"Ela já não sabia mais se tinha a capacidade de confiar em alguém, até que ele apareceu."

Primeiro capítulo lido. Claro, eu como boa leitora consigo terminar um livro em um estalar de dedos, mas esse era diferente. Kakashi disse que havia escrito como desejo de que eu pudesse viver tudo que sua filha não pode viver e aquilo me fazia querê-lo cada vez mais como pai.

Mas o que ele queria que eu vivesse? Uma paixão adolescente sem sentido como todos os meus outros relacionamentos? Quero dizer, era óbvio que a personagem principal se apaixonaria, seria correspondida e o casal enfrentaria problemas típicos como famílias rivais, doenças supostamente incuráveis e a supervalorização do dólar. É.

Meu celular começa a tocar e o nome "INO" fica piscando na tela do celular. Fico alternando entre olhar para o livro e para o celular até que decidi atender, mesmo sabendo que Ino tinha ficado muito esquisita depois do último dia de aula, o que, pelos meus cálculos, deve ter acontecido a umas três semanas.

- Oi, porca.

- Haha, engraçadinha. – A risada era fingida, mas fiquei feliz em ver que ao menos ela estava se esforçando para parecer melhor. – Liguei pra perguntar se você vai.

- Se eu vou pra onde? – Eu não sabia, nem fazia ideia do que ela estava falando.

- Pro templo. – Nesse momento tive uma visão de Ino revirando aqueles grandes olhos azuis – Não acredito que esqueceu...

- Mas não esqueci, só não tava... Érh... – Na falta de palavras comecei a tossir o famoso ~cof cof~ dos mangás – Amanhã, né?

Ela passou algum tempo falando sobre como eu deveria ir e que eu definitivamente não poderia, de forma alguma, usar minha adorada calça jeans . Claro, muito conveniente eu ter que gastar meus dedinhos com a agulha enferrujada (tétano, venha cá) arrumando um kimono vermelho do tempo da minha avó só pra fazer um pedido no templo.

Abri o guarda-roupa e encarei presunçosamente o kimono que parecia rir loucamente da minha cara.

Talvez se eu estivesse bem vestida Kami-sama ouvisse minhas preces por um mundo melhor e menos criancinhas carentes. Dinheiro também cairia bem.

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Passei um longo tempo de olhos fechados e dedos entrelaçados.

O que eu peço? Um milhão de dólares? Uma mansão-biblioteca para passar o resto de minha solitária vida? A paz mundial?

Sentia Ino me cutucar cada vez mais forte, tanto que meu ombro começava a doer com a tentativa dela de me fazer pedir logo e ir comemorar o início do ano nas barraquinhas de ramén. Aliás, um ramén cairia bem agora. Um desejo simples e fácil de se realizar, Kami-sama.

Que venha o ramén.

Outra vez o dedo de Ino. Arg! – O QUÊ? – Gritei e, em questões de segundos tive que me curvar para todas as senhoras que estavam do meu lado. – Desculpe, desculpe. Não fiz por mal. Desculpe.

Suspirei. E se eu pedisse que minha amiga fosse reformulada?

- Pede um namorado. – Ino murmurou ao meu ouvido e outra vez as velhas fofoqueiras olharam como se fossemos duas moças impuras e interesseiras, como se elas fossem santas. Humph!

Fechei meus olhos outra vez.

Talvez não fosse má ideia, não é? Não um namorado, mas alguém que cuidasse de mim, me amasse e, melhor que isso, não fosse idiota como os garotos do colégio e nem como o cliente imbecil de outro dia. Alguém que me ajude a sentir algo outra vez.

Por favor, Kami-sama, me dê amor. De verdade.

Abri meus olhos e sorri. – O que você pediu? – Ino perguntava animada – Você pediu, né? Você fez o que eu disse.

Eu fiz, mas não queria correr o risco de que não se realizasse – Pedi um prato de ramén, tô com tanta fome.

- Arg, testa-duma-figa, você estragou o pedido? – Ela se virou de repente e começou a descer as escadas do templo com seu kimono roxo dificultando os passos, eu fui atrás repetindo os mesmos passinhos de gueixa. Me sinto tão idiota que se passasse um caminhão agora eu me jogava, só pra não passar por isso. Imagine como vai ser voltar de ônibus com isso...

