III - Pássaros feridos

[17:06] Mano, você sabe o que tá rolando com o Noya?

[17:06] O cara tá totalmente avoado

[17:06] Não rendeu nada nos últimos treinos

[17:07] Estamos em Sendai

[17:07] Os jogos começam amanhã

[17:07] E tem uns caras pressionando Ukai-san pra que ele fique de fora do jogo o máximo possível

Leu pela milésima vez as mensagens que Tanaka lhe enviara no dia anterior. Claro que ele sabia o que 'tava rolando' com Yuu: era ele próprio, Asahi Azumane.

- Próxima estação, Ginásio Municipal de Sendai! Próxima estação, Ginásio Municipal de Sendai!

Ergueu a cabeça ao ouvir o anúncio do sistema de som do ônibus, porém, não se levantou. Os pedidos de desculpa de Yuu ainda ecoavam em sua mente. Por vezes, era como se ainda visse os degraus da casa dos Nishinoya se desdobrando diante de seus pés – descia aos tropeções, sem nunca chegar ao final. Ainda que tudo não passasse de um assombro de sua mente, evitava olhar para trás. Sabia que encontraria uma face carregada de dor e mãos muito pequenas que tentavam juntar os cacos de um coração partido. Seguia em frente – seria mesmo em frente? – até alcançar a rua. Nunca soube como conseguiu chegar em casa naquele dia. As memórias do trajeto de volta nada mais eram que borrões em sua cabeça. A única sensação ainda fresca no corpo era a maciez dos lábios de Nishinoya tomando os seus.

O ônibus parou e ele correu em direção à saída para não perder o ponto. Subiu os olhos em direção ao ginásio, que se erguia diante de si como um imponente palácio real. Suspirou. O coração disparado ardia no peito. Seu corpo o guiava somente pelo instinto, uma vez que a cabeça estava ainda enterrada nas imagens daquela tarde. Nos dias que se seguiram, Yuu não lhe telefonou, nem foi procurá-lo no mercadinho. Mas por que deveria, afinal? Asahi era um homem justo apesar de covarde. Sabia que era o responsável pelo coração partido de Nishinoya e que ninguém poderia resolver aquela situação exceto ele próprio. Fez o caminho até a entrada para as arquibancadas de cabeça baixa. Os degraus sob seus pés lhe lembravam a escada da casa de Yuu.

Desde que se entendia por gente, Asahi Azumane procurava não sonhar alto demais. Era o tipo de pessoa que buscava dar um passo de cada vez, dentro das possibilidades que se descortinavam diante de si. A vida fora uma boa mestra nesse sentido: sempre que pensava ser capaz de fazer algo extraordinário, quebrava a cara. Foi assim com a derrota para a Dateko, quando seus ataques pararam no Muro de Ferro. Se havia vencido o Torneio da Primavera com a Karasuno, o tinha conseguido como resultado dos esforços e dedicação dele próprio e do time como um todo. Diferente do que ocorria nos mangás ou nos filmes, as questões da vida real não se resolviam por meio da força da amizade, nem os nós dos problemas se desatavam como forma de recompensa para um coração valoroso. Aliás, aquela vitória não servia de padrão. Era um ponto fora da curva em sua vida.

Por isso mesmo, se contentava com pouco. Se contentava com o emprego no mercadinho, mesmo pensando em cursar Engenharia Civil e Arquitetura na Tohoku. Se contentava em ter Nishinoya perto de si como amigo, quando seu coração o desejava como namorado. "É um crime você se contentar com tão pouco, Asahi. Você merece muito mais!", Yuu lhe dissera várias e várias vezes. E bastavam umas poucas palavras do ex-colega de time para alimentar sua vontade de voar mais alto. A voz do líbero era como o vento entre suas asas, incentivando-o a ganhar os céus.

Porém, uma pessoa que se contenta com pouco não sabe como agir quando alcança algo grandioso. Tinha todas as chances de entrar na universidade após a vitória no Torneio da Primavera caso tivesse se dedicado aos estudos como Daichi e Suga. Quem sabe, poderia ter ganhado uma bolsa de estudos e continuado a jogar vôlei nos campeonatos do ensino superior. Tinha. Caso tivesse. Quem sabe. Poderia. Nada se concretizou. O mesmo sentimento recaiu sobre ele no dia do beijo. Desejava Yuu, de todo o seu coração, queria-o mais do que como amigo, almejava dividir com ele os momentos bons e ruins de sua vida. Desejava. Queria. Almejava. A possibilidade do sonho realizado era tão fora de sua realidade que não soube como agir. Fez o que sabia fazer de melhor: fugiu.

Ter Nishinoya em seus braços, mesmo por um momento tão fugaz, lhe despertou uma felicidade indescritível, comparável talvez somente com a sensação de voar. Quando seus lábios se tocaram, foi como se pudesse saborear o céu azul num beijo, com a força do vento e o calor do sol. O coração batendo acelerado lhe dizia que não se tratava de um sonho ou de uma ilusão. Seu mais profundo desejo tornou-se realidade. Todavia, se um pássaro domina os céus, também corre de ser atingido por uma tempestade, perder o controle e acabar se espatifando no chão. Esse medo tomou conta do coração de Asahi.

"Agora. Somente agora".

Sua tempestade era o tempo, que passava depressa. O tempo que o iludira, fazendo o colegial parecer uma caminhada muito, muito longa, mas que se acabou num instante. O tempo que fazia com que a data dos exames se aproximasse, anunciando o fim de seu relacionamento diário com Nishinoya. Asahi sentiu-se estúpido. Por que não percebeu nada antes? Por que foi tão covarde a ponto de guardar todo aquele sentimento para si mesmo? Após a sensação de felicidade, veio o arrependimento. O quanto poderiam ter aproveitado juntos se ele não tivesse se deixado amedrontar!

"Mas é você quem se contenta com pouco".

Adentrou o ginásio. As arquibancadas estavam tomadas por torcidas escolares, times que aguardavam pelo início de seus jogos, pais, professores e fãs de vôlei. Por sorte, os estudantes da Karasuno estavam acomodados do outro lado. Só então se deu conta que o primeiro jogo dos corvos já havia começado. O relógio eletrônico no centro do ginásio marcava 09:41. Perdera mais uma vez a noção do tempo.

