A seguinte fanfiction HOUSE OF CROWS é de autoria da SilverShine. O que me pertence é apenas a tradução.

AVISO DE GATILHO: o conteúdo de House of Crows não é recomendado para menores de 18 anos e contém questões sensíveis como estupro, aborto e violência.


A Casa dos Corvos

Prólogo


Há uma casa construída de pedras

Com chão de madeira, paredes e janelas

Mesas e cadeiras cobertas de poeira

É um lugar em que não me sinto sozinho

É um lugar onde eu me sinto em casa*


Ela vira fotos no escritório de Tsunade, mas elas não faziam jus ao lugar. Fotos não conseguiam capturar o cantarolar suave dos pássaros na floresta tropical ao redor, ou alertá-la sobre a extraordinária umidade e calor. No momento em que Sakura alcançou os portões de entrada da propriedade ela afundou, cansada, na mala de viagem e tentou recuperar as energias. Uma semana de viagem ininterrupta era o suficiente para cansar qualquer um, mas ela não estava preparada para esse tipo de clima hostil. Apenas alguns dias após cruzar a fronteira ela havia sido propriamente introduzida ao conceito de "tropical". Ali, as árvores pareciam se estender até os céus; algumas eram tão largas que só podiam ser rodeadas por não menos que vinte pessoas de mãos dadas. Os animais eram grandes, as cobras mais mortais, os insetos mais numerosos e irritantes, mas os aromas e cores eram diferentes de tudo que ela já vira no país do fogo.

Contudo, qualquer encanto que o ambiente possuía se esvaíra bem rapidamente conforme os obstáculos começavam a atrasá-la. Não ajudava que toda manhã ela acordava se sentindo enjoada, extremamente cansada e desesperadamente faminta por algo mais encorpado que rações alimentares. Seu estoque razoável de barras de chocolate, que deveria ter durado uma quinzena, havia sido consumido nos dois primeiros dias, deixando-a com quatro dias de uma depressão aguda por falta de chocolate.

Mas ela finalmente chegara, e por um momento ficou temerosa pelo que estaria prestes a fazer. Se acostume com esse lugar, ela advertiu-se ao limpar o suor da testa e espantar uma das enormes borboletas nativas com intenções amorosas para com a manga florida de seu kimono. É praticamente seu novo lar agora.

Eventualmente, ela reuniu coragem e pôs-se de pé. Respirando fundo pela última vez para tentar dissipar a tensão de seu peito, ela pegou a bagagem pesada e adentrou os portões.

— Ambulantes não são permitidos pela entrada principal.

A voz assustou tanto Sakura que ela deixou escapar um grito e cambaleou para o lado, afastando-se do rude senhor que aparentemente estivera recostado na parede ao lado de um dos portões desde que ela chegara.

— Me… me desculpe. — ela disse apressadamente, curvando-se totalmente a sua frente. Ele parecia um jardineiro com terra nas unhas e lama cobrindo suas botas até os joelhos, mas não dava para ter certeza que um homem no jardim era um servente. Alguns lordes gostavam de cuidar do próprio jardim.

— Se está vendendo mercadorias, garota, nem tente. Eles nunca compram. — disse ele, acenando com a cabeça para a mansão mais a frente do caminho, escondida por muros e árvores cobertos de musgo.

— Vim por causa de um trabalho. — ela explicou. — Eles estão me esperando.

Ele agora lhe olhava mais minuciosamente, e se Sakura não fosse uma kunoichi, ela teria achado seu cabelo e barba desgrenhados e rosto desfigurado bastante intimidantes. Ele parecia inofensivo o suficiente, no entanto. Mas para todos os efeitos, as pessoas dali tinham suspeitas de forasteiros. E com boa razão.

— Empregada doméstica? Dê a volta e ande no sentido anti-horário até chegar a uma escadaria. Siga pelo caminho e dará de cara com as cozinhas. Alguém de lá provavelmente saberá o que fazer com você.

— Obrigada.

Ela reverenciou mais uma vez, mas ao levantar a cabeça ela percebeu que ele já estava se afastando como se ela nunca tivesse existido. Sakura observou as costas de seu cabelo grisalho por um instante antes de ousar dirigir-lhe a palavra. — É um lindo jardim, aliás.

