Harry subiu correndo para a Torre da Grifinória e estava tudo muito silencioso. Todos estavam dormindo. Sabia que Rony não estaria no quarto, depois do que havia acontecido com Gina todos os Weasley estavam dividindo um aposento próximo à enfermaria, por sugestão de Dumbledore. Hermione, por sua vez, provavelmente estava acampada por lá. Então só lhe restou a solidão e os próprios pensamentos para lhe confortar. Havia acabado de quase perder Gina, salvado-a, descoberto que era o amor da sua vida, para perdê-la de novo. Estava confuso e não sabia direito o que pensar. Sentia uma raiva inexplicável dentro do peito. Talvez após uma noite de sono ela mudasse de idéia. Isso não poderia ficar daquele jeito, seria sobretudo injusto.
Com isso em mente ele deitou na cama e mesmo tentando ficar acordado, para pensar, acabou dormindo. O dia tinha sido estafante para todos, principalmente para ele, que tinha sofrido muito, física e emocionalmente. De manhã foi acordado por Hermione, que parecia muito triste.
- Harry, acorda, já são onze horas - ele deu um pulo da cama. Tinha dormido de óculos e tudo. Não tinha sequer posto os pijamas.
- Mione, eu tenho que correr, a Gina... - estava ansioso agora, tinha que saber como ela estava, se tinha dormido bem e, principalmente, se aceitaria vê-lo. Quem sabe tinha mudado de idéia...
- Harry... Ah, Deus! Como eu vou te dizer isso? - Mione estava desconcertada.
Rony entrou no quarto. Tinha os olhos vermelhos, parecia que tinha chorado muito. Harry ficou desesperado. Algo terrível havia acontecido para os dois irem lhe dar a notícia daquela forma.
- Rony! O que houve? Gina? Deus! Não! Ela está... Está... - agora sentia como se o coração fosse sair pela boca, tremia e os olhos estavam se enchendo de lágrimas.
- Ela está bem, Harry! - Rony disse em tom monótono. - Mas temos algo para te contar, não sabemos como você vai aceitar isso - mal conseguia olhar para o amigo.
- Harry, a Gina nos contou tudo... - era Mione quem falava agora. - Ela disse por que você conseguiu salvá-la - ela suspirou fundo. - Nos disse também por que não podia ficar ao seu lado - agora Mione tinha a cabeça baixa, a voz embargada. Não podia continuar. Ela olhou para Rony, pedindo ajuda.
- Ela partiu, Harry... – Rony disse secamente. Estava tendo dificuldades de aceitar o romance da irmã caçula mas o pior era vê-la partindo por causa disso tudo.
- Como partiu? Pra onde? Que absurdo é esse que vocês estão falando? - Harry agora estava ficando furioso com os amigos.
- Ela pediu autorização a Dumbledore ontem à noite para que pudesse ingressar em Beauxbatons. Diante dos motivos dela ele permitiu. Ela foi para a França hoje de manhã, com o nascer do sol. Mamãe foi com ela. Madame Maxime ficou muito feliz em poder ajudar. Ela vai terminar seus estudos por lá. Meus pais só deixaram porque sabiam que era caso de vida ou morte e... - Harry não ouvia mais o que Rony dizia. Estava em choque. Com uma raiva que nunca tinha sentido antes. Não conseguia entender o que estava sentindo. Apenas saiu do quarto, batendo violentamente a porta. Queria ir para o mais longe possível dali. Sumir talvez.
Hermione chorava agora. Rony percebeu e prontamente foi abraçá-la enquanto Harry saía, furioso, porta afora.
- Temos que dar um tempo para ele, Rony... Você tem que ficar menos amargurado com isso. Ele é nosso amigo. Ele também ama a Gina e está sofrendo. Vai precisar de nós agora. Ele não tem culpa...
- Eu sei mas eu mesmo estou tendo dificuldade de aceitar, Mione. Ela é minha irmã... Como eu vou protegê-la de tão longe? - também chorava.
- Tudo vai se acertar... Deus! Que situação mais triste...
Harry saía agora da sala comunal. Andava cada vez mais depressa. Já estava praticamente correndo pelos corredores, sem rumo, chorava de ódio quando esbarrou em alguém que quase o derrubou. Era a professora Figg.
- Oh! Querido! Você está bem? - ele a olhou sem expressão.
- Me desculpe Arabella mas estou com pressa - ele queria sumir dali, fugir.
- Agora, infelizmente, você não vai poder sair, Harry. Dumbledore quer vê-lo. É importante, antes que você vá arrumar suas coisas para partir.
Harry apenas sacudiu a cabeça e acompanhou a professora. Logo estavam em frente à gárgula e em seguida na sala do diretor. Dumbledore tinha a aparência cansada, parecia que não tinha dormido bem àquela noite.