Desde o ocorrido na casa de Yuu, Asahi vivia no piloto-automático. Seu corpo continuava a fazer as atividades cotidianas de sempre, porém, era como se o mundo à sua volta estivesse envolto em uma neblina muito espessa. O trabalho se tornou uma mera rotina e os estudos deixaram de render. Passava horas diante dos livros sem conseguir fixar sua atenção em uma única frase. Nas páginas do caderno, pululavam pedidos de desculpas que nunca chegaram a se concretizar, pequenos desenhos e o nome de Nishinoya, escrito das mais diferentes formas. Comia pouco e passava as noites em claro. Não tinha qualquer sentimento a respeito de nada, exceto, por uma única pessoa... Seu coração estava em outro lugar.

A mãe se mostrou preocupada com aquela mudança repentina e até mesmo o velho Azumane começou a fazer algumas observações, ainda que muito sutis, sobre seu comportamento. Ele buscou tranquilizá-los, dizendo que era apenas cansaço. Sequer se importou se parecia convincente ao dar aquela desculpa. O velho provavelmente acreditava que ele já havia desistido antes mesmo de começar – e não seria a primeira vez, afinal... Pensava somente em Yuu. Seu oposto. Corajoso e alegre. Forte e determinado. O homem que ele desejava, mas do qual não se considerava merecedor.

"Eu preciso fazer alguma coisa", foi o que disse a si mesmo quando decidiu partir para Sendai. Não sabia o que. Não tinha um plano. Somente sabia que precisava ir a Sendai. Nishinoya precisava dele. Foi por isso que passou a noite anterior em claro, tentando organizar as ideias que se revolviam em sua mente. Por esse mesmo motivo, tomou o trem para Sendai logo cedo. As mensagens de Tanaka fervilhavam em sua cabeça. Precisava encontrar Yuu o quanto antes, mesmo sabendo que poderia se arrepender ainda mais.

Disse aos pais e Sazaki-san que fora convidado pelos membros do time para auxiliar na comissão técnica da Karasuno. Uma mentira cabeluda, mas nenhum deles se opôs. Em verdade, a dona do mercadinho pareceu muito feliz em dispensá-lo para prestar aquela função já que ele poderia ajudar a escola a conseguir mais uma vitória. A mãe lhe preparou uma pequena mala com roupas enquanto falava com certo saudosismo a respeito da época em que ele próprio jogava – e ele se sentiu péssimo, tanto pela mentira, quanto por ela fazer parecer que aquilo tudo havia se passado há anos atrás. Já o velho Azumane não lhe disse uma palavra sequer. Nem mesmo precisava. Era visível em seu rosto que ele considerava tudo aquilo uma perda de tempo. Quando saiu de casa naquela manhã, Asahi lembrou-se que sequer tinha onde ficar em Sendai.

Procurou um espaço para se sentar em meio a alguns espectadores que pareciam não representar escola alguma. Seus olhos percorreram a quadra. Os jogadores da Karasuno estavam de costas para ele. Encontrou Nishinoya no campo de batalha. Tinha as mãos apoiadas nos joelhos e parecia arfar. Seu coração se apertou. Desceu alguns degraus da arquibancada, chegando mais próximo da grade de proteção. O placar indicava que sua antiga escola havia vencido o primeiro set por 27x25, enquanto o segundo, 12x12, estava sendo disputado ponto a ponto. Examinou bem a escola do outro lado da quadra. Não se lembrava de tê-la visto no Torneio da Primavera. Talvez fosse um grupo de novatos que chegou com força total, tal qual a própria Karasuno no torneio do início do ano.

O apito do juiz soou e o colégio adversário sacou. O saque não tinha nada de especial e parecia oferecer poucos riscos à Karasuno. A bola viajou na direção de Nishinoya. "Com certeza, vai defendê-la e dar início ao ataque".

- Noya, a bola!

O grito de Tanaka cortou o ar. Yuu estava distraído. Movimentou-se de forma estabanada para impedir que a bola caísse no chão, fazendo-a espirrar em uma trajetória errática. Enoshita precisou correr para salvá-la, mandando-a de manchete para perto da rede. Tanaka tentou aproveitar a oportunidade apesar do primeiro passe desastroso. Golpeou com força. Mandou para fora, bem longe da linha.

- Que recepção horrível. O líbero da Karasuno não está jogando nada hoje.

- Ouvi dizer que o chamam de Divindade Guardiã da equipe. Só se for um deus caído.

O sangue de Asahi ferveu. Agarrou-se à grade, com força, debruçando-se para poder ver melhor o cenário à sua frente. Tanaka, Hinata e Enoshita conversavam com Yuu, que mantinha os olhos postos no chão. Em nada lembrava o jogador cheio de energia que tantas vezes animava o time e chamava para si a responsabilidade de manter a bola em jogo. Tsukishima e Kageyama mantiveram-se em suas posições. O loiro sequer virou-se para encarar Nishinoya.

Quando a escola rival sacou, a bola foi novamente em direção ao líbero. Yuu jogou-se no chão com força, defendendo o saque e Asahi temeu que tivesse se machucado com uma queda tão desajeitada. A bola voou até as mãos de Kageyama em uma parabólica quase perfeita, de modo que o levantador conseguiu conectar a jogada com Hinata. Novo empate, apesar de a Karasuno seguir em desvantagem. O juiz apitou e Noya foi para o banco devido ao rodízio. Bufava de raiva, sem dar ouvidos aos colegas que o cumprimentavam pela boa recepção. Asahi sabia tão bem quanto ele que não se tratava de uma boa recepção. Estava jogando com raiva, o que era completamente diferente.

- Ainda bem que vai sentar agora. Está afundando o time – um dos velhos ao seu lado comentou.

- É um terceiranista. Sempre há um efeito moral. A Karasuno podia estar vencendo com facilidade, mas quando um jogador importante tem um dia ruim, o time todo sofre – o outro respondeu.

Asahi lançou um olhar fulminante em direção aos dois homens, que se calaram de imediato – nessas horas, o ar de delinquente vinha bem a calhar. Sabia, contudo, que não estava em posição de censurar ninguém, pois talvez fosse a única pessoa que conhecia a razão do péssimo desempenho de Nishinoya em quadra. Seus olhos buscaram o cabisbaixo líbero da Karasuno em meio aos reservas. Yuu permanecia alheio a toda agitação que ocorria em seu entorno. Sentiu o peito pesar. A Divindade Guardiã da Karasuno sempre estivera a postos para ajudá-lo em todos os momentos. Asahi sequer era capaz de retribuí-lo com a mesma moeda.

A bola explodiu no chão da outra quadra e voou a porta do ginásio.

- É assim que se faz! – o cumprimento de Daichi veio com um forte tapa nas costas.

