Capítulo 5

Anya mostrou a Lucien o lugar onde William guardava suas armas, e juntos selecionaram um facão, uma tocha e várias adagas com pedras preciosas no punho. Ela não deixava de tagarelar alegremente para que ele não tivesse ocasião de voltar a mencionar a Chave Absoluta. Quando terminaram, ambos se materializaram na cova em que tinham deixado William.

Embora Anya vestisse um traje térmico e um casaco, notou um frio gélido imediatamente. Demônios se acostumou ao calor, e já não estava preparada para o frio.

Estremeceu e olhou ao Lucien. Sua cor era mais saudável, e se mantinha em pé sem cambalear, mas tinha umas profundas olheiras e rugas de estresse ao redor da boca.

Ainda não tinha recuperado todas as suas forças, e isso preocupava Anya. Além disso, ele acreditava que ia morrer. Antes, ela tinha ouvido aquele eco em sua mente. E tinha estado a ponto de voltar a chorar como um humano patético.

—A cova está vazia - disse Lucien, aborrecido.

Não só estava vazia, mas também limpa, como se nunca tivesse havido alguém ali. Como se a luta e as mortes não tivessem acontecido. O medo se apoderou de Anya.

—Onde acha que William está?

—Ou foi para casa, ou está de caminho ao topo.

—Vamos ver se continuou para o topo, de acordo? —disse ela.

Os dois se teletransportaram à crista da montanha, e momentaneamente, ficaram assombrados pela brusca mudança de temperatura e luz. Na caverna dos Caçadores fazia frio, mas ali... Aquilo era terrível. Anya sentiu que lhe formava gelo no interior do nariz e nos pulmões; seu sangue gelou. O vento cortava como uma faca, e só se via um débil raio de lua, que pintava os picos escarpados de um matiz etéreo.

Anya olhou para Lucien, e se deu conta de que estava muito fatigado. Se materializar devia ter tomado um grande esforço, e se sentiu angustiada.

—Não vejo William - disse ele, para distraí-la.

—Estou aqui! —disse uma voz.

Anya se voltou e viu um pico prateado cuja manga era agarrada por uma mão enluvada. William se alçou para cima. Levava a cara coberta por uma máscara branca que o mimetizava por completo com a neve; salvo pelos olhos. Brilhava muito, tão azuis e profundos como o mar.

—Um pouco de ajuda! —exclamou.

Lucien se agachou e o agarrou pelo pulso. Possivelmente estivesse mal por sua parte, mas Anya preferia que William caísse pelo precipício do que Lucien corresse o risco de cair. Anya se colocou atrás de seu amante e o agarrou pela cintura para mantê-lo em equilíbrio. Entre os dois subiram ao William.

O guerreiro ficou em pé, sacudindo a neve dos ombros. Depois se inclinou, tentando tomar ar.

—Fazia anos que não escalava.

—Deveria tentar se teletransportar - disse Anya.

Ele a olhou com o cenho franzido. Anya riu. Lucien soltou um bufo.

—Me assombra que não tenha voltado para casa - disse Anya.

—E te dar mais razão para queimar meu livro ou lhe arrancar as páginas? —William se ergueu e passeou o olhar por aquela vasta extensão de neve. Não havia nada mais que quilômetros de manto branco. Depois, o guerreiro olhou ao Lucien —. Tem bom aspecto, apesar de suas recentes feridas.

—Onde um monstro pode se esconder aqui? —Perguntou Lucien, fazendo caso omisso da observação.

—Talvez seja um camaleão - sugeriu Anya—. Possivelmente seja da cor da neve e esteja aqui mesmo agora.

Os três olharam para baixo. Passaram uns minutos e não ocorreu nada; houve um suspiro coletivo de desilusão. William se concentrou nela, abriu a boca e depois a fechou. Ao ver a arma que levava às costas, franziu o cenho.

—Bonita espada - disse secamente.

—Obrigado.

—É uma de minhas favoritas.

—Se te levar bem devolverei isso em um ou dois anos.

—Oh, que boa é comigo.

—Sei. E agora, acredito que estávamos falando sobre Hidra.

William fez uma pausa e estudou novamente o terreno.

—Bom, por onde vamos agora?

—Por ali. Se mantenha alerta - disse Lucien, e os três empreenderam o caminho e avançaram lentamente durante horas.

No princípio, Anya sentia todo o corpo intumescido por causa do frio. Aquilo deveria ter facilitado as coisas, mas não foi assim. Mover os braços e as pernas era como mover troncos de milhares de quilogramas de peso. Para se distrair, perguntou a William: - Sabe como é Hidra? É boa lutadora?

—É invencível. Cada vez que lhe corta uma cabeça, surge outra em seu lugar - disse William com um suspiro —. De verdade acha que poderá vencer a semelhante criatura, Anya? É forte, mas nem tanto.

Um dos grampos das botas de Lucien tocou com uma rocha de gelo que não se rompeu, e ele cambaleou para frente. Estava de novo debilitado, e passou um momento até que pôde recuperar o equilíbrio. Anya não queria que William pensasse que Lucien era um guerreiro menos valioso que ele, assim que se obrigou a não ajudá-lo.

—Agora o que passa com você? —inquiriu William.

Lucien deu de ombros.

—Se os inimigos pensarem que estou debilitado me subestimarão.

William pensou durante uns segundos, e depois assentiu.

—Certo, mas eu não vejo nenhum inimigo por aqui.

—O tempo dirá - respondeu Lucien.

Anya experimentou uma onda de orgulho por Lucien.

Enquanto continuavam, outra rajada de ar gelado os envolveu.

—O que fez com os corpos dos Caçadores? — Lucien perguntou ao William.

—Me ocupei deles - disse o guerreiro laconicamente. Isso é o importante. Se alguém os encontrar, os humanos alagarão estas montanhas para investigar seu assassinato.

