Muitos anos se passaram desde que a população de Storybrooke aceitou que Zelena Mills poderia ser a prefeita de sua cidade. Com a destreza e maestria de uma política veterana, a ruiva gerenciou um dos melhores períodos na história da pequena cidade. Não houve problema, incidente ou mesmo desastre natural que a fez titubear – ela entregou-se ao cargo como nenhuma outra fizera; nem mesmo Regina. Paralelamente, entregou-se de alma e coração ao seu atual esposo, Thomas. Regina não poderia dizer de onde viera aquela relação, mas desconfiou que eles possuíam alguma história antiga que os cercava desde Oz; manteve-se distante deles por segurança – já era demasiadamente estranho ter namorado o marido de sua irmã, assim como era estranho seu próprio marido ter sido "erroneamente casado" com a sua irmã. Havia mais nós do que corda naquele dilema, por isso todos decidiram que era mais fácil seguir em frente do que tentar resolvê-lo.

Mesmo com o passar dos anos, Regina nunca entendeu o que os levou a aquele momento. E nem entenderia. As palavras de Atena se tornaram lei perante Pandora e Zeus. Nenhum humano se lembrará da interferência divina. Nenhum humano saberá o que aconteceu. Nenhum humano terá acesso à magia dos deuses. Todas as lembranças seriam deletadas ou substituídas e eles voltariam ao começo, estando lançados apenas à sua sorte. Os deuses estavam proibidos de tocar naquela cidade ou ao menos de olhar para ela. Com isso, Regina nunca soube quem realmente a pequena Abigail era. Não soube dizer como ressurgiu dos mortos. Não soube explicar como é que retornara ao passado e como fora misteriosamente devolvida ao futuro. Havia se tornado um dilema que ela própria resolveu abandonar depois de alguns anos; tanto ela quanto Robin. Ele tentou, de todos os modos tangíveis atingir suas memórias, suas lembranças – mas nada preenchia os espaços vazios e os brancos que cobriam algumas áreas, como os motivos pelos quais evitara Regina, ou como é que realizara algumas façanhas das quais se lembrava.

Embora a lógica fosse importante, eles estavam felizes com o presente e aos poucos, decidiram que era melhor seguirem seus caminhos. O recomeço era inevitável e não havia razões para não o aproveitar em sua plenitude.

Bem, anos haviam se passado. Regina olhou pela janela e observou Robin brincando com Riley. A gargalhada da garota preencheu seus ouvidos, aquecendo seu coração. Caminhou até a janela e os observou brincando. Ela tinha os olhos dele, mas seu sorriso era ainda mais bonito e lembrava-a do sorriso de Cora. Queria que sua mãe estivesse ali para conhece-la. Ia adorar a garota de cabelos castanhos compridos, e olhos azuis; ia revirar os olhos para os conhecimentos rústicos de sua filha caçula, ia corrigir seus modos à mesa. Gritar com Regina sobre permitir que o esposo ensinasse arco e flecha à garota. A fantasia trouxe um gosto amargo ao seu paladar. Cora estava morta, e jamais retornaria. Assim como seu pai.

Um grito infantil lhe chamou a atenção, e ela voltou a fitar o jardim. Agnes chegara acompanhada de seus pais. A pequena garota de cabelos lisos e ruivos abraçou sua filha com força; Zelena ergueu os olhos e acenou para ela, enquanto Thomas cumprimentava Robin. Agnes parecia uma pequena cópia de sua irmã e esse fato a divertia muito. Voltou para dentro da casa e certificou-se de que tudo estava pronto para a refeição. Passara tempo demais cozinhando e sentia que estava completamente livre de qualquer tarefa doméstica pelo resto do dia. Tudo que almejava agora era descansar e aproveitar a companhia do restante. "Roland, desça aqui rapidinho." Pediu, e demorou apenas alguns segundos para o rapaz aparecer na porta da cozinha.