- Ah... o-obrigado!

- Hm? Ei, acho que temos visitas! – Suga então apontou para os cinco rapazes que estavam à porta.

Os secundaristas deixaram as bolas de lado e atravessaram a quadra. Nenhum dos veteranos aparecera para o treino e, por isso, estavam se virando sozinhos até então. Os rapazes que os aguardavam eram provavelmente calouros interessados no clube. Mesmo de longe, era possível ver que estavam espantados com a força daquele ataque.

- Boa tarde. Em que podemos ajudá-los.

Os cinco mais jovens fizeram uma mesura para Daichi, demonstrando respeito.

- GOSTARÍAMOS DE NOS JUNTAR AO CLUBE DE VÔLEI!

- Isso é bom! O nosso capitão não está aqui no momento, mas podemos pegar os dados de vocês – Sawamura cruzou os braços, encarando os novatos com um sorriso nos lábios.

- Você está sendo modesto, Daichi – o levantador do time interrompeu – Você já é mais capitão do que ele. O treinador Ukai está prestes a te passar o comando.

-Su-Suga... não diga essas coisas – naquele tempo, Daichi Sawamura costumava ficar encabulado ao receber declarações de confiança.

Logo providenciaram os formulários para os calouros. Asahi notou que todos o observavam. Em seus olhos, identificou um misto de receio e admiração. Era como se dissessem silenciosamente "oh, então esse é o cara que repetiu o ano três vezes!" Todos o encaravam daquela forma. Exceto um.

- Então, você é o Ás do time?!

Nenhum dos candidatos se destacava por sua altura, mas aquele rapaz era... tão pequeno! Porém, mesmo sendo o menor, era o único que o olhava nos olhos o tempo todo e trazia um sorriso luminoso nos lábios. Aquela presença marcante causou certo incômodo em Asahi, muito embora não achasse a sensação de todo ruim.

- Sim. Asahi Azumane. Muito prazer em conhecê-los – cumprimentou os rapazes em voz baixa, fazendo-lhes uma reverência respeitosa que foi correspondida pelos demais de forma um tanto exagerada.

- O prazer é meu, Azumane! E nossa, aquela sua cortada foi muito forte! Digna de um verdadeiro Ás! Ah sim, meu nome é Yuu Nishinoya!

O baixinho disparava frases como se fosse uma metralhadora. Sua empolgação era inversamente proporcional a sua altura.

- Você disse Nishinoya? – Suga perguntou incrédulo – O líbero mágico da Chidoriyama?

- Eu mesmo! – o menor apontou o polegar contra o próprio peito, com um sorriso convencido no rosto.

- Ouvi dizer que você fazia defesas milagrosas na Chidoriyama – o camisa dois da Karasuno emendou – Sua escola sempre esteve em destaque nos campeonatos.

- É, e eu tenho plena confiança que vamos conseguir uma série de vitórias! Ainda mais tendo um Ás tão forte quando você, Azumane-san!

O rosto de Asahi corou violentamente e ele teve vontade de se enterrá-lo no chão, como um avestruz.

- O-obrigado pela confiança, Yuu Nishinoya.

- Me chame de Noya! – o baixinho disse, piscando o olho direito para ele – E eu juro manter todas as bolas no ar, para que você faça muitos pontos para nós, Azumane-san! É uma promessa!

Sim, Nishinoya era seu oposto. Não apenas corajoso, mas também alegre, enérgico e ambicioso. Mesmo sendo um pequeno corvo, queria dominar os céus e esforçava-se para tanto. Nada lhe assustava. Em verdade, parecia que a vastidão azul, as grandes nuvens e os ventos fortes eram convites para aquele pássaro destemido. Diferente dele, Yuu queria muito mais do que migalhas. Por isso, não entendia como era capaz de exercer tanto fascínio sobre o líbero da Karasuno. Quanto mais o conhecia, menos se julgava merecedor de sua companhia.

O som do apito ardeu nos ouvidos de Azumane – o treinador Ukai pediu tempo. Esquecera-se totalmente do jogo. O placar parecia bem mais tranquilo agora, com a Karasuno à frente por 22-17. Esticou os pés para tentar ver melhor a roda de jogadores em torno do corpo técnico da Karasuno. Ukai conversava unicamente com Nishinoya, enquanto todo o time aguardava. O sentimento de apreensão entre os membros da equipe era tão forte que todos pareciam envoltos em uma nuvem negra. Yuu ouvia as palavras do treinador e assentia com a cabeça, porém, parecia distante. Os demais rapazes cochichavam entre si.

Noya voltou à quadra no lugar de Yamaguchi, que havia conquistado uma série de pontos com seus saques estratégicos até a outra escola conseguiu recuperar a posse da bola – o rapaz pareceu tentar animá-lo com um sorriso e algumas palavras amigáveis. Alguns dos membros do time adversário sorriram. Yuu era o alvo. Ao som do apito, a bola viajou novamente para as mãos do líbero, que se esticou para mantê-la no ar. O movimento, porém, foi mal calculado: a bola espirrou em seus braços e em vez de parar nas mãos de Kageyama, rodopiou para o outro lado da quadra. Um dos atacantes do outro time, localizado bem próximo à rede, deu um salto e a matou de primeira.

- Que merda de defesa! – um dos velhos exclamou.

Yuu se levantou devagar. Seu corpo pequeno e trêmulo, coberto de feridas devido às defesas atrapalhadas, fez o peito de Asahi doer. Apenas Tanaka e Hinata se aproximaram dele a fim de ajudá-lo. Nenhum brilho no olhar. Os demais colegas de time o encaravam como se ele fosse um inimigo infiltrado que atuava a favor do adversário. O treinador Ukai então se levantou, como se fosse dizer algo ao juiz. O coração de Azumane começou a bater acelerado cada vez mais e mais. "Isso é tudo minha culpa minha culpa minha culpa minha culpa". Agarrou a grade de proteção com força e se debruçou sobre ela. Aquele emaranhado de sentimentos confusos e dolorosos subiu pelo garganta e ganhou forma num grito:

- NOYA, VOCÊ CONSEGUE!

Sua voz ecoou pelo ginásio lotado. Todos os olhares da equipe da Karasuno se voltaram para as arquibancadas, buscando por ele. Yuu olhou para os lados, como se quisesse saber se os demais companheiros haviam ouvido aquilo ou se tudo não passava de sua imaginação. Finalmente, seus olhos se encontraram com os do líbero. Nishinoya cerrou os pulsos e fechou a cara. Azumane, porém, não recuou. Yuu precisava dele.

