CAPÍTULO 1 – Reclusão e Revolta

Ontem foi Halloween e, como costuma ocorrer em Hogwarts, um dia de surpresas. Após a escolha dos três participantes do recém-reinstalado Torneio Tri-Bruxo, um quarto nome foi emitido pelo Cálice de Fogo, para surpresa de (quase) todos os presentes à cerimônia: Harry Potter.

O tímido garoto, já tão marcado por fatos estranhos e heroicos em sua vida, mais uma vez foi arrastado para o centro dos acontecimentos contra a sua vontade. Ele buscou explicar aos adultos organizando o torneio que não queria participar, não intentara de nenhuma forma entrar no torneio e queria que eles achassem uma saída para que ele não tivesse que participar. Tudo em vão! O Cálice de Fogo era um juiz imparcial e absoluto sobre o assunto, e o garoto, uma vez selecionado, estava amarrado ao torneio por um contrato mágico inquebrável, sob pena de perder sua magia, ou mesmo sua vida.

Com mais esse enorme peso sobre suas costas, era normal que Harry Potter não se sentisse muito feliz ou sociável no momento. No entanto, Alvo Dumbledore jamais esperara pelo total desaparecimento do garoto. Pesquisas realizadas durante o dia mostraram que o menino não dormira em seu quarto nem participara de nenhuma aula ou de nenhuma refeição no Grande Salão. Mais ainda, ninguém o vira desde que ele deixara a pequena câmara anexa ao Grande Salão onde a necessidade de sua participação no torneio lhe fora explicada.

As proteções existentes no castelo e sob controle de Dumbledore garantiam que o menino não tentara deixar a escola, mas onde estaria ele? Buscas realizadas o dia todo por professores, prefeitos, élfos, retratos e fantasmas mostraram-se todas infrutíferas. Harry Potter havia simplesmente desaparecido, e ninguém era capaz de encontra-lo. Nem mesmo seus dois melhores amigos tinham qualquer pista sobre seu paradeiro.

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Harry Potter já sofrera todo tipo de fama em Hogwarts durante sua curta estada lá. De herói e prodígio (um patrono corporal aos 13 anos de idade!) a herdeiro de Salazar, perseguidor de nascidos-trouxas e próximo Senhor Obscuro em treinamento. Novamente, sua reputação atingia um mínimo, duas semanas depois de seu nome ter sido selecionado como o quarto participante em um torneio entre três escolas.

Em Grifinória, seu ex-melhor amigo Ron Weasley contava a todos que se aproximassem como ele fora traído pelo Menino-Que-Sobrevivera, como Potter havia utilizado magia negra para incluir seu nome no torneio, e como, ao descobrir a real extensão do perigo a que se submetera, se acovardara e fugira. Lufa-lufa estava chocada com a pretenciosa intromissão do menino em um torneio destinado a magos e bruxas maiores de idade, e os danos que suas ações causaram ao (raro) momento de glória que a casa merecia pela seleção de Cedric Diggory como campeão de Hogwarts. Sonserina acusava Potter de, em sua busca por fama e glória, ter finalmente cometido um erro sério, abocanhando mais do que era capaz de lidar. Era difícil saber o que os Corvinais pensavam, já que eles continuavam com seus narizes mergulhados em livros e pouco conversavam.

Potter continuava desaparecido, apesar de todos os esforços utilizados em sua busca. Ele faltara à cerimônia de Pesagem das Varinhas, e a imprensa (em particular a famosa repórter Rita Skeeter) não o poupou pela afronta percebida. Uma sequência de artigos levantava todo tipo de dúvidas sobre o menino: sobre sua coragem, sua vaidade, sua saúde mental, sua real participação na derrota de Voldemort e até sua masculinidade.