"Sim, mom?" Ela o observou por alguns segundos. Ele havia crescido muito. Era praticamente um rapaz. Seus cabelos cacheados caiam sobre os olhos amendoados; ele vestia uma regata branca justa no corpo torneado e uma camisa xadrez por cima. Sua calça caía no quadril e a cueca branca aparecia sobre o cós da calça – embora ela tivesse pedido mil vezes para ele não usar a calça daquela forma. Caminhou até ele e o abraçou, beijando sua bochecha em seguida. "Ih. O que aconteceu?" Questionou ele, preocupado.

"Nada. Só parei para perceber que você é quase um adulto. Ainda me lembro de quando você era tão pequeno e me chamava de Gina."

"Isso foi há séculos, mãe. Eu vou fazer dezoito em dois meses. Eu sou um adulto."

"Tudo bem, sabichão. Vou te dar uma tarefa de adulto." Riu ela. "Me ajude a levar as coisas para o jardim. Sua tia já chegou."

"E o Henry?"

Ela sorriu ao perceber a animação do garoto. "Henry e Violet estão atrasados. Para variar. Aproveite e chame seu pai para ajudar. E Riley também. Eles estão enganados se pensam que eu vou dar moleza para alguém."

Roland sorriu, e caminhou na direção da entrada. "Você nunca deu moleza para ninguém. Não é exatamente uma novidade."

Ela sorriu, concordando com a afirmação dele.


Sentada no jardim de sua casa, ela admirou a vista. Sua casa era uma construção belíssima no meio da montanha. Lembrava a si mesma um pouco dos arredores de seu castelo quando era rainha, envolta por arvores e mais árvores, no coração da floresta. Muitos anos depois que Regina cedera a posse da cidade para a irmã, ela própria havia percebido que ali não era mais o seu lugar. Zelena não conseguiria governar com segurança com ela presente; haveria sempre alguém que faria comparações entre as diferenças maneiras de se presidir a cidade. Não era justo com nenhuma das duas. Quando Regina contou a Robin sobre suas inseguranças, e sobre o desejo de mudança, ele apenas confirmou o que ela já sabia: ele a seguiria onde quer que ela fosse.

E ali, em meio à paz que a natureza proporcionava a eles, nada mais era necessário. Acabou se tornando indiscutível o quanto à distância fizera bem a relação das duas irmãs; Regina e Zelena passaram a conversar mais, e com o tempo, deixaram de ser guiadas pela obrigatoriedade dos laços sanguíneos e desenvolveram uma amizade muito mais genuína do que ambas poderiam acreditar. Os laços de carinho, amor e respeito se fortificaram através dos anos até que Regina foi convidada ao casamento de sua irmã, não apenas como uma presença na festa, mas no altar – ao lado da noiva. Ela jamais esperaria essa proximidade; acreditava que o ódio e o ciúmes e toda a toxicidade da relação deles perduraria com o passar da vida, mas não haviam percebido que muito disso era apenas uma disputa de egos. Regina era a família que ela possuía e Zelena era a família que Regina possuía. Demorou muito tempo para que a aceitação e o perdão viessem de ambos os lados, mas aconteceu – e nenhuma das duas poderia ser mais grata.

Sentados à mesa, eles observavam Agnes e Riley brincando, sentadas na grama. Em paz. Com seus passados lacrados à sete chaves e com um destino brilhante e abençoado à frente. Tanto Regina quanto Zelena haviam aprendido de maneiras duras o que uma mãe não deveria fazer com seus filhos e elas eram cuidadosas em não repetir nenhum desses erros. Regina observou a irmã com a cabeça deitada no ombro do marido, vulnerável e feliz. Tinha muito orgulho da pessoa que Zelena havia se tornado. Da profissional, da mãe, da esposa. Da amiga, que mesmo longe, era completamente presente em sua vida. Da irmã que a protegeria de tudo. Thomas havia se tornado o braço direito dela e um pai maravilhoso. Agnes tinha muita sorte, e Regina sabia, pela maneira feliz que a garota gargalhava e pelo brilho em seus olhos; pelo carinho com o qual Zelena deslizava os dedos pelos cachos de sua filha; pela maneira que Thomas a abraçava; por toda vez que ouvia a garota falando entusiasticamente sobre algum assunto com Riley.