Ele diminuiu o passo e olhou de volta para ela. Sua expressão não era agradável, mas Sakura não achava ser possível para tal rosto emanar algo meramente afável. Ele, pelo menos, não parecia mais tão hostil, então Sakura sorriu e rapidamente atravessou o portão de volta como tinha sido instruída.

Bem, não tinha sido um início tão ruim assim. Entretanto, ela não estava ali para impressionar jardineiros, porque afinal eram os funcionários da casa que era teria de convencer.

Seguindo a direção dada pelo homem, ela rodeou a propriedade em sentido anti-horário até se deparar com uma extensa parede coberta de musgo dividida por degraus de pedra que curvavam no meio pelos muito, muitíssimo anos de uso. A escadaria era estranha, e embora Sakura fosse capaz de subi-la com certa facilidade, ela se perguntava quantos meses levariam para isso mudar. O caminho estreito ao final da escada dava para um jardim um tanto descuidado até a parte mais informal da casa. Enquanto ela seguia-o, aromas deliciosos de ervas alimentícias e óleos pairavam sobre ela, fazendo seu estômago se contorcer agonizantemente em desejo. Fazia tanto tempo que ela tivera algo decente para comer. Ela provavelmente perdera alguns quilos desde que saíra de Konoha com nada mais que sua mala lotada de imitações de ensopado de galinha.

E quanto mais Sakura se aproximava da casa, mais ela pensava ter escutado suaves ruídos de conversa fiada. Garotas, sem dúvida. Quando ela virou numa curva do caminho e surgiu detrás de uma porção de bamboo, ela viu que suas suspeitas estavam corretas; a sua frente uma porta se abria para uma cozinha barulhenta e a todo vapor, e um alpendre ocupado por três garotas bem-vestidas e de beleza incomum da sua idade.

No momento em que ela apareceu, no entanto, suas brincadeiras cessaram e todas se viraram para encará-la intensamente como se ela tivesse acabado de cuspir no chão. Isso fez Sakura querer se encolher atrás dos arbustos. Não havia exatamente felicidade em seus rostos, e elas claramente achavam que ela devia explicações ao aparecer assim do nada.

Então, uma delas disse alegremente: — Garota nova.

— Ah. — as outras duas disseram em uníssono, e todas prontamente voltaram a conversar como antes.

Isso era ainda pior. Uma coisa era ser encarada como um animal estranho, outra era ser ignorada completamente. Sakura se mexeu, desconfortável, e olhou ao redor, perguntando-se onde diabos ela deveria ir. Sendo uma kunoichi, ela nunca teve de procurar emprego antes. Ela só tinha uma vaga ideia do que esperar baseado no que Ino dissera, mas fora isso, ela estava subitamente ciente do quão profunda e agudamente sozinha ela estava. Seus amigos mais próximos estavam há semanas de distância, e esse lugar era tão estranho e desconhecido, ninguém parecia muito amigável…

— Garotas, se vocês vão fuxicar o dia todo, pelo menos finjam que estão ocupadas enquanto isso. — disse uma mulher ao aparecer no portal da cozinha, balançando as mãos para espantar as garotas agrupadas na beira do alpendre. Elas apenas sorriram como se fosse engraçado, e a mulher mais velha também não aparentava muita seriedade.

Quando ela percebeu Sakura, no entanto, começou a aparentar confusão. — Ah… quem é essa?

— Garota nova. — disse a mesma garota de antes.

— Sakura, senhora. — Sakura ofereceu. — Meu último empregador lhe enviou uma referência…?

— Ah. Sim. Sakura. — a mulher ainda parecia confusa. — Era esperado que você chegasse Terça-Feira passada, no entanto.

— Hã, a jornada foi mais difícil do que o esperado.

— Veio do país do Fogo, não? Seu sotaque é forte.

— Me desculpe.

— Não importa. — a mulher deu de ombros e reassumiu o comportamento agradável de antes. — Me dê essa mala pesada e vamos arrumar um lugar pra você.

Aliviada de ter encontrado alguém que sabia sobre ela, Sakura rapidamente obedeceu e seguiu a mulher casa adentro, passando pela desordenada e ocupada cozinha e saindo nos corredores calmos além dela. Era um pouco mais frio ali, mas não muito. Sakura temia pensar na sua própria aparência diante dessa mulher imaculada, ou até mesmo como ela cheirava. Uma semana de viagem, sem um banho adequado, e suando como uma porca na selva… ela não devia passar uma boa impressão, mas a mulher parecia contente o suficiente.