- Ah! Bem na hora. Eu estava imaginando que você dormiria até amanhã - olhava para Harry por cima dos óculos. - Eu tenho uma visita para você.
Nesse momento entravam pela porta Bichento e um grande cão negro. Sirius. Por mais que Harry estivesse feliz em ver o padrinho não conseguia ter nenhuma expressão no rosto. Parecia morto por dentro. Os olhos estavam apagados, com um tom de verde muito peculiar. Transparecia total infelicidade.
Dumbledore acenou e Sirius se transformou.
- Olá Harry! Diretor! Sra. Figg - agora Bichento se enroscava nas pernas de Arabella.
Dumbledore olhava divertido para a cena. Harry permanecia apático. A senhora Figg simplesmente pegou o gato no colo. E o diretor começou a falar.
- Bem, agora que todos estão aqui posso devolver as coisas aos seus devidos lugares.
- Como assim? – Harry perguntou, curioso.
- Meu caro, você nunca reparou na afeição que esse gato tinha ao seu padrinho? Protegeu-o diversas vezes no seu terceiro ano... E como se apegou rápido à professora Arabella? - Harry mantinha a mesma expressão de outrora. - Esse gato na verdade é um animago - Harry se espantou. - Mas estava sob um feitiço que o mantinha transfigurado. Agora nós já desfizemos o feitiço. E posso garantir que, embora Hermione tenha saído perdendo, você, Sirius e Arabella ganharam e muito - com essas palavras Bichento começava a sacudir estranhamente no colo de Arabella, que o colocou no chão. Ele brilhou um pouco, espichou-se e então se tornou humano.
- Olá pessoal! - Uma bela moça de cabelos acaju e olhos amarelados expressivos falava agora.
- Harry, essa é minha filha, Allana. Essa é a sua madrinha – disse, orgulhosa, a professora Figg.
Ele estava surpreso. É claro que tinha reparado que o gato era estranho, muito grande, inteligente... Bichento adorava a professora Figg e parecia ter uma paixão paradoxal pelo cão negro Sirius mas daí a ele, ou ela, ser sua madrinha?
- Perdoe-me por não ter contado antes mas estava ajudando Sirius. Mamãe mesmo só soube um tempo depois. Espero que você não se chateie comigo... - ela agora tentava ganhar a confiança do afilhado. - Todo esse tempo... Se eu pudesse teria ficado com você mas fui pega pelo Pedro. Ele achou que seria engraçado se eu ficasse para sempre como um gato. Eu tinha me tornado animago para salvar Sirius, sabia que desse jeito os dementadores não me influenciariam tanto quando chegasse em Azkaban para resgatá-lo mas fui descoberta e... Bem, aqui estou - ela sorria, sem graça, para Harry.
- Eu entendo Allana - mais uma vez Rabicho havia lhe roubado a possibilidade de uma família, junto a Allana e Sirius. - Que bom que você está salva agora - percebia o olhar embevecido de Sirius para a madrinha enquanto ela falava.
Ela não resistiu e deu um abraço no afilhado, que retribuiu. Sirius se juntou a eles em seguida. Harry reparou nas mãos do padrinho, entrelaçadas às de Allana ao final do abraço. Dumbledore continuou.
- Harry, eu sei que você passou momentos difíceis então vou direto ao ponto. Achamos que seria interessante que você passasse uns tempos com a sua madrinha... - Allana interrompeu.
- Na verdade eu queria saber se você quer morar conosco, quer dizer comigo, definitivamente. Infelizmente Sirius é ainda um fora da lei - ele a cutucou, sem graça, quando disse isso. - Ele só poderá vir quando for tudo esclarecido mas podemos tentar formar um lar enquanto isso e recebê-lo nele depois, o que acha?
Era a primeira boa notícia em muito tempo. Harry conseguiu até sorrir. Estaria livre dos Dursley. E teria uma família.
- Allana, quando eu posso me mudar?
Tudo estava resolvido, Harry moraria com a madrinha e Arabella. E quando Sirius estivesse com o nome limpo moraria com eles. Todos estavam animados. Mas antes de saírem Harry pediu para falar com o diretor a sós. Ainda estava confuso sobre o que tinha acontecido com Gina.
- Eu sei o que te aflige - disse Dumbledore, sorrindo, antes que Harry dissesse algo. - Posso garantir que a Srta. Weasley estará segura na França. Madame Maxime vai cuidar dela pessoalmente. Ela dividirá o quarto com Fleur Delacour. Eu não permitiria que corresse nenhum risco - Harry respirou, mais aliviado, embora o peso em seu coração permanecesse. Antes de sair o diretor ainda acrescentou. - Harry, às vezes a mesma onda que leva traz de volta na próxima maré aquilo que perdemos. Não se esqueça disso.