No entanto, a seleção e posterior sumiço de Harry Potter não foram as únicas mudanças a ocorrerem na escola. Outra mudança, mais sútil e envolvendo um número menor de pessoas, foi aos poucos sendo notada pelos envolvidos, e trouxe muita alegria à parcela mais sofrida e perseguida dos alunos.

Luna Lovegood, por exemplo, era a menina mais suave e gentil que você poderia conhecer. Mesmo assim, ela continuamente sofria de abusos apenas pelo fato de ser um pouco excêntrica. Com um grande poder de observação, ela se tornou a primeira a perceber essa outra mudança sutil pela qual Hogwarts estava passando. Também pudera, ela era diariamente vítima de peças traiçoeiras e maliciosas, e raramente encontrava as roupas e materiais de que precisava, de modo que, quando conseguiu chegar ao final de um dia ainda totalmente vestida e sem notar a falta de uma única de suas poucas posses, ela resolveu fazer uma prece pelo bem-estar e felicidade de São Potter, o padroeiro das vítimas de bullying.

Susana Bones era uma prova de que toda moeda tem duas faces. Seu desenvolvimento foi precoce, e a fada-dos-seios havia sido extremamente generosa com a meiga e tímida ruivinha. Mas o seu corpo tão bem desenvolvido incitou inveja nas outras garotas, e uma obsessão doentia em certos meninos. Susana viu-se obrigada a vestir-se de uma forma que minimizava suas curvas, e fechar-se ainda mais em sua concha, para evitar a excessiva e indesejada atenção que sua beleza atraia. Ainda assim, ela ainda constantemente tinha que (quase literalmente) lutar para se esquivar do assédio dos garotos mais atrevidos... até que esses garotos, por uma série de pequenos e incompreensíveis acidentes, resolveram que a perseguição à bem-provida ruivinha era um pouco perigosa demais.

Tracy Davis era, de certa forma, uma anomalia. Uma meio-sangue em Sonserina. E seus companheiros de casa não a deixavam esquecer. Apenas sua amizade com Dafne Greengrass, herdeira de uma poderosa família puro-sangue, havia salvado a espirituosa Tracy de ser vítima de abusos. O problema é que sua amiga Dafne estava agora experimentando problemas semelhantes ao da senhorita Bones, a ponto de muitos dos alunos mais velhos, até então mantidos distantes por medo das possíveis consequências de incomodar a poderosa família Greengrass, começarem a pensar se os benefícios não superariam os riscos. Por alguma estranha mas feliz razão, os mais exacerbados entre eles andaram necessitando da ajuda regular de madame Pomfrey, e a pressão sobre as duas meninas diminuiu consideravelmente.

Esses são apenas alguns exemplos. A verdade é que havia muita violência, física e verbal, ocorrendo em Hogwarts pelas mais triviais razões: meninos abusando de meninas, os mais velhos dos mais novos, os mais fortes sobre os mais fracos, os mais ricos sobre os mais pobres, os mais puros-de-sangue sobre qualquer possível imperfeição, os mais belos zombando dos menos belos... Qualquer diferença entre duas pessoas (e elas sempre existiam) podia virar motivo para uma delas tentar humilhar a outra.

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Finalmente chegara o dia da primeira prova do Torneio Tri-Bruxo.

Alvo Dumbledore estava uma pilha de nervos. Harry Potter continuava desaparecido, e só ele sabia da importância daquele garoto para o mundo mágico em eventos ainda por vir. Nenhuma pista, nenhum indício sobre onde o menino poderia estar escondido. Se ele não participasse da prova, tudo estaria perdido, todos os seus planos ruiriam, e Voldemort teria caminho aberto para impor seu julgo sobre o mundo mágico. Mesmo que o garoto aparecesse, despreparado, angustiado e sem saber o que o esperar daquela prova, ele estaria correndo sério risco de não sobreviver, e a situação seria igualmente catastrófica.