Observou Henry voltando da caminhada com Violet. Seu coração amoleceu quando ela observou a barriga marcada pela roupa de sua nora. Observou o carinho com que ele olhava para ela; a maneira delicada que tocava seu ventre. Ele estava diferente, o rosto formado, o maxilar quadrado, a barba por fazer; havia se tornado um homem muito bonito e responsável. Realmente, ponderou ela, muito tempo havia se passado. Henry estava casado, e se tornaria pai em pouco tempo. Roland era praticamente um homem. Ela sabia que estava envelhecendo; os cabelos brancos estavam aparecendo, as linhas de expressão ficaram mais nítidas em sua pele. A pele de suas mãos já não era extremamente elástica. Mas sentada à mesa, olhando o sol se pôr atrás das longas árvores de eucalipto, ela soube que não estava preocupada com isso.

Ela tinha Robin. Sabia, depois de todos esses anos, que ele era a prova em sua vida de que o amor verdadeiro era real. Que almas gêmeas existiam. Robin mostrou a ela, vez após vez, que quando se ama uma pessoa não há obstáculo suficiente para afastar ela. Cada pequena batalha vale o suor, a energia, a paixão. Às vezes, até o sangue. O amor que ele demonstrou por ela driblou tanto os imprevistos internos como externos; ele desafiou a si mesmo, e aguentou todas as nuances de sua personalidade difícil. Lidou com o pior dela, e continuou ali, em pé, firme e forte. Ela jamais fora amada de maneira tão intensa e genuína e talvez nunca mais fosse – ela não iria saber. Era ele, sempre havia sido, e sempre seria ele. O homem dos seus sonhos e almejos, seus desejos e medos, suas certezas e inseguranças. Aquele que se deitaria ao seu lado por toda uma vida e ainda assim adoraria seu rosto e seus cabelos despenteados pela manhã; aquele que a carregaria no colo quando suas pernas estivessem doloridas. Fora ele quem tivera sempre paciência com ela; ele quem nunca a julgou mesmo sabendo as atrocidades cometidas por ela no passado. Ela sabia o quão difícil fora conseguir a aceitação da maioria das pessoas que conhecera na vida, mas ele – ele nunca fez com que ela precisasse conseguir a aceitação dele. Ele a amou e ela pode sentir isso em cada segundo, cada minuto, cada hora, cada dia. A cada vez que ele sorria para ela, a cada abraço onde ela sentia-se segura, a cada vez que ele afagava seus cabelos e beijava sua têmpora. Ela não tinha apenas um marido. Ela tinha um amigo, ela tinha um confidente, ela tinha um porto seguro. Ela tinha onde se esconder quando as noites parecessem sombrias. Tinha onde se refugiar toda vez que sentisse medo ou insegurança.

Ele era seu melhor amigo, e ela sabia que uma vida ao lado dele não seria sequer suficiente para demonstrar tudo o que sentia. Quando a magia fora banida da cidade, ela sabia o que significava, mas ao mesmo tempo, não se preocupou com isso. Hoje, podia sentir que estava envelhecendo. Mas não era um problema. Robin entrelaçou os dedos nos dela, e beijou a costa de sua mão, encarando-a. Ela retribuiu o olhar. Ele estava ainda mais bonito do que sempre fora. Os cabelos loiros estavam misturados aos grisalhos; a barba começara a clarear. Mas havia algo em seus olhos que transparecia calma, tranquilidade, paz. Como se ele estivesse completamente ciente de que a vida era aquilo, e que ele não poderia viver uma vida melhor. Ele a olhava com adoração e amor, da mesma maneira que a olhou quando a conheceu do lado de fora daquela taverna antiga e barata. Como se fosse a primeira vez que a visse, como se nunca antes a tivesse admirado – e ela adorava essa sensação. "Você está bem?"