—Muito preparado - disse Anya—. Pelos deuses, onde demônios está Hidra? Não vejo rastros, e estou começando a me sentir confusa. E se foi do Ártico? Isso me converteria em uma grande idiota, e danificaria minha reputação seriamente.

Lucien se aproximou e lhe deu um beijo rápido. Sua fragrância sensual alagou o nariz de Anya e a embriagou de paixão.

—Você não é idiota.

—Puaj - disse William. Isto resulta repugnante.

Então a olhou com os olhos muito abertos. —Se uniram, não foi? Entregou-se a ele apesar de sua maldição. Por quê?

—O amor não é repugnante, e é tudo o que vou dizer a respeito.

Com pena, se separou de Lucien e deu uma palmada no braço de William.

—Espera que chegue seu turno. Espero que sua metade da laranja o deixe louco e não queira ter nada a ver com você.

—Possivelmente tenha essa sorte.

—Já veremos - disse ela misteriosamente.

William se deteve em seco.

—Acaso sabe algo? Ouviu algo? O que sabe Anya?

—Não sei nada - admitiu ela.

Uma semana antes teria mentido e teria dito que sabia algo. Faria que lhe suplicasse antes de lhe dar a informação, e teria desfrutado com tudo isso.

Lucien devia estar tendo um efeito negativo nela. Certamente inclusive ia deixar de roubar. Sem se dar conta, sorriu. O mais provável era que estivesse muito ocupada com o sexo para se incomodar em roubar, assim que a mudança era justa.

—Empresta - disse William com um suspiro, e continuou a marcha.

Embora estivesse muito cansada, Anya deu um jeito de seguir seu passo. Logo, começou a tropeçar em todos os obstáculos do caminho.

—Quanto tempo mais vamos procurar? —choramingou—. Não é que queira deixá-lo, nem nada pelo estilo. Só estou me perguntando.

Lucien passou o braço pelos seus ombros, lhe oferecendo consolo, calor e amor. Seus pés doíam e tinha um frio espantoso, mas tendo Lucien tão perto, não lhe importava. Só lhe importava encontrar aquela estúpida jaula.

De repente, William se deteve. Anya e Lucien o olharam com curiosidade.

—Que demônios é isso? —perguntou William com um ofego. Tinha empalidecido.

—Onde? —perguntou Anya, a quem todo o terreno parecia igual—. Eu não vejo nada.

—Ali - disse Lucien com excitação, e assinalou algo.

Ela seguiu a linha de seu dedo e, no princípio, só viu farrapos de neve. Depois, quando um raio de lua se refletiu contra os flocos brancos, distinguiu a silhueta arqueada de... Uma porta?

Com um grito de alegria, rodeou com os braços o pescoço de Lucien.

—É isso. Tem que sê-lo! Aonde acham que conduz?

—Possivelmente não seja nada - disse Lucien.

William deixou cair à cabeça para trás e olhou ao céu como se rezasse.

—Possivelmente deveríamos voltar atrás.

—Por nada no mundo - respondeu Anya. Soltou Lucien e avançou—. Vá primeiro ou te afaste William. Vamos entrar por essa coisa. Paris tinha ficado assombrado quando Sienna se despiu de verdade. Seu pênis tinha se enchido de sangue e de luxúria ao ver seu corpo. Estava muito magra e tinha os peitos pequenos, mas seus mamilos eram os mais bonitos que ele já tinha visto na vida. Rosados, carnudos, feitos para sugar.

Ficou mais assombrado ainda quando ela subiu à cama e se sentou escarranchada sobre ele. Assombrado quando ela se deslizou sobre seu membro inchado sem preâmbulos, sem jogos preliminares, e o tinha tomado em seu corpo por completo.

E, entretanto, nunca uma mulher tinha estado mais úmida nem preparada para o que ele oferecia. Enquanto ela subia e descia por seu corpo, Paris tinha rugido e rugido e rugido. Odiava as correntes porque não podia lhe acariciar os peitos. Odiava as correntes porque não podia lhe acariciar o clitóris.

E, sobretudo, odiava as correntes porque não podia tomar aquela carinha feinha e lhe beijar os lábios com a língua e os dentes.

Entretanto, não importava. Logo poderia castigá-la.

Ela tinha chegado logo ao orgasmo; tinha explorado com uma fúria que o tinha surpreendido. Ele também. Em questão de minutos tinha experimentado um clímax que tinha sacudido sua alma, e também uma boa dose de humilhação. Ele nunca chegava tão logo ao orgasmo. Não importava; com cada um dos toques do corpo de Sienna, recuperava sua fortaleza. Cada vez era mais e mais forte.

Naquele momento, ela desabou sobre seu peito, entre ofegos. Tinha ficado saciada, suarenta, em silêncio. "Faça-o. "É o momento", pensou ele. Com os olhos entrecerrados, puxou as correntes, e estas caíram feitas pedaços de ao redor de seus pulsos e seus tornozelos. depois de tanto lutar sem êxito, ficou assombrado do quanto era fácil.

Ao ouvir o ruído metálico, Sienna se sobressaltou. Antes que pudesse escapar, entretanto, Paris a agarrou pela cintura e desceu da maca, a segurando sob o braço como se fosse um saco. Imediatamente, um alarme começou a soar. Sim, os Caçadores tinham estado vigiando-os. Ele se inclinou e pegou a camisa de Sienna. A colocou pela cabeça.

—Vista-se.

—Paris - sussurrou ela, lutando—. Não faça isto. Por favor.

Será melhor que mantenha a boca fechada mulher - disse Paris que não se incomodou em agarrar sua roupa e foi para a saída da cela—. Farei-lhe mal se falas.

—Se tenta escapar, possivelmente se esqueçam de seu demônio e o matem!

