Notas do Autor

Aviso: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.

Por favor, não me processem, eu só peguei emprestado para pura diversão.


Capítulo 1 - O Homeopata


O suor escorria de sua testa quando despertou. Arrancou a manta de cima de suas pernas e praguejou baixinho quando esbarrou no pé da cama em sua busca cega até porta do banheiro. Infelizmente não chegou a tempo ao vaso e assim que cruzou o beiral da entrada seu vômito encharcou os próprios pés. Apoiou-se na parede quando seus joelhos fraquejaram e rastejou no escuro até a louça.

Jamais conseguiria levantar pra alcançar o interruptor. Se fosse sincera consigo mesma, Hermione admitiria que sentia falta de uma varinha em momentos como esse. Suspirou.

Uma nova onda de náuseas a atingiu e ela deslizou a cabeça para dentro do vaso. Quando terminou, o gosto amargo da bile inundou sua boca. Tateou cegamente em busca da ducha na lateral dele, ao encontrá-la encheu sua boca de água, cuspindo em seguida.

Percebeu as mãos trêmulas quando seus olhos se acostumaram com a falta de luminosidade. Rastejou mais um pouco até encostar na lateral da banheira. Baixou a cabeça dentro dela e apertou o acionador da ducha mais uma vez para molhar seu rosto e cabelos. A água fria varreu o suor de sua pele e ela se sentiu levemente melhor.

Não calculou o tempo que ficou ali, em meio ao vômito espalhado no chão que agora se misturava com a água que pingava do próprio cabelo. Tentou se levantar mais uma vez, desistiu quando uma tontura lhe atingiu com tamanha agressividade que ela estagnou a tentativa de ficar de pé e apenas se arrastou pra dentro da banheira. Respirou fundo e puxou as pernas para junto de si. Um punhado de lágrimas alcançando seus olhos quando percebeu a fraqueza de seu corpo.

Não fazia ideia de quanto tempo depois ela ouviu uma voz ao longe lhe chamar.

- Hermione? - Era uma voz feminina e parecia muito distante.

Vagarosamente tentou abrir os olhos, uma claridade absurda não deixou que conseguisse. Sua consciência aos poucos foi se dando conta dos barulhos ao seu redor. Passos apressados. Discagem telefônica e uma voz logo acima de sua cabeça que parecia preocupada.

- Eu já a encontrei assim... não sei… você pode vir ou não seu idiota?

Hermione finalmente conseguiu abrir os olhos e deixou escapar um murmúrio baixo quando seu corpo reclamou ao esforço dela de se colocar mais confortavelmente no espaço onde estava. Que cama desconfortável - Pensou.

A dona da voz provavelmente ouviu seu gemido porque na mesma hora ela soltou o telefone, abandonando a ligação com quem quer que fosse e veio ao seu encontro.

- Graças à Merlin!

E hermione se sentiu abraçada por um corpo esguio enquanto uma massa de cabelos ruivos fazia cócegas no seu nariz. Gina. Hermione a empurrou gentilmente numa clara tentativa de se soltar da mulher que tentava lhe colocar sentada na banheira. Uma sensação de embrulho no estômago, que nada tinha a ver com sua condição física, a invadindo novamente. A ruiva pareceu perceber.

- Eu sei que prometi, mas você não me deixou escolha.

Hermione a olhou feroz e tentou pôr-se de pé, sem sucesso. Muito a contragosto, aceitou a ajuda de Gina após a terceira tentativa frustrada de se levantar. Assim que a ruiva a colocou na cama, a campainha soou, anunciando a chegada de mais alguém ao apartamento.

Rony Weasley entrou em seu campo de visão e pela expressão em seu rosto, claramente estava ali por "livre e espontânea pressão". Hermione sentiu o olhar dele sobre ela e decidiu que não queria encará-lo, admirar as cortinas parecia uma tarefa muito mais atrativa.