- MOSTRE A ELES, NOYA! EU CONFIO EM VOCÊ! MOSTRE A ELES!

Os olhos do líbero ardiam em um fogo tão forte que seria capaz de reduzir Asahi a cinzas caso chegasse muito perto. Tanaka foi até ele e pareceu acalmá-lo. O treinador Ukai voltou para o banco e cochichou algo com o professor Takeda e Yachi. Talvez estivessem decididos a dar mais uma chance ao camisa quatro. Yuu olhou para ele uma última vez, até que o apito indicou a retomada da partida.

Como esperado, o saque foi direto para ele. Porém, ao contrário do que vinha demonstrando ao longo de todo o jogo, Nishinoya defendeu-o com maestria, enviando a bola de maneira perfeita para as mãos do levantador. Os adversários se entreolharam boquiabertos e o próprio time pareceu surpreso com aquela mudança súbita de comportamento. O ataque de Shoyou foi tão rápido que os jogadores da outra quadra sequer se moveram. Das arquibancadas, vieram gritos eufóricos de "voem alto, voem alto!"

- Bela recepção, Noya!

Asahi leu os lábios de Tanaka e sentiu-se mais aliviado ao vê-lo dar um tapinha nas costas de Yuu. Os demais também foram cumprimentá-lo e o camisa 4 até mesmo arriscou um sorriso para os colegas de time. Enquanto mudava de posição devido ao rodízio, buscou Azumane na arquibancada. O mais alto não conseguia decifrar aquele olhar. Talvez Yuu realmente o odiasse. Talvez estivesse sentindo vergonha de estar naquela situação. Talvez... Porém, nada mais importava. Asahi sentiu seu peito arder. Ele tinha de fazer algo.

- NÃO DEIXE A BOLA CAIR, NOYA! MANTENHA-A NO AR!

O apito soou novamente. Kageyama sacou. O time adversário teve dificuldade em acertar o passe, mas tentou revidar com uma paralela. Nishinoya voou em direção à bola, salvando-a com as costas da mão direita. A trajetória da bola não foi das mais perfeitas, mas com certeza ele impediu o ponto dos rivais. Novamente recebeu elogios. Coube a Tsukishima armar o contra-ataque, que se converteu em um corte bem sucedido de Tanaka. Da arquibancada, Asahi vibrou sem descolar os olhos dele.

- É ISSO AÍ! MOSTRE A ELES!

A torcida da Karasuno pareceu acompanhar sua animação. Os estudantes gritavam o nome de Nishinoya, criando uma corrente de energia na arquibancada e só se silenciaram quando o juiz apitou a permissão para o saque de Kageyama. A escola adversária teve menos dificuldades para receber o serviço, buscando um ataque rápido. Tsukishima usou de sua leitura de jogo para montar o bloqueio adequado, mas a bola raspou em suas mãos, desviando para fora. O ponto parecia perdido, até que Yuu mergulhou em direção à bola, impedindo que tocasse o chão. A torcida explodiu em novos gritos. Com o jogo ainda não decidido, Kageyama puxou o contra-ataque, fazendo um bom levantamento para Shoyou. O ruivo saltou o mais alto que pôde e matou o ponto. Final de jogo: vitória da escola de Torono por 2x0.

Asahi não conseguiu se alegrar pela vitória. Noya era um dos alicerces do time e, por não estar jogando bem, acabava afetando todos os colegas de quadra. O líbero manteve os olhos fixos nele o tempo todo, até entrar nos corredores que levavam aos vestiários. Finalmente se sentou. O corpo todo doía devido à noite em claro e toda a jornada até Sendai. Ao seu lado, os dois velhos cochichavam baixinho, parecendo falar dele. Incomodado, foi para o lado de fora do ginásio. A luz do sol fez seus olhos arderem. Procurou uma sombra, encostando-se junto à parede fria.

Ele próprio mal conseguia acreditar no que acabara de fazer. Para alguém que sempre buscava passar despercebido, conseguiu facilmente se tornar o centro das atenções. Era por isso que costumava se contentar com pouco. "Talvez seja melhor eu voltar. Já fiz estrago demais". Nishinoya o odiava, seu pai achava que ele estava perdendo tempo e seu emprego estaria em risco se algum dos estudantes que o vira da arquibancada dissesse a Sazaki-san que ele não fazia parte da comissão técnica. Nunca era capaz de fazer nada direito.

- Então, que merda toda é essa?

- Ta-Tanaka?

O camisa cinco da Karasuno parecia pronto para comer-lhe o fígado. Seus olhos queimavam de raiva e o punho fechado em torno do braço de Asahi era similar a uma corrente. Já vira Ryuu furioso uma vez. Não era algo agradável.

- O Noya tá esquisito desde o dia que você foi jogar vôlei com a gente. Aí do nada você aparece aqui, gritando feito louco na arquibancada e acende o fogo no rabo do cara. Tem alguma boa explicação pra essa porra toda?

Engoliu em seco. Seus lábios tremiam, enquanto as palavras tropeçavam em sua mente.

- Hm... eu...

- Heh, o negócio parece mais complicado do que eu imagino. Acho bom vocês conservarem um pouco.

Tanaka então o puxou pelo braço, carregando-o de volta para o ginásio. Correu pelos corredores aos berros, ordenando que saíssem de sua frente e quase empurrando os que demoravam a reagir. Seu nome nunca soou tão apropriado, pois parecia um verdadeiro dragão em fúria. Mesmo sendo maior e mais forte, Asahi não resistiu. Em partes por que não entendia o que estava acontecendo, em partes por que não tinha forças. Ryuu carregou-o até uma das salas de equipamentos do ginásio e ordenou que esperasse ali dentro. Saiu logo em seguida, batendo a porta.

A sala estava escura e deserta. A cabeça de Asahi martelava e seu peito doía. "O que eu vim fazer aqui?" Seu plano – Plano? Tinha sequer pensado em alguma coisa com antecedência para poder chamar aquela atitude desesperada de plano? – revelou ser um grande fracasso. Como sempre, não conseguia fazer nada direito. Se lhe restava um pingo de dignidade no corpo, devia usá-la para voltar a Torono. A porta então se abriu...

- Aqui! Podem conversar à vontade! Vou ficar de vigia pra que ninguém venha encher o saco!