—A você isso não importa, e eles, se quiserem, podem tentá-lo.

Esperava que o fizessem, ele não podia ferir Sienna, ainda, mas precisava lutar com alguém para liberar a tensão que sentia por dentro. E quem melhor que um Caçador?

Do teto começou a cair uma espécie de chuva pulverizada que encheu a cela de neblina. Não lhe afetou, tão só fez que seus olhos chorassem. Entretanto, Sienna começou a ter náuseas.

—Como se abre a porta?

Deu-lhe um código, e ele o marcou no teclado do dispositivo de abertura. A porta se abriu e, sem soltá-la, Paris saiu ao corredor. Viu-se rodeado por cortinados vermelhos de veludo e por estátuas de mármore vermelho.

Uma catedral? Sério?

Não tinha tempo para investigar sua posição. Um grupo de caçadores se dirigia para ele, e cada um levava uma arma. Os disparos soaram amortecidos, porque eram pistolas com silenciador. Isso ou lhes preocupava mantê-lo com vida, e provavelmente lhes preocupava que um ruído excessivo atraísse a uma multidão. Isso significava que estavam em uma zona povoada.

O demônio começou a bramar de raiva dentro dele, tirando-o rapidamente da linha de fogo.

Sienna quicava a seu flanco. Uma vez, ela ofegou. Entretanto, aquele foi o único ruído que emitiu. Além disso, deixou de lutar contra ele.

Se lançando para frente, Paris chutou a dois dos Caçadores no estômago e os lançou para uma estátua da virgem Maria. A escultura cambaleou e a arma semi-automáticas de um dos Caçadores caiu. Paris pegou com a mão livre e começou a disparar sem deixar de se mover a um ritmo rápido.

Dobrou uma esquina e encontrou a mais Caçadores. Seguiu disparando, e conseguiu esquivar a maioria dos impactos. Só três balas o roçaram. Quando sua munição terminou, atirou a arma e pegou outra. Ao dobrar outra esquina, os peitos de Sienna lhe roçaram a pele. Sentiu... Não, não podia ser. Acabava de possuí-la. Não podia ter se excitado de novo. Não com ela. Entretanto, tinha o membro endurecido. Nunca, em seus mil anos de vida, tinha desejado duas vezes à mesma mulher. Nem sequer sabia o que podia ocorrer se se abandonava a aquele desejo. Seu demônio ficaria louco? Ficaria louco ele mesmo?

—Por onde? —perguntou a Sienna ao chegar a uma bifurcação de corredores.

—Pela esquerda - ofegou ela.

—Se estiver mentindo...

—Não.

Paris pegou o caminho da esquerda e se pôs a correr. Um pouco mais à frente apareceu uma enorme porta, e três Caçadores correndo para ele. Paris lhes disparou à cabeça, e o sangue e os cérebros salpicaram a parede. Sienna choramingou, mas não falou. Paris sentiu uma pontada de culpabilidade pelo fato de que ela tivesse presenciado sua faceta mais violenta, mas rapidamente a sufocou. A opinião que Sienna tivesse dele não era importante.

Empurrou as portas e se encontrou na rua. O ar noturno era quente, doce. Ao olhar a seu redor, se deu conta de que ainda estava na Grécia e de que sim, tinha estado dentro de uma catedral. Havia humanos na escada, que olhavam sua nudez coberta de sangue e murmuravam sobre o escândalo.

Ao longe, Paris ouviu uma sirene.

Rapidamente se dirigiu ao beco lateral da catedral e se afastou. Sienna gemeu como se estivesse sofrendo uma grande dor. Ele a olhou. Estava sem forças, como uma boneca.

—Me olhe.

Ela voltou à cabeça lentamente, e ele viu que tinha os olhos cheios de lágrimas e os rasgos tensos pela angústia. Sentiu que lhe corria um líquido quente pelo quadril e franziu o cenho. Quando esteve seguro de que estavam sozinhos em uma rua estreita e escura, a deixou no chão e a olhou. Ela tinha conseguido colocar os braços pelas mangas da camisa, e o tecido lhe chegava até as coxas.

O estômago dele se encolheu. Sienna tinha uma grande mancha de sangue no estômago.

Tinha recebido um balaço.

—Sienna - disse ele, com uma tristeza que não entendia. Não deveria se importar. Ele queria castigá-la. Queria lhe fazer mal.

—Paris - ofegou ela—. Deveria... Ter-te... Matado.

E, como se pronunciar aquelas palavras tivesse acabado com suas últimas forças, sua cabeça caiu a um lado. Paris a abraçou e, um segundo mais tarde, Sienna morreu.

Lucien pegou Anya pelo braço e a deteve justo antes que atravessasse a porta arqueada. Ela o olhou com curiosidade, e ele meneou a cabeça.

—Você primeiro - disse a William, no caso de estarem entrando em alguma armadilha.

No princípio, o guerreiro não reagiu. Entretanto, depois entrecerrou os olhos e deu de ombros.

—Muito bem. Eu irei primeiro.

Sem dizer uma palavra mais, William passou pela porta.

Desapareceu como se nunca tivesse estado naquela montanha.

Pelos deuses. Era uma porta. Lucien experimentou um momento de alegria.

Possivelmente encontrassem a Jaula da Coação depois de tudo. Com aquele pensamento, sua alegria se viu mitigada pela apreensão. Talvez tivessem que lutar contra Hidra para poder levar a jaula. O tinha esperado, mas a possibilidade nunca tinha sido tão real.

—Depois de mim - disse a Anya, e se adiantou a ela antes que ela pudesse protestar—. Se prepare para lutar.

Pegou uma adaga em cada mão e atravessou a soleira da porta. Depois de ver um pequeno resplendor, sentiu secura e luz. Em um momento estava envolto em neve e gelo, e no seguinte estava no paraíso.

