teria que ser algo muito relaxante, já que sabia que aquele vestido que a prima escolhera não deixaria esta contente, e provavelmente a enfermeira teria pelo menos uma hora de provas de vestidos antes de finalmente poder arrumar-se.


À noite.

Tomoyo estava sentada ao lado de Sakura, esta usando um bonito vestido vermelho com detalhes pretos, escolhido meia hora de provações depois, numa mesa em que a enfermeira apenas observava os convidados conversando uns com os outros.

Apenas a prima fazia companhia a Sakura, e esta tentava, inutilmente, mostrar-se alegre naquela ocasião.

-Eu sei que não queria estar aqui, mas você vai gostar desta noite, Sakura. – Tomoyo falou, acariciando gentilmente a mão da amiga – Eriol insistiu também, e você sabe que ele ficaria muito chateado em saber que você não quis vir.

-Entendo... – a garota tinha os olhos fixos num ponto vazio – Não se preocupe, Tomoyo. Está tudo bem. – virou o rosto e deu o sorriso mais alegre que possuía.

-Tomoyo? – Eriol falou ao aproximar-se da mesa em que as duas estavam – Meu amigo está lá fora. Vamos conhecê-lo, Sakura? – ele perguntou, sorrindo gentilmente.

-C-Claro, Eriol. Será um prazer. – a enfermeira respondeu, levantando-se e sentindo a mão de Tomoyo tocá-la no braço – Vou conhecer o misterioso amigo de Eriol-kun.

-"Eriol-kun"? – o outro estranhou, trocando um olhar significativo com Tomoyo e disfarçando o riso – Quanta formalidade, Sakura.

-Pode me dizer ao menos o nome dele? – Sakura perguntou, sorrindo graciosamente – Ou terei de chamá-lo por "amigo misterioso de Eriol"?

-Ah... o nome dele é... – Eriol começou a falar e Sakura parou de andar e olhou-o, esperando pela resposta. Uma veia saltou no bonito rosto dela quando o amigo falou em inglês – Se-cre-t

-Ora... – ela riu e começou a andar de novo, todos em direção ao lado de fora da casa, em direção ao jardim. A noite tinha uma bonita lua cheia e o céu estava limpo, sem uma única nuvem para atrapalhar o aparecimento de estrelas. De dentro, Sakura percebeu alguém do lado de fora, observando interessado as estrelas, de costas para eles.

-Ele acabou de chegar de uma pequena "jornada". – Eriol falou.

Os três chegaram ao jardim e Sakura parou ao perceber que reconhecia aquele porte alto e os cabelos castanhos. Seria possível...?

-Foi algo muito difícil, mas ele conseguiu voltar para casa e recomeçar a vida dele. – Eriol continuou, segurando no braço de Tomoyo e sorrindo para ela.

O rapaz se virou e Sakura encontrou o rosto sorridente de Syaoran, sentindo o coração bater forte.

-Quero que conheça o meu amigo, Sakura.

Os olhos de Sakura se abriram em sinal de espanto enquanto percebia que o sorriso nos lábios de Syaoran se alargava.

-Este é Li Syaoran. Li, esta é Kinomoto Sakura.

Um momento de silêncio depois, Li falou:

-Prazer em conhecê-la, senhorita Kinomoto.

Outro momento em silêncio.

-Acho melhor deixá-los conversando. Não vamos atrapalhar, né... Tomoyo? – os dois olhavam curiosamente o casal.

-Sim. – ela conteve a vontade de rir – Vamos voltar pra festa, Eriol.

Quando o outro casal retirou-se, os dois que ficaram estavam se encarando. Olhos verdes e olhos castanhos, um par arregalado de espanto e outro com um brilho que Sakura definia como especial.

-Muita coisa aconteceu desde que saí de lá... – Syaoran começou – E eu nunca tive oportunidade de agradecer à única pessoa que me ajudou durante esse ano que estive fora... – ele olhou para o céu.

-Li... – Sakura balbuciou.

-Você sabia que algumas religiões dizem que, quando estamos com problemas, recebemos a ajuda de um anjo?

A garota não respondeu. O rapaz se virou de novo e aproximou-se dela, mantendo uma certa distância para falar-lhe:

-Muito obrigado, Sakura.

Syaoran arregalou os olhos quando percebeu que ela saltara sobre ele, num "ataque" que ele já conhecia.