Tanaka praticamente arremessou Yuu dentro da sala, fechando-a novamente logo em seguida. O líbero precisou de algum tempo para entender o que estava acontecendo. Quando seus olhos se encontraram com os de Asahi, desviou o rosto. O mais alto mordeu o lábio inferior. Sua boca estava seca, assim como sua garganta. "Vamos, diga alguma coisa! Vai ficar plantado aí feito um idiota?! Ele precisa de você".

- Noya, eu...

- O que você está fazendo aqui?! – a voz de Nishinoya cortou o ar e também o coração de Asahi. Uma voz ríspida e carregada de dor. Azumane sentiu aquela dor arder na própria pele – Fale logo, Asahi! Você veio aqui me sacanear?! É isso?! Ou quer fazer de conta que se importa comigo?!

- Eu nunca faria isso!

- Não?! E aquele escândalo todo ali da arquibancada?! Há quanto tempo estava ali, assistindo?! – as lágrimas rolavam dos olhos vermelhos de Nishinoya. Seu tom de voz ficou cada vez mais alto e também triste.

- Por favor, não diga isso...

- Deve ser muito divertido pra você, não é?! Pra vir até Sendai e brincar comigo desse jeito!

- Eu não vim aqui brincar com você, Noya! Eu amo você!

As palavras escaparam da boca sem que ele sequer percebesse. Caiu de joelhos no chão, desfazendo-se em lágrimas. Era o fim de seu segredo e, talvez, o começo de algo pior. Não ousou encarar o líbero, mantendo os olhos fixos no chão. Yuu, por sua vez, ficou em silêncio por um longo tempo e então se encostou à porta, deixando o corpo escorregar lentamente até se sentar no chão. Puxou para o colo uma bola de vôlei que fora largada ali perto, abraçando-a com força, cravando as unhas em sua superfície.

- Você é muito cruel, Asahi... Nunca esperava que fosse uma pessoa assim.

- O que?! – ergueu o rosto por impulso. A declaração do líbero lhe atingiu como um raio.

- Primeiro você me dá aquele retrato... e aí foge no meio de um beijo. De repente, aparece aqui em Sendai, e diz que me ama... Isso só pode ser uma brincadeira!

- É a verdade, Noya. É a verdade! – as palavras saíam por entre os lábios trêmulos em jorros de desespero.

- Então porque diabos você fugiu?! – Yuu arremessou a bola em direção à parede atrás de Asahi com toda a força e ela ricocheteou, bateu contra as costas do antigo Às da Karasuno. O impacto não foi forte, porém, fez com que Asahi tombasse para a frente, caindo com as mãos espalmadas. De joelhos, Noya se arrastou até ele, como se arrependido, mas parou no meio do caminho – Por que você fugiu? Por que?

- Porque... é só isso que eu sei fazer.

Era a verdade, afinal. Havia sido um covarde desde o início. Um covarde com relação ao vôlei, à universidade e aos seus sentimentos para com Nishinoya. Com exceção da vitória no Torneio da Primavera, sua vida era apenas um acumulado de migalhas. Um bom aluno, mas nunca o melhor da classe. Um grande atleta, mas nunca grande o suficiente para jogar como profissional. "Asahi Azumane, você não é o tipo de pessoa que vai ganhar o céu. Você tem de ficar na terra, onde tudo é seguro. Você se contenta com pouco, logo, merece pouco", sussurrava a voz da complacência em seu ouvido. Sim, era a verdade.

- Por mais que eu te queira, eu não te mereço, Noya. Você é forte e eu fraco. Você é determinado e eu covarde.

- Não fale assim, Asahi.

- Quando o beijo aconteceu, eu não consegui acreditar. Eu vinha esperando aquilo há tanto tempo... Quando aconteceu, eu achei que estivesse sonhando. E então mil coisas me vieram na cabeça. Eu devia ter tomado a iniciativa antes. Eu devia ter aproveitado melhor o tempo ao seu lado. Desperdicei tudo. Passei a maior parte desses dois anos tentando reprimir o que sentia, pensando que era errado, que eu estava confuso. Ou então, que você nunca se interessaria por mim. E mesmo depois de reconhecer o quanto você gosta de mim, eu deixei o medo me dominar e não fiz mais nada.

- Asahi...

- Tive medo de acabar te perdendo caso tentasse algo. Então, fiquei quieto. Naquele dia... naquele dia eu me senti muito idiota. A gente podia ter feito tanta coisa juntos nesses dois anos. Deixei essa oportunidade passar, assim como deixei o vestibular de lado por puro medo. E agora, se eu for para Sendai, eu não sei se vamos conseguir nos ver com tanta frequência. Isso me deu ainda mais raiva! Raiva de mim, por não ter feito algo antes.

Noya arrastou-se até ele. Pousou as mãos sobre os ombros largos do maior e o puxou contra si. Asahi relutou, mas como um colosso com pés de barro, acabou tombando. Enterrou o rosto nos ombros de Yuu, sentindo cheiro de suor e o calor que emanava da pele do líbero. Os braços de Nishinoya pareciam envolvê-lo por completo. Ficou assim por um tempo, mas logo percebeu que não devia. Foi se afastando devagar, contra a vontade do mais jovem. Separou-se com cuidado, até conseguir olhar novamente em seus olhos. O coração partido de Nishinoya não era uma visão bonita, mas era a que ele merecia. Era o responsável por aquilo tudo afinal.

- Não diga essas coisas, Asahi!

- Você merece alguém muito melhor que eu, Noya. Alguém corajoso e alegre como você. Alguém que esteja lá pra te amparar quando você precisar...

O líbero baixou o rosto. Nishinoya estava disputando um torneio de vôlei! E em vez de ajudá-lo, estragava tudo mais uma vez, arruinando a já abalada condição psicológica do antigo parceiro de quadra. "Sou um desastre. Ao menos agora ele sabe. Ele precisa seguir adiante". Tentou se levantar, porém, assim que buscou apoio com as mãos, sentiu o outro segurá-lo com força pelos braços. Olhando-o nos olhos, Yuu disparou:

- Então por que veio até Sendai?

Apesar de firme, a voz de Noya estava embotada pelo choro. Era uma pergunta válida. Se tinha aceitado sua condição, o que estava fazendo ali? Qual o motivo de toda aquela conversa? O coração começou a bater em ritmo acelerado e o calor em seu peito cresceu. Sentia como se estivesse em brasas. Conhecia aquela sensação. Ela tomara conta de seu corpo no início do ano passado, quando voltou ao time de vôlei. E também serviu de combustível quando decidiu juntar os cacos após a derrota para a Aobajohsai e lutar para chegar ao Torneio da Primavera. Voltou a ser visitado por ela quando ganharam a taça e também quando se sentiu suficientemente seguro para tentar o exame de vestibular. Em todos esses momentos, Yuu estava ao seu lado.