Notou ar quente que fez que começasse a suar.

—Vá —sussurrou Anya atrás dele —. Isto é assombroso. Quem teria pensado que há um lugar assim nestas montanhas?

Onde estava William? Lucien olhou a seu redor pela ilha tropical. Havia árvores exuberantes de cor esmeralda e flores de todas as cores. O aroma dos cocos e das pinhas impregnava o ar. Era maravilhoso. Ele franziu o cenho, confuso, enquanto os músculos se relaxavam por vontade própria.

Seguiu procurando William com o olhar, e o viu apoiado em um penhasco, de braços cruzados. Tinha uma expressão decidida, embora tentasse aparentar indiferença.

Lucien tirou o casaco e o deixou no chão. Anya também se liberou do casaco e começou a dançar entre as flores, rindo.

—Aqui é onde temos que vir de lua de mel. Não vejo nem rastro do monstro, e você? E importa? Nunca tinha me sentido melhor!

—Não, eu tampouco vejo hidra - respondeu Lucien, e sorriu. "É cativante", pensou. "É minha". E se conseguiam pegar a caixa, possivelmente pudesse viver e ficar ao seu lado.

De repente, ela se deteve, e apontou ao longe.

—Lucien, olhe! É a Jaula da Coação!

Lucien olhou para o lago que se estendia ante eles.

Do lado direito, sobre uma pena, havia uma jaula de aspecto muito normal. Não era espetacular, como se teria esperado de uma relíquia celestial, mas, entretanto, tinha uns barrotes polidos que eram tão altos para abrigar um humano e tão largos como para que o humano pudesse se deitar e não tocar o lado contrário. A quem se supunha que deviam prender ali? Anya tinha acreditado que possivelmente a Hidra.

—Não é tão glamorosa como eu tinha pensado - comentou Anya, dizendo o que ele também pensava.

Não.

—Hidra deveria nos agradecer por levar isso.

Hidra. Lucien deveria estar preocupado por ela, não?

—Tome cuidado —disse a Anya —. Talvez o monstro esteja perto.

Sem se preocupar, William se aproximou.

—Me prometeu que me devolveria o livro se a trouxesse até aqui. Como pode ver, te trouxe.

—Sim, certo. Assim que voltemos, terá seu livro. Dou minha palavra - respondeu Anya.

Lucien se enjoou de repente. Inspirou profundamente, mas isso só serviu para lhe provocar mais enjôo. Quando deixou de respirar era muito tarde; mal podia se manter em pé. O que lhe ocorria?

—Sinto muito - disse William, e então, Lucien sentiu que uma espada lhe atravessava o estômago—. Não queria que chegássemos a isto.

Se tivesse estado bem, Lucien teria visto chegar o golpe e teria desaparecido. Teria se curado. Entretanto, naquele momento nem sequer podia se mover. Seus joelhos falharam e caiu ao chão.

Anya.

Ouviu que ela gritava de raiva e de fúria, de ódio e de medo.

—Canalha!

—Cronos apareceu ante mim, Anya —disse William —. Ameaçou me matar se não matasse aos dois assim que aparecesse a jaula. Não queria fazer isto, mas ele me obrigou. Sinto muito, de verdade. Tem que me acreditar.

—Vou matar você, traidor!

A espada saiu de Lucien e ele pôde ver Anya com a arma na mão. Viu como William se preparava para enfrentá-la.

Lutariam até a morte.

—Não! —sussurrou. Não podia deixar que aquilo acontecesse. Não podia permitir que Anya lutasse contra o guerreiro —. Não!

—Descansa carinho, e se cure - disse ela com voz entrecortada—. Eu castigarei ao William.

—Não quero te fazer mal - afirmou William.

—Segundo Cronos, deve fazê-lo, não é assim? Mas não me preocupa. Um homem morto não pode fazer mal a ninguém. Deveria ter me dito o que Cronos queria que fizesse! Teríamos encontrado o modo de detê-lo!

—Se houvesse um modo de detê-lo, você já o teria feito.

—Como pode fazer isto? Como, maldito seja? Quero-o.

—Sei. E sinto muito.

Lucien tentou ficar em pé, mas não conseguiu. Só viu Anya elevando a espada. William também brandiu a sua.

Então soou um grito ensurdecedor que provinha do lago, e Anya se voltou distraída. William se lançou ao ataque e tentou lhe cortar a cabeça.

Anya rechaçou sua investida com a espada e ambos começaram uma dança mortífera de atacadas e retiradas, sempre dirigindo a folha afiada contra o outro. Enquanto isso, um

monstro de duas cabeças foi surgindo do lago. Era metade mulher, metade serpente. Tinha outras serpentes menores na cabeça, as quais assobiavam com raiva. Todas, incluída Hidra, tinham dentes largos e afiados que pareciam pequenas adagas.

Lucien agarrou o estômago com uma mão e com a outra pegou duas das adagas que tinha unidas ao corpo. Depois se lançou para frente para combater com a besta. Anya lutou contra William com toda a raiva que sentia. Como tinha se atrevido a atacar Lucien, o homem a quem ela amava! Quando tinha visto Lucien cair, quando tinha visto o sangue lhe empapando o estômago, uma parte de si mesma tinha morrido.

"Não posso viver sem ele. "Não viverei sem ele".

—Não pode vencer a nós dois - disse William entre ofegos.

—Já veremos - respondeu ela.

Agachou-se e lançou uma estocada, e com a ponta da espada fez um corte na coxa de William.

Ele soltou um uivo de dor.

Naquele momento soou outro bramido terrorífico.

Ela queria olhar para trás, mas não podia. William era um lutador perito e aproveitaria qualquer distração. "Confia em Lucien. "Ele também é um Guerreiro" Sim, Lucien era um guerreiro. Seu guerreiro. Era a Morte, e podia derrotar Hidra, por mais fraco ou ferido que estivesse. "Por favor, que a derrote, que a massacre".

