REGULUS

"Morreu. Um idiota...juntou-se aos Comensais da Morte. (...) Mas aposto que meus pais achavam que Regulus era o perfeito heroizinho quando se alistou logo no começo."

"Ele foi morto por um auror? – Harry perguntou, tentando adivinhar."

"Oh, não. Ele foi morto por Voldemort. Ou por ordens de Voldemort, o que é mais provável; duvido que Regulus tenha se tornado bastante importante para ser morto por Voldemort em pessoa. Pelo que descobri depois da sua morte, ele acompanhou o movimento até certo ponto, então entrou em pânico com o que lhe pediam para fazer, e tentou recuar. Bem, ninguém simplesmente entrega um pedido de demissão a Voldemort. É um serviço para a vida toda".

***

Um capuz cobria o seu rosto, e ele não fazia a mínima idéia de onde estava. Fora conduzido até ali por mãos supostamente desconhecidas – na verdade, o último rosto conhecido que vira antes de ter os olhos vendados fora o de Lucius Malfoy. O homem que durante meses a fio o convencera a finalmente aliar-se ao Partido das Trevas "porque você não deseja que os trouxas tomem conta de tudo, deseja? Já imaginou, um dia, tudo o que nós construímos em segredo tomado por esses seres inferiores? Nossa raça contaminada? Pense, Regulus...você tem uma posição de prestígio hoje, e pode conseguir muito mais...Poder, não é isso o que todos nós desejamos?" – Esse era o discurso de Malfoy. Inflamado. Quase fanático.

Sentiu que agora estava sozinho, num lugar úmido e frio. E ouviu uma voz chamando o seu nome. Fria e cortante, e ele sentiu arrepios de medo. Tentou controlar-se.

"Então você resolveu juntar-se aos meus seguidores, jovem Black...você sabe o que isso significa?"

"Lealdade e obediência – o rapaz respondeu tenso – mas eu estou aqui porque... "

"Cale-se!" – e Regulus sentiu que não era capaz de dizer mais nada – "não são todos que chegam aqui determinados, e conseguem cumprir as minhas ordens. Você me entende?" – e uma estranha força invisível o fez ficar em pé, e ele encarou os olhos frios de Lord Voldemort – "Diga-me, você quer se tornar um dos meus Death Eaters?"

"Sim senhor... "

"Diga-me, Regulus Black" – e o bruxo lhe apontou a varinha – "você quer se tornar um dos meus Death Eaters?" – Voldemort sorriu – "Crucio..."

Regulus jamais sentira tanta dor antes, e fez força para se manter em pé, da mesma forma que tentava falar, mas sentia que isso era impossível. Tudo o que conseguiu foi gritar. Então, subitamente o feitiço foi interrompido. Ele deixou-se ficar no chão, ofegante.

"Eu ainda não ouvi sua resposta... – a voz fria de Voldemort soou novamente. "

"Sim...eu quero me juntar aos Death Eaters... "

" Muitos sucumbem a dor, Black...por esse teste você passou, mas outros virão...até onde eu julgar necessário, você provará sua obediência..." – o bruxo aproximou-se e tomou o braço esquerdo do rapaz com violência – "levante a sua manga" – ordenou.

Ele arregaçou a manga até a altura do cotovelo, e estendeu o braço nu. Então, Voldemort apontou a varinha, e riu quando uma chama brilhou na ponta, e atingiu a pele de Regulus. Este gritou novamente, e trouxe o braço para junto do corpo, sentindo a queimadura latejar. Quanto tempo ficou ali, no escuro e em silêncio, ele não soube dizer. Então, ouviu uma voz conhecida chamando-lhe o nome.

"Você já pode tirar o capuz" – ele não esperou outra ordem, e o removeu. E levou algum tempo para reconhecer sua prima, Bellatrix.

"Então, doeu muito?" – ela perguntou, sorrindo sarcasticamente – "francamente, Regulus, você gritou como uma moça...não como eu, logicamente" – ela acrescentou.

"Você estava o tempo todo aí... "

"Claro que sim...pertencer ao círculo íntimo do Lord das Trevas requer tempo e disposição, Regulus...mas temos direito a nos divertir um pouquinho...como assistir a iniciação de novatos como você..."

Somente naquele momento Regulus percebeu o quanto de poder Bellatrix possuía entre os outros seguidores do Lord das Trevas. Ela não estava sozinha. Outros tiraram os seus capuzes, e ele reconheceu Lucius e Rudolphus Lestrange, o marido da sua prima. Até onde ele conhecia sobre os Death Eaters, Bellatrix era a única mulher entre eles.

"Eu recebi a incumbência de treiná-lo, Regulus" – ela disse, como se comentasse sobre algo banal, como jogar quadribol ou xadrez – "e por enquanto eu serei a porta-voz entre você e o Lord, entendeu? Você receberá as ordens dele através de mim..."

Ele olhou para a prima, e a despeito do poder que brilhava em seus olhos negros, ele riu. A situação parecia por demais absurda, quase como...

"Isso por acaso é uma reunião de família?" – ele disse, olhando para os outros.

"Você pode interpretar como quiser, Regulus...mas apenas tente me levar a sério, ok?" – Bellatrix não sorriu, e o encarou com firmeza – "volte para casa, para não preocupar sua mãe, e tome cuidado...não vá bancar o corajoso sem ordens expressas, você está entendendo? E muito menos aja como um tolo... "– ela completou – "vá, nos veremos em breve..."

Mas o breve de Bellatrix podia significar semanas...mesmo assim, Regulus foi paciente aguardando algum contato da prima. E enquanto isso não ocorria, ele procurava manter as aparências...não era isso que Malfoy, e outros tantos que ele conhecia faziam? Ele era jovem, bonito e rico, dono de uma das maiores fortunas da Grã-Bretanha, baseada na indústria de firewisk. Então, ele decidiu que era hora de aproveitar as oportunidades que tinha em mãos, e seu nome tornou-se conhecido de toda a sociedade bruxa. Um jovem poderoso, cujos negócios eram rentáveis, e alimentavam os cofres do Ministério da Magia através de doações para "causas nobres" .

Porém, logo Bellatrix apareceu, e fez com que ele visse a sua nova realidade, como um seguidor do Lord das Trevas. E Regulus deixou que toda a intolerância que aprendera durante a sua vida tomasse conta de si, quando tinha uma missão para cumprir. E logo, ele tornou-se perito em localizar inimigos escondidos, seguindo os seus passos por semanas a fio; aprendeu a usar as Maldições Imperdoáveis com destreza, e sabia intimidar com uma simples ameaça. Ele vislumbrava um futuro no qual ele seria um dos homens mais poderosos ao lado de Voldemort, e perseguiu com entusiasmo os seus objetivos. Um mundo sem trouxas, no qual ele teria muito mais poder. Uma ilusão perigosa, mas que ele não conseguia enxergar.

***

O casamento de Narcisa Black e Lucius Malfoy foi um dos assuntos mais comentados naquele verão, quando Regulus completava um ano de serviços prestados como Death Eater. Ele próprio não poderia ter imaginado noivo mais adequado para a prima caçula, e a união das duas famílias foi comemorada com grande pompa, numa festa concorrida.

Regulus circulou entre os convidados com grande desenvoltura. Conhecia a todos, e sabia o quanto ele podia impressionar. No entanto, a única pessoa que ele gostaria que lhe dirigisse a palavra, ou pelo menos fizesse algum gesto gentil em sua direção era Lucila Malfoy. Mas a moça, que fora a sua namorada oficial nos dois últimos anos em Hogwarts, agora desfilava orgulhosa de braços dados com Hareton Avery. Regulus se perguntava o que outro tinha a mais: não poderia ser dinheiro, nem um sangue mais puro. Estavam separados há anos, mas todas as vezes que via Lucila feliz, ao lado do noivo, sentia vontade de esganá-la.

Serviu-se de mais uma dose de firewhisk, e desviou o seu olhar de Lucila. Ele chegara a conclusão de que ela não valia mais a pena. Então, sentiu uma mão fria tocando o seu braço, e ao se virar viu Bellatrix, e nunca a prima lhe parecera mais bela. E ferina também.

"Ainda sozinho? Isso não confere com o seu padrão de conquistas, Regulus" – ela provocou – "ou será que aquela visão" – e ela apontou para Lucila – "o está afetando?"

"Lucila?" – ele desdenhou – "ela já é passado...mas...o que você tem a ver com a minha vida amorosa?"

"Eu? Nada, querido...eu já resolvi o meu problema" – ela indicou a própria aliança na mão esquerda – "a Narcisa também...agora, o que todos se perguntam é: quando Regulus Black finalmente se casará?"

Ele riu. Às vezes, Bellatrix o surpreendia com a sua ironia afiada.

"Bem, e se eu disser que não faz parte dos meus planos me casar?" – ele perguntou, em desafio.

"Então, você vai Ter que se entender com a titia" – Regulus teve a leve sensação de que sua mãe, distante alguns metros, os observava – "pois ela me disse hoje mesmo que espera que você lhe dê netos...ou você se esqueceu que a preservação da família Black depende exclusivamente de você?"

"Eu não sou o único Black a andar por aí, Bella...você sabe bem disso..." - ele respondeu exasperado.

"Você é o único que importa, Regulus" – ela respondeu friamente – "você entendeu o que eu quis dizer."

"Hum-hum...entendi. Entendi que você tem pouco com se ocupar, e agora resolveu bancar a casamenteira...se liga, Bellatrix, isso não combina com você" – ele se virou para a prima – "quer um conselho? Arrume um bebê manhoso e chorão...com certeza você terá menos tempo para se preocupar com a minha vida" – dizendo isso, ele tomou o último gole de firewhisk, e se retirou da presença da prima.

Algo naquela festa o incomodava. Talvez porque no fundo, tudo aquilo não passasse de um teatro. Todos eram atores, cumprindo fielmente o seu papel de pessoas respeitáveis. Mas ele conhecia a podridão por trás de cada um dos convidados. Afinal, naquela agradável tarde, o círculo íntimo do Lord das Trevas estava todo reunido num mesmo local. Ele, no entanto ainda não fazia parte do mesmo. Por enquanto, ele pensou com despeito. Provar que era digno de confiança também.

Regulus se afastou do centro da festa, e caminhou pelos jardins da Mansão Malfoy. Sentia-se tentado a ir embora, quando ouviu, próximo de si uma discussão, entre um homem e uma mulher, embora um muro os separasse, e fosse impossível ver os seus rostos.

"Do que você tem medo? Eu já não sou uma criança que você precisa vigiar..."

"Não foi isso o que eu quis dizer, Ansara...me escute: você tem que tomar cuidado com as pessoas com quem você tem andado..."

"Você é engraçado, Severus...as pessoas com quem eu tenho convivido são as mesmas que nós conhecemos em Hogwarts. O que isso muda"

"A sua ingenuidade me assombra..."

"Eu não sou ingênua!!" – ela gritou, e Regulus sentiu-se constrangido – "Eu sei melhor do que você onde eu estou, e com quem eu convivo...e lhe digo mais, eu não tenho medo do que possa acontecer...e você não deveria sentir medo também."

"Eu...eu não tenho medo! Não por mim, mas por você..."

A voz da moça pareceu mais condescendente.

"Você não precisa ter medo por mim, porque eu sei me defender...mesmo assim, eu agradeço a sua preocupação...vem, vamos voltar para a festa. É capaz que a Helena já esteja te procurando, e vai reclamar que você dá muita atenção a mim"

"Bem, você veio muito antes dela, não? Ok, vamos voltar" – Regulus o ouviu responder de mal-humor.

Em questão de segundos, o casal que discutira apareceu de detrás do muro que circundava o jardim, e se dirigiam ao lugar onde Regulus estava parado. Então, o rapaz reconheceu o outro: era Severus Snape, colega de classe de Bellatrix e Rudolphus. A garota que o acompanhava não era totalmente desconhecida – Regulus se lembrava vagamente dela nas classes mais novas em Hogwarts – e sabia apenas que seu nome era Ansara, pois assim havia sido chamada momentos antes. Ela era uma mulher muito jovem – e Regulus suspeitou que ela ainda não completara vinte anos – de rosto pálido, que nem a maquiagem que usava conseguia disfarçar.

Os dois passaram por Regulus, e Severus o mediu de cima a baixo, e grunhiu algo como se fosse um cumprimento. A garota, porém, o olhou fixamente com curiosidade, mas não se deteu. Continuou o seu caminho ao lado do outro rapaz, mas virou a cabeça ainda uma vez. Regulus continuava no mesmo ponto, e não pôde deixar de acompanhá-la com o olhar.

***

Parecia não haver diposição alguma por parte dos convidados em deixarem a festa tão cedo. Anoitecia, e a orquestra contratada pelos Malfoy começou a tocar. Os noivos abriram o baile, e foi com grande pompa ( e um pouco de exibição na opinião de Regulus ) que Narcisa e Lucius começaram a dançar, sorrindo como se nada estivesse acontecendo fora daqueles jardins. Num dado momento, os dois se beijaram com grande excitação. Outros casais se dirigiram para o tablado destinado ao baile, e Regulus sentiu uma pontada de inveja de Lucius, ao vê-lo com sua prima. Ele conseguira uma esposa bonita, inteligente, fiel – e puro-sangue.

Um elfo-doméstico passou, carregando uma bandeja com firewhisk, e Regulus pegou mais um. Já perdera a conta de quantos drinques havia bebido naquele dia, mas era tudo o que precisava naquele momento. Com a mente um pouco mais entorpecida pelo álcool, ele chegou à conclusão que naquela noite a Grã-Bretanha teria um pouco mais de paz. Pelo menos aquele casamento serviria para os trouxas dormirem tranqüilos por pelo menos uma noite. Circulou entre as mesas, conversou com alguns conhecidos...e então a viu novamente, sentada ao lado de Severus e de uma outra mulher desconhecida. Seus olhos se encontraram mais uma vez, e Ansara levantou-se decidida e caminhou em direção a Regulus. Por sorte, outro elfo apareceu carregado de bebidas, e o rapaz pegou uma taça de vinho.

"Aceita uma bebida?" – ele ofereceu.

"Obrigada" – a garota pegou a taça e sorveu o vinho em pequenos goles.

"O seu namorado deve estar com ciúmes..."- Regulus provocou, olhando para Severus – "ele não pareceu ter gostado nem um pouco de você Ter se retirado da mesa."

"Ele não é meu namorado, é meu irmão" – ela esclareceu – "mas você ainda não se apresentou..."

"Sou Regulus Black, primo da noiva" – ele sorriu provocante – "e o seu nome?"

"Ansara Snape...e eu estou nessa festa apenas porque não tinha nada o que fazer em casa" – ela deu de ombros – "não conheço muita gente por aqui..."