"Estou ótima." Sussurrou, e Henry aproximou-se da mesa. Puxou a cadeira, auxiliando a esposa a sentar-se. Violet sorriu para eles, e pousou a mãe sobre a barriga saliente. O vestido rosa com flores brancas lhe deixara com um ar ainda mais delicado.

"Summer está lhe dando uma canseira, Violet?" Brincou Zelena, ajeitando-se na cadeira. Thomas sorriu e Robin o acompanhou.

"Ela é bastante bagunceira." Brincou Henry, debruçando-se sobre a mesa e beijando o topo da cabeça de Regina, que sorriu. Em seguida ele retornou ao lugar ao lado de sua esposa. "Mãe, você se importa se Roland for passar alguns dias comigo na minha casa?"

"Não. Ele vai adorar. Não parava de perguntar por você." Respondeu ela.

Henry sorriu, e os olhos dela se encheram de lágrimas. Diante dela, estava sua família. Logo ela seria avó, logo ela veria seu filho se tornando pai. Os anos se passariam ainda mais e ela veria sua pequena Riley crescendo também e quem sabe, se ela assim desejasse, se tornando mãe. Percebeu então que ela havia alcançado algo sem saber. Percebeu que ela havia alcançado seu final feliz, ainda que não tivesse alcançado o final. Lembrou-se de um tempo em que achou que ninguém jamais a amaria, e de um tempo onde afirmou para si mesma que jamais seria feliz. Percebeu que havia sido amada sim, e não apenas sido amada uniformemente, mas talvez da maneira mais crua, mais íntegra, pura e genuína. Percebeu que já havia sido feliz antes, mas não como se sentia agora. Percebeu que adoraria envelhecer ao lado do homem que segurava sua mão, que não se importaria de terminar a vida ao lado dele se fosse preciso. Que adoraria vê-lo com os olhos azuis, o rosto enrugado, os cabelos brancos como a neve, pois sabia que mesmo quando ela mesma estivesse com os cabelos inteiramente brancos e seu corpo totalmente entregue ao mal da gravidade, ele ainda a adoraria. Ele ainda a elogiaria pela manhã e beijaria seus lábios com o mesmo amor de quando andavam por uma estrada empoeirada. Ele ainda diria que ela era a mulher mais bela do mundo todo, e acariciaria seu rosto como uma escultura muito preciosa.

Percebeu que seus filhos haviam se tornado pessoas com uma índole maravilhosa, e que ela havia deixado em cada um deles um legado a ser carregado por toda uma vida. Percebeu que sem magia ela havia conseguido realizar muito mais feitos mágicos do que em toda a sua vida. Ela havia aprendido e ensinado o amor, o perdão, havia ensinado e aprendido sobre família, sobre carinho, sobre valores. Construiu uma família, e criou laços que transpassariam vidas e vidas. Com os olhos cheios de lágrimas, lembrou-se da visão que tivera quando estava morrendo. Lembrou-se dela e de Robin caminhando na areia, à beira do mar, com Abby, Roland e Henry. Lembrou-se da sensação de paz que a acometera, de como seu coração batia quente e suave, uma sensação doce e suave que ela nunca havia sentido antes. Não até aquele momento. Ali, observando sua família, ela teve certeza de que se sentia ainda mais feliz e completa do que naquela alucinação mórbida. Ela estava feliz, ela sentia-se completa. Ela sorriu, lágrimas escorrendo pelo seu rosto quando percebeu que tinha tudo que jamais ousou sonhar em ter. Percebeu, finalmente, que só havia uma diferença entre aquela visão que tivera e o que estava vendo agora.

Naquela visão, ela estava morrendo.

Mas ali, no meio de sua família, entre os risos, o carinho, ao lado de seu amado – aquilo era a sua vida.

Ela estava vivendo a felicidade, sem a necessidade do final. Mas assim que ele chegasse, ela sabia de uma coisa.

Ela estaria pronta.

E se despediria feliz.

Fim.