- Tenha paciência com ele, Odin – Frigga suplicou, segurando carinhosamente o braço do marido. - Loki ainda é apenas um menino.

- Um menino que quase cometeu um assassinato – o Pai de Todos retrucou.

Frigga baixou a cabeça. Não havia como negar o óbvio. Uma brincadeira cruel que poderia ter tido um fim trágico.

Odin compadeceu-se da esposa e ergueu o queixo dela com a ponta de seus dedos.

- Não precisa temer por ele, Frigga. Loki é meu filho e eu o amo tanto quanto você. Sabe disso, não sabe, minha rainha?

Os olhos de Frigga brilharam com as lágrimas que começaram a se formar. Odin beijou-a na testa e sem dizer qualquer outra palavra, seguiu para o quarto do filho.

Enquanto caminhava, refletia sobre que espécie de deus seu filho adotivo haveria de se tornar. Os dons que loki aos poucos revela eram fortes, no entanto também eram obscuros. O pequeno era capaz de manipular as palavras de uma forma tal que as mentiras quase se convertiam em verdades em sua boca. Essa habilidade associada às lições sobre magia que Frigga ministrava regularmente fariam dele um trunfo para seu exército, contudo, que tipo de caráter estava sendo forjado naquele pequeno ser era a preocupação que às vezes tirava-lhe um sono.

Alguns passos depois, Odin chegou ao quarto do filho. A porta estava entreaberta. Ele entrou lentamente, temendo o que poderia encontrar, no entanto foi surpreendido ao descobrir Loki calmamente sentado e lendo em sua cama. O menino ergueu os olhos ao perceber a chegada do pai.

- Veio me deserdar? - perguntou, mirando o pai com o olhar frio.

O Rei de Asgard percorreu o quarto com os olhos e voltou o fitar o filho.

- Chega de camuflar a realidade, Loki – falou firmemente.

O menino baixou a cabeça e fechou os olhos, enquanto a realidade ao redor deles desaparecia, dando origem a um cenário mais sombrio. Loki estava no canto do quarto, cercado de objetos quebrados e espalhados pelo chão. O rosto vermelho e molhado contrastando com o olhar cheio de ódio que direcionava seu pai adotivo.

Odin não pareceu surpreso, nem com o ressentimento dele, nem com sua habilidade mágica. Frigga estava saindo-se uma excelente professora. Um dia o menino seria capaz de impetrar ilusões tão convincentes quanto as dela, contudo, por ora, ele ainda conseguia ver através da magia do filho.

O Pai de Todos puxou a cadeira mais próxima e sentou-se, cruzando as pernas e pousando as mãos sobre os joelhos pacientemente. Queria dar tempo para que Loki absorvesse sua presença. Contudo, paciência não era algo que fizesse parte da natureza do menino. Ele enxugou o rosto com as mãos, porém não se levantou.

- O que me denunciou?

Odin permitiu-se um meio sorriso. Quando se tratava de suas lições de magia, Loki não admitia para si mesmo nada menos do que a perfeição. Fosse para agradar Frigga, fosse para se sobressair ante o crescente progresso de seu irmão mais velho, qualquer falha indicada por Frigga era prontamente corrigida, ainda que ele precisasse abrir mão de suas horas de lazer para consegui-lo.

- O tom de sua pele. Sem dúvida alguma a parte mais difícil de se imitar.

- Sempre falho nisso – o menino comentou, dando um tapa em seu joelho.

O Rei de Asgard aproveitou a deixa para introduzir o assunto que o tinha levado até o quarto do filho.

- Porém, pelo que ouvi, tem-se saído muito bem com animais.

Loki não disse palavra alguma. Não se moveu. Apenas fitou um ponto qualquer no chão, como se nenhuma emoção fosse capaz de habitar aquele coração tão jovem. Mais uma vez Odin silenciou. Ele sabia que o pequeno nutria pelo irmão mais velho uma afeição verdadeira, ainda que imperfeita.

- Ele está bem? - Loki perguntou sem mirar o pai.

- Está se recuperando. O golpe foi certeiro. Em outras circunstâncias estaria aqui para dar-lhe os parabéns, em vez de censurar-lhe.