"Quer que eu os apresente? Você está diante da nata da sociedade puro-sangue da Inglaterra...não é uma oportunidade para se desperdiçar..."

"E você faz parte dessa nata? "

"Óbvio que sim... "

"O seu nome não é estranho para mim...Black" – ela murmurou – "meu irmão sempre se referia a esse nome com desprezo."

"Ele e o meu irmão estavam na mesma série em Hogwarts...e eles não, hum...se davam muito bem."

"E ele está por aqui? O seu irmão?"

Regulus a encarou sério.

"Não...ele rompeu com a família há vários anos. E eu não gosto de falar sobre isso" – ele encerrou o assunto – "escuta, você não quer dançar um pouco?"

Os dois seguiram para o tablado. Ansara lançou um olhar na direção do irmão, e ele não parecia realmente aprovar seu comportamento .Mas ela não ligou. Regulus a segurava firme pela cintura, puxando-a para perto de si. A garota encostou a cabeça no ombro do rapaz, e este sentiu um calor morno subindo pelo peito. Era normal aquilo? Os dois jamais haviam trocado uma única palavra até então, mas agora ele sentia uma necessidade absurda de saber mais sobre aquela garota, o que a impressionaria mais...qual o gosto do seu beijo, ou como seria seu desempenho sexual...ele admitiu para si mesmo que estava atraído por ela, e a apertou ainda mais. Já não ouvia mais a música, nem o som das outras pessoas. Concentrara-se em Ansara e nada mais lhe importava.

"Será que poderemos nos encontrar novamente?" – ele lhe perguntou, ao final da música, quando ela fez menção de partir – "você vive em Londres?"

"Eu trabalho no Gringotes..."- ela informou – "se você quiser me convidar para almoçar um dia desses, eu não vou me importar" – completou, com um sorriso malicioso nos lábios – "estarei lhe esperando" – ela sussurrou no seu ouvido.

Estavam muito próximos agora, e seria a oportunidade perfeita para beijá-la...mas em sua experiência com mulheres, Regulus sabia que era melhor esperar, mesmo que ela também desejasse beijá-lo. Fazia parte do complexo e atraente mecanismo da conquista.

***

Na semana que se seguiu, Regulus pegou-se pensando muitas vezes em Ansara, e se perguntou o que ela tinha de diferente das outras mulheres. Ela podia ser atraente, mas não chegava a ser propriamente bonita. Ele não queria realmente admitir que estava atraído pela garota e desejava vê-la novamente. Enfim, na sexta-feira seguinte ao casamento de Narcisa, ele apareceu no banco, com um buquê de rosas vermelhas nos braços. Um gesto que, ele sabia, impressionava qualquer mulher. No entanto, Ansara agiu como se aquele ato fosse o mais natural possível. Recebeu as flores e o encarou, num misto de curiosidade e desprezo.

"Aposto como você imaginou que eu não apareceria?" – ele perguntou.

"Não..." – foi a resposta categórica da moça – "eu sabia que você viria, mais cedo ou mais tarde...portanto, não foi surpresa para mim..."

"Você então me esperava?"

"Talvez sim, talvez não..."- respondeu evasiva, e riu – "então, Sr. Black...você não veio aqui apenas para me trazer flores, não? "

"Não...eu vim convidá-la para almoçar também."

Foi uma tarde agradável, e Regulus percebeu que Ansara podia ser uma companhia no mínimo interessante. Não era fútil como a maioria das mulheres com quem ele costuma sair, e sabia discutir assuntos atuais, desde artes até política. Empolgado com o encontro, ele nem ao menos reparou que ela escolhera os itens mais caros do restaurante. Ele não media esforços quando precisava impressionar uma mulher. Naquele dia, ele decidiu que atenderia todos os desejos de Ansara Snape. Com certa relutância, admitiu que queria vê-la mais e mais vezes.

Saíram do restaurante, e ele discretamente a tocou no braço, segurando-lhe o cotovelo.

"Você precisa realmente voltar para o banco?"

"Eu não nasci em berço de ouro como você, Regulus. Eu preciso do meu emprego" – ela respondeu, rispidamente – "acho melhor nos despedirmos aqui."

"Não" – e ele aproximou-se mais dela – "quando poderemos nos ver novamente?"

"Regulus..."- e por instantes, ela hesitou – "não sei se seria adequado...hum, prolongarmos esse contato...foi um almoço bastante agradável, você é uma boa companhia , mas..."

"Mas o que? Eu não vejo qualquer empecilho...é o seu irmão, por acaso? Ele também não gostou de mim? Vamos, me fale."

"Eu não sou como você, entendeu?" – os olhos dela pareciam arder – "Eu não tenho uma vida tranqüila como a sua e a das suas primas, não tenho grana...você está me entendendo?"

"Não, não estou!! O que você quer? Que eu tenha pena de você?"

"Não foi isso o que eu quis dizer!!" – ela gritou.

"Mas é o que parece! Você está se colocando num papel inferior, eu nunca pensei em humilhá-la, ou coisa parecida..."

"Eu detesto a minha vida do jeito que ela é...conviver com pessoas medíocres, como sempre foi, desde a minha infância...eu nem sei porque estou dando satisfações a você, nós não passamos de dois estranhos!"

"Eu não considero mais você uma estranha!"

"Mas eu sou! E você não faz a menor idéia do que ocorre aqui dentro" – e ela apontou para a própria cabeça – "e eu não sei se há lugar para você na minha vida..."

"Se você não me der uma chance, nunca saberá" – ele a segurou com força – "eu não vou implorar para vê-la novamente, Ansara...eu jamais desceria a esse nível. Se você nunca mais quiser me encontrar, eu vou tentar entender...não vou morrer por causa disso" – ele encarou – "e desde a primeira vez que a vi, senti um profundo desejo de beijá-la" – ele a puxou para si, e colou os lábios nos dela. Forçou-a abrir a boca, mas Ansara reagiu e tentou empurrá-lo. Ele a apertou com mais ímpeto, e a garota finalmente cedeu.

***

Ter conquistado Ansara representou para Regulus a mesma coisa que a vitória em uma batalha. Cercado de estratégias e planos de ação, ele fez com que a garota se sentisse realmente atraída. E quando finalmente a teve em seus braços, rendida, ele não teve vontade alguma de deixá-la, como normalmente fazia. E assim, uma nova fase se iniciou em sua vida: a de um homem comprometido e apaixonado. Ele considerava os seus sentimentos contraditórios: podia ter frieza suficiente para atacar e torturar qualquer um que atravessasse seu caminho enquanto desempenhava suas funções como um Death Eater. Mas ele não suportava ver Ansara contrariada, triste ou chateada. Esforçava-se para fazê-la sorrir.

Mas não era sempre que podia vê-la, principalmente a noite, quando estava a serviço do Lord das Trevas. Nessas ocasiões, inventava desculpas, e ela sempre as aceitava. Não questionava o porquê, e com isso Regulus respirava aliviado. No fundo, ele sentia que talvez ela não entendesse o fato dele ser um Death Eater. Talvez ela pudesse achá-lo abominável por isso, e poderia até terminar o relacionamento que começava. Ele não estava disposto a correr o risco, e assim escondia as suas reais atividades noturnas.

E naqueles dias, ser um Death Eater era correr todos os riscos em nome da "Causa", como eles diziam entre si. Limpar a Europa e, posteriormente, o resto do mundo dos trouxas e sangue-ruins era apenas uma questão de tempo, e a guerra poderia se arrastar por mais anos, eles não se importavam. O essencial era abrir caminho, aumentar a influência no Ministério, espionar, torturar e – porque não? – matar, para que o Lord das Trevas subisse definitivamente ao poder. Os jornais noticiavam os ataques num misto de nojo e revolta, mas Regulus ria das manchetes, que apavoravam os cidadãos comuns. Até ali, ele jamais sentira medo durante uma missão.

Fazia alguns meses que Regulus saía com Ansara, quando os jornais começaram a noticiar um pequeno conflito interno do Ministério da Magia, que aos poucos foi aumentando de proporção até atingir a opinião pública, e dividir a sociedade. Uma série de leis, essencialmente Anti-trouxas foram apresentadas no Ministério para serem votadas, e uma caloroso discussão se acendeu entre duas facções distintas: de um lado, liderados por Araminta Meriflua – parente de Regulus – e Andrews Malfoy, pai de Lucius, que defendiam, entre outras coisas os casamentos mistos, o acesso dos chamados "sangue-ruins" à Hogwarts, e legalizar a caça aos trouxas; do outro lado, combatendo veementemente essas leis, encontravam-se Harold Potter e Edgar Bones – ambos funcionários do alto escalão do Ministério, famosos por seus projetos de Relações com Trouxas.

Regulus acompanhou a questão por semanas, através dos jornais e por Lucius Malfoy, que considerava essencial uma atitude um pouco mais "radical", "porque apenas discutir, brigar e dizer aos jornais que o Potter é um amante de trouxas não vai nos levar a lugar algum" – dizia ele – "acho " – completou – "que está na hora de agirmos".

No começo daquele mês de outubro, uma entrevista derradeira de Harold Potter para o Profeta Diário, defendendo seu ponto de vista, e atacando de forma quase violenta Lord Voldemort, foi o sinal para a ação do Lord. E sob suas ordens, uma dúzia de Death Eaters invadiu o antigo solar dos Potter, onde Harold vivia com a esposa, o filho único, recém-casado, e a nora.

O ataque, meticulosamente combinado, começou na madrugada, surpreendendo as vítimas. Antes de invadir a casa, Regulus sentiu um aperto no estômago, mas dizia para si mesmo que não estava com medo, embora sentisse cada batida descompassada do seu coração. Ao seu redor, companheiros desconhecidos, encapuzados como ele.

A única coisa não planejada naquela noite era a quantidade de visitas – ou seja lá o que fosse – na casa dos Potter, o que complicou o ataque. Regulus dispersou-se pelos aposentos, procurando os moradores – tinham ordens claras de capturar o velho vivo, apenas ele, e exterminar a família. Invadiu um dos aposentos, e viu a Sra. Potter procurando um modo de escapar. Não havia medo no olhar dela, apenas a fria determinação de manter-se viva. Ele desviou os olhos, mas apontou a varinha e pronunciou as palavras mortais – Avada Kedavra – e ouviu o baque surdo do corpo no chão. Sem demora, ele deixou o quarto.

Ouvia-se pela casa Maldições e Azarações, e ele não tinha idéia de quantas pessoas estavam combatendo. Ainda no corredor ele ouviu o grito de uma mulher jovem, ao entrar no quarto onde ele deixara o corpo da mulher do Potter. Ele escondeu-se atrás de uma escultura, e a viu passar diante. Logo a reconheceu como sendo a nora sangue-ruim de Harold Potter. Silenciosamente, ele saiu de onde estava escondido. Por um instante, ele pensou que poderia atacá-la pelas costas. Mas a garota se virou repentinamente e gritou, antes que pudesse lançar qualquer azaração. Ele foi mais rápido e a estuporou. O feitiço foi suficiente para arremessá-la contra a parede, e ela escorregou vários degraus da escada que ligava o primeiro andar com o segundo.

"Lily!!!"

Ele ouviu o homem gritar, e antes mesmo de vê-lo, ele reconheceu a sua voz. Viu Sirius, seu irmão correndo pela grande sala de estar, com o rosto ensangüentado. Então, nos primeiros degraus, seus olhos se encontraram. Sirius jamais poderia identificá-lo, não com aquele capuz. Mas o seu olhar era de nojo e ódio, e ignorando a garota desacordada, ele saiu em seu encalço.

Regulus voltou para o corredor onde estava anteriormente, e correu até o fim, entrou em outro quarto, e fechou a porta atrás de si. Sabia que era apenas uma questão de tempo até o outro arrombá-la. Abriu a janela, e pendurou-se na sacada. A casa contava com feitiços anti-desaparatantes, o que impedia a sua fuga. Ele permaneceu ali alguns minutos, até ouvir uma mulher gritar no corredor. E a porta ainda não havia sido arrombada....

Saiu cautelosamente do quarto, e olhou para os lados, mas não viu o menor sinal de Sirius. Mas a poucos metros, viu o corpo de um Death Eater...ou seria uma death eater? Lembrou-se do grito, mas imaginava que fosse a garota sangue-ruim, mas ela estava desacordada na escada....aproximou-se, e olhando atentamente para os lados, certificando-se que não havia mais ninguém por ali, puxou o capuz...

...os cabelos longos e sedosos soltaram-se do coque mal-feito, e emolduraram o rosto pálido de Ansara. Regulus prendeu a respiração diante do choque de vê-la ali, naqueles trajes e naquele estado. Ele tomou o pulso, e respirou aliviado ao perceber que ela ainda vivia.

Pegou-a no colo, e a levou até próximo a escultura onde se escondera momentos antes. Puxou a varinha, e murmurou: "Portus". A chave de portal o levou até uma praça próxima dali, de onde podia ver a Marca Negra estampada no céu. Era o sinal de que a missão fora bem-sucedida. Acomodou Ansara melhor no seu colo, e desaparatou, levando-a consigo.

***

"Um dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto também"*

Já amanhecera completamente quando Ansara recuperou os sentidos. Ela se encontrou deitada, ainda usando as vestes negras, numa enorme cama quente e fofa, envolta por edredons. Acomodou-se melhor, estudando o quarto desconhecido, até perceber que não estava sozinha....

"Regulus?"

O rapaz, que cochilara, estava sentado em frente a cama, numa poltrona. Ele acordou sobressaltado, mas logo se recompôs. Os dois se encararam, e havia culpa em ambos os olhares. Regulus também não se dera ao trabalho de se trocar, e agora já não havia mais como esconder a sua outra identidade.

"Onde eu estou?" – ela perguntou, sentando-se na cama, embrulhada no edredon.

"Na casa de verão da minha família, em Salisbury... " – ele respondeu, a voz fria e indiferente – "eu pedi para os criados prepararem um lanche para você" – ele apontou para uma mesa no canto direito do quarto – "acho que você precisa se alimentar..."

Disse, e saiu do quarto, batendo a porta com força. Caminhou para fora da casa, vazia e silenciosa, e encostou-se no gradil da varanda, olhando para os vastos campos úmidos pela geada daquela madrugada. Ele sentia frio, mas não se importou. A raiva que sentia agora era maior que qualquer outro sentimento que pudesse ter, e faltou muito pouco para que ele não terminasse de matar Ansara. Ela o enganara, com a sua fala mansa, seu ar de moça sofrida...não passava de uma mentirosa sórdida, cínica e dissimulada.

"Regulus...será que nós podemos conversar? Como pessoas civilizadas?"

Ansara estava a sua frente, embrulhada no edredon. O desprezo por ela parecia ainda maior.