Caminhando junto com os demais juízes do Torneio para a tenda dos campeões, as esperanças de Alvo estavam em um mínimo histórico. No interior do castelo e por todo caminho até o estádio ele dispusera todos os elementos à sua disposição para tentar localizar o menino, novamente sem sucesso. Não é para menos que o velho mago foi incapaz de esconder sua surpresa ao entrar na tenda dos campeões. Ali, isolado a um canto, estava a causa de todas as suas preocupações: Harry Potter finalmente reaparecera!

"Harry, meu garoto, que bom vê-lo!" disse o diretor ao garoto, mas não recebeu nenhuma resposta nem pôde prosseguir, porque Ludo Bagman já iniciava o processo de seleção das tarefas de cada competidor.

Harry, deixado por último, nem se preocupou em se aproximar de Bagman.

"Okay, número quatro e o Rabo-córneo Húngaro. Pode ficar com seu brinquedinho" disse ele voltando para o fundo da tenda, colocando o máximo de pessoas entre ele e Dumbledore.

'Ele me odeia por ter que participar do concurso' pensou Alvo. 'Deve estar pensando que não quis ajuda-lo. Mas pelo menos ele está aqui agora e eu terei uma chance de persuadi-lo a voltar ao normal.'

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Finalmente chegou a vez de Harry Potter ser chamado à arena, para ser recebido por imensa vaia pela grande maioria dos presentes, envenenados pelas contínuas calúnias publicadas na imprensa.

O garoto ignorou toda aquela manifestação de desprezo, caminhando resolutamente à tribuna do júri. Parando ali na frente dos juízes, ele gritou para o senhor Crouch, um dos representantes do Ministério: "Chegaram a uma decisão sobre minha requisição?"

Crouch, visivelmente nervoso, levantou-se e respondeu em alto e bom som: "Sim, senhor Potter. Em uma reunião extraordinária do Wizengamot essa manhã..."

"QUÊ?!" gritou Dumbledore, temendo pelo pior.

"...foi decretado que Harry James Potter, em virtude de sua seleção como participante do Torneio Tri-Bruxo, seja declarado emancipado..."

"NÃO!" gritou Dumbledore, apoplético.

"...e, para todos os efeitos, reconhecido como um cidadão completo, com todos os direitos e responsabilidades decorrentes" concluiu Crouch, retirando de suas vestes alguns pergaminhos, fazendo um deles flutuar até o menino.

"Como chefe do Wizengamot eu repudio e nego essa decisão!" gritou Dumbledore, em visível estado de fúria.

"A decisão foi unânime e ratificada pelo próprio Ministro!" respondeu Crouch. "É definitiva e irrevogável."

Percebendo o desejo de Dumbledore em continuar discutindo o assunto, e para evitar que dois poderosos membros do governo debatessem em frente ao público, Bagman intercedeu rapidamente: "Nosso último competidor inicia sua tarefa... AGORA!"

Harry, recebendo sua cópia do documento, ignorou o resto dos acontecimentos na tribuna, voltando à sua posição inicial à frente da abertura da tenda, de onde tinha uma visão privilegiada do dragão que devia enfrentar.

Um forte rugido do dragão calou a todos. Harry ignorou o dragão, e colocou seu pé direito sobre a base de sua coxa esquerda, ficando sobre um pé só. Para espanto de todos, ele em seguida colocou seu pé esquerdo sobre a base de sua coxa direita, ficando ali flutuando no ar, sentado, pernas cruzadas.

Murmúrios de espanto subiam da plateia, mas o menino continuou ignorando o ambiente, fechando seus olhos e estendendo seus braços à frente, em extrema concentração. Segundos depois, seu objetivo para aquela tarefa, o ovo dourado, estava ali em suas mãos, sem que ninguém conseguisse imaginar como ou por quê.

O garoto então voltou a estar sobre seus pés, e caminhou novamente até a tribuna.

"Algo mais?" perguntou ele ao chegar mais perto.