— Me chamo Himiko, sou a assistente da Senhora Zuru e governanta. Você vai se reportar na maior parte das vezes para mim. Seu trabalho vai ser bem parecido com o seu último – limpar, costurar, lavar, servir a família, basicamente. Você canta?

— Não. — Sakura disse um tanto rápida e firmemente.

— Uma pena. Seu rosto tem um bom formato, aliás, isso é bom. O mestre meio que insiste em ser rodeado de garotas exóticas. Ah – não se preocupe. É por razões puramente estéticas; ele é um homem que quer tudo bonito e perfeito, mas apenas para olhar. — ela então, sobre o ombro, dirigiu um olhar meio hesitante para Sakura. — Seu filho, no entanto… bom, conversaremos sobre isso depois.

Sakura prontamente tentou absorver todas essas informações enquanto Himiko abria uma porta de correr. — Você vai dormir aqui com as outras garotas. — ela disse, conduzindo-a para dentro do quarto vazio. — Embora elas basicamente te manterão acordada com tanta conversa fiada e jogos. Vamos botar suas coisas aqui, sim? Certo, agora vamos sentar para que você possa me contar o que diabos está fazendo aqui.

Sakura congelou. — Perdão?

Himiko já estava ajoelhando no chão e simpaticamente gesticulando para que Sakura fizesse o mesmo. — Consigo saber só de te olhar. É bem óbvio. Você de jeito algum é uma servente.

Sakura caiu sob os joelhos, desespero invadindo-a de forma estrondosa. Ótimo. Ela mal havia chegado e já havia sido descoberta. Agora essa mulher provavelmente planejava interrogá-la para descobrir quem a enviara, e então talvez um dos guardas seria chamado para executá-la. Onde ela guardara aquela pilula de cianureto, aliás?

— Fui tão óbvia assim? — ela sussurrou fracamente.

— Apenas para uma mulher tão experiente como eu, querida. — Himiko disse, dando tapinhas em sua mão. — Todas as garotas na sua situação tem um mesmo ar e aparência.

— Eu juro, isso vai mudar se eu tomar um banho…!

A mulher mais velha riu em bom espírito, preocupantemente calma e amigável apesar do fato de falar com uma espiã. Sakura temia que ela fosse uma dessas mulheres capazes de sorrir como um anjo ao enfiar uma faca na sua garganta. Até ela perguntar: — De quantos meses você está?

— Perdão…? — Sakura perguntou hesitantemente.

— Sua barriga ainda não está mostrando, e eu imagino que seja seu primeiro. Eu chuto que está de um ou dois meses.

A boca de Sakura havia ficado inexplicavelmente seca de repente. Ela não sabia se isso era pior do que ter sido descoberta como espiã. Entretanto, a mulher a sua frente era tão sábia e confiante que Sakura sabia ser inútil negar. — Um pouco mais de oito semanas, na verdade. — ela disse fracamente.

— Ah, não precisa se preocupar. Eu não vou te mandar embora. Seria cruel. — Himiko disse, despreocupada. — Mas eu suspeito que sua carta de referência tenha algumas mentiras sobre sua experiência com o intuito de te despachar para nós. Quem que escreveu? Suas mãos podem mostrar os calos de um trabalho duro e honesto, mas você certamente nunca foi empregada antes, então eu sinceramente duvido que tenha sido seu "último empregador" a escrever.

Havia sido sua Hokage, na verdade. Mas Sakura estivera construindo uma história para explicar sua condição, já que era apenas inevitável que ela fosse descoberta se sua missão durasse tanto quanto esperado. — Meu guardião escreveu. — ela disse, com a quantidade certa de humilhação. — Estou em desgraça. Eu só preciso de um emprego por um tempo para poder me erguer. Espero não ser um peso para você.

— Empregadas têm se casado e criado seus filhos aqui junto da família por anos. Você não será um peso. — Himiko a garantiu. — Mas, e quanto ao pai?

Sim. E quanto o pai?

— É só que pela minha experiência — a mulher continuou. — homens ou não querem nada com seus filhos ou querem tudo. Só preciso ter certeza que ele não é do tipo que vai te procurar e causar uma cena. A família não vai gostar disso.

