Capítulo 1. O caminho da Perdição

"Assim que o teu cheiro forte e lento

Fez casa nos meus braços

E ainda leve e forte e cego e tenso

Fez saber que ainda era muito e muito pouco."

         Seus cabelos brilhavam ao sol enquanto lhe abraçava e beijava seu rosto dos dois lados, os olhos radiando felicidade.

- Nos vemos em agosto! – Dizia sua voz macia enquanto endireitava-se sorrindo, como sempre. – Não esqueça de me escrever.

- Claro que não. A gente se fala – Respondia uma voz muito parecida com a sua.

         E havia uma troca de sorrisos antes que tivessem que dar as costas e ir embora. Não que o cheiro adocicado do perfume que ela usava fosse sair de sua mente. De jeito nenhum. Nos últimos meses jamais deixava de ser perseguida por aquele cheiro. Ou pela lembrança daquele rosto meigo. Esperou, em vão, que com as férias e a distância aquilo deixasse de perturbá-la, mas aparentemente era ainda pior na ausência. Sentia falta dela, saudades mesmo, e cada vez mais seus pensamentos se mostravam pouquíssimo fraternais em relação a garota.

         Claro que Lilá sequer desconfiava que pudesse estar pensando coisas daquele tipo. Vivia tentando se repreender mas, como sempre, não tinha sucesso. Já até se surpreendera imaginando quais seriam os momentos mais adequados para que acabassem se beijando. Era tolice, não deveria pensar nada daquilo, não tinha a menor lógica. O que estava acontecendo, afinal? Lilá Brown era uma garota!

         E Parvati Patil nunca se apaixonaria por uma garota. Nunca. Era de conhecimento público que as gêmeas Patil viviam metidas em intriguinhas e jogos amorosos. Eventualmente também envolvendo Lilá, quando esta e Simas resolviam terminar mais uma vez, como vinha acontecendo a mais ou menos cada três meses nos últimos três anos, desde que tinham começado a sair juntos no baile de inverno do torneiro tribruxo. Então porque ela, Padma, não conseguia tirar isso da cabeça?

         Imaginava que a coisa podia ser pior: se dividissem o mesmo dormitório, vê-la tanto todos os dias – até mesmo se trocando! – seria muito tentador. Por outro lado, provavelmente com o tempo se tornaria banal. Claro que se tivesse ido para a Grifinória, ela e Parvati ainda seriam unha e carne, com a mesma pose auto-suficiente, e não tão ligadas à Lilá.

         Bem, ela mesma não era tão ligada assim a Lilá. Até o ano anterior, suas companias mais constantes eram Cho Chang e Mandy Moon. Parvati era quem não desgrudava dela, sempre juntas pra cima e pra baixo. No começo, Padma se encheu de ciúmes. Depois, simplesmente se acostumou ao fato de que precisavam de outras companias. Por fim, passou a gostar de Lilá e confiar na mesma.

         Ou assim deveria ser o fim. Ficava fácil gostar de Lilá já que ela sempre passava a primeira quinzena de agosto na sua casa (Mandy morava a apenas duas quadras delas, então sua mãe sempre a mandava voltar pra casa) e elas ficavam todo o tempo juntas, desde conversas virando a noite até festinhas nas vizinhanças. Até que subitamente, no fim dos últimos exames, ela reparou que estava imaginando obsessivamente uma forma de beijá-la. Só então pode encarar a verdade: estava apaixonada pela melhor amiga de sua irmã.

         Desde então tudo que tentava fazer era esquecê-la. Mas aparentemente era impossível fazer isso da noite para o dia, ou em um mês, afinal estava sentindo um arroubo de felicidade pela chegada da garota no dia seguinte.

         Levantou-se da cama, tentando parecer bem disposta ao invés de perturbada pela lembrança que a perseguia todas as manhãs. Viu que Parvati continuava adormecida em sua cama apesar de ter uma coruja pousada no encosto da sua cama com o envelope de papel pardo preso em sua perna. Ela conhecia aquela coruja-das-torres, embora não soubesse de quem era – não havia indicação no envelope tampouco. A ave abriu as asas e saiu voando pelo céu azul de verão enquanto Padma mexia no envelope. Rasgou o lado puxando uma folha de papel comum pra ler, e viu o nome da sua irmã da página, mas não conseguiu conter o impulso de ler.

Parvati;

         Tudo bem por aí? Aqui as coisas estão bem na medida do possível. Mamãe continuava paranóica com a possibilidade de invadirem a Grifinória atrás de Harry, mas eu sempre lembro para ela que se eu não estiver seguro em Hogwarts, não o estarei em nenhum outro lugar. Afinal, Você-sabe-quem ainda teme Dumbledore.