"Nós não somos pessoas civilizadas, Ansara...pelo menos é isso o que os jornais dizem, não é mesmo?"

"E quem liga para esses malditos jornais?" – ela perguntou, também se encostando na grade, olhando para o horizonte – "Eu acho que fiz o que tinha de ter feito...embora ninguém tenha me apoiado...nem mesmo meu irmão, o hipócrita..."

"Você me enganou!!"

"Ah, claro...só eu?" – ela o encarou com raiva – "não adianta negar, Regulus...como mais você poderia ter me trazido para cá?" – riu amargurada – "ninguém mais iria se preocupar comigo naquele lugar, não é mesmo?"

"Eu devia tê-la deixado lá...com certeza a essa hora você já estaria em Azkaban!!"

Ela riu. Uma risada seca, sem vida.

"Uh, que medo, Sr Black. Então é isso o que faria? Praticamente me entregar aos dementadores? Isso se chama covardia!!"

"Chega! Cala essa sua boca estúpida, antes que eu o faça, Ansara!"

"Você me enganou também!! Reuniões de negócios, é? Jantar com o Malfoy? Até quando você achou que conseguiria me esconder isso?"

" E você se aproveitava das minhas ausências para também agir, na clandestinidade, não é mesmo? Quantas vezes estivemos lado a lado, como ontem? Hein? "

"Eu não entendo a sua fúria, Regulus...o que você queria? Uma mulher passiva, que vê tudo acontecer ao seu redor, sem no entanto agir? Alguém como a sua prima Narcisa, que espera pacientemente o marido voltar todas as noites de incursões misteriosas? Se liga, eu não sou esse tipo de mulher, e se você estava esperando isso de mim, meu caro, eu sinto muito."

"Você se aliou ao Lord das Trevas para provar o quê? Que uma mulher também pode obter glórias, conseguir entrar para o círculo íntimo dele?"

"Não" – ela o encarou com frieza – "eu me aliei para conquistar uma posição decente nessa droga de sociedade" – Ansara respondeu, furiosa – "para que o meu nome tenha algum significado, para que eu não tenha uma vida medíocre como a da minha mãe...eu jurei para mim mesma, Regulus, que nenhum homem jamais iria me humilhar...que eu seria capaz de cuidar de mim mesma, sem ter que depender de ninguém...e eu tenho conseguido algum êxito nesse ponto, se você não me atrapalhar, logicamente..."

"Te atrapalhar?" – Regulus riu – "E desde quando eu atrapalhei você? Vamos, responda senhorita auto-suficiente..."

"Você não me atrapalha" – ela respondeu simplesmente – "não ainda...eu relutei muito em ficar com você...eu tinha medo, entende? De que você me privasse da liberdade, me proibisse de fazer o que eu quisesse...mas então você insistiu, e eu acabei me apaixonando...e eu ainda não consigo entender como alguém como eu pode ser capaz de amar..."

Ela disse as últimas palavras, e virou-se para não ter de encará-lo. Fingia olhar para o horizonte, mas seus olhos embaçados não enxergavam nada além dos campos que cercavam a propriedade. Ficaram em silêncio durante muito tempo, cada um pensando na própria mesquinhez. Mas por fim, foi Regulus quem agiu primeiro. Delicadamente a puxou para si, e a abraçou como se ela fosse uma criança. Ele sentiu lágrimas quentes lhe encharcando o peito, mas não ligou. Ele entendia o que ela quis dizer...somente naquele momento ele percebeu que estavam ligados por um sentimento muito mais forte que ele podia supor. E haviam jurado lealdade eterna à mesma pessoa, alguém que poderia levá-los à glória – ou a ruína total. Em todo caso, pelo menos ele sabia que não estava mais sozinho...a solidão que ele imaginava experimentar um dia, quando tudo estivesse acabado – e ele não sabia como aquela história acabaria – já era passado. Ele tinha Ansara, e prometeu a si mesmo a ser o homem perfeito para ela.

"Vamos esquecer tudo, ok? Estamos juntos agora, e é isso o que importa" – ele sussurrou – "e eu também te amo..."

***

O tempo parecia passar depressa...ou eram tantos acontecimentos naquele período, que Regulus mal percebia as mudanças ao seu redor. Ele e Ansara continuavam juntos, e ele tinha certeza que grande parte da sua força vinha dela. Quando estavam juntos, ele sentia-se forte, poderoso, um homem cruel que todos temeriam. E era justamente essa sua ilusão, que ele alimentava dia após dia, que o levou a tomar atitudes extremas em suas atividades clandestinas. E Regulus começou a matar.

O ano de 1980 se iniciou sob forte tensão. A guerra, que já se estendia por dez anos, parecia não Ter um fim certo. Ninguém se arriscava a um palpite sobre o desfecho. No pronunciamento de Ano-Novo, publicado pelo Profeta Diário, Bartolomeu Chrouch, o chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, prometia à população que "aquele ano seria o derradeiro ano dessa guerra insana" e que "nenhum esforço seria medido para conter aqueles que se denominavam Death Eaters, os seguidores de Você-Sabe-Quem".

Regulus riu, e atirou o jornal para o lado. Estava no pequeno apartamento que Ansara dividia com o irmão, e aproveitava que este não se encontrava, para ter um pouco de privacidade com a moça. Ela preparava o jantar, enquanto ele lia o jornal, em voz alta.

"Esse Crouch é um idiota!" – ele comentou.

" Não o subestime, Regulus. Ninguém sabe do que esse velho arrogante é capaz...em todo o caso" – ela foi até a sala, e leu a entrevista de Crouch – "ele não pode passar por cima das leis do Ministério da Magia" – ela o beijou rapidamente – "e há tanto de nós lá dentro, que duvido que ele conseguiria passar qualquer lei mais rígida". – ela folheou o jornal, e leu a coluna social com interesse – "ah, olha só Regulus" – ela riu sarcasticamente – "parece que o seu irmão se casou..."

"Hum?"

"Eu não imaginava que ele tivesse uma vida própria, sabe...ou que alguma mulher realmente se interessasse por alguém estúpido como ele..."

"Só se for alguém estúpida como ele...daqui, deixa eu ler" – ele pegou o jornal, e leu a pequena nota. Por alguns instantes, ele se lembrou do dia do ataque à residência dos Potter – "idiota" – murmurou, largando o jornal. Nada que viesse de Sirius o interessava mais. O irmão estava definitivamente sepultado dentro da sua vida, assim como Andrômeda e outras pessoas da família que o decepcionaram de alguma forma. " E um dia, todos eles perceberão que agiram como tolos durante esses anos...mas talvez já seja tarde demais".

Ansara voltou para a cozinha, e o assunto daquele casamento ou o discurso de Crouch ficaram esquecidos. Severus chegou logo em seguida, para desagrado de Regulus. Não que ele tivesse algo contra o irmão de Ansara, mas ele não conseguia formar uma opinião sobre aquele homem. Sabia que ele também era um Death Eater, e velho amigo de Bellatrix e Rudolphus, desde a época de Hogwarts. E que apenas duas pessoas importavam para ele no mundo: a irmã, e uma velha amiga de infância, Helena. Isso ele podia constatar pela gentileza que ele empregava nas palavras quando se dirigia a qualquer uma das duas. E só. Isso era tudo o que Regulus conseguia absorver da complexa personalidade de Severus Snape.

Ansara recebeu o irmão com carinho, retirou a sua capa e a guardou com cuidado. Essa cena despertou o ciúmes de Regulus, embora fosse absurdo. Ignorou o gesto de Ansara, e cumprimentou Snape. Por fim, os três sentaram-se à mesa para jantar.

Depois do que pareceu um eterno silêncio, enquanto mastigavam, Severus falou, após tomar um longo gole de suco de abóbora. Aquela foi a primeira vez que Regulus percebeu a amargura na voz do outro homem.

" Karkaroff foi preso nessa última madrugada..." – comentou, em voz baixa – "ele caiu numa emboscada..."

Ansara mordeu os lábios, e pousou o garfo sobre a mesa.

"Como foi isso?" – sussurrou.

"Não sei" – Severus deu de ombros – "mas agora o Ministério conseguiu por as mãos em alguém realmente grande...que sabe muita coisa a nosso respeito..."

"Então você está preocupado porque Igor Karkaroff pode fornecer alguma informação, e não pelo fato dele ser seu amigo e agora estar nas mãos dos dementadores? Severus, ele é seu amigo!"

"Acontece que numa situação como essa, não há espaço para a amizade" – o irmão retrucou – "você ainda não percebeu isso?"

Nem Severus nem Ansara disseram mais alguma coisa durante o resto do jantar. Regulus observou os irmãos, e não sabia a qual dos dois dar razão. Era uma situação totalmente nova, pensou. Até aquele momento, poucos Death Eaters haviam sido presos, e mesmo aqueles que haviam sido enviados para Azkaban, não pertenciam ao círculo íntimo do Lord das Trevas. Mas Karkaroff, Regulus conhecia. E sentiu um aperto na boca do estômago...um sentimento muito próximo ao medo.

Naquela noite, e nas seguintes, durante todo o resto daquele inverno, Regulus freqüentemente tinha pesadelos com Azkaban. Sonhava com centenas de dementadores o encurralando, e podia sentir o frio e o desespero tomando conta de si. Nessas noites, acordava banhado de suor, e não conseguia voltar a dormir antes do amanhecer.

Ao mesmo tempo, novas prisões foram efetuadas, e os primeiros Death Eaters começaram a morrer pelas mãos dos aurors. E foi naquela época que Crouch autorizou o uso das Maldições Imperdoáveis...

E conforme a primavera se aproximava, Regulus percebia também que Ansara aos poucos se afastava dele. Ele não sabia dizer se havia algo de errado entre ambos. Nenhuma briga, nenhum desentendimento...mas nos poucos momentos que passavam juntos, ela parecia distante. Como se...

"...há outra pessoa, Ansara?" – Regulus cansara de esperar ela falar. Cansara das mentiras fracas, das noites em que ela estava ausente...

"Regulus...se eu tentasse lhe falar antes...você não entenderia... "

"Eu não quero que você explique...quero que diga sim, ou não!! "

"Ok, há outra pessoa...mas não é como você está pensando...aliás, ele pensa que estamos juntos, mas Regulus...eu amo você!! "

"Mas você está me traindo!!" – ele gritou – "me traindo!!"

"Você vai entender, quando tudo acabar...me dê mais alguns dias...eu preciso que você tenha paciência."

"Eu não sou idiota, Ansara! E estou cansado de fazer papel de palhaço." – Regulus olhou mais uma vez para Ansara – "eu acho melhor tudo terminar por aqui..."

Ele não ouviu as palavras de desculpas dela. Não a ouviu chorar, tampouco. Porque ele próprio fora obrigado a sufocar as próprias lágrimas.

Naquela noite, ele bebeu além da conta. Arrastou-se até Grimmald Place, e deixou-se cair na cama, de roupa e tudo. Quando ele acordasse, talvez ele pensasse que tudo aquilo não passara de um pesadelo. Como aqueles que ele tinha quase toda noite agora.

Mas o dia amanheceu. E ele dormiu mais do que devia. E quando estava quase na hora do almoço, ouviu Kreacher, o elfo-doméstico, chamá-lo. Seu primeiro impulso foi de esmurrar a criatura. Mas conteve-se.

"O senhor tem visitas, mestre" – disse, fazendo uma reverência exagerada.

"Quem esta aí?" – perguntou, levantando-se.

"Kreacher não saber, não senhor...mas é um homem, senhor... "

"Ok, avise-o que já vou descer..."

Cinco minutos mais tarde já estava entrando na sala de estar. Havia um homem ali, olhando a velha tapeçaria com um ar curioso. Mas quando ele se virou, e seus olhares se encontraram, Regulus soube, de alguma forma, que o pesadelo não acabara ao acordar.

Os lábios de Severus Snape moveram-se lentamente...

"Ansara foi presa, Black!"

***

Demorou alguns instantes para que Regulus conseguisse absorver a informação. Olhou para o rosto do outro homem, e só conseguiu enxergar o desgosto em seu olhar duro e frio. Ficaram assim, em silêncio, cada qual pesando a sua dor. Regulus entendeu que apenas eles dois se importavam com aquela informação. Ninguém mais ligaria para o fato de uma garota de vinte e poucos anos ter sido presa. Principalmente ela sendo o que era.

Regulus virou-se bruscamente, de costas para Severus, que continuava impassível. Mordeu os lábios, e fez força para não chorar. Pelo menos não ali.

"Você...você bebe alguma coisa?"

"Não, obrigado. Eu só vim avisá-lo. Achei que deveria saber."

"Sim, sim, claro...er...obrigado..." – Regulus serviu-se de uma dose dupla de firewhisk, e afundou-se numa poltrona – "sente-se, Severus...e me conte como foi que aconteceu. Porque ontem" – e lembrar-se da noite anterior lhe doeu fundo no peito – "eu a deixei a salvo no seu apartamento."

"Ela foi presa essa madrugada...eram umas cinco horas, mais ou menos, quando os aurors bateram no apartamento. Eu não estava em casa, eu passei a noite fora...mas agora há pouco, quando eu voltei, tudo estava revirado...e ela foi levada, havia um bilhete" – "ele tirou de dentro das vestes um pedaço de pergaminho amassado" – "eu não posso mais voltar para lá...há provas mais que suficientes para me prenderem também..."

"Mas porquê ela foi presa? Se não foi flagrante...porquê? "

"Há muita coisa que Ansara deixou de contar a você, porque sabia que não seria compreendida...ela fez mais para a causa do que você poderia supor, Black...."

"Então porque não me conta?" – Regulus perguntou, com um quê de irritação na voz – "talvez eu possa dar um jeito... "

"Será?" – o outro perguntou incrédulo – "duvido...mas em todo caso..." – Severus suspirou – "você conhece o Witch's Place, não?"

"Claro" – Regulus recordou a boate que Rabastan Lestrange inaugurara no final do ano anterior, tendo Lucius Malfoy como sócio oculto. O local era freqüentado apenas por bruxos e bruxas da alta sociedade, em sua maioria puro-sangues simpatizantes do Lord das Trevas. Mas muitos filhos de famílias ilustres do governo também o freqüentavam – "eu estive lá uma ou duas vezes."