—Anya - disse William com um ofego, tentando lhe tirar a espada da mão.

Ela o esquivou facilmente; os movimentos de seu oponente eram muito mais lentos que antes. Bem. Estava se cansando. Provavelmente, cometeria algum engano em qualquer momento; ele se agachou, e ela pôde pisar na folha da espada e lhe dar um golpe na mão. William abriu o punho e a espada caiu ao chão.

Anya sorriu lentamente, com a ponta de sua espada na garganta de William.

—Não deveria ter me traído.

Com o canto do olho, viu Lucien se aproximar do monstro com uma adaga em alto. Uma das cabeças do animal se estirou para baixo para mordê-lo, mas ele se separou de um salto e conseguiu cortá-la.

O monstro assobiou e, rapidamente, outra cabeça brotou da ferida da anterior. Pior ainda, a que havia no chão não tinha morrido; se arrastou para Lucien e o mordeu na perna.

—Vamos você e eu - propôs William—. Antes que nos convertamos em sua comida.

Ela se voltou e tirou uma adaga de sua bota. Lançou-a enquanto movia a espada.

William estava recolhendo sua arma quando a afiada ponta da faca lhe afundou no ombro e o empurrou para trás. Anya não se deteve, mas sim seguiu se voltando, girando... E lhe atravessou o estômago tal e como ele tinha feito com Lucien.

William ficou assombrado. Olhou para baixo e soltou um ofego de dor.

—Você... ganha.

—Sempre.

Com um grunhido, Anya empurrou mais forte, tirou a espada pelas costas do guerreiro e a cravou no penhasco que havia atrás, com William trespassado nela.

—Anya - suplicou ele, com a agonia refletida no rosto.

—Espero que se dê conta da sorte que tem. Não vou cortar sua cabeça nem tirar seu coração. Hoje não. Recuperar-se-á desta ferida, e eu voltarei por você uma e outra vez até que tenha sofrido o suficiente. Depois, o matarei.

Anya se afastou e se pôs a correr para Hidra, para ajudar Lucien. Não sentiu alívio porque William tivesse perdido. Na realidade, gostava dele. Entretanto, Lucien estava em perigo, e isso era o único que importava.

Durante a carreira, Anya tirou a última adaga que tinha na bota. Viu que Lucien agarrava o estômago, o sangue seguia emanando da ferida. Tinha conseguido destruir uma das cabeças que havia no chão e para cortar outra, que estava se arrastando para atacá-lo. Outra cabeça já tinha crescido no monstro e este tentava mordê-lo. Entretanto, ele resistia. Lutava. Anya nunca tinha visto ninguém tão poderoso. Fraco? Não, aquele homem era incrivelmente forte.

Ela se aproximou e deu um chute na cabeça da serpente.

—Como a matamos?

—Atravesse seu olho - respondeu Lucien, enquanto esquivava um golpe da cauda de Hidra—. É a única forma que encontrei de destruir as cabeças.

Anya saltou sobre a cabeça, enquanto as pequenas serpentes do cabelo da Hidra lhe mordiam a coxa. Cada um das dentadas produzia uma dor aguda, ardente, mas ela não se amedrontou. Afundou a adaga em um dos olhos do monstro. Imediatamente, a cabeça experimentou uma sacudida e as pequenas serpentes ficaram flácidas.

Aproveitando que Anya estava distraída, o monstro conseguiu lhe afundar os dentes no braço. Anya gritou de dor, e se deu conta de que lhe obscurecia a visão, e notou fogo no sangue. Veneno? Veneno de serpente?

"Se mantenha forte", disse a si mesma. Entretanto, suas pernas tremiam e quase não podia se sustentar em pé. Entretanto, ali estava Lucien, junto a ela, apunhalando à cabeça no olho. A criatura gritou antes de cair no chão, morta.

Justo como antes, outra cabeça surgiu em seu lugar rapidamente.

Anya tentou se manter em pé com todas suas forças. Entretanto, parecia que a letargia estava tomando conta dela.

—Mantenha-se acordada, carinho - disse Lucien ao seu ouvido, dando calor e força—Tenho uma idéia, mas não posso fazê-lo sem você. Necessito que corte a cabeça dela e cauterize a ferida enquanto eu a distraio. Poderá fazê-lo?

—Lucien..., sim. Posso fazê-lo

"Por Lucien, algo".

Anya ergueu os ombros. Sua visão foi clareando pouco a pouco a cada respiração que tomava, e viu que Lucien tinha os dois olhos azuis. Ele a beijou, e depois seu corpo se desmaterializou, brilhou... Voltou.

Ele franziu o cenho.

—Não estou o suficientemente forte para levar meu corpo. Terei que ir em espírito.

O corpo de Lucien caiu inconsciente. Entretanto. Anya advertiu que seu espírito saía dele; flutuou para a criatura, que já não podia vê-lo. Hidra, evidentemente, decidiu que seu corpo exânime estava morto e que já não constituía uma ameaça, e se concentrou em Anya. Esta se obrigou a se aproximar dela.

"Este monstro é meu". Lucien posou sobre as costas da criatura. Hidra não reparou nele, absorta como estava em Anya. Anya tinha a pele coberta de sangue, estava machucada e tinha cortes, e parecia uma amazona disposta a tudo para ganhar a batalha.

Ele colocou uma mão fantasmal no corpo de Hidra e agarrou seu espírito. O monstro gritou, conseguindo que Lucien se encolhesse. Se tivesse estado em forma corpórea, aquele uivo teria estalado seus ouvidos. Presa do pânico, Hidra se lançou para Anya, mas ele puxou de novo seu espírito e a manteve em seu lugar.