         O que realmente está me incomodando é Lilá. Ela respondeu minhas cartas com gentileza, mas se recusou a sair comigo. Ela nunca fez isso antes! Será que ela realmente se cansou de mim? Eu preciso conquistá-la, tê-la, eu sou completamente maluco por ela! E ninguém conhece Lilá tanto quanto você. Por favor, Parvati, eu preciso da sua ajuda!

         Preciso de um plano. Daqueles realmente bons, para que eu e ela deixemos de brigar o tempo todo. Eu realmente gosto dela... Te peço um favor, como amigo: converse com ela, descubra o que ela pensa... E se for isso o melhor para Lilá, me ajude a voltar com ela. Porque eu já gosto demais dela para querer que ela fique ao meu lado e infeliz.

         Acho que você já percebeu que estou desesperado. Não sei mais o que fazer! Preciso muito de Lilá... Me ajude, por favor...

Beijos

Simas.

         Quando acabou de ler a carta, Padma sentiu um embrulho no estomago. Se ao menos ela pudesse fazer uma coisa dessas! Tão simples, pedir ajuda a uma amiga para ter Lilá consigo! Mas não, tinha que conviver com o fato que não importava o quanto desejasse Lilá, nunca a teria. Era duas garotas, não? Era muito claro que Lilá não gostava de mulheres. Além do quê, provavelmente era tão apaixonada por Simas quanto ele por ela.

         Agora saia que não podia ao menos contar a Parvati o que sentia. Ela não entenderia. Ela não aceitaria. Mas não iria ajudar Simas também. Padma não podia permitir que a irmã ficasse em tão conflito de consciência. A mataria ver Parvati dividida entre a amizade com Simas e o amor pela irmã.

         Porque raios tinha se apaixonado por uma garota? O que ela tinha, afinal, que não conseguia para em beijá-la, em tocá-la? Aquilo era um erro. Um erro completo. Mas todos seus esforços para esquecê-la, para não se manter presa a garota, eram inúteis.

         Pôs a carta em cima da escrivaninha da irmã e seus olhos encontraram um porta-retrato. A foto mostrava claramente Parvati e Padma, com Lilá ao meio, Parvati sorria abertamente pra câmera, enquanto Lilá parecia um tanto mais tímida. Padma também sorria, mas ao invés de olhar pra câmera, observava as outras duas com profunda admiração. Suspirou desviando os olhos. Ninguém deveria perceber seus sentimentos. Preconceito, discriminação, piadinhas de mau gosto... Tudo isso ela poderia esperar se descobrissem.

         Foi então que percebeu que estava chorando. Droga. Tudo que ela queria era ser uma normal, mas isso parecia ser cada vez mais difícil.

         Em algum lugar dentro dela, uma vozinha dizia que aquilo estava prestes a acabar.

***

         Qual é a característica mais importante do amor? Podemos amar coisas, ou pessoas, sermos retribuídos ou não, podemos vê-lo sobre os mais diferentes disfarces, mas a essência dele é sempre a mesma. O desejo máximo e supremo de fazer alguém feliz, cuidados, carinho, lealdade, entre outras coisas é marcante no sentimento. E o amor não escolhe nada. Não escolhe casas, ou sobrenomes, nem raças e nem cor... E muitas vezes, nem sexo. Podemos manipulá-lo, escondê-lo sob um disfarce de amizade, negar nossos desejos íntimos de ser amante, mas ainda sim ele estará dentro de nós nos incomodando. Padma sabia disso. Estava cansada de sofrer, e sabia que tanta amizade e tanta confiança que tinha em Lilá não eram mais que um esconderijo e uma negação. Era a pior forma de mentir, pois estava tentando enganar apenas a si mesma. E doía-lhe a consciência, e as dúvidas... Mas, não, era apenas Lilá quem lhe tirava do sério. Não havia outra mulher no mundo que a pudesse perturbar, que lhe despertasse aquele tipo de desejo, e era todo seu consolo.

         Parvati não tinha feito menção de responder a carta de Simas, que vira naquela mesma manhã. Passou o dia inteiro observando a gêmea nervosa e agitada, seguindo seus passos com um olhar penalizado e preocupado. Claro que não poderia desconfiar que lhe perturbava, e talvez fosse isso que a deixasse mais aflita. Não saber. Via a irmã sofrendo, a alegria que sempre tinha ia murchando lentamente, e a espera pela vinda da amiga, que geralmente era exultante, nesta noite tinha um ar melancólico.