"Pois bem...foi em janeiro...numa noite em que você estava em missão. Eu havia combinado de sair com a Helena" – Severus enrubesceu – "de irmos à maldita boate...pois bem, Ansara não quis ficar sozinha em casa. Ela resolveu vir conosco." – Severus fez uma pausa – "Naquela noite, o local não estava muito cheio. Bellatrix e Rudolphus estavam por lá, e nós nos sentamos na mesma mesa. Chegaram, pouco depois, um grupo de rapazes. Eu não os conhecia, mas parece que sua prima sim. Ela pediu a Rabastan que providenciasse a melhor mesa para eles. "Quem são?" – eu perguntei. Ela simplesmente respondeu "Alguns conhecidos." Não demorou muito para que eles a chamassem, ela foi até a mesa, e permaneceu com eles alguns minutos. Depois, voltou para a nossa mesa, e chamou Ansara. As duas foram para os fundos da boate, onde ninguém podia vê-las ou ouvi-las. Quando Ansara e Bellatrix voltaram, foram diretamente à mesa dos rapazes.

"E o que aconteceu depois?" – Regulus perguntou, sentindo uma súbita pontada de ciúmes – "o que eles falaram? Quem eram eles?"

Severus não se abalou com a enxurrada de perguntas. Continuou no mesmo tom frio e impassível.

"Eu não ouvi o que eles conversaram...você quer saber quem eram? Eram filhos de figurões do Ministério da Magia...Bartolomeu Crouch Jr e Aurelius Fudge, entre eles. Foi ao lado do filho do Fudge que Ansara se sentou, foi com ele que ela conversou a noite toda..."

"E depois?"

"Depois? Depois eles se encontraram...várias vezes...ele parecia realmente apaixonado pela minha irmã..." – Severus suspirou, e parecia que uma nuvem cinzenta havia baixado sobre seus olhos – "eu não sei o que aconteceu ontem..."

Regulus olhou para o outro homem. Em outros tempos, seria capaz de sentir pena. Mas agora, a única coisa que sentia era um imenso vazio. Mas as últimas palavras de Severus foram suficientes para despertar alguma reação em Regulus:

"Procure sua prima Bellatrix...talvez ela saiba de alguma coisa."

Severus se foi, e Regulus não disse mais palavra alguma. Viu-o partir, mas esperava encontrá-lo em breve. No entanto, nos dias que se seguiram, o irmão de Ansara sumiu, e ninguém sabia onde ele estava. E os dois jamais voltaram a se encontrar novamente.

***

Os meses entre a primavera e o verão foram o verdadeiro inferno de Regulus. Não havia um único dia em que ele não amaldiçoasse todo o ministério pela prisão de Ansara. Tentar esclarecer os fatos que acabaram por mandá-la para Azkaban também parecia impossível. Procurou Bellatrix, como o próprio Severus havia recomendado, mas as palavras de sua prima fizeram com que sua raiva apenas aumentasse:

"Ela estava em missão, Regulus...não foi difícil para Ansara fazer com que o idiota do Fudge ficasse caidinho por ela... "

"Você quer me dizer que...que ela o seduziu? "

Bellatrix o encarou surpresa:

"Então você acreditou que ela tivesse sido seduzida? Sinceramente, Regulus, você é um estúpido, e até me envergonha dizer que você é meu primo. Em que mundo você acha que vivemos?" – ela o encarou, e ele recuou, assustado com a ferocidade do olhar dela – "nós temos que usar todas as armas que temos, e quando se é mulher, temos uma vantagem sobre os homens...vocês todos são uns fracos, diante de uma mulher jovem e bonita...capaz de levar qualquer homem a loucura...de faze-los falar qualquer segredo..."

"Você é muito baixa, Bellatrix!!!" – ele gritou furioso – "porque você não se sujeitou a esse papel imundo?"

"Porque eu sou uma mulher casada e fiel ao meu marido, Regulus." – ela respondeu, ignorando a reação dele - "Isso não ia ser nada positivo para a minha imagem de esposa dedicada, não?"

"Mas o dia em que o Lord das Trevas exigir que você vá para a cama de algum figurão do Ministério, você não será capaz de recusar não é mesmo?"

"Ele jamais exigiria isso de mim" – Bellatrix sorriu, superior – "eu estou muito acima dessas mesquinharias, Regulus...isso é serviço para essas novatas, como a sua namorada Ansara, ou a amiguinha do Severus, Helena..."

"MAS ANSARA FOI PRESA!!! "

"Isso não é culpa minha...e não grite comigo, Regulus...você não vai conseguir me irritar com esse seu acesso de raiva. Recomponha-se, porque teremos uma missão em breve, e você terá que contar com todas as suas energias..."

"E você não vai fazer nada para ajudar Ansara?"

"Não há nada que eu possa fazer sem dar a minha cara a tapa, Regulus, e não estou disposta a me arriscar pela sua namorada..."

***

O ódio levara Regulus ao extremo de sua crueldade, e uma frieza que ele jamais poderia imaginar, se apoderou dele. Cada vez que saía a noite, e percorria as ruas de Londres, ele procurava pelos culpados pela prisão de Ansara. Ele não sabia o nome dos aurores que a prenderam, mas isso não o importava: qualquer um deles que cruzasse o seu caminho, ele o capturava, e tentava, a qualquer custo, a obter alguma informação sobre Ansara.

Mas o seu desejo de vingança foi subitamente substituído pelo dever que tinha para com o Lord das Trevas. E no início de junho Voldemort convocou todos os Death Eaters que estavam espalhados pelo país. Era a primeira vez que ele chamava á sua presença até os mais inferiores de seus seguidores. Mas ninguém, além dos seus mais fiéis seguidores sabia o que ele planejava.

Reuniram-se num velho cemitério abandonado, todos vestidos de preto, e devidamente encapuzados. Regulus estava ali, entre a maioria, não no seleto círculo do qual Bellatrix, Rudolphus e Lucius faziam parte. Mas ele podia ouvir cada palavra daquela voz fria que ele aprendera a temer desde o início...

"Chega de pequenos ataques...chega de dominarmos vilas insignificantes...isso ainda não desestabilizou os amantes de trouxas e sangue-ruins, homens como Albus Dumbledore" – Voldemort sorriu friamente – "ele ainda não conhece suficientemente o meu poder...então, eu quero dar a ele uma pequena amostra do que sou capaz...da minha força e crueldade..."

Regulus ouvia aquelas palavras sem emitir som algum. Estava atordoado com o poder que emanava do seu Lord. Naqueles poucos instantes em que Voldemort discursava, ele conseguiu esquecer Ansara. Apenas ansiava ouvir mais, e descobrir o que o esperava.

"...então, decidi que seria interessante mostrar para Dumbledore um pouco da nossa força...bem próxima do seu nariz torto..."

Alguns riram nervosamente, mas a maioria permaneceu em silêncio. Aquele não era o melhor momento para brincadeiras.

"Primeiramente, eu pensei em Hogwarts...mas os nossos informantes nos revelaram que nunca aquele castelo esteve tão protegido, e precisaríamos de meses para desfazer todos os feitiços de proteção...então, eu descartei a idéia, porque tenho pressa!! Então, recebi outra notícia, dessa vez mais promissora...parece que o nosso distinto diretor esqueceu-se que Hogsmeade também pode nos oferecer uma grande diversão...o que eu quero lhes dizer, meus caros Death Eaters, é que em trinta de junho próximo, no dia em que os alunos de Hogwarts voltam para casa..."

Um murmúrio de aprovação passou entre os Death Eaters. Mas Regulus sentiu as pernas tremerem. Aquele seria o maior ataque do Lord das Trevas a uma aldeia.

"...obviamente, o ataque começará pela estação, no momento do embarque, e se estenderá por todo o vilarejo. Se vocês forem competentes o suficiente, ao cair da noite, Hogsmeade estará em nossas mãos. E então Dumbledore não terá muito mais o que fazer, a não ser esperar que Hogwarts caia também..." – Voldemort voltou-se para os seus seguidores mais próximos – "eu quero que vocês se organizem em quatro grandes grupos" - apontou para Lucius, Bellatrix, Rudolphus e Avery – "escolham quem vocês quiserem para segui-los. E não falhem!!"

Subitamente, o Lord os deixou. Os Death Eaters começaram a se dispersar, e Regulus ficou por ali, andando entre os túmulos abandonados. Os quatro escolhidos por Voldemort para liderar os outros conversavam em voz baixa. De repente, a voz de Bellatrix sobressaiu-se das demais, e as suas palavras encheram a noite morna:

"Nem pense, nisso, Rudolphus...pela primeira vez estou a frente de algo realmente grandioso, e você quer me impedir? Não, de jeito nenhum..."

Rudolphus dissera mais alguma coisa, mas Bellatrix o ignorou. Ela dirigiu-se para o lugar onde Regulus se encontrava.

"Você vem comigo" – ela disse, apressadamente, e ele a seguiu – "e no dia do ataque, você vai estar ao meu lado também" – Bellatrix esfregou os olhos com força, e encarou o primo. E só então Regulus percebeu que ela chorara – "talvez assim eu consiga acalmar a fúria de Rudolphus" – ela tentou sorrir – "não que eu precise de alguma proteção, isso nunca..."

"O que você quer dizer com isso?"

Bellatrix parou e sentou-se sobre uma lápide. Levou algum tempo para responder a Regulus:

"Esqueça, não vale a pena" – ele franziu os olhos, desconcertado – "ok, Rudolphus é um tolo, e por isso me trata como tal...mas eu quero provar para ele que apesar de mulher, eu posso agir como qualquer outro Death Eater...até o Lord das Trevas já percebeu isso, mas meu querido esposo acha que eu devo ficar em casa, como a minha linda irmã, enquanto a parte realmente divertida fica por conta dos homens..."

"Narcisa está grávida, você não quer que ela, com aquela barriga, lute ao nosso lado, não?"

"Ela é uma fraca!! O interesse por essa guerra se resume apenas ao quanto Lucius pode vir a lucrar, quando formos vitoriosos. Enquanto isso, ela vive a sua vida insossa, ao lado daquela cunhada sem-graça dela, Lucila..." – Bellatrix voltou-se para Regulus – "Você não sabe o quanto me deixou satisfeita saber que você não se envolveu seriamente com a irmã do Lucius...eu sinto muito por Ansara, ela sim era a mulher ideal para você..." – sorriu friamente – "alguma notícia dela?"

"Ela está em Azkaban, foi a única informação que consegui obter..."

"Era preferível morrer, a ser enterrada viva naquele lugar..." – ela murmurou, mas Regulus já não a escutava mais. Toda a excitação da reunião já se desvanecera, e a angústia por Ansara voltara em dobro. Amaldiçoou Bellatrix por ter trazido aquele assunto a tona novamente. Ele queria esquecer, deixar de pensar...

***

Mas quando ele pensava que nada mais havia a ser feito, recebeu em sua casa um bilhete curto, de poucas palavras, porém dizia tudo o que ele esperava naqueles últimos meses...

"Estou livre, em Somerset, com minha mãe...encontre-me nas colinas.

Com amor,

A.S."

Livre!! Ansara estava livre. Ele não parou para pensar como ela havia sido libertada...fugir? Impossível. Nenhum ser humano jamais escapara de Azkaban antes...

Regulus deixou qualquer conjectura de lado, e decidiu procurá-la. Era o dia vinte e nove de junho, e o sol brilhava em Londres...ele consultou o relógio, tinha tempo suficiente para buscá-la, e partirem juntos para Hogsmeade...não informou a ninguém onde ia, o que pretendia fazer...apenas precisava vê-la, mais uma vez...

***

Ela o esperava sentada sobre uma das muitas colinas que cercavam a pequena vila onde nascera e fora criada. Era um lugar especial para Ansara, e sempre que possível passava ali tardes inteiras...lembrava-se da sua infância, dos anos inocentes que vivera ali, quando brincava com Severus e Helena, sem qualquer tipo de preocupação...mas agora, estava prestes a tomar a decisão mais difícil da sua vida, e ela sabia que não tinha mais forças para continuar ao lado de Regulus...isso significaria ser uma Death Eater para o resto da sua vida...

Estavam agora frente a frente, após meses de separação. Ansara deixou-se beijar, ser amada por Regulus. Enquanto seus corpos se uniam, sobre aqueles campos, longe de qualquer coisa que pudesse atrapalha-los, ela se permitiu ser feliz apenas mais uma vez. Porque ela sabia que depois que deixasse Regulus ir embora, sozinho, parte de si se perderia também.

Mas Regulus não imaginava o que se passava na mente de Ansara. Depois de amarem-se, ele a puxou para si, acariciou os cabelos negros que se espalhavam pelo seu peito, queria protegê-la de qualquer mal. Prometeu que nada mais aconteceria a ela, mesmo que para isso ele tivesse que morrer. Não tocou no assunto da prisão, os motivos que a levaram a ser presa, Azkaban, nada disso. Ele não queria faze-la sofrer mais uma vez.

Ansara levantou-se, e recompôs suas vestes, prendeu os cabelos numa longa trança. Regulus a observava, sorrindo, mas ela era incapaz de retribuir o gesto. Na verdade, não o encarava. Em meio aos seus pensamentos confusos, ela procurava uma saída menos dolorosa para ambos...

Regulus... – ela começou, e percebeu que agora não poderia mais parar – eu vou ter que...que partir...para longe...

"O quê? Como assim?" – ele levantou-se, surpreso – "não estou entendendo..."

"Escute, eu não agüento mais, entendeu? Eu não posso mais me arriscar a ser presa, a me envolver em qualquer ação arriscada..."

"Você está querendo cair fora? Ansara, você ficou louca?"

"Não! Regulus, é por você que eu estou fazendo isso, você tem que acreditar em mim..."

"Não, espere, me escute... eu vim buscá-la para ficar ao meu lado, levá-la a Hogsmeade comigo amanhã..." – ele a interrompeu, ansioso.

"O quê?" – perguntou, confusa.

"Hogsmeade, Ansara...o grande golpe contra Dumbledore, a tomada da aldeia...ora, vamos, isso não vai ser nada diferente do que já foi feito em outros lugares?"

"Você está querendo dizer que veio até aqui, para me levar à guerra, quando eu acabo de lhe dizer que eu quero cair fora disso tudo? Será que você ainda não entendeu?"

"Por que você está dizendo isso?! Você sabe muito bem que não pode simplesmente cair fora, dizer adeus!!"

"MAS EU NÃO QUERO VOLTAR PARA AZKABAN!!" – ela gritou, desesperada – "você não imagina nem a metade dos horrores que eu passei, Regulus! Eu não desejo isso nem para o meu pior inimigo..."

"ENTÃO VOCÊ É UMA FRACA!! Uma idiota!! escute aqui, garota, qualquer outro homem no meu lugar já a teria chamado de meretriz, ou coisa pior, diante do que você fez. Vamos, me diga, o Fudge é melhor na cama do que eu? Ou você se entregou a esse papel ordinário apenas pela luxúria?"

"Você não tem o direito de falar assim de mim...você sabe que eu te amo, Regulus...só que agora eu estou percebendo que você está cego de ciúmes...não dá mais para continuar, nem ao seu lado, nem ao lado das Trevas..."