E aquela mesma sensação voltou a arder com toda a força quando Noya lhe beijou. Vinha sendo corroído por ela desde aquele dia. Foi por causa daquele sentimento que foi até Sendai, sem pensar em mais nada a não ser em encontrar o homem que amava. Se era verdade que a vida de Asahi Azumane não era nada brilhante, era também verdade que ele queria mudá-la. Um passo de cada vez. Começando naquele exato momento. Entre soluços e lágrimas, respondeu a outro:

- É por que eu não quero aceitar isso, Noya!

Quando um pássaro prova do azul do céu, é difícil se contentar com as migalhas no chão.

- Eu não tenho nada pra te oferecer além daquilo que você já sabe. Eu não tenho um bom emprego, nem estou na universidade. A minha vida é super-comum e eu não faço a menor ideia do que vai me acontecer ano que vem... mas... mas... eu quero ficar com você! Eu quero ficar com você mesmo sabendo que não te mereço! Eu quero ficar com você mesmo que eu me mude de Torono! Eu quero... Eu amo você, Yuu Nishinoya!

Noya se agarrou a ele pelo pescoço como se a própria vida dependesse daquilo. Asahi o abraçou com toda a força, colando-o junto ao seu corpo. Tinha medo que se não o mantivesse bem firme em seus braços, Yuu desapareceria no ar como uma ilusão. Sentia as lágrimas escorrendo da face do mais jovem caindo em seu ombro. Nishinoya fungava baixinho, talvez tentando contê-las.

- Eu não tenho nada pra te oferecer além de mim mesmo. Mas eu quero ficar com você!

- Você não precisa me oferecer mais nada, Asahi! Mais nada...

- Mas eu...

- Eu só quero você, Asahi. Eu te amo, Asahi! Eu te amo muito! Me desculpe por ter dito aquelas coisas. Por favor, me perdoa, Asahi.

- Você não precisa se desculpar, Noya. Eu que preciso pedir desculpas. Olha o estrago...

- Não, não diga mais uma palavra! – as mãos do líbero cobriram-lhe a boca. Yuu olhava fixamente em seus olhos, com uma expressão dolorida – Eu não gosto quando você começa a se menosprezar assim. Você é uma pessoa forte e corajosa! Você tem um coração bondoso! É inteligente. Ah, Asahi... se você conseguisse ver em você mesmo pelo menos uma parte do que eu vejo!

Apertou Noya com mais força contra si, inclinando lentamente o rosto em direção ao dele. As duas testas se encostaram e o líbero deslizou as mãos até seus cabelos, passando os dedos devagar por entre os fios grossos. Asahi diminuiu as distâncias entre suas bocas aos poucos, sentindo a respiração de Yuu contra sua pele causar-lhe um arrepio. Os lábios se tocaram num beijo tranquilo e tímido. O antigo colega de quadra entreabriu a boca para recebê-lo, sugando de seus lábios um tanto secos e com gosto de sal. Roçou a face gentilmente contra o de Noya, sentindo a textura da pele macia.

Ficaram abraçados por um longo tempo, somente trocando pequenos beijos – ele com as mãos em torno da cintura do líbero, enquanto Noya continuava a brincar com seus cabelos. As lágrimas cessaram. Asahi procurou enxugar o rosto do companheiro com os dedos, o que fez Yuu rir. Em contrapartida, o jovem repetiu o gesto, mas era muito mais como se quisesse guardar as feições do rosto barbado na palma da mão.

- Desculpe... – Azumane disse baixinho – Por tudo. Me desculpe.

- Sim, sim. Me desculpe por tê-lo chamado de cruel – Noya emendou logo em seguida.

- Já passou. Eu te machuquei.

- Shh... – o líbero lhe pediu silêncio, roubando-lhe um beijo – Chega desse assunto agora. Você vai ficar aqui em Sendai?

- Você quer eu que fique?

- Se você puder... mas e o mercado?

- Eu pedi dispensa do emprego. Menti que vocês haviam me convidado para participar da comissão técnica do time – explicou ao outro, sentindo a face corar.

- Quem te viu, quem te vê, Asahi... – Nishinoya riu baixinho – Enganou uma velhinha inocente por minha causa? Eu devia te repreender, mas eu gostei disso.

- Não fale assim! – respondeu um tanto sem-graça, porém, feliz em ouvir aquelas palavras. Asahi nunca imaginou que algum dia faria uma loucura por amor.

- Mas falando sério, foi muito corajoso da sua parte vir até aqui. De verdade. Eu espero que você reconheça, a partir de agora, o quão forte você é. E sim, eu quero que você fique. Quero que venha torcer por mim durante o torneio – Noya lhe pediu com carinho. O habitual sorriso luminoso brotou novamente em seus lábios.

- Está combinado então.

Asahi selou os lábios de Yuu novamente. O líbero se deixou levar, aconchegando-se ainda mais junto a ele. Ouviram então as batidas do outro lado da porta.

- Ei, Noya! Ukai-san está nos procurando. Precisamos voltar.

Nenhum dos dois disse uma palavra. Não desejavam se descolar daquele abraço. Afinal de contas, haviam esperado dois anos por um momento como aquele.

- Parece que eu preciso ir agora.

- Eu vou torcer por você. Eu sei que vai vencer!

Yuu riu, esticando-se novamente para dar-lhe mais alguns beijos pelo rosto, roçando o rosto contra o do mais alto.

- Eu prometo que vou vencer esse torneio para o meu namorado ficar bem orgulhoso!

- Na-namorado?! – Asahi ficou surpreso de início, mas logo sorriu.

- É! Tá pensando o que? Eu sou rapaz sério apesar de não parecer! – piscou para o mais alto, arrancando um sorriso de Azumame.

- Então, vença. E nós vamos sair para comemorar!

- E se perdermos?

- Vocês não vão perder – Asahi respondeu com serenidade, apertando-lhe uma vez mais junto ao peito – Vá lá e mostre a eles por que você é a Divindade Guardiã da Karasuno!

- Certo! – Noya enxugou o rosto com as costas das mãos – Que tal estou?

- Péssimo... – Asahi respondeu com um sorriso, após pensar por alguns segundos – E eu?

- Horrível – o líbero devolveu, também sorrindo gaiato, puxando-o pela mão – Vamos.