"Harry, meu garoto, como você conseguiu seu ovo? Poderia nos explicar?" perguntou Dumbledore, visivelmente atônito com a demonstração que acabara de presenciar.

"Mágica" respondeu o menino com um pequeno sorriso zombeteiro.

"Que tipo de mágica?" perguntou madame Maxime.

"Avançada" respondeu Harry, seu sorriso crescendo visivelmente.

"Garoto, você vai responder nossas perguntas corretamente ou receberá zeros!" bufou Karkaroff, indignado com a insolência de Potter.

"De fato, senhor Potter, não podemos julgar adequadamente sua tarefa sem mais detalhes sobre a forma como a completou" decretou Crouch.

"Não é meu problema que os juízes escolhidos sejam incompetentes para compreender e avaliar o que viram" respondeu Harry, dando as costas à tribuna e caminhando para a tenda.

"HARRY! ESPERE! TEMOS MUITO QUE CONVERSAR!" gritou Dumbledore, correndo para alcançar seu irreverente e indisciplinado aluno.

Foi em vão. Chegando à tenda Dumbledore percebeu que Harry não estava lá. Uma rápida consulta com madame Pomfrey indicou que o menino se recusara a ser atendido e saíra imediatamente pela entrada oposta da tenda. Uma rápida caminhada depois o diretor confirmava seu temor: Harry desaparecera novamente e não deixara nenhum rastro indicando para onde teria ido.

Ainda não se dando por vencido, Dumbledore sacou sua varinha e começou a lançar alguns feitiços pelo caminho que levava ao castelo, tentando descobrir a presença do garoto mesmo sob a proteção daquela maravilhosa capa de invisibilidade que ele tinha a seu dispor. Para sua consternação, não encontrou nada! 'O que teria acontecido?' pensou ele. 'Será que Harry descobriu os feitiços que coloquei na capa para poder localizá-lo mesmo quando ele a estivesse usando, ou ele simplesmente escolheu outro caminho para voltar ao castelo?'

O diretor tentou um pouco mais seus feitiços em outras direções, mas já desanimado pela dianteira que o menino tinha sobre ele. 'Ele pode estar em qualquer lugar. Como encontra-lo?'

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Dezembro chegara ao norte da Escócia, trazendo ainda mais neve e frio naquele ano do que o normal. Harry Potter ainda continuava desaparecido, não tendo sido avistado desde a primeira tarefa do Torneio Tri-Bruxo.

Em uma pequena sala abandonada no quarto andar, não muito longe da biblioteca, um pequeno grupo de meninas se reunia. Exceto por serem todas garotas, apenas outra característica as unia: foram todas vítimas de abusos que recentemente pararam, provavelmente pela interferência de Harry Potter, o Menino-Que-Sobrevivera.

Algumas estavam lá por sua beleza, que chamara excessiva atenção da população masculina (e mais agressiva) da escola, como era o caso de Victoria Frobisher e Astoria Greengrass. Outras exatamente pelo contrário, como Eloise Midgen ou Magda Blatchey. Outras por sua ascendência, como Tracy Davis, Millicent Bulstrode (acusada de ter sangue de trasgo ou gigante em sua ascendência) e as gêmeas Carrow (acusadas de serem fruto de uma relação incestuosa entre irmãos) e várias nascidas-trouxa. Outras, por serem estrangeiras (Patils e Su Li), ou pobres (Ginny Weasley e Morag McDougal), ou simplesmente excêntricas (Luna Lovegood e Lilith Moon).

Até a realização da primeira tarefa, essas meninas estavam simplesmente gratas pela iniciativa de Harry Potter em protegê-las. Depois de verem o menino não só sair ileso de seu confronto contra um enorme dragão, mas ainda cumprir a tarefa no menor tempo e com a melhor demonstração de poder e segurança entre os competidores, apenas para receber a menor nota entre os quatro, as garotas agora pensavam em duas coisas: encontrar formas de retribuir ao menino pelo que ele já fizera por elas, e descobrir se ele poderia ajuda-las a aprender a se defenderem por si mesmas.