"Isso significa que você está nos traindo?"

"Eu não estou traindo ninguém...apenas estou deixando de lutar..."

"Você sabe que quem não está a favor do Lord das Trevas, está contra ele, não?" – um brilho fanático passou pelos olhos de Regulus, e ele agarrou com força o braço de Ansara – "hein?"

"Eu não sei o que está havendo com você, Regulus, mas sei que isso nada tem a ver com o Lord...é você, não é? Você quer que eu esteja a seu lado, a qualquer custo? Mas eu vou repetir: não vou voltar. Eu quero cuidar da minha vida, viver...mesmo que isso signifique deixar você, caso não me acompanhe nessa nova fase..."

Ele a encarou. Agora sabia que era definitivo.

"Eu não posso abandonar tudo, Ansara...outras coisas estariam em jogo..."

"Eu sei...sua família, seus amigos, seu nome...eu disse uma vez que nós éramos muito diferentes...e agora eu vejo que eu tinha razão. Eu jamais deveria Ter deixado me envolver dessa forma."

"Então isso significa o fim?" – ele perguntou desesperado – "assim?"

"Eu acho que sim..." – a moça sufocou as lágrimas – "vai...é melhor que tudo termine assim."

"Eu não posso lhe deixar assim...porra, eu te amo!!"

"Nessa vida que você quer levar, Regulus, não há lugar para o amor...não há, e é por isso que nós devemos nos separar aqui. E por favor, não me procure mais..."

Ansara virou-se abruptamente, e desceu aos tropeços a colina, e logo sumiu nos campos em torno dali. Regulus não a seguiu. Ele ainda procurava compreender as últimas palavras dela, mas ainda assim, apesar da mágoa, sabia que continuava disposto a qualquer coisa para tê-la de volta.

No entanto, Regulus só não imaginava que, para ter a liberdade de volta, Ansara consentira em fazer "concessões" ao Ministério da Magia. Alguns nomes não foram suficientes para libertá-la. Eles queriam mais. Estavam desesperados por qualquer informação valiosa. E naquele fim de tarde, vinte e quatro horas antes do ataque a Hogsmeade, alguns agentes ministeriais já sabiam que Ansara Snape estivera fora várias horas. Eles já a aguardavam quando ela chegou a casa. E ela percebeu que mentir significava voltar para Azkaban, e isso já estava acima de suas forças.

"Eu não tenho mais nomes, porém haverá um ataque á Hogsmeade amanhã. Mas não conheço os detalhes..."

***

O dia trinta de junho de 1980 entrou para a história da magia como o dia em que as forças inimigas finalmente empataram durante uma batalha. Talvez, se não tivesse havido um informante, o golpe para Dumbledore teria sido devastador. Mas no último momento, houve a chance de defesa. E se o ataque à estação de Hogsmeade fora violento o suficiente para provocar a morte de vários alunos, o contra-ataque devastou o local. Dos Death Eaters que efetuaram o primeiro e principal ataque, poucos conseguiram sobreviver ou escapar à prisão.

Como uma onda, grupo após grupo de Death Eaters atacaram. Primeiro, a estação. Mas o desastre foi contido, pelo menos por algum tempo, enquanto os outros se espalhavam por Hogsmeade. Casas foram invadidas, lojas saqueadas, pais de família arrastados para a rua, acusados de colaboracionistas de Dumbledore, condenados sem chance de defesa. Naquele começo de noite, o terror ousou tocar o mais seguro dos refúgios para bruxos na época. Mas do alto, montados em vassouras, aurores, homens e mulheres revidavam o ataque. Em grandes blocos, defendiam a cidade, e a muito custo, forçavam os Death Eaters para a orla da Floresta Proibida, para as colinas, para o inferno.

Inferno!

Regulus se perdera do seu grupo. Acuado, ele fugiu para as sombras da Floresta, onde o sol já havia se posto há muito tempo. Ele ouviu passos atrás de si, virou-se, e antes que o seu perseguidor se desse conta, um raio verde cruzou o ar...Regulus não se deteve. Deu meia volta, procurou rumar de volta para a aldeia, cruzando um pedaço da Floresta. Assim, conseguiu despistar qualquer outro auror que estivesse em seu encalço. Ofegante, enxergou as primeiras construções de Hogsmeade.

Era uma casa, e aparentemente abandonada. Não era possível que houvesse algum morador ali dentro, mas havia movimento no enorme jardim. Duas pessoas duelavam. Mesmo no escuro, ele reconhecia os longos cabelos esvoaçantes de Bellatrix a sua frente. A sombra dela não permitia que ele visse o oponente, mas Regulus não entendia porque ela tirara o capuz. Devia haver um bom motivo para que ela revelasse a sua identidade.

Um feitiço saiu da varinha de Bellatrix, e acertou o inimigo. Como se ele voasse, ergueu-se no ar, e chocou-se contra uma velha fonte. O impacto fora forte o suficiente para que parte da pedra que cercava a construção se quebrasse. As nuvens se afastaram, e a luz da lua cheia iluminou o jardim. Regulus, ainda oculto, reconheceu o sorriso cínico nos lábios do homem.

Era Sirius.

Tomado pelo horror, Regulus viu Bellatrix avançar, e a menos de dois metros, ser estuporada por Sirius. Ela cambaleou, e por instantes, ele viu o choque estampado no rosto dela. Porém, ela não desmaiara...

"Isso é tudo o que você pode fazer?" – ela gritou.

Regulus esperou, mas não houve resposta. Bellatrix, embora estivesse prestes a cair, avançou mais uma vez. E foi então que toda a razão o abandonou, e em instantes ele tomou a decisão mais arriscada da sua vida. Aproveitando que estava oculto, no momento em que a prima levantara a varinha, ele apontou a sua própria...

"Estupefaça!"

O reflexo rápido, Bellatrix virou-se a tempo de ver o rosto de Regulus diante de si, mas ela não pôde fazer mais nada. Finalmente o seu corpo desabou, desmaiado.

Regulus correu para o ponto onde Sirius caíra, o coração ainda batendo forte. Aproximou-se do irmão cuidadosamente, pensando que este estava desacordado. Mas uma mão firme agarrou o seu pescoço, e os seus olhares se encontraram.

"Me larga!!" – Regulus gritou, agarrando o pulso de Sirius – "eu disse para me largar!!" – gritou novamente, puxando com força o braço do outro, se afastando – "sou eu, Regulus" – finalmente disse, tirando o capuz – "você precisa sair daqui..."

"Você acha que vou acreditar em você?" – Sirius respondeu, com a voz fraca – "vocês armaram muito bem a armadilha..."

"Escuta aqui, eu poderia muito bem lhe entregar de bandeja, mas estou dando a chance de você viver..."

"Eu vou ficar eternamente grato" – o outro zombou – "pela sua grande generosidade."

"Talvez você merecesse mesmo ficar aqui até ser capturado" – Regulus respondeu, esticando o braço para que Sirius pudesse se levantar.

Apoiou-o em seu ombro, e juntos saíram lentamente daquele jardim. Estavam numa rua deserta, mas a apenas um quarteirão da rua principal de Hogsmeade.

"Você vai estar seguro aqui?" – Regulus perguntou, ajudando-o a encostar num muro.

"Eu estou mais seguro que você...eu posso emitir um sinal" – disse, com a voz cada vez mais fraca – "mas se você quer salvar a sua pele, acho melhor que vá embora..."

Sirius levantou a varinha, e dela saíram fagulhas de fogo, que formaram no ar o desenho de uma fênix.

"Vá" – ele disse – "e obrigado..."

Regulus não respondeu. Na esquina, viu a sombra de pelo menos dois homens correndo. Voltou, às pressas pelo mesmo caminho que fizera, e penetrou mais uma vez nas brumas do jardim. Dali, escondido, viu quando dois aurores levaram Sirius. Sentindo-se mais leve, caminhou até a velha fonte, e com cuidado, cobriu o rosto de Bellatrix novamente com o capuz, e ergueu-a no colo. Espantou-o o fato dela parecer tão leve e delicada. Enquanto a segurava, sentiu algo pegajoso que escorria por entre as pernas dela, mas naquela hora não deu importância para o fato.

Percorreu várias centenas de metros lentamente, fugindo da cidade e embrenhando-se cada vez mais na Floresta, até um ponto em que pudesse achar ajuda. Mas chegou a conclusão que, se não fosse apenas por ele, jamais sairiam dali. Tentou desaparatar, mas lembrou-se de que toda aquela região estava enfeitiçada...ele próprio passara a madrugada lançado feitiços anti-desaparatantes, para evitar a fuga da população. E agora via que estavam presos na própria armadilha.

Bellatrix pesava em seus braços, então ele a acomodou por alguns instantes, antes de prosseguirem. Precisavam atingir a estrada que ligava Hogsmeade a Londres, se quisessem escapar. Ela murmurou algo ininteligível, mas parecia estar despertando.

"Bella...você está me ouvindo? Você consegue andar?"

"Onde nós estamos?" – ela respondeu, entre resmungos – "eu estava lutando..."

"Sim, estava...e agora nós estamos voltando para casa."

"Eu não quero voltar...Rudolphus...ele vai ficar furioso comigo..."

"Não, não vai...você está a salvo..."

"...ele não queria que eu lutasse..."

"Você tem muita coragem..."

"...e você é um covarde!!" – ela o encarou – "eu ia matá-lo...o que você fez?"

"Eu não fiz nada". – Regulus mentiu – "eu a encontrei caída, e a estou levando embora..."

"Você mente...eu sei disso...- murmurou, fechando os olhos – me leva logo daqui..."

Caminharam mais alguns metros, e já estavam livres. Dali, desaparataram direto para a casa dos Lestrange. Rudolphus ainda não estava lá, e Regulus temeu que ele tivesse sido capturado. Acomodou Bellatrix no quarto do casal, e para seu horror, diante da luz, percebeu que o líquido que escorria pelas pernas dela era sangue. Olhou atordoado para a prima, mas esta não lhe disse nada. Apenas o seu olhar refletia o ódio que ela sentia, e pela primeira vez ele teve medo daqueles olhos...assassinos.

***

"Rudolphus não deixou que eu a visse pela manhã, titia" – uma voz fina e irritante tomou conta da casa, e Regulus, que mal dormira, despertara irritado. Estava jogado sobre a cama, ainda com a roupa do dia anterior. Permaneceu estático, ouvindo as vozes dois andares abaixo, sem coragem para enfrentar o novo dia. A voz continuava – "Ele achou que a minha presença pudesse perturbá-la, sabe...ela não estava com o melhor dos humores."

"Talvez tenha sido melhor assim, Narcisa" – outra voz, e Regulus reconheceu como sendo da sua mãe – "eu só não entendo porque Bellatrix não contou para ninguém que estava grávida."

Regulus lembrou-se do sangue. Sentiu o estômago se afundar.

"Eu acho que ela não estava nada feliz...pelo menos, não no começo. Mas Rudolphus queria muito um filho, e ela acabou aceitando. Eu, logicamente, percebi que algo estava diferente...a senhora sabe como o nosso corpo muda. Ela acabou abrindo o jogo, e eu fiquei muito contente...muito mesmo, eu falei para ela, os nossos bebês vão ter poucos meses de diferença, estudarão juntos...mas acho que isso não a animou...e então, ontem eles inventaram de participar de uma caçada, ela não devia ter ido, mas insistiu...e acabou perdendo a criança..."

Cansado de ouvir a conversa do seu quarto, Regulus levantou-se e, lentamente encaminhou-se para o andar de baixo. Na sala de estar, encontrou sua mãe e Narcisa. Há vários meses ele não via a prima, e surpreendeu-se ao perceber o quanto a gravidez já estava adiantada. Ela estava radiante, e Regulus sabia que o bebê seria um grande triunfo para Narcisa, principalmente agora – e ele sentiu o estômago afundar – que Bellatrix não estava mais grávida. Era, ao mesmo tempo, um herdeiro tanto para os Black, quanto para os Malfoy.

"Eu estava me perguntando se você não iria sair daquela cama hoje, Regulus" – sua mãe disse, ao modo de bom dia .

"Bom dia, mamãe" – ele respondeu de mau-humor, e se jogou numa poltrona – "como vai, Narcisa?"

"Eu estou ótima" – ela acomodou-se melhor no sofá, e o encarou friamente – "mas a Bellatrix passou muito mal essa noite. Eu vim aqui justamente para tentar entender o que houve na caçada de ontem à noite" – ela piscou levemente o olho, de modo tão discreto que sua tia não percebeu.

"Foi o Rudolphus quem mandou você aqui?"

"Não...eu vim por conta própria...precisava contar o que aconteceu para a sua mãe."

"Você não precisa inventar histórias infantis para ela" – ele respondeu, virando-se para a mãe – "eu acho que ela tem idéia do que se passou ontem à noite..."

Dizendo isso, ele desceu as escadas para a cozinha, e sentou-se a mesa para tomar café. Ouviu Narcisa dizer qualquer coisa à sua mãe – talvez alguma desculpa – e instantes depois ela estava na outra ponta da mesa, e o encarava ferozmente.

"O que você pretendia, matar a minha irmã?"

"O quê? Você ficou louca?"

"O Rudolphus me contou a versão da Bellatrix para ontem à noite...ela estava grávida, você sabia?"

"Se ela estava grávida, o problema era dela, não meu."

"Você a atrapalhou...e por isso ela está furiosa com você."

"Narcisa, apenas um conselho meu: não se meta nessa história. Não se envolva, se você não quiser arcar com as consequências depois. E de uma vez por todas, comece a pensar por si mesma, saia da sombra da Bellatrix...você não é mais uma criança."

"Eu só estou fazendo o que eu acho certo...Regulus...eu não iria suportar se alguma coisa acontecesse a qualquer um de vocês...você, o Lucius, a Bellatrix...todos nós...estamos do mesmo lado, não é? Então para que arriscar tudo isso por...por..."

"Pelo meu irmão?"

Narcisa o encarou mais uma vez, surpresa. Regulus continuou:

"É nisso que você queria chegar, não?"

"Regulus, eu sinto muito, mas nós estamos numa guerra, não? O que você pode fazer se ele escolheu lutar do outro lado?"

"Então vamos colocar a questão de um outro modo...se você estivesse no meu lugar, e a Andrômeda no lugar do Sirius...o que você faria?"

Houve um silêncio constrangedor entre ambos. Narcisa não encontrou palavras para responder a altura da questão de Regulus, mas sentia a raiva crescer dentro de si. Exatamente do que, ela não sabia.

"Eu não vou discutir mais com você, Regulus...eu não sei o que você está pretendendo, eu só sei que já estou cansada...de tudo. Talvez você tenha razão, eu seja mesmo uma idiota." – ela riu amargamente – "Ou ainda esteja na infãncia, quando tudo era muito mais simples...você se lembra? É engraçado ver aonde nós chegamos..."