Harry saiu um pouco mais leve, era como se Dumbledore soubesse, como sempre, o que dizia. O resto do dia foi uma grande correria na escola, todos arrumando os seus pertences para partir. Os Weasley e Hermione já tinham ido antes e não acompanhariam Harry no trem. O Sr. Weasley havia recebido autorização especial do diretor para levar os filhos mais cedo. Por causa da viagem da filha e da esposa ele agora estava tomando conta sozinho de todos e ainda tinha que retornar ao Ministério. Mione, é claro, tinha ido junto com Rony, apesar de ser monitora e ter o dever de ajudar no trem tinha obtido autorização para quebrar o protocolo e acompanhar o namorado.
Chegou então a hora de pegar o Expresso de Hogwarts, de volta a Estação King's Cross. Harry estava sentado muito sozinho no trem. A cabine estava vazia. Neville, Dino e Simas estavam jogando Snap Explosivo com Lilá, Padma e Parvati em outra cabine e ele tinha preferido ficar. Olhava perdido a paisagem passando monotonamente pela janela. As últimas vinte e quatro horas tinham sido devastadoras demais para ele. Pelo menos iria para a casa da madrinha. Se estivesse indo para a casa dos tios pularia do trem ainda em movimento.
Quando estava quase dormindo foi interrompido por uma batida seca na porta da sua cabine. Era Draco Malfoy.
- E aí, Potter? Onde estão os seus "amiguinhos"? - Harry permanecia calado. - A Srta. sangue-ruim e o pobretão do Weasley desertaram? - ainda assim Harry olhava para o horizonte, sério. - Ah! Quem diria, nossa celebridade agora anda sem seus fãs? E ficou aqui, amarrando o bode sozinho? - ele continuava alheio aos comentários de Draco. - Deve ter sido um choque para você aquela pirralha da Weasley ter sido expulsa! Antes tarde do que nunca... - agora Malfoy tinha acertado o ponto. Harry olhou com raiva para ele e respondeu entre os dentes.
- Ela não foi expulsa. Ela quis sair. E o nome dela é Virgínia.
- Ah! Sim, ela fugiu de você! Até que a pirralha pobretona é esperta. Se bem que ela podia ter aproveitado seu dinheiro para alimentar aquele bando de Weasley famintos - Harry agora estava começando a se aborrecer.
- Cale a boca, Malfoy! - disse, bufando.
- Ops! Falei o que não devia? - Draco agora abusava do cinismo. - Pobrezinho do Potter. Chutado pela namoradinha! Deve estar com uma tremenda dor de cotovelo agora! - os olhos cinzentos cintilavam.
- Eu estou avisando, Malfoy! - já tinha os punhos cerrados.
- Você é um idiota patético, Potter! Eu teria sabido aproveitar melhor o tempo com ela e a teria feito querer ficar, se é que você me entende...
Aquela tinha sido a gota d'água. Harry se levantou e, com a mão esquerda, levantou Draco do chão, batendo com sua cabeça na parede da cabine. Draco grunhiu.
- Vai lançar um feitiço em um monitor, Potter? É proibido, você sabe - Draco sorria cinicamente.
- Não! - ele então deu um soco no meio da cara de Draco, que permaneceu "dormindo" o resto da viagem e se retirou da cabine.
Harry tinha descontado parte da sua raiva e agora se sentia um pouco mais leve para acompanhar os amigos numa partida de Snap Explosivo.
Quando o trem chegou à estação King's Cross Allana já estava esperando por ele e tinha um embrulho dourado nas mãos.
- Mamãe e eu queríamos te dar um presente de boas-vindas mas não sabíamos o que comprar. Tinha que ser algo especial. A idéia foi de Sirius.
Harry tinha acabado de abrir o presente. Era a nova Firebolt Thunder Power 3000. Estava surpreso. Já tinha até esquecido que sua antiga Firebolt fora completamente destruída no acidente. Ficou muito agradecido, o presente devia ter custado uma fortuna.
Quando eles chegaram à casa de Arabella e Allana a madrinha apenas disse:
- Seu quarto é lá em cima. Segunda porta à esquerda. Você tem um banheiro próprio. Fique à vontade, agora você está em casa. Qualquer coisa que precise é só falar. Depois, se você quiser, faremos compras para decorar melhor seu quarto, mais ao seu gosto. Mamãe vem só mais à noite.