Lucien sabia que lhe estava causando uma grande dor. O monstro chiou de novo, mas permaneceu imóvel. Anya saltou mais e mais alto, e rapidamente, cortou uma de suas cabeças. Quando caiu ao chão, enquanto Hidra dava alaridos, Anya provocou chamas em sua mão e as aplicou na ferida antes que outra cabeça pudesse se formar.

As chamas de cor laranja derreteram a pele, fritaram-na, destruíram-na e cauterizaram a ferida. Hidra sofreu espasmos e se agitou de raiva. Estava furiosa, e usou suas últimas forças para se lançar para Anya. Lucien a mantinha presa enquanto Anya lhe cortava a segunda cabeça. Repetiu a mesma operação com as chamas, embora tivesse que suportar a dentada de um par de serpentes. Encolheu-se de dor, mas manteve ativas as chamas. A criatura ficou flácida e caiu na água do lago. Seu rugido final ressoou durante vários minutos até que, por fim, se desvaneceu.

Ele ficou imóvel durante um minuto, assombrado. Tinham conseguido!

Anya caiu ao chão, ofegando, mas sorrindo também. Lucien flutuou até seu corpo e tentou entrar nele, mas era como se houvesse um escudo entre sua forma corpórea e seu espírito. Franziu o cenho. Tentou de novo. Fracassou.

Por que não podia entrar?

"Está muito fraco". Aquele pensamento lhe golpeou a mente. Estava fraco, sim, mas deveria poder entrar. Se não podia... Tentou uma última vez, mas não conseguiu nada.

Só podia ficar ali, impotente. Olhou para Anya. Ela se ajoelhou junto a seu corpo.

—Volta — disse, olhando a seu espírito, e sorriu com cansaço—. Eu te curarei as feridas.

Lucien tentou de novo. Tinha que acariciá-la ao menos uma vez mais. Entretanto, permaneceu exatamente onde estava.

—Lucien —disse ela com preocupação —. Isto não tem nenhuma graça. Volta para seu corpo imediatamente!

—Não posso.

Passou um momento até que Anya reagiu. Sacudiu a cabeça violentamente, e em seu rosto se refletiram o pânico e a incredulidade.

—Anya...

Era melhor assim. Ele tinha sabido há dias, e sabia naquele momento. Seu corpo morreria, e não haveria nada com o que Cronos pudesse ameaçar Anya. Ela seria livre e conservaria a Chave Absoluta.

—Não se renda - lhe disse entre soluços—. Por favor, segue tentando.

—Anya.

—Não vai morrer me ouve? Não vai morrer.

—Anya, por favor.

Enquanto falava, Morte rugiu com mais fúria e dor que Hidra. De repente, Lucien se sentia como se estivesse se queimando, e também começou a rugir. Estava se partindo em dois. Homem e demônio estavam se separando.

—Lucien, o que ocorre? —gritou Anya —. Vai ficar bem. Vou lhe dar ao Cronos a Chave Absoluta. Vai ficar bem - repetiu.

Ele queria responder, queria lhe dizer que se mantivesse afastada de Cronos, mas o fogo se incrementou e as palavras derreteram na sua garganta.

—Eu me ocuparei de tudo - disse Anya—. Diga-me o que te ocorre. Deixa que o ajude.

Lutando contra a dor, tentando se segurar à Morte, ele estendeu a mão para acariciar sua bochecha. Anya estava chorando.

—Te quero — Lucien pôde dizer, finalmente.

—Cronos! —gritou ela.

—Não —disse Lucien —. Não o faça.

—Cronos!

Lucien abriu a boca para falar de novo, mas não emitiu nenhum som. Seu último vínculo com a morte se desfez, e já não soube nada mais.

Anya seguiu chamando o rei dos deuses inclusive quando soube que Lucien tinha desaparecido.

—Cronos! —gritou —. Estou disposta a negociar! Ouve-me? Estou preparada!

Como sempre, Cronos apareceu com um resplendor branco. Deslizou-se para ela, e sua túnica branca roçou a erva do chão.

—Te escuto - disse o deus.

Anya o olhou entre lágrimas.

—A chave é tua. Dou-te isso por própria vontade se prometer que ressuscitará Lucien e que nos deixará em paz.

—Também quero a jaula. Onde a escondeu?

Anya negou com a cabeça.

—Não pode ficar com a jaula. É de Lucien. Só posso te dar a chave.

—Quer que seu amante sobreviva?

—Se morrer, nunca terá a chave! Uma vez, você me deu uma escolha: Lucien ou a chave. Agora eu estou expondo o mesmo. É o justo, e não penso ceder. Cravou nele um olhar penetrante. Anya não soube o que estava pensando. Entretanto, o Deus assentiu.

—De acordo.

—Então temos um trato. Lucien em troca da chave. Se depois disto, nos arrebata a jaula, todos os imortais conhecerão sua desonra. Os Senhores do Submundo se voltarão contra você e farão todo o possível por liberar os gregos. Haverá guerra. Sei que se considera intocável, e mais forte que os guerreiros imortais, mas recorda que foi vencido uma vez, e que pode ser vencido de novo.

Cronos ficou silencioso. Depois elevou o braço e, um segundo mais tarde, estavam no quarto de Lucien, em Budapeste. Lucien estava estendido em sua cama. Ela viu que seu peito se elevava e se relaxava ritmicamente, com a respiração. Estava nu, e suas feridas estavam curadas. Tinha a pele sã, bronzeada, e ela sentia a seu demônio aconchegado dentro dele, a salvo.

Cronos estava junto à cama.

Sem dizer uma palavra, Anya se transportou à ilha onde viviam seus pais, muito próxima a seu refúgio havaiano. Disnomia estava em frente à Jaula da Coação, a olhando com cara de confusão.

—Sinto muito, mamãe, mas parece que não vai ter que cuidar disso.