Tanaka aguardava do lado de fora. Ao ver os olhos vermelhos de Nishinoya, novamente encarnou um dragão, voando até Asahi.

- Ei, você fez o Noya chorar? Eu vou te partir a cara, Azumane!

- N-Não! Nós... eu...

- Está tudo bem, Ryuu. Agora nós nos entendemos – Yuu procurou acalmar o amigo, ainda rindo de toda a situação. E então, com um tom de desafio – E é bom você não se meter com o Asahi! Ele pode acabar com você!

- N-N-Noya!

- Ele está te incomodando, Azumane?

Uma voz familiar ecoou pelo recinto. Os olhares dos três rapazes se voltaram para o corredor.

- Ah... Saeko nee-san! – Yuu pulou de alegria. A moça sorriu, acenando para os dois de forma expansiva. Asahi cumprimentou-a com uma reverência, um tanto constrangido por ela ter ouvido a discussão. A jovem, contudo, parecia não se incomodar.

- É bom vê-lo novamente, Azumane. E que bom ver que você está melhor, Yuu! – e então, lançou um olhar de censura sobre o camisa cinco da Karasuno – Ryuu estava incomodando vocês?

- Hunf! Apenas disse ao Asahi-san que ele vai ter que se entender comigo se fizer algo de ruim ao Noya! – Tanaka se explicou, cruzando os braços e fazendo uma careta de irritação que mais parecia saída de um filme de comédia. A mulher levou a mão direita até a boca, a fim de abafar uma risada leve.

- Acho que o Azumane-san nunca faria mal ao Yuu-kun – e então, voltou-se para o líbero – Você disse que se resolveram agora, não é mesmo?

- Sim, nos resolvemos! – Yuu sorriu primeiro para ela e depois para Asahi. O maior se sentia um tanto perdido com a situação, mas acabou por sorrir de volta – E devemos isso a você, Ryuu!

- Heh! – Tanaka ficou vermelho como um tomate – Eu não fiz nada demais! Só não queria ver você com essa cara triste e todo desconcentrado na quadra.

- Noya está certo. Muito obrigado, Tanaka – Asahi disse após respirar fundo, tomando coragem para tal. Tinha de reconhecer que, se não fosse por Ryuu, as coisas poderiam ter seguido outro rumo. Curvou-se diante dele, como forma de agradecimento. O novo Às da Karasuno mordeu os lábios com força e então explodiu num grito, pulando em cima do antigo colega de equipe.

- Ah, eu não consigo ficar bravo com você, Asahi-san! Mas se você fizer o Noya ficar triste de novo...

- Eu entendi! Eu entendi! Você vai me quebrar a cara! – Azumane riu amarelo, coçando a nuca.

- Isso mesmo!

- Ryuu, guarde sua energia para o jogo – Saeko o repreendeu, ainda que preservasse um sorriso divertido nos lábios.

- Certo...

- Azumane e eu vamos assistir tudo da arquibancada! Faça um monte de pontos por mim!

- Você é muito escandalosa... – Tanaka resmungou, virando o rosto.

- Quer um beijo de boa sorte, otouto-kun?! – Saeko o provocou, apenas para ver o outro sair do sério.

- O que?! Eu não quero um beijo seu! Se ainda fosse de alguma menina bonita! – Tanaka gesticulava de forma exagerada, como se fosse um personagem de desenho animado.

"Ele não tem muita moral para chamar a irmã de escandalosa...", Asahi pensou, quando sentiu algo lhe puxando a camiseta. Virou-se para o lado e seus olhos encontraram os de Noya.

- Eu quero um beijo de boa sorte seu.

Foi a vez do gigante reagir como se estivesse em um desenho animado: ficou vermelho da cabeça aos pés e uma fumaça branca parecia sair de suas orelhas. Ainda assim, não poderia negar o pedido do namorado. Mesmo morrendo de vergonha, inclinou-se devagar em direção a Yuu e lhe deu um beijo suave nos lábios.

- F-faça um grande jogo, Yuu! – e após um breve silêncio, acrescentou – Por mim.

- Pode deixar! – o mais baixo piscou-lhe o olho.

Logo, Noya e Tanaka dispararam pelo corredor. Asahi ficou observá-los até que desapareceram de vista. Antes de sumir, Yuu virou-se para ele e lhe lançou um último sorriso. Asahi respirou fundo. Seu coração já não mais ardia, mas ainda batia rápido. "Então, é isso que chamam de felicidade?"

- Ainda temos algum tempo até o próximo jogo deles. Gostaria de tomar um café? – Saeko sugeriu.

Era uma boa ideia. Não comera nada desde o dia anterior e seu estômago doía. Assentiu com a cabeça e seguiu a mulher pelos corredores do ginásio até a saída, onde encontraram uma lanchonete. Após fazerem seus pedidos, buscaram uma mesa próxima das vidraças que davam para a rua. O tráfico de Sendai era intenso, mas ainda era possível ouvir as aves gorjeando lá fora. Uma jovem garçonete trouxe os pedidos: café e sanduíche para ele, e outra xícara de café para Saeko.

- Coma, Azumane. Você parece cansado.

Era estranho dividir a mesa com aquela mulher. Embora Saeko Tanaka tivesse acompanhado a Karasuno em diversos jogos ao longo de seus anos no colegial, não podia dizer que eram amigos. Yuu nutria verdadeira devoção por ela, chamando-a de irmã – e por vezes, eram tão próximos que até mesmo Ryuu ficava enciumado, embora não admitisse. Mas Asahi nunca trocara mais do que umas poucas palavras com ela. E ainda assim, ela se mostrava gentil e compreensiva diante de toda aquela situação. "Talvez esteja agindo dessa forma por causa de Noya..."

Havia algo de maternal no jeito de Saeko, algo que fez com que Asahi relaxasse aos poucos e se sentisse mais à vontade. Ela era uma pessoa de personalidade forte, mas também sabia ser gentil quando necessário. Umedeceu os lábios com a língua e, finalmente, ganhou forças para continuar a conversa.

- Eu estou. A última semana não foi das melhores. Fiz algumas bobagens e...

- Mas Yuu disse que está tudo bem agora. Não fique remoendo essas coisas. Vamos, coma um pouco.

Fez como ela sugeriu, dando uma mordida no sanduíche. Talvez não fosse a melhor coisa que comera na vida, porém, a fome serviu de tempero. Os pedaços de comida atingiam seu estômago vazio como se fossem tijolos, fazendo seu corpo reclamar. Saeko tomava seu café tranquilamente, deixando uma marca de batom vermelho na borda da xícara.