-S-Sakura! Eu detestoquando faz isso! Parece até de propósito!

-Por quê! – ela falou, sorrindo emocionada – Por que não me contou? Por que saiu sem se despedir de mim!

-Eu... Eu não tive tempo... – ele falou, sem jeito – Eriol estava com pressa para que eu voltasse para cá... E foi aí que ele me contou.

-Todos se conheciam e eu não sabia... – ela tinha os olhos encobertos pelos cabelos, mas o rapaz notou-lhe as lágrimas.

-S-Saku... ra... – Syaoran passou um dedo no rosto e sentiu uma lágrima escorrer por ele – Por que... está chorando...? Eu também não sabia...

-Estou feliz... – ela começou, segurando a mão dele e aproximou o rosto do dele - Eu senti tanto... Tanto, tanto a sua falta, Syaoran...

Novamente, como da última vez, as respirações se confundiam e cada um observava os lábios um do outro. Aproximaram-se lentamente, mas, para a surpresa de Sakura, o rapaz segurou-lhe o rosto com as duas mãos a centímetros do tão esperado encontro.

-Pelo amor dos deuses... – ele começou – O seu irmão não está aí, está?

A garota deu uma risada e fez um "não" com a cabeça.

-Melhor assim... – ele falou, beijando-a suavemente.

Foi um beijo suave no começo, mas passou um certo momento e os dois aprofundaram-no, sentindo as emoções que sentiam aumentarem por cada segundo de demora. Apenas quando ficaram sem ar é que separaram os rostos, abrindo os olhos lentamente para sorrirem um ao outro.

-Finalmente... – ele murmurou.

Sakura sorriu e levantou-se, estendendo a mão para que ele também levantasse.

-Aham... – ela pigarreou – O meu amigo Eriol contou-me que fez uma longa jornada até voltar para cá, senhor Li. – Sakura falava de modo sério como se não o conhecesse – Poderia me contar alguns detalhes?

-Aa, claro. – ele falou, segurando-a pelo braço e andando com ela em direção da casa – Eu passei por alguns problemas, mas uma pessoa me ajudou a voltar.

-Oh... verdade?

-Eu devo muito a ela... – ele falou quando os dois entraram.

-Vamos procurar aqueles dois. Tenho coisas sérias pra discutir com eles. – Sakura falou, sorrindo.

Syaoran fez um "sim" com a cabeça e começou a andar ao lado dela, embora não estivesse mais segurando o fino braço.

Parou ao notar algumas pessoas.

Em um canto, três pessoas conversavam socialmente, mas todas estavam se drogando discretamente, diluindo a droga na bebida que tomavam. Syaoran sabia quem eram, mas não tinha idéia de como Eriol não os conhecia.

Os três estavam se drogando...

-Syaoran? – a voz de Sakura o chamou. Ele olhou a garota e notou uma certa preocupação no rosto dela.

Por favor...

Syaoran olhou mais uma vez os três num canto e olhou a garota. Ele já passara por aquilo antes, não? Quando esteve naquele parque. Quando encontrou o homem naquela clínica, ele também tinha uma opção.

"-Eu passei por alguns problemas, mas uma pessoa me ajudou a voltar."

Tinha que escolher de novo.

"-Eu devo muito a ela..."

Syaoran escolheu ir atrás de Sakura.

Oshimai

(Fim)


Minna-sama, gomen nasai pela demora! (sorrindo sem graça). Estive doente, aconteceram alguns problemas e... Bem, peço desculpas.

Este enorme songfic é em homenagem a Lally-dono, uma pessoa maravilhosa que fez aniversário há tempos e só agora estou podendo postar o final disto aqui. Lally-dono, omedetou gozaimashita! Está atrasado, mas é de coração!

Também é em homenagem àqueles que enfrentaram ou enfrentam algum problema com esse assunto muito sério. Quem nunca enfrentou, espero sinceramente que nunca passem por esse problema.

Agradecimentos também aos pacientes, muito gentis e atenciosos fãs de fanfics de CCS que acompanharam este fic. Arigatou, minna-sama! E também um agradecimento muito especial a Heaven's Demon, que revisou este fic. Thanks!

Espero sinceramente que gostem deste capítulo! Se o considerarem digno de um comentário, ficarei muito feliz em recebê-lo.

Kisu no Shampoo-chan.