Sakura engoliu em seco. — Não… não, ele não vai vir atrás de mim.

Himiko arqueou uma sobrancelha especulativamente. — Ele não era seu parceiro, era?

Ela balançou a cabeça. — Não.

A sobrancelha desceu rapidamente em desgosto. Sakura podia ver a que conclusão ela chegara.

— Eu não fui forçada. — Sakura acrescentou apressadamente. — Foi apenas um erro estúpido.

— Quantos anos você tem, Sakura?

— Vinte.

— Infelizmente, uma idade muito jovem para se cometer tais erros. — Himiko balançou a cabeça tristemente. — É sempre a mulher que sofre mais nesses casos, mas nós vamos fazer o máximo para tornar sua estadia confortável.

Sakura deu um pequeno sorriso vacilante, tentando ignorar a culpa corroendo seu interior. Ela só estava ali para se infiltrar nas juntas desse lugar com o objetivo de esfaqueá-los pelas costas. Talvez essa tarefa fosse mais fácil se a mulher fosse uma vadia insensível. Ser recebida de braços abertos e calorosos deixava Sakura extremamente desconfortável ao pensar em arruinar os empregadores dessa mulher, algo que inevitavelmente levaria a maioria dos, senão todos os, empregados a serem dispensados.

Bem, ela estava se precipitando. Seu trabalho era primeiramente averiguar quaisquer conexões que essa "família" possuísse com o crescente sindicato do crime que Konoha colocara em observação. Poderia até ser o caso de não haver conexão alguma, e o tempo de Sakura teria sido desperdiçado ali, mas, pelo menos, essa mulher simpática ainda teria seu emprego.

Claro, havia razões mais importantes para Sakura ter pegado essa missão, umas que não tinham nada a ver com sindicatos criminosos ou famílias nobres, e tudo a ver com o pequeno problema crescendo dentro dela. No entanto, havia bastante tempo para pensar sobre isso ainda.

— Vou te levar ao banheiro das serventes e deixar você se recuperar da viagem, mocinha. — Himiko disse bondosamente. — Quando tiver acabado, vai ter uma travessa de comida te esperando aqui, e então nós poderemos falar mais sobre suas tarefas.

Não havia nada como um banho quando você realmente precisava de um. Ao mais tarde afundar na água abençoadamente quente de uma das banheiras de empregada, Sakura permitiu sua mente tentar se ajustar a sua nova situação enquanto a água relaxava seus músculos doloridos. Muitas pessoas viviam e trabalhavam nesse lugar, e Sakura precisava se dar bem com todos. Naturalmente, eles suspeitariam dela, sendo uma estrangeira, especialmente se essa fosse mesmo a base de operações nada honestas, mas Tsunade alertara-a que a melhor forma de se misturar era simplesmente ser ela mesma e aguentar o tempo suficiente para a suspeita morrer.

Ela tinha de ser cuidadosa, no entanto. Os relatórios afirmavam que os mestres dessa propriedade eram impiedosos. Com o seu apoio mais próximo do outro lado de uma fronteira longínqua, não haveria ninguém para ajudá-la caso fosse pega. Caso ela estragasse tudo, levaria semanas para alguém em Konoha perceber a falta de comunicação. Meses até que alguém viesse investigar.

E não era só a sua vida que ela tinha te proteger agora. Todo passo que ela desse de agora em diante seria pensado duas, três vezes mais para evitar quaisquer erros, porque ela não podia mais se dar o luxo de ser negligente. Tudo por causa de um erro estúpido que ela cometera…

Sakura passou as mãos sobre a barriga, explorando a leve precipitação que já lhe era familiar. Sob suas palmas, estava o começo de algo independente dela. Um dia ela o seguraria nos braços, e após um tempo ele seria então uma pessoa crescida, tão profunda e complexa quanto ela mesma.

Não pela primeira vez, a ideia a deixou se sentindo sobrecarregada e ela apressadamente reprimiu as lágrimas quentes. Ela desejou de novo que isso simplesmente não estivesse acontecendo com ela. Que ela não tivesse cometido aquele erro oito semanas atrás que tinha, de uma forma, custado sua própria vida. As coisas nunca mais seriam as mesmas, não é?

Mas esse era o único jeito.


Próximo capítulo: Num Dia de Julho...


*Trecho da música TO BUILD A HOME (The Cinematic Orchestra)

1 de 46