A bela Disnomia franziu o cenho, mas sorriu ao ver que era Anya.

—Olá, carinho.

—Sei o que está pensando. Duas visitas no mesmo dia quando te prometi que manteria aos Titãs afastados de sua pista. Mas estão a salvo, assim não se preocupe, de acordo? —Anya beijou a bochecha de sua mãe —. Saúda papai de minha parte e lhe diga que virei muito em breve. Prometido.

Depois, pegou o artefato e voltou para Budapeste.

Cronos estava exatamente no mesmo lugar onde o tinha deixado. Ela colocou a Jaula da Coação no outro extremo do quarto. Anya ficou surpreendida quando o rei dos deuses não fez gesto de se apropriar dela, mas sim se limitou a olhar o artefato com uma sobrancelha arqueada.

—Cumpri minha parte do trato - anunciou Cronos.

E ela tinha que cumprir a sua. De repente, Anya se sentiu nervosa. Deu um beijo em Lucien e se trancou na jaula.

—Estou pronta - disse a Cronos, se agarrando aos barrotes.

O deus piscou com desconcerto.

—Quer estar trancada? Sem a Chave Absoluta, não poderá sair, e qualquer que entre neste quarto poderá te dar ordens que terá que cumprir.

—Sei.

Entretanto, daquele modo, se perdia todas as lembranças de Lucien ao entregar a chave, não poderia fugir dele. Ele teria tempo para reconquistá-la.

—Quero.

Cronos acariciou a barba.

—Assombroso. E inesperado de alguém como você.

—Vamos terminar com isto - disse ela. Tomou ar e pronunciou as palavras necessárias — Eu, Anya, conhecida durante todas as eras como Anarquia, dou livremente ao Cronos, rei dos deuses, a Chave Absoluta. Faço isto por própria vontade e sem reservas.

Cronos alargou uma mão fantasma, como a que ela tinha visto Lucien utilizar tantas vezes, e a introduziu em seu peito. Ela sentiu calor... Calor... E uma dor aguda. Depois, viu uma luz de cor âmbar brilhando na palma da mão de Cronos. Ele, com os olhos fechados, depositou aquela chave em seu coração.

Seu sorriso de satisfação foi a última coisa que Anya viu antes que todo seu mundo sumisse na escuridão.

—Me deixe sair!

Lucien nunca tinha se sentido tão impotente. Não sabia o que fazer. Anya levava quatro dias encerrada na Jaula da Coação. Apesar do vínculo que os unia, ela não tinha idéia de quem era ele. Só tinha lembranças de sua vida antes que aceitasse a chave e a guardasse em seu corpo. Constantemente, pedia que a liberasse. Entretanto, ele não o fazia; não podia. Ela partiria. Inclusive possivelmente tentasse matá-lo.

Anya o tinha ameaçado muitas vezes, e ele ainda podia sentir suas emoções, assim sabia que dizia a sério. Ela também podia sentir suas emoções, e lhe perguntava todos os dias por que a queria.

Sempre o perguntava com confusão, como se fossem estranhos e ele devesse olhá-la com repugnância. Certamente, parecia que o olhava assim.

Lucien percorreu seu quarto de um extremo a outro como um animal faminto. Ela tinha cedido a Chave Absoluta por ele. Detestava que o tivesse feito, e tinha vontade de sacudi-la e abraçá-la ao mesmo tempo. Anya tinha perdido todas as suas lembranças, mas ao menos, não tinha perdido a força. Gostava de pensar que era por seu vínculo. Uma vez, lhe tinha dado sua força, e ele estava devolvendo o favor.

Oxalá pudesse fazer que recordasse.

—Me deixe sair daqui! — ela voltou a gritar—. Não tem direito de me ter trancada. Como é possível que tenha me tirado do Tártaro sem que eu tenha me dado conta?

—Anya —disse ele, pacientemente —. Estamos unidos. Por que não me recorda?

—Canalha - gritou ela, e alargou o braço por entre os barrotes para arranhá-lo—. Se aproxime e sente a dor. Entende-me? O capitão era muito maior que você e o matei sem piscar.

Ele se deixou cair ao chão, em frente aos barrotes, revivendo tudo o que tinha ocorrido durante aqueles últimos dias. Quando tinha despertado em seu quarto, vivo fundido de novo com a Morte, tinha se sentido ditoso. Então, tinha visto Anya dormindo na caixa. Depois ela despertou e o tinha olhado como se fosse um estranho. O tinha amaldiçoado. O odiava.

Acaso nada podia sair bem?

Parecia que tinha caído uma praga sobre os guerreiros. Lucien tinha se informado de que Paris tinha retornado da Grécia como uma sombra de si mesmo. Negava-se a falar do que lhe tinha ocorrido, assim que ninguém sabia. O guerreiro partiria logo aos Estados Unidos para se unir a Gideon, tal e como estava planejado, mas Lucien não podia sacudir a culpabilidade por ter dito aos outros que não se preocupassem com Paris. Com o atraso e seu olhar de angústia, estava claro que tinha acontecido algo trágico.

Aeron e Reis também estavam nos Estados Unidos, embora ninguém tinha falado com eles. O qual significava que tampouco ninguém sabia o que tinha ocorrido a Danika e a sua família. Lucien suspirou. Outros guerreiros seguiam procurando as Hidras e os artefatos. Até o momento não tinha havido sorte.

Deveria estar aí fora, procurando com eles. No mínimo, deveria estar ajudando Paris a se recuperar do que lhe tivesse acontecido. Entretanto, não podia se separar de Anya. Ela era sua vida.

Por desgraça, tampouco parecia que pudesse ajudá-la.

—Te quero - disse.

—Pois eu te odeio - respondeu ela—. Solte-me!

Os barrotes ressoaram quando Anya os golpeou.