- Então? - Ele dirigiu-se a irmã.

- Só preciso de ajuda para levá-la ao hospital. - Gina respondeu.

- Não sabe aparatar mais? E porque precisa especificamente da minha ajuda? - perguntou irritado.

- Você sabe muito bem que não posso aparatar para um hospital trouxa. E eu não preciso ter que explicar para você o porquê de eu ter te chamado e não o meu próprio marido, preciso? - Gina o devolveu com acusação na voz.

- Que seja. - Ele soltou uma praga quando dirigiu-se até Hermione na cama. - Eu a ajudo e você procura um meio de transporte, o que usam nesse mundo afinal? Carros voadores eu sei que não.

- Táxis. - Gina respondeu enquanto remexia na bolsa que Hermione deixou largada na poltrona próxima a janela na noite anterior. - Vou na frente para consultar o porteiro sobre o hospital mais próximo.

Ela ouviu a porta da frente bater. Assim que ficaram sozinhos no quarto, Rony pareceu desconfortável, e mesmo que Hermione não tivesse sequer manifestado reação a sua presença ali ele, para absoluto desgosto dela, resolveu falar.

- Só me deixe ajudar você com isso e o mais rápido possível nos livraremos um do outro. - ele apontou. - Ela continuou quieta fitando agora o teto, mas não se opôs quando ele a amparou.

Nenhum deles trocou uma palavra no percurso até a emergência, mas Hermione deixou a cabeça descansar no ombro de Gina quando estavam no carro, não confiava ainda em seu próprio pescoço, as ondas de tonturas iam e viam a cada minuto. Assim que chegaram ao centro médico e dispensaram o veículo, Hermione foi amparada em uma cadeira de rodas por enfermeiros enquanto Gina se dirigia para a recepção. Rony desapareceu em algum lugar do próprio estacionamento, logo após lançar um olhar carrancudo ao obrigado que Gina murmurara.

Hermione foi deitada em uma maca assim que entraram no hospital. Algumas horas e agulhadas depois, um médico de aparência cansada veio acompanhado de Gina, trazia vários papéis na mão. Ele virou-se para discutir algo na papelada com a enfermeira que controlava os equipamentos, e Gina largou-se na poltrona do seu lado.

- Não sei como você prefere ser furada do quê ser examinada apenas por uma varinha. - a ruiva deu um longo suspiro - Parece o papai.

Em qualquer outro momento da vida, Hermione sorriria da comparação com o Sr Weasley, mas hoje ela apenas remexeu-se incômoda e ajeitou os travesseiros atrás do próprio corpo, quando o médico enfim veio conversar com as duas.

- Como se sente senhorita… Granger? - ele ainda observava os papéis quando perguntou. Gina revirou os olhos.

- Bem. - Hermione obrigou-se a mentir.

O médico levantou os olhos para ela. Eram olhos cinzentos e desinteressados. - Eu obtive os resultados dos seus exames mais recentes e percebi que e a senhorita vem apresentando esse mesmo quadro seguramente há três anos. Desta vez no entanto, pedirei que faça alguns exames mais complexos. Todos os resultados anteriores não dão nenhuma mínima indicação do que possa estar desencadeando essas crises. - Ele parecia repetir essas palavras decoradas de um livro acadêmico. - Vou pedir para que, Vivian solicite os exames adicionais, amanhã retorno para vê-la.

- Desculpe, amanhã? - Hermione piscou confusa.

- Sim, senhorita Granger. Ficará internada até termos um diagnóstico definitivo. - Ele pareceu satisfeito com o trabalho, sem dar maiores explicações despediu-se com um aceno de cabeça e saiu da sala levando a enfermeira junto.

- Não quero ficar aqui. - Gemeu ela, dirigindo-se à Gina.