         Padma se deitou em sua cama, e puxou as cobertas antes de desligar o abajur. Tinha ficado todo o dia perdida em pensamentos e dúvidas, mergulhada em seus questionamentos, quase não falando com as pessoas à sua volta. Sua mãe não iria notar, ele jamais notava alguma coisa. E seu pai, achava fantástico que apenas Parvati falasse, geralmente parecia que ele não conseguia agüentar ter as duas garotas em casa. Lilá estava chegando, e então poderia aproveitar de sua presença, seu cheiro, seu toque... Mas ao mesmo tempo, seria a dor mais doce de todas ter essas coisas, já que lhe eram direcionadas com fraternidade e não paixão. Nem mesmo Padma poderia imaginar a amiga para si. O que deveria fazer – dizia à ela mesma – era ajudar Simas a voltar com ela. Mas provavelmente Parvati iria fazer isso sozinha. Ela sempre conseguia fazer os dois reatarem, enquanto ajudar só ia lhe partir ainda mais o coração. Talvez aquilo fosse até melhor: a dor ajudaria a esquecer.

         Mais uma vez ela estava chorando, como uma menininha indefesa. Não poderia lutar pelo que queria: seria constrangedor pedir pelo amor de uma mulher. Tudo que ela fazia era chorar para aliviar os sentimentos, para tentar esquecer, no entanto aquele sofrimento não lhe parecia uma tortura tão grande, era apenas uma punição por ter se voltado para o proibido. Ela deveria se apaixonar por homens, era assim que as coisas deviam ser, mas Lilá não saía de sua mente por um segundo que fosse. Viu Parvati se sentar na cama, virando-se para ela, mas continuou virada para a parede, tentando abafar o som do choro.

- Você está sempre chorando ultimamente – Falou Parvati baixinho, mas sabendo que a irmã à escutava, mesmo que não reagisse – e não vai me dizer porque... Você acha que eu não seria capaz de entender... Acha que eu ia te recriminar, te descriminar... Mais que isso... Você acha que eu não sei, que eu não percebi... É porque você não vê sua própria cara quando a vê. Não vê o brilho dos seus olhos, nem a devoção do seu rosto... O que eu mais queria era que alguém olhasse para mim como você olha pra ela...

- Do que você está falando? – Perguntou Padma com a voz embargada.

- Da maneira como você olha para Lilá. Eu reparei, você sabe... Não só eu, a Hermione Granger também. Ela não falou nada, com medo que eu me irritasse, mas eu sei que ela sabe... E mais gente vai descobrir, porque você não sabe esconder...

- Eu não sei da onde você tirou isso – Respondeu a garota rispidamente indo para o banheiro. – Não tenho problema nenhum com Lilá.

- Pad! – Falou a irmã em tom de repreensão, se encostando no batente da porta do banheiro das duas. – Você pode tentar enganar os outros, e eles podem até acreditar, mas eu nasci com você! Ninguém te conhece como eu, eu sei que tem alguma coisa... Eu... Eu acho que você está apaixonada por ela e não quer me dizer.

- Você está delirando – Falou lavando o rosto com água fria, e secando-o na toalha amarela do banheiro. – Agora é melhor você me deixar dormir e dormir também, porque sua amiga vai chegar de manhã.

         Parvati segurou o braço da irmã com força quando esta tentou passar de volta para o quarto à forçando a encará-la.

- Diga então, olhando nos meus olhos, que você não está apaixonada por ela.

         Padma desviou o olhar.

- Você está me machucando!

- Diz olhando nos meus olhos, já que é verdade!

- Parvati!

- ME DIZ OLHANDO NOS MEUS OLHOS, SE É VERDADE! – Os olhos da garota estavam cheios de lágrimas enquanto ela gritava com a irmã.

         Padma levantou a cabeça lentamente e olhou dentro dos olhos da irmã.

- Eu não estou apaixonada pela Lilá.

- Você está mentindo – Retrucou a outra imediatamente – por que não me conta?

- Não há nada para contar.

- Isso não é verdade!

- ÓTIMO! O que você quer saber? – A voz de Padma era alta e agressiva - O que você quer que eu diga? Que eu não consigo tirar a Lilá da minha cabeça? Que eu penso nela sempre que acordo? Que eu fico sentindo o cheiro dela, e sentindo vontade de abraçá-la e de beijá-la, é isso que você quer? Então está bem, eu digo! Eu estou apaixonada por ela! Agora pode ir em frente! Grite e diga que isso é nojento! Vá lá! Diga mais, pode dizer! O que você quer, me destruir ainda mais?

- Eu só quero te ajudar... – Respondeu a menina, as lágrimas escorrendo pelo rosto. – Eu nunca, nunca iria...