O menino finalmente ergueu os olhos. Odin percebeu que parte da raiva inicial havia se dissipado, dando lugar a uma melancolia familiar.

- Está arrependido do que fez, Loki? - Odin perguntou, tentando transmitir confiança ao filho.

- Não sei se posso dizer isso – o menino respondeu.

O Pai de Todos deu um meio sorriso novamente.

- Prefiro uma dúvida sincera a lágrimas de arrependimento fingidas. Porém sabe que o que fez foi errado, não sabe, meu filho?

Loki baixou os olhos novamente, respondendo que sim com a cabeça.

Odin silenciou. Qualquer palavra dita de forma errada faria com que perdesse o terreno que já havia conquistado.

- Eles riram de mim, pai – Loki explicou, sem mirar o pai. - Disseram que eu era pequeno demais. Que só servia para ficar no palácio, fazendo companhia para a mamãe. E Thor não fez nada!

As palavras infantis foram ditas com mais mágoa do que Odin gostaria de ouvir.

- Eu entendo, Loki, e posso lhe garantir que eles foram devidamente repreendidos. Mas você precisa entender, meu filho, que o que fez foi muito grave. Fingir que é uma cobra para atrair seu irmão, sabendo que ele as adora? E voltar a sua forma normal para esfaqueá-lo quando ele se aproximou? Acredita que as risadas de seus amigos mereceram essa desforra?

- As risadas deles, não. Mas o silêncio de Thor, sim – o menino respondeu, fitando o pai com ressentimento nos olhos.

- Não, Loki, não posso permitir que pense assim. Precisa perceber a gravidade de seus atos. Seu irmão poderia ter morrido – disse firme, porém serenamente.

O menino cerrou os dentes. Odin percebeu que ele precisava de mais tempo para digerir o que havia acontecido.

- Façamos o seguinte. No final do dia iremos você e eu fazer uma visita a seu irmão nas casas de cura.

- Não sei se quero ir.

- Mesmo sabendo que Frigga apreciaria o gesto?

Loki fitou o pai. Odin sorriu.

- A palavra mágica. 'Frigga'. Mas não posso julgá-lo. Quem consegue resistir a ela, não é verdade?

O menino olhou para o lado, porém o rei de Asgard percebeu que um sorriso teimoso tentava se formar na boca do filho.

- Virei pegá-lo daqui a algumas horas, está bem?

Loki assentiu.

Odin levantou-se ainda hesitante. Não queria deixar o filho sozinho. Queria pegá-lo no colo, abraçá-lo e fazê-lo sentir-se amado, contudo sabia que, naquele momento, Loki precisa compreender que atos têm consequencias. Com isso em mente, aproximou-se do menino para tocar-lhe o rosto, porém, antes de fazê-lo, ele se retraiu e Odin recuou.

- Até mais tarde.

Loki não respondeu.

O rei de Asgard saiu do quarto, encontrando Frigga do lado de fora.

- Você ouviu tudo? - Odin sussurrou.

A rainha não disse palavra alguma, apenas abraçou o marido. Odin sentiu a gratidão que emanava dos braços de Frigga.

- Tenho tanto medo de que ele não se sinta amado… - ela sussurrou.

- Não há perigo disso acontecer. Jamais permitirei – Odin garantiu, enquanto Frigga o liberava de seu abraço.

- Venha comigo – a rainha pediu, tomando as mãos do marido nas suas. - E não tente resistir. Sabe que não conseguirá.

Odin sorriu. Ela estava certa. Ninguém, nem mesmo Loki, era capaz de dizer não para Frigga.

O casal real seguiu pelo corredor, enquanto, por trás da coluna, a pequena sombra se revelava.

Loki mexeu os dedos e seu quarto voltou a aparentar a organização de sempre. Ele deu um meio sorriso. 'Ilusão sobre ilusão', Frigga havia mostrado-lhe o truque uma vez. 'Uma das mais complexas ações que um mestre da magia poderia realizar. Um asgardiano normal levava anos para se atingir tal ápice. No entanto, já fazia um bom tempo que Loki deixara de se considerar um asgardiano normal. Ele se considerava, na verdade, muito diferente de todos. E as palavras ditas pelos pais há pouco apenas reforçavam essa impressão.