Ela deixou-o, e Regulus terminou a refeição sozinho. Refletiu sobre as palavras da prima, e imaginou se ela teria coragem de dizer as mesmas coisas ao marido ou à Bellatrix. Ele duvidava. Narcisa sempre fora fraca, sem qualquer opinião sobre os assuntos da família. Era difícil imaginá-la contra qualquer um deles, e mesmo assim, era igualmente difícil adivinhar os seus verdadeiros sentimentos. Ela ficara chocada quando ele, Regulus, comparara Andrômeda a Sirius, e ele desconfiou que ela não rompera com a irmã, como toda a família fizera quando Andrômeda saiu de casa para se casar com um sangue-ruim. Se ele levantasse essa polêmica, provavelmente Narcisa seria obrigada a dizer se ainda mantinha contato com a irmã.

Porém, as preocupações acerca de Narcisa logo deram lugar aos seus reais problemas, e Regulus, pela primeira vez em dois dias, teve tempo para pensar em Ansara. Mas desta vez, ele esperava que ela o procurasse para pedir desculpas, e voltasse atrás na sua decisão de desistir de tudo. Porque ele sabia que sua vida como Death Eater só teria ainda algum sentido, se ela estivesse ao seu lado. E se ela realmente não voltasse, então ele tomaria uma decisão...

Regulus passou o dia todo em casa, lendo os jornais que noticiavam, em caráter de urgência, o ataque a Hogsmeade. Um deles levantava a possibilidade de ter havido traição, que o resultado esperado seria a chacina de todos estudantes de Hogwarts. Regulus leu o saldo de mortos: não chegara nem a dez adolescentes, alguns aurors, e meia dúzia de moradores incautos...aquilo não era, nem de longe, expressivo para a causa. Outros ataques haviam surtido muito mais efeito. Ele jogou-se na cama, e tentou entender, com toda a sua racionalidade, a razão de tudo aquilo. E, quando a vitória fosse conquistada, qual seria o seu papel na Nova Ordem.

Somente na manhã seguinte ele teve notícias dos Lestrange. Rudolphus o chamava urgente, para uma reunião em sua casa...era apenas esse o recado, sem qualquer explicação. Regulus hesitou em atendê-lo imediatamente, e só partiu para a residência da sua prima após o almoço.

Foi Rudolphus quem o atendeu pessoalmente, e levou-o para a sala de estar. Observando melhor o marido de sua prima, Regulus entendeu porque ele era temido até mesmo entre os Death Eaters. Rudolphus estava sério, e seu semblante, sombrio, expressava o mais puro ódio. Enquanto servia firewhisk, seus movimentos eram lentos, porém precisos. E seus olhos, frios, pareciam capazes de petrificar quem os encarasse. No entanto, aguardou que Regulus tomasse alguns goles da bebida, antes de dizer qualquer coisa. Era o seu silêncio, inclusive, que o tornava ainda mais temido.

"Como está a Bellatrix?" – Regulus perguntou, tentando iniciar alguma conversa, e tentar descobrir o motivo daquele chamado – "ela está bem..."

"Ela está ótima, mas não disposta a receber visitas, Regulus...muito menos de você. Narcisa já a irritou o suficiente por hoje..."

"Eu sinto muito."

"E você vai sentir muito mais, se não voltar a agir normalmente..."

"Foi um acidente que houve em Hogsmeade...e não fui eu a estuporá-la primeiro..." – Regulus tentou se defender, antecipando-se a Rudolphus – "Sirius..."

"Ah, sim....eu já soube do seu ato de heroísmo, Regulus. Muito bravo da sua parte, porém você decepcionou profundamente o Lord...a sua obrigação era de ter matado, ou pelo menos, ter deixado que Bellatrix matasse o seu irmão...ele está do outro lado, portanto é nosso inimigo...e você sabe o que nós fazemos com aqueles que estão contra nós..."

"Eu estou disposto a me desculpar perante o Lord das Trevas, se ele assim desejar..."

"E você acha que ele vai perder tempo com você, Regulus? O que você tem acrescentado a nossa causa? Nada!"

"Eu já disse que o que houve em Hogsmeade foi um acidente, Rudolphus..." – repetiu.

"O problema, Regulus, é que o Lord até deixaria passar esse pequeno incidente que você provocou em Hogsmeade, não fosse um outro detalhe..."

"Que outro detalhe...o que você quer dizer com isso?"

"Houve traição, Regulus...você está me entendendo?"

"Como vocês podem ter tanta certeza assim? Eu li esses boatos pelos jornais..."

"Não são meros boatos!!!" – Rudolphus gritou, jogando o copo vazio contra a parede. Regulus não teve coragem de encará-lo. Limitou-se a ver os cacos de cristal espalhados pelo chão – "você sabe que temos informantes de dentro do próprio ministério...eles se encarregaram de averiguar o que aconteceu..."

"E..."

"É aqui que você entra, Regulus...onde você esteve na véspera do ataque?"

"Eu...eu...passei o dia todo...em casa" – mentiu.

"Você mente muito mal...é decepcionante..."- sorriu sarcasticamente – "você por acaso não estava em Somerset, nessa tarde?"

"E qual a importância disso?"

"Você encontrou-se com Ansara Snape nessa tarde, não? Recém liberta de Azkaban, não é mesmo?"

"Ok, mesmo que tenha sido isso...o que tem a ver ?"

"Você passou informações secretas para a garota...Regulus, a sua estupidez chegou a um limite impressionante...você não se perguntou nem um instante porque ela foi libertada?"

"Isso não passou pela minha cabeça..."

"Não lhe ocorreu que ela poderia ter assinado um acordo com o Ministério, no qual ela se comprometia a passar informações sigilosas? Não lhe ocorreu que ela foi presa porque tentou dominar Aurelius Fudge com a maldição Imperius, e falhou? E também não lhe ocorreu" – Rudolphus encarou Regulus com divertido sarcasmo – "que o próprio Fudge retirou as acusações de Ansara, para que ela pudesse voltar a encontrar qualquer um de nós? E que ela estava sendo vigiada dia e noite? Não, nada disso lhe ocorreu, não é mesmo..."

"Mas se vocês sabiam disso tudo, deveriam ter agido antes!!!"

"Nós não ficamos sabendo" – ele sibilou – "houve falha de comunicação, mas isso não acontecerá mais...Rockwood se encarregou de eliminar o informante que falhou....ele também procurou pela sua garota, mas ela simplesmente desapareceu...e é aqui que você entra..."

Regulus afastou-se lentamente de Rudolphus, esperando que este o atacasse. Mas ele simplesmente limitou-se a levantar, e a se servir de mais um copo de firewhisk . De costas para Regulus, enquanto preparava a bebida, ele recomeçou a falar.

"O único jeito de você se redimir perante o Lord das Trevas, é localizar e entregar Ansara Snape a ele. Apenas isso, e você será consagrado como mais um do círculo mais íntimo dele. Apenas falhe, e você será morto..."

"E o que será feito de Ansara?" – Regulus falou lentamente, para que o outro não notasse o tremor na sua voz.

"O que você acha que o Lord das Trevas faz com os seus traidores?" – Rudolphus se voltou para Regulus, sempre sorrindo – "não há como escapar, Regulus...apenas cumpra o seu dever, e será recompensado..."

"Rudolphus!!!"

Regulus e Rudolphus viraram-se na direção do chamado, e viram que Bellatrix descia lentamente as escadas. O seu rosto, normalmente pálido, agora estava muito mais branco e opaco. Seus cabelos negros, soltos, acentuava-lhe ainda mais a brancura, e as olheiras. Aquela não era a mulher bela e altiva que Regulus estava acostumado a ver. Vestida com um robe vinho, que se arrastava pelo chão, e apoiada no corrimão, ela parecia frágil como qualquer outra mulher, exceto pelo brilho mordaz em seus olhos.

"Bellatrix, você deveria estar na cama!!" – Rudolphus gritou, exasperado. Este subiu o lance de escadas rapidamente, e a agarrou pelo pulso, forçando-a a subir. Bellatrix, no entanto, não cedeu.

"Me largue!! Eu não lhe dei o direito a agir assim comigo" – ela voltou-se para Regulus – "eu proponho uma modificação na tarefa que você tem a cumprir..."

"O que você quer de mim?"

"No lugar de Ansara, você deverá entregar o Sirius ao Lord das Trevas...não, melhor ainda...você fará o serviço completo, diante do Lord..." – ela sorriu – "e sua garota fica livre..."

"Bella" – Rudolphus sussurrou ao seu ouvido – "o Lord jamais irá concordar com essa troca..."

Bellatrix tocou a mão de Rudolphus, e a apertou levemente – ele concordará – ela sussurrou, piscando – e voltou-se para Regulus – temos um trato?

O primo assentiu. Bellatrix sorriu satisfeita.

Somente quando Regulus se foi, Bellatrix concordou em voltar para o quarto. Ajeitou uma mecha de cabelo, que caía na sua testa.

"De qualquer forma, a garota não vai escapar, Rudolphus..."

***

Regulus saiu da casa dos Lestrange com a nítida impressão de que poderia vomitar a qualquer momento. A voz de Bellatrix parecia latejar em seus ouvidos, a proposta insana da prima ainda o atormentava. Mesmo que fosse fácil para ele localizar Sirius, sequestrá-lo e levá-lo para o Lord das Trevas, havia algo nas palavras de Bellatrix que o inquietava. Pela primeira vez na vida, Regulus não confiou na prima. E naquele dia, ele começou a se arrepender do rumo que dera a sua vida. Mas se não tivesse sido daquela forma, ele jamais teria conhecido Ansara, e os momentos felizes que passaram juntos não teriam existido. Mas se ele insistisse naquele caminho, só haveria a escuridão. Mesmo que ele salvasse Ansara – o que parecia improvável, já que havia provas que ela havia traído os Death Eaters – ele carregaria nas costas um dos crimes mais hediondos que um homem – mesmo um seguidor do Lord das Trevas – poderia cometer. Uma coisa era matar pessoas estranhas, que se colocavam em seu caminho na hora errada. Outra completamente era liquidar alguém com quem crescera, e, bem ou mal, fizera parte da sua vida.

Regulus sentou-se numa velha praça, tentando colocar os pensamentos em ordem. Ele tinha duas escolhas a fazer, para livrar a própria pele. Primeiro, pensou em Ansara. Ela o havia traído também. Ele não queria nem imaginar se ela realmente teria ido para a cama com Fudge. Ela também havia deixado bem claro, na tarde anterior ao ataque a Hogsmeade, que estava tudo acabado. Regulus tinha todos esses argumentos a seu favor, e matá-la não seria condenável. Ela havia escolhido o próprio caminho, e agora tinha que pagar pelos seus erros, com a própria vida.

Fechou os olhos, e imaginou as glórias que receberia ao entregar Ansara. Seria perdoado, e admitido no círculo íntimo do Lord das Trevas, e Ter ao seu serviço os Death Eaters mais novos, mais inexperientes, como ele próprio um dia fora. Tudo isso construído sobre o cadáver de Ansara...um futuro brilhante, mas completamente vazio de sentido. Ela sempre estaria por lá, não para admirá-lo, mas para lembrá-lo que a morte dela fora necessária para que ele conquistasse o poder com o qual sempre sonhara...

Em seguida, pensou na segunda hipótese: matar Sirius e livrar Ansara. Desde o início, ele sabia que isso era o mais certo a ser feito. Não existia mais nenhuma ligação entre ele e o irmão. Talvez nunca tivesse havido, na realidade. Desde a infância, Regulus fora levado a acreditar que ele era melhor que o irmão. Ele jamais havia desapontado os pais, jamais se uniria aos sangue-ruins...ele fora selecionado para a Sonserina, fora o aluno modelo, raramente se metia em confusão...em suma, Regulus era exatamente o que sua mãe considerava um filho perfeito. E isso o levou a se afastar do irmão mais velho, cada vez mais, até a noite em que Sirius partira de Grimmald Place para sempre. Então, tudo mudou. A mãe passou a dominar Regulus com mais rigor ainda. Ele, aos quinze anos, se viu herdeiro absoluto de uma imensa fortuna, e a responsabilidade de perpetuar o nome Black, tal como ele era conhecido há mais de sete séculos. Em Hogwarts, ele e Sirius raramente se encontravam, e quando isso acontecia, se tratavam como dois estranhos. Então, porque o perturbava tanto a idéia de matá-lo? Era simples a resposta: não havia sentido nenhum, a não ser o capricho de Bellatrix.

Regulus percebeu que estava cansado. Cansado de servir como um joguete, cansado de ser um escravo, cansado de tudo que representava a dominação. Ele nunca percebeu tão claramente, como naquela tarde, o quão ele fora dominado a vida inteira. Estava na hora de acabar com tudo aquilo, e dizer adeus para a sua antiga vida. Sim, antiga, porque a sua frente ele vislumbrava um futuro diferente de tudo o que já sonhara – ou sonharam para ele.

***

Amanhecia quando Regulus chegou ao velho telefone público, que servia de fachada para a entrada do Ministério da Magia. Idenficou-se e, rapidamente, descia os andares que davam acesso para o último local – exceto Azkaban, com certeza – que um Death Eater gostaria de estar.

A primeira parte do seu plano falhara. Acreditando que Rudolphus blefara ao dizer que o paradeiro de Ansara era desconhecido, Regulus partira para o vilarejo onde a mãe dela ainda vivia, a fim de localizá-la. A viagem havia sido inútil. Sabrina Snape não recebia notícias dos filhos há dias, e aquilo inquietou Regulus. Ao menos Ansara sempre tivera um pouco de consideração com a mãe, ao contrário de Severus. Regulus voltou para Londres na mesma noite, e quase não dormira. Agora, ele precisava colocar em prática a segunda parte do plano, mas antes localizar Ansara. De qualquer forma, apenas alguém de dentro do Ministério poderia ajudá-lo, mas ele não podia contar com seus antigos contatos. A maioria deles já estava vendida a Voldemort.

A recepcionista, apesar do movimento intenso no saguão naquela manhã, parecia não ter a menor pressa em atendê-lo. Ela polia as unhas com um líquido gosmento, e esticava os dedos para admirar o resultado, enquanto Regulus fingia um pigarro. Contrafeita, a moça ergueu os olhos e, com muito mal-humor, perguntou se poderia ajudar.

"Eu preciso falar com o Sr Black...Sirius Black" – ele completou.

A garota folheou algumas fichas a sua frente, dentro de uma caixa, e respondeu apressadamente, como se quisesse livrar-se logo daquele homem, e poder voltar a polir as suas unhas.