Harry subiu as escadas. Estava na porta de seu quarto, mal podia acreditar. Tinha uma plaquinha bruxa escrito "Harry Potter", com um rapaz numa vassoura que voava para lá e para cá, perseguindo um pomo de ouro minúsculo. Quando entrou não entendeu o que a madrinha tinha querido dizer com "mais ao seu gosto". O quarto era perfeito, não precisava de nenhuma mudança. Deitou na cama. Como era grande e macia, os lençóis eram novinhos e cheirosos. O armário estava repleto de roupas que tinham como principal qualidade ser do seu número exato. O melhor de tudo era que aquela era uma casa bruxa e vários itens do quarto eram mágicos, como o abajur que acendia e apagava sozinho. Agora tinha um lar. Mas ainda assim não estava feliz. Tinha um peso dentro do coração.
Harry se sentia traído por Gina. Ela não tinha dito a ele que partiria. Havia deixado-o sozinho simplesmente. Estava ainda em choque. Não podia acreditar. Só não desejava nunca a ter conhecido pois os breves momentos juntos haviam trazido um novo sentido à sua existência. Então uma pequena coruja cinzenta bateu de leve na janela dele. Era Pichitinho. Ele levantou e abriu o vidro.
- Entre Píchi - ele abriu o envelope. Dentro dele havia um bilhete e uma mecha de cabelo ruivo trançado. Era, obviamente, de Gina.
"Harry,
Me perdoe mas não poderia ser de outra forma! Eu não teria conseguido partir se olhasse novamente nos seus olhos. Nunca vou ser capaz de dizer adeus a você... Eu não passo de uma covarde, afinal... Eu te amo!
Para sempre sua,
Gina.
PS: Guarde esse pedacinho de mim como lembrança. Eu guardarei você inteiro em meu coração."
Harry lia a carta e segurava entre os dedos o pedacinho de Gina, a trança que havia deixado. Ele não percebeu mas as lágrimas corriam soltas por sua face. Até então não tinha desabafado. Leu e releu a carta várias vezes. Sentiu-se desvanecer. Quando acabou chorava como um bebê. Soluçou até esgotar os pulmões, deslizou, encostado na parede, até o chão.
- Eu nem pude me despedir! – murmurou entre soluços, desejando estar morto. Pior, desejando estar na casa dos Dursley ao invés de ter um lar se isso pudesse lhe devolver Gina. Nada mais fazia sentido. Permaneceu ali, no escuro, sozinho, chorando ainda por muito tempo. Até que adormeceu.
Algumas horas depois ele acordou, estava com fortes dores no corpo e a cabeça parecia que ia explodir. Viu-se ali, largado no chão, totalmente destruído.
"Eu não ligo mais para nada. Não acho que seja possível eu me sentir pior do que isso. Se eu tiver que dormir para sempre no chão duro, comer as sobras dos outros, usar roupas esfarrapadas, não me importa. Eu hoje ganhei uma casa, uma vida nova, tudo que eu sempre havia sonhado. Mas por ironia não é mais esse o meu sonho. Eu posso agora dormir em uma cama macia, comer como um ser humano e me vestir decentemente mas nada disso importa mais. É como tomar sorvete no inverno, cheirar uma rosa estando resfriado, ver o mundo por trás de uma vidraça suja, tomar sopa fria... Tudo perdeu o sentido, o colorido. Porque você não está aqui para dividir isso comigo. Porque eu não tive o direito sequer de te dizer adeus. Mas que sina é essa a minha? Ganhar o mundo inteiro só para perdê-lo no segundo seguinte? Você disse que fez isso para salvar a minha vida mas eu não acho que tenha sobrado muita coisa para você salvar. Você diz que me tem inteiro, guardado no seu coração. Eu estou certo disso pois não existo mais de outra forma que não seja em você. Sou agora um corpo sem espírito. Faca sem corte. Fio sem meada", Harry pensou.
Então lembrou as palavras de Dumbledore: "Às vezes a mesma onda que leva traz de volta na próxima maré aquilo que perdemos". Respirou fundo. Ergueu a cabeça. Lembrou-se de Fawkes, renascendo das cinzas após se consumir em chamas e imaginou que era o que devia fazer. Aliás era só o que tinha feito desde que nascera, já tinha feito coisas mais difíceis. Pensaria em algum jeito para reverter aquela situação. Levantou-se, espreguiçou, como se estivesse nascendo de novo, ressurgindo. Sorriu, sentindo-se reconfortado naquela certeza. Olhou no espelho da cômoda para sua imagem, confiante. Seria um novo recomeço.
Pegou a pena e um pergaminho e começou a responder a carta dela. Travaria uma batalha diferente. Mas com certeza no final Virgínia Weasley voltaria para ele. De qualquer maneira. Ou não se chamava Harry Potter.
FIM
Continua em Harry Potter e o Ressurgimento da Fênix