- Você não pode me ajudar. – Cortou Padma, gélida. – Ninguém pode me ajudar. Ninguém pode tirá-la da minha cabeça. Não, dessa vez você não pode resolver minha vida amorosa com mais um dos seus planinhos. Lide com isso.

         Padma pulou na cama, se escondendo novamente sob os cobertores, e continuou em silêncio pelo resto na noite, perdida em seus pensamentos, até pegar no sono quase com o dia raiando.

***

- Meninas... Acordem! Lilá deve estar chegando em uma hora!

         Padma relutava em levantar, seu corpo estava dolorido e ainda sentia sono. Quando finalmente se virou para o quarto viu Parvati sentada na cama, olhando em sua direção.

- Você vai contar a ela, não vai?

- Às vezes eu me pergunto se está te faltando algum parafuso, sabia? – respondeu mal-humorada – Parece que não sabe que se eu contar para ela, ela nunca mais voltava aqui e ia passar a nos evitar...

- Lilá não é assim. Você sabe que ela não é assim.

- Ótimo! Ótimo! Nem por isso eu vou contar pra ela, Parvati! – Padma sentou-se na cama, ainda mais irritada. – Não vou contar!

- Ela merece saber, Pad... Ela gostaria de saber por você, e não acabar descobrindo sozinha. É só contar pra ela...

- Eu não sou nenhuma grifinória, Parvati! – A garota estava de pé, aos berros. - Eu não tenho essa coragem e nem essa lealdade toda! Eu não vou contar nada a ela!

- Ela vai saber de qualquer maneira... E quando ela descobrir, ela vai se decepcionar, porque você quem deveria ter contado à ela.

- Você não tem direito de me dizer o que fazer.

- Eu não estou te dizendo o que fazer. Eu apenas estou te dizendo o que eu acho que você deveria fazer.

- Ótimo. Guarde suas opiniões pra você mesma.

***

         Mesmo anos depois, Padma não conseguiria pensar em um dia que tivesse sido uma felicidade e uma aflição tão grande ver a amiga. Lilá tinha cortado as madeixas loiras de uma forma diferente, usando uma franja da menininha, e sua pele tão pálida parecia levemente corada de sol. Os grandes olhos azuis brilharam quando entrou pela porta, olhando de Parvati para Padma e novamente para Parvati. Seus traços pareciam ainda mais delicados após o mês de separação, e nem mesmo em suas memórias mais fiéis ela era tão bonita.

- Como eu senti a falta de vocês! – Lilá deixava o malão na entrada com o elfo doméstico e vinha abraçar as duas meninas ao mesmo tempo. – Vocês quase não me escrevem!

- Só porque você escreve 3 páginas apenas contando o que aconteceu em uma semana, não significa que a gente tenha tanto assunto quanto você!

- Muito engraçadinha, Parvati... Você só me escreveu pra confirmar que eu podia vir pra cá hoje, sendo que eu venho pra cá no exato mesmo dia todos os anos! Só a Pad respondeu decentemente minhas cartas...

- Talvez porque ela não tenha um namorado para dar atenção – Respondeu lançando um olhar estranho à garota que era seu espelho.

- Não teve mesmo volta com Jonhy McDougal? – Perguntou a loira dando um sorriso de apoio.

- Não era o que ela queria – Parvati pôs a língua pra fora.

- E já tem alguém à vista? – Questionou a garota animada, e vendo a expressão sem jeito da outra, continuou. – Você vai me contar, não é?

- Não tem ninguém à vista não. E Simas? Quando você pretende voltar com ele? – Perguntou sem dar tempo a outra para duvidar de suas palavras.

- Não pretendo voltar. É hora de crescer, não acha...? Mudar... – Lilá suspirou, se encostando na parede. – Ele não é mais o que eu quero...

         Padma pode sentir o olhar de Parvati sobre si, mas tudo que fez foi suspirar e encarar o teto. Não havia motivo para o coração acelerado, nem para a sensação de alegria que sentiu nascer no peito. Aquilo não era nada, não seria nada...

         Ela tentou segurar-se no chão, mas seu coração já voava.

N/A: Eu imagino que esse primeiro capítulo tenha ficado hiper fluffy, mas espero que não tenha sido melação demais pra vocês. Eu queria uma fic sobre meninas, feita por uma menina e para as meninas. Toda minha gratidão à minha "irmã" Luiza por me emprestar "Lost and Delirious" e alimentar ainda mais a inspiração para liberar a fic que vinha me perturbando à um ano, e também a minha "filha" Hermikiller pelo apoio. E, claro, a Satine por betar.