"Eu sinto muito, o Sr Black está de licença essa semana, ele não veio trabalhar" – informou.

"E onde eu posso encontrá-lo?"

Ela deu de ombros.

"Aqui só diz que ele está de licença médica até o final da semana. Eu sinto muito, mas não tenho mais nenhuma informação." – E voltou a polir as unhas.

Irritado e furioso, Regulus imaginou o prazer que seria torturar aquela idiota, faze-la engolir aquele líquido nojento, só por tê-lo tratado daquela maneira. Ela com certeza não sabia com quem estava lidando. Mas ele não deixou-se levar pela própria fúria. Havia coisas mais urgentes a serem feitas.

Uma vez fora do Ministério, ele desaparatou, e aparatou diante da entrada do Hospital St Mungus. Esperou duas trouxas passarem diante dele, comentando sobre o velho manequim desbotado naquela vitrine, e entrou.

O movimento no St Mungus era intenso, e as pessoas pareciam apavoradas. O ataque a Hogsmeade ocorrera há apenas três dias, lembrou-se Regulus, mas ele próprio sentia como se um século o separasse daquele fim de tarde.

Dessa vez, não foi preciso esperar que nenhuma recepcionista mal educada viesse atendê-lo. Mal entrara, uma enfermeira o abordou, ao perceber que ele não sabia para onde se dirigir.

"Eu vim fazer uma visita...ao Sr Black...Sirius Black."

"O Sr Black teve alta ontem à noite, senhor..."

"Black, também...eu sou o irmão dele, Regulus...então ele já está em casa?"

"Está" – a enfermeira o olhou desconfiada – "em todo caso, mesmo que ele ainda estivesse internado, eu não poderia liberá-lo sem antes a Dra. Black autorizar...o senhor pode aguardar alguns minutos? Ela está no hospital, talvez ela possa ajudá-lo."

Regulus sentiu-se exausto. Parecia um jogo de esconde, e ele perguntou-se quem diabos seria essa Dra. Black, apesar do óbvio. Ela deveria ser a esposa de Sirius. Ele quase não lembrava-se da nota na coluna social do jornal, meses atrás. Sentou-se num banco e esperou. Não havia mais nada que pudesse fazer por enquanto.

Cinco minutos depois, a enfermeira voltava acompanhada de uma bruxa de estatura baixa, nem gorda, nem magra, de cabelos e olhos castanhos, a pele branca...para os seus padrões, ela não era propriamente bonita. Atraente, talvez, pensou. Assim como todos os outros Curandeiros, ela usava vestes verde-claras, e o cabelo preso num elegante coque. Ela o mediu de cima a baixo, talvez reconhecendo as semelhanças entre os dois irmãos, e sorriu. Mas o sorriso era condescendente, e refletia a desconfiança e o desprezo expressos pelo seu olhar. Regulus encarou-a em desafio.

"Regulus?" – a mulher o encarou – "Sou a Dra Emmeline Black" – ela estendeu a mão para cumprimentá-lo. Regulus, no entanto, não correspondeu ao cumprimento. O olhar altivo de Emmeline o desconcertou, e o fez sentir-se quase insignificante diante daquela mulher. Ela agia como alguém digna, superior. E isso o irritou, porque ele não admitia que ninguém – ainda mais alguém como ela, que provavelmente precisava de um bom nome para se destacar na sociedade – se mostrasse mais orgulhoso que ele próprio. – "Bem, eu fui informada que você está procurando pelo Sirius" – ela esboçou um sorriso de desdém – "ele me contou exatamente o que aconteceu em Hogsmeade...acho que seria melhor você me acompanhar até a minha sala..."

"Eu não vim até aqui para conversar com você, Dra."

"Infelizmente eu sou o único contato que você terá com o Sirius, no momento" – ela voltou-se, extremamente irritada – "se é tão importante para você falar com ele, então terá que passar por mim primeiro."

"Eu pensei que ele fosse adulto suficiente para tratar sozinho das questões inerentes a ele, e à família dele." – Regulus devolveu, furioso.

"Família? Que família?" – ela riu – "acontece, Regulus Black, que quando você assume um compromisso como o casamento" – ela mostrou a aliança na mão esquerda – "a vida do outro passa a fazer parte da sua. O que interessa a ele, interessa a mim também, e vice-versa. EU sou a família dele agora..."

"Você não passa de uma intrometida...mas eu tenho outros meios de encontrá-lo, não precisa perder o seu tempo."

"Que meios?" – ela o deteve – "Não há outros meios, dentro da lei, Regulus...você sabe que está nas nossas mãos, e depende da nossa boa vontade para continuar livre" – ela sussurrou – "agora, é você quem decide o que fazer..."

Ele a encarou com ódio. Depois daquele dia, eles nunca mais se encontraram, mas ele guardou até o último momento a vitória estampada no rosto miúdo da esposa do seu irmão.

Acompanhou-a por um longo corredor, e depois entraram num minúsculo gabinete. Na porta, leu o nome E.V.Black estampado, e dentro da sala, viu uma série de fotos sobre a escrivaninha, e algumas na parede. Em quase todas, ele podia ver o casal, sorridentes. A extrema felicidade, pensou Regulus, invejando cada sorriso de Sirius. Porque ele tinha tudo o que Regulus não tinha: a satisfação de ser amado.

"Gostou das fotos?" – ela perguntou, sorrindo. Regulus enfureceu-se mais uma vez, mas controlou-se. Fosse em qualquer outra ocasião, ele faria Emmeline engolir toda a sua petulância com uma boa dose de Cruciatus. Mas não ali, naquele hospital, onde ele seria detido com mais facilidade que um inseto insignificante – "Ok, me fale o que você quer do Sirius."

"Eu preciso sair do país...na verdade, eu preciso deixar a Europa, ir para qualquer lugar da América...mas eu sei que está cada vez mais complicado a questão dos vistos..."

"É praticamente impossível entrar em qualquer outro país, vindo da Grã-Bretanha. Eu uso os meus documentos trouxas, quando viajo para a França" – ela o encarou – "é essa a ajuda que você precisa?"

"Eu não quero deixar o país viajando como um trouxa!!" – ele gritou exasperado – "essa seria a gota d'agua."

"Bem, isso depende do seu grau de desespero...eu imagino que não seja tão alto assim, então."

"O Sirius consegue os vistos, ou não?"

"Depende, Regulus. Isso você vai ter que conversar direto com ele. Ele tem contatos, mas sinceramente, eu não sei até que ponto ele poderia te ajudar."

"E como eu posso falar com ele?!!" – ele bateu na mesa – "Como??"

"Eu vou levá-lo a minha casa...mas nós vamos usar uma chave-de-portal, então, mesmo que você quisesse voltar, ou dar a nossa direção, isso seria impossível" – Emmeline respondeu, pegando um pequeno vaso de flores – "Pronto?"

***

Eles caíram num jardim amplo e gramado, com algumas rosas e outras flores cultivadas. Levantando-se, Regulus percebeu que estavam nos fundos da casa. Emmeline já havia avançado alguns metros, e abrira a porta dos fundos da casa. Ela fez sinal para que Regulus entrasse, e após ele passar, a porta bateu com estrondo.

"Na hora de ir embora, você vai voltar pelo mesmo caminho" - ela disse, enquanto avançavam pela cozinha, e depois pelo corredor que levava aos cômodos do andar de baixo.

"Tudo isso para que eu não saiba a direção da sua casa? Não imaginava que vocês me temessem tanto" - ele caçoou.

"É só uma questão de segurança" - ela devolveu, sem se importar com o comentário de Regulus.

Entraram numa sala confortável e aconchegante, decorada com quadros e retratos. Não havia nada ali que lembrasse o ar soturno e solene de Grimmauld Place, muito pelo contrário. Dois objetos chamaram a atenção de Regulus, e , embora ele não soubesse para que serviam, ele tinha certeza que eram trouxas. E algumas fotos, antigas e estáticas, que estampavam Emmeline em várias idades, indicavam que ela não era uma bruxa de sangue-puro. Aquela constatação fez com que Regulus se sentisse um pouco mais a vontade. Ele, ao menos, podia orgulhar-se da sua origem.

"O Sirius deve estar no quarto, ou na biblioteca...eu vou avisá-lo que você está aqui..."

"Você tem certeza que ele vai me receber?"

"Não. Na verdade, eu duvido um pouco..." - Emmeline respondeu, antes de desaparecer pela porta.

Regulus observou as fotos espalhadas pela sala. Além das fotos trouxas de Emmeline, havia outras que chamaram a atenção dele: Sirius entre um casal de noivos, e abaixo da foto, escrito simplesmente Lily, Sirius e James ; em outra, Sirius e Andrômeda, ainda crianças, na varanda da casa de verão em Salisbury - essa foto, Regulus percebeu, estava cortada, como se os dois primos, com isso, eliminassem as pessoas indesejadas da figura. Mas aquela não era a única foto em que Andrômeda aparecia. Havia outras, mais recentes: Andrômeda, Ted e Nynphadora, para Sirius com carinho ; Nynphadora e Emmeline, na qual Emmeline estava sentada no gramado de sua casa, com uma garotinha no colo, a filha de Andrômeda.

"Patético!!" - disse consigo mesmo, enquanto colocava os retratos no lugar. Não se deu ao trabalho de olhar as outras fotos. Todas elas pertenciam a um mundo completamente diferente do seu, onde confraternizar com sangue-ruins era um hábito comum. Só então ouviu vozes alteradas no andar superior, e barulho de passos na escada. Emmeline entrou na sala e, logo atrás dela, Sirius.

Fosse em outra ocasião, Regulus teria achado graça ao ver casal tão diferente entre si, quanto Sirius e Emmeline. Não apenas na altura - pelo menos trinta centímetros de diferença - mas também nos modos de falar, e na própria origem de cada um. Ele já estava convencido de que Emmeline era uma sangue-ruim.

"O que você quer aqui?" - Sirius perguntou de supetão, enquanto avançava pela sala.

"Foi a sua esposa quem me trouxe à sua casa" - Regulus respondeu.

"Não seja cínico, ok? A última coisa que eu pretendia hoje, era ver a sua cara por aqui."

"Se não fosse por mim, você não estaria aqui...com um pouco de sorte, a sua mulher teria um corpo para enterrar, portanto, preste bem atenção em como você fala comigo."

Sirius riu.

"De você, eu não esperava mais nada, Regulus. Eu imaginei mesmo que você ia querer alguma coisa em troca do seu extremo ato de bondade - debochou - isso é próprio de gente como você."

"Você não tem o direito de falar comigo desse jeito!!"

"Com você, eu falo do jeito que eu quiser, porque eu não tenho medo de você, Regulus. Para mim, você é, sempre foi, e sempre será um idiota!!"

"Acontece que eu não vim até aqui, me humilhando dessa maneira, para fazer qualquer coisa contra você!!!!" - Regulus berrou, desesperado – "Será que ao menos uma vez, você não pode descer desse seu pedestal, deixar um pouco de lado a sua maldita arrogância, e me ouvir? Ou será que você é tão importante, tão superior, que não pode me atender? Hein?" - aproximou-se de Sirius, que o encarava estupefato, e continuou – "Eu vim pedir ajuda, Sirius. Em vinte e quatro anos, eu jamais pedi qualquer coisa para você..."

"Então fale logo o que você tem a dizer..." – respondeu um Sirius atônito.

Regulus olhou para Emmeline, e depois para Sirius, e esperou que eles entendessem que aquela conversa deveria ser apenas entre os dois irmãos.

"Eu não tenho segredos com ela, Regulus." - Sirius advertiu.

"Tudo bem, Sirius" - Emmeline aproximou-se – "não há problema, isso tem que ser resolvido entre vocês dois. Eu vou preparar alguma coisa para nós comermos" - ela o beijou no rosto, e deixou a sala. Regulus, agora, tinha o caminho livre.

Sirius fechou a porta da sala assim que Emmeline saiu, e sentou-se sobre uma das poltronas. Regulus fez o mesmo, e assim ficaram cara a cara. O constrangimento era visível, pois nenhum dos dois tinha intimidade suficiente com o outro, para se iniciar uma conversa. Pareceu a Regulus que Sirius estava extremamente cansado, e isso podia ser visto em seu rosto. Porém, apenas três dias haviam se passado desde o ataque, e Sirius provavelmente ainda estava se recuperando. Quando o silêncio se tornou incômodo demais, Regulus decidiu que era hora de abrir o jogo.

"Eu preciso deixar o país, Sirius..."

"Você tem alguma missão, e não conseguiu as autorizações através dos seus próprios meios? Ou é alguma viagem de negócios?" - Sirius zombou.

"Não é uma coisa, nem outra....ok, eu quero cair fora, você sabe bem do que eu estou falando...você viu com os seus próprios olhos, não preciso dizer..."

"Mas eu adoraria ouvir você admitindo que entrou pelo caminho mais idiota que havia para a sua vida...mas eu vou poupar os meus ouvidos da sua ladainha, Regulus. Já ouvi depoimentos parecidos com o seu no Ministério..."

"Então...o que podemos fazer?"

"O que podemos fazer? - Sirius riu - você quer que eu ajude você a sair do país ilegalmente? Tá, isso não é tão difícil de conseguir...mas você já parou para pensar como vai entrar em qualquer outro país? Ah, deixe eu adivinhar...você quer que eu resolva isso também?"

"É, é mais ou menos isso..."

Regulus encarou o irmão. Ele divertia-se à sua custa, percebeu. Conforme o tempo passava, e nada se resolvia, Regulus começou a sentir-se inquieto. Era como se, a cada minuto, as suas chances diminuíssem.

"E porque eu deveria fazer isso por você?"

"Porque eu salvei a sua vida em Hogsmeade. A Bellatrix pretendia te matar."

Sirius sorriu sarcasticamente.

"Você prestou atenção no que disse?"

Regulus não disse mais nada. Apenas encarou Sirius, que continuava a sorrir, esperando outras palavras, outras informações que pretendia, talvez até mesmo a força, extrair dele. Então, percebeu que estava definitivamente nas mãos de Sirius. Sentindo o coração disparar, Regulus chegou à conclusão de que acabava de se tornar um delator.

"No dia seguinte ao ataque, eu fui interrogado ainda no hospital" - Sirius interrompeu os pensamentos de Regulus. – "Eu reconheço os atos das outras pessoas, Regulus...eu posso ser um sujeito extremamente egoísta, mas eu sabia que não podia simplesmente lhe delatar, depois do que você fez...portanto, eu não acredito que tenha uma dívida ainda com você..."

"Não é uma questão de dívida...é só" - Regulus interrompeu, mas Sirius não o deixou continuar.