O problema delas, como de muitos outros, entre eles o Ministro e o diretor Dumbledore, era o completo desaparecimento do garoto. Para surpresa de todas, foi Luna Lovegood quem resolveu a questão, e isso com uma ideia tão simples que chocou a todas. A loirinha simplesmente escreveu uma mensagem relatando a gratidão delas pela ajuda recebida, e o desejo delas em aprender mais e retribuir como pudessem por aquela ajuda. Cada uma delas então assinou a pequena missiva e Luna então se levantou e, se dirigindo ao espaço vazio à sua frente, declarou cuidadosamente: "Eu tenho aqui uma importante mensagem para Harry Potter. Poderia um de vocês que tem zelado por nós levar essa mensagem a ele?"

Nem bem a menina terminou de falar quando o pergaminho desapareceu de sua mão e ela voltou a se sentar com as companheiras.

"Como você sabia que isso funcionaria, Luna?" perguntou Hermione, a mais angustiada com o desaparecimento do garoto.

"Não sabia" respondeu Luna com um sorriso. "Por outro lado, é algo tão simples e fácil de tentar, então por que não?"

Antes que mais qualquer coisa pudesse ser dita, as meninas se espantaram ao ver uma porta surgir onde antes havia um sólido muro de pedras. A porta então se abriu lentamente, e as mais corajosas dentre elas logo estavam em pé e se dirigindo a ela. Uma voz, que Hermione e Gina logo confirmaram como sendo a de Harry para as demais, as convidou a entrar.

Após passarem por um pequeno corredor, as meninas se depararam com um cenário intrigante. Uma piscina em Hogwarts! Uma sala enorme, as três outras paredes em vidro, do chão ao teto. Na metade mais próxima da porta, o chão estava coberto com algo que as meninas de puro-sangue julgaram ser uma pele branca, macia, felpuda e gigantesca. As nascidas-trouxa reconheceram o material como fibra sintética, mas ficaram igualmente impressionadas com a pureza daquele branco e a maciez daquele revestimento. Sobre o revestimento, assentos de um estilo futurista, mas extremamente práticos e confortáveis, circundavam duas amplas mesas baixas cobertas por jarras de sucos diversos, bandejas de petiscos e vasilhas com frutas.

Na metade mais distante da porta, uma grande piscina tomava quase todo o espaço, com um trampolim próximo da janela oposta à porta, enquanto na parte mais rasa a piscina era feita de degraus no solo facilitando a saída. Um armário aberto a um lado continha um bom suplemento de toalhas e robes de banho, todos brancos e de aparência fofíssima.

Vendo a roupa de Harry disposta ao lado da porta, a maciez do piso e o calor que fazia na sala, as meninas passaram a se livrar de sapatos, meias, gravatas, robes e pulôveres, colocando-se mais a vontade. Uma delas, claro que foi Luna, exagerou um pouco e ficou apenas de calcinha, e correu para a piscina, gritando "Me segura!" para um surpreso garoto que vinha caminhando lentamente para a parte rasa.

A desembaraçada menina correu e pulou sobre o garoto, que fez o possível para segurar Luna acima da água, mesmo à custa de cair de costas na água, a menina solidamente se prendendo a ele com seus braços abraçando o pescoço dele, e as pernas delas ao redor de sua cintura.

Os dois acabaram mergulhando por um instante, mas logo Harry conseguiu firmar os pés no chão da piscina e levantar a si e a sua intrépida carga, apenas para novamente se assustar com a veemência da bronca que Hermione lhe deu: "Harry James Potter, guarde essas suas mãos bobas para si!"

Foi só então que Harry percebeu que, para que Luna não escorregasse de sua posição, suas mãos haviam deslizado para um local macio e fácil de segurar naquela posição, mas não tradicionalmente tocado em público.