- Ryuu me contou que você fará os exames da Tohoku ano que vem.

- Sim – confirmou com a cabeça – Noya tem me ajudado muito. Se não fosse por ele, acho que sequer iria tentar.

- Então, ano que vem vocês irão namorar à distância? – a mulher tinha um sorriso um tanto malicioso nos lábios. Sabia que Azumane era conhecido entre os colegas de time como um homem de coração de vidro e que qualquer situação que fugia de seu controle o afetava facilmente. Funcionou: o antigo Ás da Karasuno gaguejava à sua frente, com as orelhas queimando de tão vermelhas.

- Ah, bem... sim, se eu passar...

- Você precisa pensar positivo, Azumane-san – ela mudou de tom, lançando um sorriso tranquilo ao rapaz – E continuar estudando, claro! Como ex-jogador de vôlei, você sabe que nada cai do céu. Yuu-kun tem muita fé na sua capacidade, mas, no final, é o seu esforço que vai determinar o sucesso ou o fracasso.

- Obrigado – Asahi sorveu um longo gole do café, tentando omitir a vermelhidão em seu rosto.

- Sabe, eu já namorei à distância antes...

- Mesmo?

- Sim. Durou o tempo que tinha de durar, eu acho. Mas se quer um conselho, essa é a palavra que você deve ter em mente: paciência. A saudade vai apertar em muitos momentos. A vida na universidade tem um ritmo muito mais pesado que no colegial e você não vai poder ficar viajando para Torono o tempo todo. E mesmo que Yuu vá visita-lo, não significa que vocês poderão se divertir em todos os momentos. Mas, quando puderem, devem aproveitar cada minuto. Além do mais, vocês podem usar o telefone e o computador. Não é a mesma coisa que o contato físico, porém, já é algo.

Asahi fez que sim com a cabeça.

- Isso se chama vida, Azumane. E temos de vivê-la.

Sentiu-se mais tranquilo em ouvir as palavras gentis de Saeko. Os irmãos Tanaka não eram particularmente conhecidos por sua paciência, mas Asahi compreendeu que aquele era um conselho precioso. Noya e ele haviam esperado tempo demais para ficarem juntos... Estava decidido a aproveitar cada momento e fazer tudo para que o relacionamento florescesse. Mesmo que, para isso, precisasse ir com calma. Com a companhia de Yuu, as coisas seriam mais fáceis.

- Eu espero finalmente conseguir agora – Asahi disse, mordendo levemente os lábios – Sinto que acabei perdendo tempo. Os meus amigos que deixaram o time já estão na universidade e eu sequer tive coragem de tentar. Agora, quero tentar não apenas por mim, mas também por Yuu.

A mulher terminou de tomar o café e pousou a xícara calmamente na mesa, onde apoiou também os cotovelos. Entrelaçou os dedos das mãos, usando-os de suporte para o rosto. Observava Asahi com um sorriso sereno.

- Minha avó sempre dizia que, assim como as plantas e os animais, as pessoas também têm tempos diferentes. Talvez você ainda não estivesse pronto. Talvez você e Noya não estariam juntos caso você tivesse ido embora de Torono ano passado. Eu não acredito em destino, Asahi-san, mas creio que há um momento para tudo na vida. É possível que tenha finalmente chego a sua hora.

Acabou sorrindo.

- Sim, você tem razão.

- Além do mais, você não deve usar outras pessoas como padrão. Digo, eu mesma nunca fui uma aluna brilhante e nunca gostei de estudar, mas consegui entrar na universidade assim que prestei os exames pela primeira vez. Tudo bem que eu sequer cogitei entrar em uma universidade imperial, mas acho que se um cara dedicado como você se esforçar bastante, vai conseguir! – concluiu a frase piscando para Azumane.

- Acho que sim... obrigado, Saeko-san.

- Ahhh, você já está me chamando pelo primeiro nome e não se importou que eu usasse o seu! Você com certeza será meu cunhado favorito!

Quando deu por si, Saeko Tanaka já o abraçava com força, apertando-o contra seus seios. Asahi sentiu que ia enfartar de tanta vergonha.

- Saeko-san!

- Pode me chamar de nee-san! Pois você agora é parte da família! E... – o tom de voz da mulher então se reduziu a um sussurro ameaçador – Se você fizer o Yuu sofrer, eu quebro a tua cara.

- N-não... e-e-eu... é...

- Ei, ei, estou brincando! – ela riu, dando um tapa em suas costas que em nada ficava a dever para os do irmão – Mas então... Yuu-kun e você... Já não era sem tempo!

- C-C-Como é?!

Saeko não conteve uma pequena risada.

- Bom, não é como se Yuu fosse a pessoa mais discreta do mundo. Você já é um tanto mais difícil de interpretar, mas, lendo nas entrelinhas, era possível ver que sentia algo especial por ele.

- Eu pensei que Noya tivesse contado algo ao Tanaka!

- Se contou, Ryuu não me disse nada. Mas talvez tudo tenha sido muito óbvio para mim porque podia observar o relacionamento de vocês por outro ângulo. Eu duvido que Ryuu tenha percebido algo por conta própria, já que ele não é muito atento a detalhes, porém, ele é o melhor amigo de Noya. Sendo assim, pra ele pouco importa se Yuu gosta de homens ou de mulheres.

Asahi sorriu tranquilo. Pensou qual seria a reação de Suga e Daichi caso tivesse coragem de contar a eles.

- Eu queria ter percebido antes. Tornaria as coisas mais fáceis...

- Às vezes, é mais fácil para quem observa de fora. E, bom, Yuu-kun parece disposto a aproveitar o tempo da melhor forma possível daqui pra frente. Acho que você devia parar de remoer o passado e fazer o mesmo.

- Você tem razão.

- Bom, agora termine de comer. Temos um jogo para assistir em breve!

Asahi pagou a conta, apesar da insistência de Saeko para que ao menos dividissem os gastos. Sentia-se leve, como se pudesse voar à menor lufada de vento. Voltaram para o ginásio e buscaram um lugar bem à frente, junto aos demais alunos da torcida da Karasuno. O locutor anunciou que o próximo jogo da equipe aconteceria em meia-hora. Pouco depois, os corvos e a equipe adversária entraram em quadra para fazer o aquecimento. Yuu parecia muito mais animado e a energia no time estava visivelmente diferente. Quando os jogadores tomaram suas posições para o início do primeiro set, Noya buscou por Asahi em meio aos espectadores, dirigindo-lhe um belo sorriso.