"Eu não teria qualquer outro motivo além desse para lhe ajudar...mas deixe eu terminar de falar, antes de me interromper de novo. Eu estava dizendo, eu não lhe delatei. Para isso, eu "alterei" os fatos daquela noite...eu disse que fui atacado, no local onde você me deixou, pela Bellatrix...bem, representantes do ministério foram até a casa dela, entregar a intimação para ela depor...e qual foi a surpresa de todos, quando o marido dela alegou que ela tinha sofrido um aborto na tarde do ataque, o que descartava totalmente a hipótese dela ter estado em Hogsmeade...o depoimento foi adiado para daqui três dias...Regulus, você está compreendendo? Nós dois sabemos que ela estava em Hogsmeade...eu fui atacado por ela, isso é um fato, mas ela forjou provas de que estava doente..."

"Ela não precisou forjar nada!!" - Regulus o encarou – "ela realmente perdeu a criança..."

"Ok, mas nós sabemos que isso foi depois do ataque!! Ela estava lá, não estava??"

"Estava..."

"Então é isso o que eu quero, Regulus...eu vou conseguir tudo o que você precisar para cair fora da Grã-Bretanha, mas você vai ter que assinar uma declaração dizendo tudo o que sabe a respeito da Bellatrix..."

"VOCÊ SÓ PODE ESTAR FICANDO LOUCO!!!"

"É pegar, ou largar, Regulus...ou você faz isso, ou continua na sua vidinha medíocre. Mas há um porém: eu anotei todos os fatos que consegui lembrar daquela noite, inclusive a parte que cabe a você. Está bem guardado no meu cofre em Gringotes, e apenas duas pessoas conhecem a versão verdadeira dos fatos. Você teria bastante trabalho para nos eliminar, e pegar o meu dossiê..."

"Você por acaso está me ameaçando?"

"Não. Eu estou apenas tentando lhe fazer entender, que caso qualquer coisa venha a me acontecer, eu estou deixando pistas...você está me entendendo?"

"Você está insano...eu não vou fazer nada contra você!!"

Sirius levantou-se num pulo, e encarou Regulus, que permaneceu sentado. A tensão no ar era perceptível a qualquer um, e naquele momento parecia que uma única palavra dita, seria suficiente para deflagrar a fúria dos dois homens. Regulus sentia a cabeça pesada, o estômago fundo, e quase se arrependeu de estar ali.

"Insano, eu?" - Sirius perguntou, em tom de desafio – "sabe o que é insano? É estar lutando todos esses anos nessa guerra estúpida, Regulus...é ver, pouco a pouco, amigos caindo mortos...e não ter esperança de dias melhores...é isso, o que está destruindo, não só a mim, mas a todos ao meu redor...você não sabe o inferno em que nós estamos metidos...você não tem a menor noção..."

"Como você pode falar de coisas que não sabe? Se eu estou aqui, hoje, é porque eu quero me livrar do inferno...eu quero viver a minha vida em paz!!!"

"E o que fez você mudar de idéia?" - Sirius sentara-se novamente, e seu rosto expressava o mais profundo desgosto – "são muito poucos os que resolvem deixar essa vida para trás..."

"Eu não posso dizer muito...eu só sei que eu não posso continuar aqui...foi-me imposta uma, hã...missão, que seria impossível de cumprir...só que antes de ir embora, eu preciso ter certeza se uma pessoa vai ficar bem aqui...ou se ela poderia ir comigo..."

"Deixe eu adivinhar...uma garota?"

"É...Ansara Snape...oficialmente, nós não estamos mais juntos...mas eu não poderia deixá-la para trás..."

Sirius refletia, enquanto Regulus contava brevemente sua história com Ansara, a prisão desta, a liberdade e o fim do romance...o acordo com o Ministério, a traição...enquanto falava, parecia que se livrava de um grande peso, podendo confiar tudo aquilo a alguém, mesmo que teoricamente ele fosse um inimigo. Já não havia quase nada a esconder - exceto o acordo com Bellatrix - mas Regulus pulou habilmente essa parte. Não havia necessidade de Sirius saber tudo. Os minutos passavam, Sirius pensava, Regulus tinha a cabeça entre as mãos...abruptamente, Sirius saiu da sala, e voltou quinze minutos depois, o rosto menos tenso.

"Agora, Regulus, você vai prestar muita atenção no que eu vou dizer: eu não posso fazer tudo sozinho. Vou envolver amigos meus nessa sujeira toda, e nós podemos perder mais que nossos empregos no Ministério...eu falei com um deles, e ele já me adiantou o que eu imaginava: nós vamos precisar do seu depoimento a respeito da Bellatrix. Não há outra forma. Quanto à garota Snape, eu posso garantir a você que ela estará em segurança. Ela é uma testemunha bastante valiosa, e está disposta a nos ajudar. Eu posso intermediar a sua comunicação com ela, mas ela não vai poder deixar o país tão cedo. Mais uma coisa: você tem que deixar Grimmauld Place ainda hoje, mas sem levantar suspeitas...diga que você vai viajar. Pegue apenas uma ou duas vestes, e dinheiro...por que tudo isso vai ficar muito caro."

"Dinheiro não é problema agora...mas para onde eu vou?"

"Assim que anoitecer, saia de casa, e fique na praça" - Regulus fez uma careta, ao se imaginar entre os trouxas que freqüentavam a praça defronte Grimmauld Place, mas não fez qualquer comentário – "uma pessoa o encontrará lá. Ela vai se identificar, não se preocupe. Eu não vou adiantar mais nada, por questão de segurança."

"E quando eu vou poder viajar?"

"Ainda não sei...mas eu vou manter contato. Agora, a Emmeline vai te levar embora pelo mesmo caminho..."

"Obrigado..." - Regulus o encarou por alguns instantes – "você pode confiar em mim. Eu não estou aprontando nenhuma armadilha..."

"Eu estou agindo contra os meus instintos, isso você pode estar certo...mas você não me deu outra escolha, a não ser confiar...pelo menos uma vez na vida, confiar em você..."

Sirius o conduziu até a cozinha, onde Emmeline já estava com a chave de portal pronta, para conduzi-lo de volta ao St. Mungus. Quanto tocou na flor, e sentiu a sensação característica de estar sendo levado para longe, Regulus percebeu que pela primeira vez em muito tempo, sentia-se em paz consigo mesmo.

***

Regulus fez como Sirius pedira, e, mal chegara a casa, avisou a mãe que iria viajar por alguns dias. Felizmente, Úrsula não entrara em detalhes sobre aquela viagem repentina, e o rapaz respirou aliviado. Não costumava mesmo manter longos diálogos com a mãe. Ela era mais uma figura imponente, a força que controlava aquela casa. Regulus não conseguia imaginar Grimmauld Place sem Úrsula e seu insuportável elfo-doméstico.

Passou a tarde arrumando a sua bagagem - apenas algumas trocas de roupas, entulhadas dentro de uma velha mochila escolar. Ele passou os olhos pelo quarto, e resolveu mais nada levaria dali. Apenas teve o cuidado de juntar todas as cartas e fotos de Ansara, e colocá-las todas juntas dentro de uma caixa. Guardou-a dentro do armário, entre os cobertores. Apesar de não saber o que o esperava nos próximos dias, a sensação de paz continuava. Contou mais uma vez o ouro que tirara de Gringotes, antes de voltar para casa. Tinha cerca de dois mil galeões, e acreditava ser o suficiente para os primeiros tempos.

Pegou a mochila, e desceu as escadas. Encontrou a mãe na sala de estar, lendo os jornais. Ela mal levantou os olhos quando o filho entrou na sala.

"Já estou indo, mãe." - disse, sem poder informar mais nada – "talvez eu passe o resto da semana fora..."

"Você vai a Salisbury?"

"Não sei...quero dizer, a princípio não. Vou passar uns dias em Edimburgo, com um casal que conheci na casa de Bellatrix...eles me convidaram...talvez, eu feche alguns negócios...quem sabe?" - ele sorriu nervosamente.

"Então, aproveite esses dias, e na volta, passe em Salisbury...a casa tem precisado de reparos, coisa com a qual você não tem se preocupado muito. Ah, ia me esquecendo" - Úrsula pousou o jornal, e encarou o filho – "Rudolphus esteve aqui hoje, novamente a sua procura, mas ele não quis lhe esperar. Parecia ser algo urgente. Talvez seja melhor você procurá-lo antes de viajar."

"É...eu...eu vou falar com ele...bem, até mais, mãe."

"Boa viagem, Regulus... - ela respondeu, voltando a ler o jornal."

Uma vez na praça, Regulus sentiu a primeira pontada de ansiedade. Grimmauld Place não estava mais visível, e ao seu redor, trouxas voltavam para suas casas, depois de mais um dia de serviço, crianças aproveitavam o início do verão para circular pela praça com seus patins e bicicletas, casais de namorados sentavam-se nos bancos...era a vida, em sua forma mais simples, que pulsava naquele lugar, e Regulus quase sentiu vontade de compartilhar daquela alegria, sem compromisso...apenas viver, no sentido mais puro da palavra.

Os minutos iam passando, e ansiedade crescia. A paz o abandonara novamente, e ele começou a sentir medo. Se tudo desse errado, ele não teria como escapar mais. Seria obrigado a cumprir o acordo feito com Bellatrix...foi então, que reparou num rapaz baixo, gordinho caminhando em sua direção. Regulus lembrava-se fracamente daquela fisionomia. Era um dos amigos de Sirius em Hogwarts, ele apenas não se recordava de seu nome.

"Regulus Black?" - perguntou, numa voz fanhosa – "sou Peter Pettigrew, amigo do Sirius...ele pediu que eu viesse buscá-lo."

"E para onde você vai me levar?" - perguntou, desconfiado.

"Para o porto, Black...Southampton. Sirius conseguiu um lugar seguro para você, e até o começo da madrugada seus documentos já estarão prontos... Frank Longbotton e Mundungus Fletcher estão providenciando essa parte...eles nos encontrarão lá..."

"E quando eu viajo?"

"Conseguimos uma passagem para a França, e o navio parte às cinco horas da manhã...mais alguma dúvida?" - perguntou ansioso, e diante da negativa de Regulus, consultou o relógio – "hum, está quase na hora..." - tirou do bolso uma velha carteira, e a colocou sobre um banco da praça – "vamos utilizar essa chave de portal...ela será acionada dentro de poucos segundos..."

Os dois homens tocaram o objeto, e pela segunda vez naquele dia, Regulus sentiu o solavanco característico daquele meio de transporte. Instantes depois, estavam em algum ponto da costa britânica, numa praia isolada de qualquer cidade ou aldeia. Tudo o que havia li era uma velha cabana. Aquele lugar não se parecia de forma alguma com um porto, e Regulus comentou isso com Pettigrew.

"Você não queria ficar esperando diante do cais, com dúzias de agentes do Ministério nos observando, não?" - o outro retrucou – "nós vamos esperar o Frank aqui, e depois iremos para o porto. Temos tempo para isso."

Pettigrew seguiu na frente, e atravessou rapidamente os cem metros que os separavam da cabana. Ele abriu a porta, e acendeu velas para iluminar o ambiente. Regulus entrou logo atrás, e bruscamente a porta fechou-se. E o primeiro sinal de que havia caído em uma armadilha foi o sorriso triunfante que Bellatrix lhe deu ao surgir das sombras.

"Eu não acreditava que você fosse capaz, Pettigrew, de trazer meu querido primo aqui" - ela sorriu diante o olhar incrédulo de Regulus – "bem, você sabe o que nós teremos que fazer agora, não? Isso já havia sido combinado entre nós..."

"Se...sei..." - Pettigrew respondeu – "eu...eu estou pronto..."

"Porque se eu não fizer isso, os seus amigos do ministério podem desconfiar, não é mesmo? Afinal, sua incumbência era trazer Regulus Black em segurança até aqui...quando o encontrarem, você já sabe o que responder, não?"

"Que fui atacado..."

"Ótimo!" - ela sorriu uma última vez, e apontou a varinha para Pettigrew – "Cruciatus!!" - levantou a varinha, e olhou divertida para o homenzinho estendido no chão, gemendo de dor – "Estupefaça!!" - e Pettigrew desmaiou.

Então, Bellatrix virou-se para Regulus. Ele tinha a varinha estendida, mas não emitiu uma única palavra. Ela já não sorria mais, e apontou a própria varinha para o primo, e foi mais rápida. Desarmou-o e segurou firmemente o objeto em suas mãos.

"Você falhou, Regulus....você me prometeu que entregaria o seu irmão a mim, mas no fim rendeu-se a ele, não é mesmo? O que foi, sentiu remorsos? Ou saudades da infância?!! Ok, a mim não importa!! Tudo o que sei é que você não me obedeceu...mas você ainda tem uma chance...Rudolphus!!"

Do outro cômodo da cabana, Rudolphus apareceu, e trazia Ansara consigo, arrastada. Jogou-a na frente de Regulus, e aguardou.

"Como vocês a acharam?" - ele perguntou, lentamente – "me disseram que ela estava em segurança..."

"Você não tem idéia do que eu sou capaz, Regulus" - Bellatrix respondeu – "nós não ficamos parados, esperando alguma ação sua...desde o momento que você saiu da minha casa, eu tomei providências para encontrá-la..."

Ansara chorava mansamente. Pareceu a Regulus que ela já não tinha forças para mais nada, e ele agachou-se para poder tocá-la. Ela o encarou, como se pedisse perdão, mas nada disse. Já não havia mais nada a ser dito...

"Você pode acabar com isso logo, Regulus" - disse Bellatrix, estendendo a varinha – "nós podemos esquecer tudo isso...tudo!! É só você matá-la..."

Regulus pegou a varinha de volta. Encarou Ansara, mas ela já não reagia mais. Apontou a varinha, mas as palavras da maldição jamais chegaram a ser pronunciadas....porque num ato de desespero, ele agarrou e levantou Ansara, estuporou Bellatrix que estava a sua frente, arrombou a porta, e saíram os dois para a escuridão da noite. Rudolphus teve tempo apenas para reanimar Bellatrix, e sair em perseguição ao casal. Os dois corriam sem rumo pela praia, e Regulus procurava puxar Ansara. Ela, porém, já não tinha mais forças. Um único tropeço, e foi ao chão. Não houve tempo para Regulus ajudá-la. Rudolphus já estava perto o suficiente, e de sua varinha saiu o facho de luz verde que a executou.

Regulus não teve tempo de dizer nada. Bellatrix já os alcançara, e tentou deter Rudolphus...e aquela foi a última cena que Regulus viu, a mão da prima sobre o ombro do marido...Rudolphus se desvencilhando da esposa...e uma lágrima solitária escorrendo pelo rosto de Bellatrix Lestrange quando finalmente a luz verde o atingiu também...e então, ele teve paz.