Harry imediatamente soltou Luna, mas antes que ele pudesse começar a gaguejar uma desculpa incoerente (mas não antes que ele enrubescesse como um tomate), a pequena loirinha se voltou para Hermione e começou a caminhar na direção da mesma, dedo em riste, dizendo em voz forte: "Hermione Jane Granger, em primeiro lugar o que Harry e eu fazemos juntos é um assunto entre nós no qual você não tem direito de opinar. Em segundo lugar, é óbvio que Harry não agiu daquela forma de propósito, foi apenas uma reação natural à situação em que eu o coloquei. Em terceiro lugar, eu não ligo a mínima para convenções sociais, gostei de abraçar e ser tocada por ele, e você sabe muito bem que Harry é incapaz de fazer mal a quem quer que seja a não ser que alguém esteja em sério perigo se ele não agir. Em quarto lugar, essa sua mania de querer corrigir e direcionar o comportamento de outras pessoas para seguir os SEUS preceitos morais e conceitos de certo e errado é justamente a razão de você ter tido tão poucas amizades reais em sua vida. Você precisa parar com essa mania imediatamente se quiser ser aceita pelos demais. Isso não quer dizer que você deva abandonar seus princípios ou parar de defendê-los, apenas que você deve respeitar que cada pessoa tem a liberdade para agir como preferir, e o máximo que você pode fazer é oferecer sugestões e críticas, mas de forma alguma exigir ou mesmo esperar anuência, entendeu?"

Devidamente admoestada, a expressão de Hermione passou de indignação e revolta para uma de submissão e humilhação. Chegando finalmente em frente de Hermione, Luna a abraçou ternamente dizendo com suavidade: "Hermione, você pode ser uma pessoa fantástica e muito querida por todos. Seu coração é enorme e seu senso de honra, justiça e lealdade é uma dádiva fantástica. Tudo o que você precisa para se tornar a melhor amiga de todas nós é aparar algumas arestas que causam conflitos. Tenho certeza que Harry percebeu também esse seu enorme potencial e é por isso que ele preza tanto sua amizade."

Ainda abraçada a Luna, Hermione olhou para Harry como que suplicando que ele confirmasse as palavras da loirinha, o que ele fez com um aceno de sua cabeça e um grande sorriso.

Aquele episódio incômodo encerrado, logo as garotas deram vazão à sua curiosidade com uma série de perguntas: "Que lugar é esse?", "Onde fica?", "É aqui que você tem se escondido?", "Como você pegou o ovo do dragão?" e muitas mais.

Harry ergueu uma mão para por uma pausa nas perguntas, vestiu um roupão e trouxe outro para Luna, que o agradeceu com um sorriso. A seguir, convidou a todas para que se instalassem nos confortáveis assentos ocupando o centro de um pequeno sofá, Hermione a um lado e Luna ao outro, e ofereceu para que se servissem do conteúdo sobre as mesinhas centrais.

"Acho melhor eu contar o que andou ocorrendo desde o Halloween, depois vocês podem fazer algumas perguntas" disse ele enquanto as meninas começavam a se servir, ansiosas por experimentarem muitos daqueles itens que ainda não conheciam.

"Harry" questionou Gina timidamente, "não seria melhor contar toda sua estória desde que você veio para Hogwarts? Hermione deve ter participado de tudo, e eu sei um pouco por Ron e... você sabe... mas não acho que o resto de nós saiba exatamente o que aconteceu."

Luna virou-se para olhar diretamente nos olhos de Harry e pedir com cuidado: "Talvez o melhor fosse se pudéssemos ouvir toda sua história, Harry."