- Ah, mas você vai ficar sim. Levar uma vida trouxa, foi isso que resolveu não foi? - Gina parecia levemente chateada ao dizer isso - E eu espero ansiosamente que leve mais furadas. - terminou a frase enquanto dava uma batidinha no soro pendurado junto à Hermione, que a olhava horrorizada.

- Seria maldade se eu dissesse que você é uma bruxa má?

- Sim, seria. Mas, acho que posso fazer algo por você - completou pensativa. - Preciso enviar umas corujas e voltar no seu apartamento, se vai ficar aqui por um tempo,precisa dos seus itens de higiene pessoal. Acho que ninguém vai notar se eu aparatar daqui direto no seu banheiro não é? Eu não quero passar mais duas horas no trânsito infernal de Londres até chegar lá. - Gina levantou e espiou fora do quarto. - Isso aqui não é nada tranquilo para um hospital, a administração do St Mungus devia dar palestras sobre o assunto aos trouxas.

- Finalmente concordamos em alguma coisa. - Hermione disse resignada.

Gina se aproximou e segurou sua mão. - Você quer a minha opinião sobre o que você tem? - Hermione não respondeu, e Gina entendeu como um sim o seu silêncio - A sua mágica está reprimida desde que você abandonou o mundo bruxo e é óbvio que isso está sobrecarregando seu corpo. Você precisa voltar a…

- Não. - Hermione a cortou.

- Mesmo que isso signifique que você pode morrer? - Gina perguntou com a voz embargada.

- Mesmo que signifique isso. - Ela olhou de soslaio para a ruiva que a observava, havia uma preocupação genuína em seus olhos que a incomodou - Mas é improvável. Sou nascida trouxa, a minha mágica estaria reprimida para sempre se eu não tivesse recebido aquela carta aos onze anos.

- Você entende que isso não faz o menor sentido não é? - Gina agora parecia desesperada em fazê-la entender o absurdo do que estava falando - É exatamente por você ter descoberto sua magia que não pode simplesmente fazê-la adormecer como se não fosse nada.

- Ainda assim, eu não vou voltar. Não faço mais parte daquele mundo.

- Aquele mundo é o nosso mundo e negar isso não faz de você uma trouxa completa - Gina respondeu contrariada. - Enfim, descanse um pouco e retomamos essa discussão depois que eu conseguir aquela ajuda que mencionei antes. Posso demorar a voltar caso as corujas não colaborem. Tente dormir.

Hermione suspirou e se afundou nos travesseiros. Alguma das medicações aplicadas realmente estavam fazendo um efeito pesado sobre seus olhos e seu corpo doía inteiro, em parte pela metade da noite que passara espremida na banheira dura, em parte por ser um dos sintomas constantes do seu mal-estar. Além do mais, ela concordava inteiramente com Gina: não queria retomar a discussão de anos atrás. Não hoje e nem nunca.


Quando a sexta-feira finalmente chegou, uma chuva fina e persistente caía sobre a cidade. O homem na sala olhava pela janela carrancudo. Que tempo louco, pensou. Uma batida suave na porta interrompeu sua reclamação mental sobre o clima e Esther, a sua assistente, entrou sorridente.

- Bom dia!

Ele respondeu apenas com um aceno de cabeça e continuou a observar a chuva, Esther já era acostumada a falta de palavras do chefe e pareceu não se incomodar. - Hoje temos um encaminhamento interessante. Veio daquele departamento estranho, DELM. Um dia o senhor vai me explicar essa sigla? - Ela o olhou esperando uma resposta que não veio, por fim desistiu e baixou os olhos para a pasta em sua mão - Pelo visto é a mais jovem que enviaram. Ah, e tem um cartão:

"A verdade é uma coisa bela e terrível, e portanto deve ser tratada com grande cautela."

Os olhos do profissional finalmente se desprenderam da janela e ele caminhou até ela, puxando a pasta inteira da mão dela. A surpresa estampada no rosto.

- Você viu quem entregou? - questionou à assistente.