Ele cobriu a cara com as mãos.

—Não vai recordar de mim, faça o que faça, não é?

—Me deixe em paz! Não vou ser sua escrava, me ouve? Não sou escrava de ninguém!

Com o coração encolhido, ele ficou em pé e abriu a porta.

No princípio, ela ficou imóvel, observando a ele.

—Por que está tão triste? E por que está me deixando livre?

—Não posso suportar te ver prisioneira.

—Por quê? —inquiriu ela. Sem esperar a resposta, saiu da jaula com os olhos fixos nele—. E o que me passa? Por que me causa dor a idéia de ir?

As lágrimas se derramaram pelas bochechas de Lucien, e as secou com a mão.

—Sou seu companheiro.

—Não tenho companheiro - disse ela, furiosa, e caminhou para ele. No trajeto, agarrou uma das adagas que havia na mesinha de Lucien—. Vai pagar por ter me trancado!

Ao vê-la assim, ele recordou algo. Uma vez, ela tinha estado exatamente assim enquanto lhe falava da jaula. Quem estivesse dentro devia cumprir as ordens de seu proprietário.

Era muito simples. Ela se lançou para ele com ferocidade, e Lucien lhe arrebatou a adaga e a agarrou de surpresa. Meteu-a na jaula e voltou a trancá-la antes que Anya pudesse se dar conta do que ocorria.

Então, ela ficou a gritar.

—Matarei você por isso! Acaso está jogando a um jogo sádico?

—Sente-se, Anya.

Ela caiu no chão e lhe lançou um olhar assassino. Abriu a boca para seguir gritando, mas ele disse: - Fique em silêncio, Anya.

Ela apertou os lábios. O ressentimento se converteu em cólera.

Se aquilo fracassava...

—Me recorde, Anya. Recorda o tempo que passamos juntos. Te ordeno que recorde.

Ela fechou os olhos com força. Depois, ofegou. Suas feições se contraíram como se estivesse suportando uma intensa dor. Caiu de costas e se aconchegou no chão.

—Anya! —gritou ele, preocupado. Abriu a porta de dois em dois e se agachou junto a ela.

Anya passou uns momentos se retorcendo, gemendo e amaldiçoando. "O que lhe tenho feito?". Aquela mulher tinha dado tudo por ele.

—Sinto muitíssimo, carinho. Deixarei-te ir, mas não espere que esqueça de você. Estamos unidos. Farei tudo o que esteja em minha mão para te seduzir, para te reconquistar, assim se prepare para me ver freqüentemente. Quero-te muito para permitir que se afaste de mim.

—Como se fosse deixar que me deixasse. É meu. Eu também te quero Flores — disse Anya, e abriu os olhos, que de repente brilhavam de amor—. Pelos deuses, me alegro tanto de que esteja vivo...

Ele sentiu uma felicidade entristecedora e a abraçou contra seu peito.

—Anya, doce Anya.

—Te quero tanto... —disse ela.

—Graças ao céu, Anya. Morria por dentro cada vez que me olhava como se fosse um estranho.

—Acreditava que o tinha perdido - disse ela, lhe acariciando o cabelo.

—Deu tudo o que tinha por mim.

—Bom isso é porque é o mais importante de minha vida.

Sem soltá-la, Lucien transportou os dois à cama. De algum modo, encontraria a fórmula para que Anya recuperasse seus poderes. Possivelmente voltasse a lhe colocar na jaula e lhe ordenasse que os recuperasse por si mesma. Isso poderia funcionar...

—Vou passar o resto da minha vida te compensando.

Com um enorme sorriso, Anya rodeou sua cintura com as pernas.

—Esse foi sempre meu plano. Agora, me ponha em dia sobre o que ocorreu.

Lucien também sorriu. Nunca tinha sido tão feliz. Contou a ela o que sabia de seus amigos.

—William escapou da montanha e está curado. Seguiu-nos até aqui, e quer seu livro. Não o permiti entrar na fortaleza, mas chama todos os dias.

Ela entreabriu os olhos.

—Oh, darei o livro a ele tal e como prometi. Mais tarde. E possivelmente arranque algumas páginas.

—Se desculpou muitas vezes, e parece que sua pena é genuína. Eu só quero que se vá, e não o fará até que fale com você.

—Mais tarde. Agora vai fazer amor comigo.

Lucien sorriu e começou a despi-la lentamente, saboreando cada visão de suas curvas exuberantes e sua pele sedosa.

—Vai se casar comigo, não vai?

—Oh, sim.

—Bem. Conheço o lugar perfeito para passar a lua de mel.

—O paraíso onde esteve a ponto de morrer?

—Não. O paraíso está aqui mesmo - respondeu Lucien, e deslizou dois dedos dentro de seu corpo.

Ela gemeu de prazer e se arqueou para ele.

—Então onde?

—Terá que encontrar três artefatos mais. As maiorias dos guerreiros os estão procurando. Salvo Reis, que foi em busca de Aeron e Danika.

Ele moveu os dedos dentro e fora.

—Está preparada para outra busca do tesouro?

—Sempre.

Anya rodou sobre ele e se trespassou em seu membro. Ambos grunhiram de prazer.

—Entretanto, já encontrei o tesouro que sempre necessitei. E, falando de tesouros, o que vamos fazer com a jaula?

—Guardá-la. Agora que me recorda isso, há umas quantas coisas que eu gostaria de te fazer dentro.

—Mmm..., eu gosto. E possivelmente depois possamos tentar ajudar a meu pai a que recupere a memória. Minha mãe e ele merecem um pouco de felicidade, depois de tudo o que suportaram.

—Uma idéia muito nobre.

—Já está bem de bate-papo. Acredito que tinha planos para mim... Ele estava sorrindo quando os levou os dois ao êxtase.

Fim