- Tá falando de mim, mas não disse o que pediu.

Ela sorriu maleficamente me encarando e eu agradeci por ter pedido depois dela, por que se fosse o contrário eu já estaria morta. – Você só precisa saber que não é nada ortodoxo.

Eu sorri quase orgulhosa. Ino usando palavras difíceis era um motivo pra comemorar. - Você sabe o que significa "ortodoxo"?

- Não, – Depois concluiu – vi num filme de terror, então não deve ser coisa boa.

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Claro que como em toda boa escola o início de aulas é um concurso de beleza entre as garotas do ensino médio, já que teremos, por um único dia, a escolha de uma roupa que não seja a farda. Na verdade, prefiro usar farda e me livrar desses estereótipos do que participar ativamente da disputa entre Karin e Ino. No final, as duas ficam ridículas (é, sinceridade dói).

Vesti uma calça jeans, uma camiseta cor creme, rasteirinha. Cabelos num coque, por que é melhor do que gastar séculos arrumando o que será bagunçado naturalmente pelos ventos do ônibus lotado de cinco horas da manhã.

Desci as escadas e lá estava minha mãe, sentada a mesa tomando um suco natural de alguma coisa e pão integral. Outra de suas dietas que iria dar errado em duas semanas.

- Bom dia, filha.

- Bom dia. – Respondi sentando a sua frente e olhando o pão nada atraente a minha frente. – Mãe, por favor... - Era sempre assim, ela tinha que me arrastar pra essas dietas malucas que aumentam a porcentagem de anoréxicos existentes no mundo. – Quem está precisando é você, não eu.

- Pensei que você me daria um apoio. – Ela deu uma mordidinha no pão com gosto de folha de papel com areia e sorriu ainda com a boca cheia. Acho que detectei uma pitada de senso de humor.

- Você tá saindo com alguém? – Perguntei sem perceber e ela só ficou com as bochechas vermelhas e desviou o olhar. – NÃO, NÃO É UM PROBLEMA! – Praticamente gritei e ela arregalou os olhos nervosa. Respirei fundo antes de continuar. – Quero dizer, você tá velha – Opa, uma semana de castigo pra mim – Digo, já faz tempo desde que o papai, você sabe... Foi embora. Tá na hora de você... ter alguém de novo...

Olhei o relógio na parede da cozinha e sorri – Tô atrasada. – Dei um beijo na testa dela e quando estava na porta ela trás correndo o pão integral.

- Você ia esquecendo, querida.

– Ah, - sorri amarelo – obrigada.

Mal sabe ela que aquele lanche delicioso foi parar na mão de um mendigo.

Depois de vinte minutos de viagem cheguei ao portão do colégio, dei 'bom dia' ao guardinha da entrada e fui andando até a árvore do Naruto, o que confesso, foi uma ação involuntária. Kakashi tem razão, preciso ter amigos ou me tornarei uma criadora de gatos compulsiva.

Ainda passei um tempo lá antes de ir a sala de aula. Karin estava com um chamativo vestido vermelho com um decote até mais ou menos o umbigo, acho desnecessário já que só confirma o que todos sabem: Você não tem peitos, querida. Rock Lee estava com seu famoso colan verde-musgo, plágio do admirado professor de educação física Gai-sensei. Shino, esquisito como sempre. E o resto da sala já dá pra imaginar.

Ino, mais uma vez, entra deslumbrante. Cabelos soltos ao vento, como naquelas propagandas enganosas de condicionador. Usava um vestido azul simples até pouco acima dos joelhos e um salto alto bege. Mochila preta em um ombro só. E o resultado é simples: garotos fazendo uma piscina de baba.

Dei uma olhada leve para Sai que parecia chateado com alguma coisa, se fosse pra chutar eu diria que eram ciúmes, mas um arrepio na espinha me disse pra ter cuidado. Aquele olhar não era ciúmes, atração, muito menos amor. Era raiva. Muita raiva.

Alguma coisa tinha acontecido e eu, como meto meu nariz em tudo, tinha que descobrir o que era.

- Bom dia. – Ino falou balançando a mão na frente dos meus olhos.

- Oi. – Levantei os cantinhos dos meus lábios formando um mini sorriso. – Atrasada.