- Engraçado o senhor perguntar, juro que a sineta na porta não tocou em nenhum instante, mas quando atendi o celular e desviei meus olhos do balcão por um minuto, a pasta simplesmente apareceu lá. - A mulher forçava os olhos como se procurasse na memória algo que não fazia sentido naquela cena.

- Estou absolutamente certo que suas ligações não duram apenas um minuto. - respondeu ele e Esther pareceu extremamente ofendida, ele a ignorou. - Assim que a cliente chegar, feche a loja e tire o resto do dia de folga. E lembre da regra sobre o DELM.

- Mas… - Esther tentou questionar.

- Isso é tudo. - Ele disse.

Esther saiu da sala, já trabalhava ali tempo o bastante para saber quando o chefe dava por encerrado o assunto. Quase no mesmo instante que entrou de volta ao espaço da loja, a sineta da porta tocou. Ao abri-la duas jovens mulheres vieram ao seu encontro. Ela sorriu para elas.

- Bom dia, em que posso ajudá-las?

- Hum.. a minha amiga tem um, como é mesmo o nome… ah sim, um encaminhamento. Está aqui em algum lugar... - a ruiva anunciou enquanto vasculhava uma bolsa pequena demais para ter um papel de encaminhamento dentro dela.

Enquanto ela caçava o documento os olhos de Esther recaíram sobre a segunda jovem, que examinava os produtos expostos nas prateleiras. Ela era magra demais e ao redor dos olhos bolsas escuras denunciavam a falta de descanso. Sua pele estava tão pálida e com uma aparência tão doentia que Esther podia jurar que ela tinha um tom de cinza claro. Deve ser grave, pensou.

- Achei! Aqui está. - a ruiva estendeu um papel claro para Esther que o apanhou e se perguntou como a folha estava inteira e sem nenhuma dobra se ela tinha acabado de sair de uma bolsa minúscula, leu o encaminhamento e começou a fazer perguntas a mulher que lhe respondia como se tivesse dúvidas sobre tudo.

Enquanto Gina e a atendente conversavam, Hermione se ateve em examinar as prateleiras lotadas de produtos. Eram estranhos e quase lembrava um Boticário bruxo. Estremeceu. - O que vocês vendem aqui?

A balconista a olhou como se ela não soubesse ler e apontou a placa atrás do balcão. - Produtos naturais.

- E porque precisam de encaminhamento para atendimento? - Hermione questionou enquanto jurou ter visto um conteúdo se remexer dentro de um dos frascos.

- No geral, não precisamos. Atendemos todo tipo de cliente, e com as mais variadas doenças. Mas os casos que chegam aqui pelo DELM, normalmente vem com encaminhamento. - A sineta anunciou a chegada de outra dupla de pessoas e a atendente desviou a atenção para elas. - Ah senhor e senhora Northon, que prazer em vê-los! - Hermione a ouviu cumprimentá-los enquanto apanhava um pacote caprichosamente arrumado sob o balcão. - Aqui estão as reposições mensais.

- DELM é o que eu acho que é? - Perguntou baixinho para Gina, sem desviar os olhos do par de clientes que fazia alguma coisa com o celular, provavelmente processando o pagamento.

- Não se preocupe, me garantiram que tudo por aqui é bem trouxa. - a ruiva respondeu vacilante.

Hermione notou a atendente mudar a placa da vitrine para fechado antes de se despedir do casal e voltar sua atenção para elas novamente.

- Vocês chegaram bem cedo, não que eu esteja reclamando, pois acabei de ganhar o dia de folga. - Ela falou animadamente. Nem Hermione e nem Gina reagiram ao entusiasmo dela. Quando falou novamente seu um tom de voz estava completamente profissional - Você deve ser a Hermione Granger?

- Sim, sou.

A atendente virou-se para Gina - Bom, sei que veio como acompanhante e na melhor das intenções mas, a norma dos atendimentos do DELM só permite a entrada exclusiva ao paciente. Sinto muito. - Ela disse em um tom tão automático que pareceu a Hermione que ela não sentia nem um pouco.