A reação do garoto deixou claro que ele não estava muito à vontade com aquela ideia, mas Hermione, com ajuda das demais meninas, pressionou e aos poucos venceu a resistência dele, embora tendo que conceder que ele fosse vago em algumas partes. Nem de longe ele pôde ser tão vago quanto gostaria com sua descrição de sua vida com os Dursleys, elas simplesmente perceberam que algo muito errado ocorria ali e o forçaram a contar pelo menos parte do que tivera que suportar em seus anos aos cuidados daquela estranha e opressiva família. Foi um momento muito emotivo para todos, com muitas lágrimas derramadas, mas também muito apoio recebido pelo menino, que muito o ajudou a superar não só a dor de narrar aqueles fatos como a dor de tê-los vivido.

"Eu gostaria... será que podemos concordar em manter tudo isso em segredo, por favor?" perguntou Harry inseguro, após recuperar-se um pouco da carga emocional pela qual passou.

Luna resolveu aquela questão rapidamente. Pegando a sua varinha de sua posição em sua orelha direita, ela rapidamente prestou um juramento mágico prometendo guardar tudo que Harry e as garotas do grupo discutiram ou viessem a discutir como segredo, terminando perguntando as demais: "Quem vai fazer o juramento e quem acha melhor ir embora agora?"

Nenhuma delas deixou de fazer o juramento. Entre a curiosidade, a imensidão do que já havia sido revelado até o momento, a certeza de que muito mais estava por vir e a gratidão pelo esforço do garoto em protege-las, seria impossível recusar.

Harry, com ajuda de Hermione para dar uma visão mais correta das proezas que o tímido garoto insistia em minimizar, então contou o resto de sua história a partir da chegada de sua primeira carta de Hogwarts. Com os constantes acréscimos de Hermione e todos os detalhes adicionais necessários para que as garotas pudessem ter a perfeita compreensão de tudo, foram quase quatro horas de narrativa com duas paradas para uso das instalações sanitárias que Harry fez surgir aparentemente do nada para que chegassem ao último Halloween e sua inesperada inclusão no Torneio Tri-Bruxo. As garotas até tentaram incluir algumas perguntas sobre aquele estranho e maravilhoso aposento onde estavam reunidos, especialmente quando Harry criou os banheiros e modificou um pouco o ambiente para torna-lo ainda mais confortável, mas o garoto convenceu-as a esperarem que o assunto surgisse naturalmente na história.

Foi difícil manter as perguntas, a fúria e a indignação de lado em alguns momentos da história. Primeiro-anistas cumprindo detenção na Floresta Proibida? Voldemort ainda vivo e possuindo um professor? Pedra Filosofal escondida em Hogwarts atrás de proteções que crianças foram capazes de transpor? Um basilisco gigante fazendo vítimas na escola sem ninguém perceber? Um animago vivendo anos com uma família mágica, passando a maior parte do tempo em Hogwarts, e ninguém desconfia? O herdeiro de uma importante família enviado a Azkaban sem julgamento? E nada disso chegando ao conhecimento do Ministério e seus órgãos nem da imprensa? E o que teria acontecido a Dumbledore para permitir tudo isso? Ficou senil, louco, incompetente ou virou um ditador em seu pequeno reino?

Mas havia muito a ser contado, e era melhor obter toda informação antes de pensar em como delatar ou consertar tamanha bagunça.

"Eu consegui, com o senhor Crouch, uma cópia do regulamento do Torneio, e procurei uma sala desocupada para estudar o material antes de retornar para Grifinória" comentou o menino. "Eu sabia que a recepção geral da escola seria no mínimo fria, talvez mesmo inamistosa, e eu precisava de algum tempo para entender toda aquela situação e planejar o que fazer."

"Foi bom você não ter ido direto para Grifinória, Harry" comentou Hermione. "Ron estava agindo como um idiota completo, tentando convencer a todos que você havia trapaceado para entrar no Torneio e traíra completamente a amizade de vocês não revelando nada para ele."

"Hermione entrou em uma violenta discussão com meu irmão, Harry" comentou Gina. "Ela o defendeu o quanto pôde, mas você conhece como a maioria do pessoal por aqui é. Muitos estavam já de início propensos a pensar o pior de você, e as palavras de Ron surtiram bastante efeito em sustentar essa posição, pelo menos de início."