- Achar a roupa perfeita leva tempo. – se sentou atrás de mim e murmurou – Tenho que dar umas dicas pra Vakarin.

Eu ia fazer outro comentário, mas a professora Kurenai, de literatura japonesa, entrou em sala e tomou toda a atenção. Literatura japonesa era, sem dúvida, a melhor matéria de todos os tempos e a professora é tão boa que melhora tudo em seis vezes mais.

- Bom dia, turma. Espero que tenha sido divertido estar de férias, mas vocês sabem que eu não aturo desordem na minha aula. Já conheço todo mundo aqui, por isso apresentações serão desnecessárias e- Ela olhou para a porta e para a turma de novo – Parece que sempre tem que ter alguém a ser apresentado. – Ela revirou os olhos – Pode entrar.

Meus olhos se prenderam àquele ser na frente de todo mundo.

NÃO, POR FAVOR, NÃO! Não era possível. Ele? Logo ele?

- Pode se apresentar para a turma. – Kurenai permitiu sentando-se presunçosamente na cadeira.

- Me chamo Sasuke Uchiha, tenho 17 anos. Não gosto de muitas coisas, mas tenho um hobbie – Ele me encarou sorrindo de lado – coleciono sapatos esportivos. – Ele voltou a olhar para frente. – Espero fazer bons laços e progredir junto com vocês.

Eu não precisava olhar para trás para saber que Karin estava se derretendo pela visão do playboyzinho filho do cão que me humilhou na loja da minha mãe. Colecionar sapatos esportivos? Arg!

- Vejamos... Aonde você vai sentar?

Meus olhos se moveram a procura de uma carteira vazia fora a do meu lado e nada. Nenhuma. Os olhos voltaram a posição inicial e encararam os dele, que se divertiam com a minha reação. Droga, droga, droga!

- Tem um lugar ao lado da Sakura.

- Tem certeza, professora? – Ele olhou para o chão e depois para mim outra vez – Não quero incomodar.

- Sakura não se importa. Não é, querida?

- N-Não me importo.

Ele veio, se sentou ao meu lado e dividiu a mesa comigo. Se fosse qualquer outra pessoa, Kami-sama, qualquer outra pessoa. Mas não, tinha que ser ele e seu cabelo bagunçado perfeito. Droga!

- Se não se importam, eu gostaria de iniciar a aula. – Todos se calaram e ela começou a explicação.

Sasuke se virou e ficou me observando – O que? Me achou bonita?

- Não, muito pelo contrário.

Eu ri nervosa – Você tá pedindo outro soco, sabia?

- Você é sempre bruta assim?

- E você já nasceu idiota ou contraiu idiotice quando nasceu?

- Muita coincidência, né? – Eu estava com uma cara de bunda – A gente se encontrar logo aqui.

- Hahaha – a professora levantou o olhar de seus livros na mesa e eu disfarcei escrevendo alguma coisa no meu fichário, logo ela voltou a leitura – Você tá me seguindo, não vem com essa de coincidência.

- E se eu estivesse te seguindo? Digo, hipoteticamente. – Os olhos negros encararam os meus tão profundamente que achei que minha alma estava sendo sugada, senti que ele me desafiava. – E se eu quisesse te mostrar que não gostei de apanhar de uma garota em uma loja de sapatos? E se eu quisesse dizer que clientes gostam de bom atendimento? E se eu quisesse uma vingança hipotética?

- Humph! Hipotética é o car-

- O que houve, Sakura? – Kurenai se virou para mim. Ao que parece a sala toda se calou em um momento crucial da minha vida e a professora cortou meu palavrão ao meio.

- Me desculpe.

Tentei ignorar durante a aula, mas o garoto parecia não ter modo silencioso.

Ele só se divertia ao me ver quase explodindo de raiva. Eu era parte de um joguinho que ele tinha criado, mas nesse jogo dois podem jogar. Na verdade, poderia ser multijogadores, dependendo do que se joga, como é o caso de Uno. Bem, se ele achava que podia fazer o que quisesse de mim estava muito, muito enganado.

Quando soou a campanha do intervalo ele passou o polegar na minha bochecha, empurrei o braço dele pra longe e me levantei. Sasuke ria.

- Seu inferno começa a partir de agora.