- Ela não está bem fisicamente, não posso deixá-la sozinha neste estado. - Gina retrucou.

Esther sorriu e com uma voz suave dirigiu-se à Gina quase como uma professora da educação infantil. - Eu sei que vocês foram encaminhadas à cegas para cá, mas embora vocês ainda não o conheçam, ele é um excelente profissional e a sua amiga, quando sair daqui, não estará mais tão doente, pode confiar. - Gina e Hermione a olharam descrentes, Esther percebeu - Escutem, somente uma única vez ele me deixou ficar aqui na loja enquanto fazia um dos atendimentos. E eu nunca vi nada parecido antes, ele realmente fez alguma coisa lá dentro que mudou o estado do menino.

Uma luzinha acendeu no fundo da mente de Hermione. Ela e Gina se entreolharam.

- Eu não tenho certeza que quero o atendimento. - Hermione disse rapidamente, rumando até a porta, Gina trocou um olhar desesperado com a atendente e segurou no cotovelo da amiga assim que ela pôs a mão na maçaneta para alcançar a saída.

- Hermione, por favor. - Suplicou.

- Eu fui bem clara que não queria ajuda mágica, Gina - Ela sussurrou irritada enquanto Esther às olhava do fundo da loja com curiosidade. - Quem você acha que faz atendimentos lá dentro? Um lunático dos produtos naturais? É óbvio que é magia. Você a ouviu, ele fez alguma coisa lá dentro totalmente diferente da medicina. E ao menos examinou estes frascos?

Gina ignorou a última frase - Eu juro que quem me recomendou este local foi enfático em dizer que o atendimento e tratamento são exclusivamente trouxas. Draco…

- Draco? - Hermione estava furiosa agora - Desde quando um Malfoy sabe algo sobre trouxas?

- Desde que ele despreza completamente qualquer relação com eles. Hermione, - ela suspirou - ele não me recomendou como sendo um local que bruxos frequentam, eu juro! Na verdade o desprezo na sua voz foi o que mais me convenceu que ele abominava este lugar. Não pode pelo menos ir lá dentro ouvir o que ele pode fazer? Por mim?

Hermione a olhou irritada. Odiava drama. Concordou com um aceno de cabeça. Gina sinalizou para atendente que desapareceu por uma porta lateral que nenhuma das duas jovens tinham notado ainda. Não demorou muito e voltou, já com uma bolsa a tiracolo.

- Você pode entrar agora. - E voltando-se para Gina - Vamos, você pode esperá-la no Café da esquina.

Gina concordou com a cabeça e voltando-se para Hermione lhe deu um dos seus melhores sorrisos de agradecimento por ela ter concordado com o atendimento.

- Desmanche esse sorrisinho, eu concordei apenas em ouvi-lo. - Hermione a repreendeu.


A porta por onde a atendente tinha desaparecido levava a um pequeno corredor onde nada se movia. O silêncio era tão absurdo que ela duvidou por um instante que alguém a estivesse aguardando ali. Duas portas exatamente idênticas se destacavam nele, separadas por uma única luminária dourada que emitia uma luz tão fraca que quase não dava para enxergar as plaquinhas minúsculas penduradas em cada uma delas. Apertando os olhos, Hermione leu que a porta da direita levava ao lavabo e seu olhar recaiu sobre a outra plaquinha.

O Homeopata

Que placa estranha para se anunciar a sala de alguém. Pensou. Em seguida, respirando fundo e bateu.

- Entre. - uma voz suave e rouca respondeu.

O som dela lhe pareceu vagamente familiar, não esperou uma nova ordem e alcançou a maçaneta para entrar. Uma mesa antiga de madeira preta ocupava boa parte do espaço, as cadeiras também pretas eram cobertas por um tecido verde escuro e finíssimas costuras douradas.