"Gina também tentou ajudar, Harry" voltou a comentar Hermione. "Enquanto eu tentava convencer o pessoal de Grifinória de que Ron estava totalmente errado, ela ficou do lado de fora da Sala Comum o quanto pôde, tentando avisá-lo sobre o que estava acontecendo antes que você entrasse despreparado."

Harry ficou feliz com a reação das duas meninas, e expressou sua gratidão abraçando uma depois a outra. Hermione estava pasma, era a primeira vez que ela via Harry tomar a iniciativa de um contato carinhoso. O olhar que ela trocou com Gina logo fez com que a esperta ruivinha percebesse também o real tamanho daquele pequeno gesto.

Foi naquele momento que perceberam que algumas das garotas mais novas estavam realmente cansadas e não aguentariam muito mais. A pequena Amanda Becker já havia sucumbido ao sono, e usava Susana Bones como travesseiro. Harry teve que desviar de sua mente um pensamento de inveja quando percebeu qual a parte de Susana que servia de travesseiro para a menina. Ao invés, resolver sugerir uma pausa: "Talvez fosse melhor pararmos por aqui. Eu posso criar portas levando direto à sala comum de vocês, ou posso modificar essa sala para criar camas..."

"Uma cama!" respondeu Luna. "Que tal uma única cama gigante para todas nós?"

"Não sei, Luna" comentou Hermione preocupada. Com um rápido feitiço ela checou o horário. "São três e meia da manhã! Oh, estamos fritas!"

"Se formos para nossas salas comuns, corremos o risco de fazer barulho e acordar alguém, e aí teremos muito que explicar" comentou Flora Carrow.

"Mas se não formos podemos ser punidas por não termos respeitado o toque de recolher!" contrapôs Hermione.

"Na verdade não" comentou Dafne. "Só podemos ser punidas se formos encontradas fora de nossos aposentos durante o toque de recolher. Ficando aqui ou indo direto daqui para nossos aposentos, das duas formas não corremos riscos de sermos encontradas fora delas."

"Acho que devemos ficar aqui, como sugeriu Luna" comentou Susana. "Mais duas acabaram de pegar no sono, será difícil transportá-las. E aqui evitamos acordar companheiras de quarto e ter que responder perguntas indiscretas... e talvez maliciosas."

"Mas... e nossas camas?" perguntou Victoria. "Não irão perceber que não dormimos nelas?"

"Eu posso cuidar disso" disse Harry.

E cuidou, com ajuda de alguns élfos domésticos que reviraram as camas de forma que parecessem terem sido usadas. Hermione estava prestes a começar uma cruzada em favor das pobres criaturinhas exploradas pelos magos e bruxas, mas concordou (na verdade, foi forçada) em deixar a discussão do tópico para a manhã seguinte.

Harry modificou a área da piscina fazendo-a sumir, substituída por uma imensa cama baixa de oito por doze metros. Criou em seguida uma enorme cortina separando os dois ambientes e ajudou a flutuar as meninas já adormecidas para a cama. Quando estava para fechar as cortinas para dar privacidade às garotas, pensando em usar um dos sofás para si mesmo, várias mãos o impediram e o puxaram para a cama.

Vestido apenas em um calção de banho, Harry tentou ocupar o mínimo espaço possível e manter-se o mais afastado possível das meninas. Para seu desespero, o pobre menino foi incapaz de convencer suas hóspedes de que aquilo seria o melhor a fazer. Acordou horas depois em uma verdadeira bagunça de corpos e membros entrelaçados; mais vermelho que o cabelo de Gina; confuso, sentindo-se ao mesmo tempo privilegiado e embaraçado, como se tivesse sido admitido ao Paraíso ignorando completamente as regras e costumes do local.