Hermione olhou ao redor do ambiente e os únicos móveis, além da escrivaninha, eram um sofá próximo a janela e uma estante que cobria toda a parede do fundo da sala. A iluminação era tão fraca quanto a do corredor anterior o que tornava quase impossível enxergar o homem parado no canto mais escuro do ambiente. Na verdade, Hermione só o percebeu lá quando a voz dele a alcançou novamente:

- Sente-se.

Automaticamente Hermione se sentou em uma das poltronas em frente à mesa. Uma pasta estava aberta sobre ela e Hermione conseguiu enxergar a logomarca do hospital que Gina tinha lhe levado em alguns deles.

- Tomei a liberdade de examinar os exames recentes que fez. - Hermione ficou quieta, aquela voz era estranhamente familiar - Não me surpreendi ao descobrir que eles estão absolutamente normais.

- Não entendo… Se uma pessoa tem exames normais, deveria se sentir bem... - Hermione comentou enquanto estendia a mão para apanhar um dos papéis.

- Obviamente. - ele respondeu.

- Na sua placa tem escrito "o homeopata", isso não é medicina de verdade...

- Não. Um médico homeopata só indica alguns medicamentos alternativos, levando em conta as condições físicas e emocionais do paciente com o objetivo de aliviar e curar os sintomas e trazer o equilíbrio energético de volta ao organismo.

- Equilíbrio energético? - Perguntou Hermione descrente. - Então, eu apresento alguns graves sintomas físicos, embora meus exames estejam normais, converso com médicos de verdade falando sobre me sentir infeliz e desanimada quase o tempo inteiro e eles me encaminham para um tratamento alternativo, sem comprovações científicas e que vai tratar de um desequilíbrio energético? É isso?

Hermione pensou ter ouvido algo como uma risada contida do médico. Apertou os olhos para tentar observá-lo ao fundo da sala, mas o ambiente terrivelmente escuro não colaborou. Ele agora parecia procurar algum livro na estante do fundo, portanto, estava de costas para ela.

- Em outras palavras, está chamando a homeopatia de "pseudociência". - Ele retrucou. Hermione não respondeu, de repente estava achando aquela conversa muito estranha. - No entanto, gente como você, conhece a minha "pseudociência" por outro nome.

- Gente como eu?

- Sim. - Ele disse simplesmente - Gente como você.

Hermione detestou-o de imediato. - Como assim, gente como eu?

Dessa vez Hermione ouviu claramente um som de riso debochado.

- Diga-me senhorita Granger, há quanto tempo desistiu da sua magia?

Hermione se assustou tanto com essa frase que derrubou os papéis que segurava. Imediatamente sentiu as mãos tremerem e uma sensação de frio intenso desceu pelo seu estômago.

- O quê? - Ouviu-se perguntar em uma voz absurdamente esganiçada.

- Você me ouviu.

Hermione tentou recuperar sua voz normal, mas seu sistema nervoso, que atingia níveis surreais de pânico e ansiedade não colaborou em nada para isso. Tentou ficar de pé mas seus joelhos teimaram em não obedecê-la.

- Eu não sei nada sobre… sobre isso. - Falou quase sem forças, amaldiçoando Gina mentalmente que tinha lhe garantido que ali era um estabelecimento trouxa.

Passos ecoaram pela sala quando o homeopata se aproximou, infelizmente ainda não foi possível visualizar seu rosto, mas Hermione foi tomada por uma descarga forte de adrenalina com a proximidade dele que suas pernas finalmente funcionaram e no exato instante em que ela forçou-se a ficar de pé, as mãos dele gentilmente posaram em seu ombros e delicadamente baixaram-na de volta ao assento.

- Por favor, acalme-se. - a voz dele soou absurdamente próxima e os pêlos da nuca de Hermione se eriçaram. Ela era terrivelmente familiar. - Este é um medicamento para que seu corpo se fortaleça. - Ele depositou um vidro comprido cheio de um líquido âmbar à sua frente - e este - desta vez ele colocou um vidro pequeno com um líquido roxo que parecia fervilhar dentro do frasco sobre a mesa - é um calmante. Beba.

Hermione obedeceu automaticamente. Sua memória a alertava que aquilo era uma ordem e não um conselho. Quase que instantaneamente, sentiu seu corpo relaxar e sua disposição física subir, não ao mesmo nível de quando era saudável, mas estava absurdamente melhor do que se sentia há muito tempo.

- Como você sabe sobre… sobre… Você sabe - Hermione gaguejou.

- Ah sim, senhorita Granger, recebi um dossiê do Departamento de Execução das Leis Mágicas hoje pela manhã. - Hermione ouvia os passos enquanto ele andava de um lado para o outro da sala, atrás dela. - Sempre que o hospital ou o departamento me encaminha alguém com os sintomas nada compatíveis com os exames normais que você apresenta, eu já deduza qual é o problema.

Hermione nada respondeu, soltou um suspiro longo, era óbvio que seria monitorada pelo Ministério da Magia pelo resto da vida, não importava se ela sequer tivesse uma varinha. Se eles rastreavam crianças que nem tinham conhecimento do mundo mágico, o que faziam com adultos que estavam absolutamente cientes da existência deles?

- Sempre que alguém como você, um ser mágico, resolve abandonar os próprios dons, desencadeia um desequilíbrio na própria energia e isso fica explícito no má funcionamento do organismo, ações, emoções e pensamentos. - Ouviu ele explicar - Quando você descobre a magia dentro de si próprio, seus núcleos energéticos se alinham para executar trocas mágicas pelo resto da vida. Graças a essas trocas, a magia dentro de você se reestrutura e estabiliza seus núcleos. Entende o que quero dizer?

- Isso soa exatamente igual aos chakras - Hermione respondeu. Se ele a conhecesse bem, perceberia o quanto ela era descrente nessas coisas.

- Definições trouxas que não estão distantes da verdade.

- Por favor, diga que está brincando. - Hermione balançou a cabeça em descrença.

- O fato é que a magia pessoal é algo complexo e multiestratificado e, sob determinadas condições, podem eclodir no desequilíbrio de sentimentos, lembranças e, mais especificamente o seu caso, danos físicos.

- Então magia não devia ser definida como um dom, está muito mais para uma maldição. - Ela estremeceu.

O homeopata não respondeu. Antes que um silêncio desconfortável pudesse se instalar na sala ele colocou livro de capa de couro preta bem ao lado de onde os frascos, agora vazios, estavam. - Vou deixar que leve meu exemplar de magia elementar, estou certo que lhe esclarecerá muitas coisas. - Ele disse simplesmente - Sua próxima consulta é em dois dias às 17 horas em ponto, não se atrase.

Hermione apanhou o livro e enfiou-o dentro da bolsa. Ela levantou-se até a porta e antes que pudesse abri-la lembrou-se de algo.

- A placa lá fora, "o homeopata" é um disfarce?

- Para os trouxas.

- E para pessoa como… como eu?

- Pessoas como você, costumavam me conhecer pelo meu próprio nome. - E ele finalmente deu um passo para fora das sombras que o ocultavam junto a estante e a claridade que entrava pelas cortinas entreabertas o alcançaram.

O queixo de Hermione caiu.

Fez-se alguns segundos de um arrepiante silêncio enquanto o momento de choque ficava suspenso no ar: encarando-a, com os lábios finos encrespando-se em um sorriso ligeiramente zombeteiro, estava Severo Snape.

- Você... - Ela conseguiu dizer em meio ao seu assombro. - Você morreu... eu mesma vi... eu...

E tudo escureceu.


Notas Finais:

DELM, uma abreviação de Departamento de Execução das Leis Mágicas.