Tempo havia se passado desde que começaram a viver juntos. Alguns meses, mas também não tantos.

Ás vezes Mello se lembrava disso e ponderava: porque ainda viviam assim? Juntos, enfurnados num apartamento medíocre e com pouquíssimo progresso em sua caçada. E ainda mais relevante: porque ainda suportava o dia a dia com uma raposa ardilosa alfinetando-o a cada momento?

Pois bem, parte de si queria fugir, mas a parte sensata (aos trancos e barrancos para tomar a posse da consciência do loiro) o lembrava de que deveria ficar assim. Um pouco de sua intuição também. Talvez porque não convivia com alguém conhecido há muito tempo, ou talvez pelo modo descontraído com que Matt lidava com as coisas, sentia que assim estava bem.

E ele também fazia a maior parte das tarefas.

E não era tão completamente insuportável quanto parecia ser.

E era inteligente. Apesar de não se esforçar para demonstrar isso.

Valeria a pena continuar a suportá-lo, não?

Eram quase quatro da tarde, estava nublado e uma leve garoa caia lá fora. Nada a fazer, não haviam novas informações sobre Kira ou o que fosse. Os dois viam TV, sentados no sofá.

Mello às vezes olhava aquele pequeno e barato televisor e se relembrava que era melhor assim, viver com pouco, do que ter que perder tudo se fossem forçados a abandonar o apartamento. Mas bem que gostaria de comprar um pouco de qualidade de vida...

Meia hora se passara e assim ainda estavam. Visivelmente entediados.

Não aguentava mais passar os canais monotonamente a fim de descobrir algo bom passando. Não havia nada interessante ou inteligente àquela hora na TV, ou a qualquer hora, num fim de semana. Enquanto isso, Matt jogava em silêncio. Desde sexta já havia zerado dois jogos inteiros e estava terminando as demos novas da semana.

Pouco depois os lançamentos já não eram mais tão excitantes para ele: desligou o vídeo game e passou a observar o loiro apertar sem parar os botões do controle remoto, visivelmente frustrado com a monotonia. Matt sabia que Mello detestava o tédio. Por isso mesmo era engraçado observar.

Por ter uma pele clara, era fácil ver Mello ficar com as bochechas rosadas quando enfezado. O ruivo achava aquilo especialmente adorável, e acreditava que não havia alguém são que conseguisse não achá-lo bonitinho naquela situação. Não é incrível como coisas bonitinhas nos fazem ter vontade de agarrá-las, apertá-las, mordê-las e depois acabar com elas?

— Maldita programação burra! — Exclamou o loiro, jogando o controle contra o estofado furiosamente e afundando-se mais no sofá.

— Pff... — Matt deu uma pequena risada, tomando cuidado para não chamar a atenção do outro e levar um chute.

Mas era sempre bom estar com Mello, mesmo apanhando. O estresse do dia-a-dia se esvaia facilmente e o ambiente parecia mais agradável — o que era realmente grande coisa, considerando aquele apartamento.

O problema era esse bom ter se tornado bom demais.

Havia algum tempo que ponderava sobre o que estava acontecendo, mas estava em dúvida. Sentia-se bem, comum, e em seguida, toda a certeza de si ruía ao ver o rosto do outro. Isso era irritante, de fato, mas não sabia bem o que fazer a respeito. Num momento era a pessoa mais feliz do mundo, em outro tinha vontade de levantar e ir embora, andar até bem longe e se enfurnar num bar, amaldiçoando a vida e desejando nunca ter oferecido ajuda àquele ingrato. Mas, de novo, bastavam alguns instantes naqueles olhos azuis e tudo parecia bem novamente.

Mello observava a novela com olhos vazios, sem absorver o que via, repleto de pensamentos distantes.

Matt o olhou, e em seguida fitou a televisão. A protagonista chorava, mas parecia com raiva. Debulhava-se enquanto discursava sobre o quanto estava confusa. Sobre o quanto amava alguém que nem teria ideia de que esse sentimento existia. Sobre o quanto esse amor lhe doía e o quanto queria se livrar de pensar tanto nele.

— Hmm... Mello.

O loiro acordou de seus pensamentos, voltando-se para Matt.

— Hm?

Ele demorou em continuar a fala, fazendo com que Mello não acreditasse no que via: Aquele rosto inseguro não parecia o Matt habitual. Iria perguntar o que houve, mas o outro se apressou:

— Como você se sentia naquela época? Em que disse que ficaríamos juntos...

Mello enrubesceu, ao mesmo tempo em que se enfezava com o assunto.

— M-mas que droga, já disse que eu era só uma criança! Não dá pra parar de ficar lembrando dessas coisas?

— É só por curiosidade, sabe — ele sorriu — estudos antropológicos.

Mello curvou as sobrancelhas.

— Não importa, não vou falar sobre isso.

Matt suspirou, decepcionado, ambos voltando o olhar para a cena dramática. A garota havia decidido seguir e revelar ao amado sobre sua paixão, mas muita insegurança ainda a afligia.

— Hm... — Matt iniciou, querendo prolongar aquela conversa. — Você... Já se apaixonou por outra pessoa depois daquilo?

O loiro pareceu desconsertado, mudando a postura com que sentava.

— O-o que quer dizer com "depois daquilo"? Tá dizendo que eu tinha uma queda por você? Tch... M-me poupe dos seus devaneios estranhos...

Matt olhou-o com certa dúvida, apoiando os braços atrás da cabeça.

— Hmm... Certo... Mas... — Hesitou, tomando uma longa pausa e quase sussurrando em seguida — ... Eu sabia que você tinha.

Fez-se um curto silêncio naquele cômodo. Curto mas embaraçoso, fazendo com que Mello sentisse seus dedos gelarem.

— N-não fique criando ideias e tomando como verdade, imbecil. E além do mas, tudo aquilo já passou.

De fato, era o passado. Nada o traria de volta àquela época, nem faria com que Mello dissesse o que queria. Talvez hoje não fosse o melhor dia pra tirar suas dúvidas.

— Que tá olhando?

Não havia notado, mas fitava o loiro enquanto pensava, e isso não pareceu muito confortável de acordo com a expressão incomodada que recebia de volta.

— Uhn? Ah, nada. — Respondeu com voz arrastada, enquanto virava-se para fitar a televisão novamente, um pouco melancólico.

— ... — Mello parecia inquieto, ergueu-se e sentou direito no sofá, virando para encarar o perfil do ruivo. Algum tempo em silêncio se passou até que decidisse dizer alguma coisa.

— Você tem... Uhn, estado meio estranho, sei lá.

Surpreso, o ruivo voltou a fitar o outro.

— Estranho? De que jeito?

Mello curvou-se e apoiou um braço no joelho dobrado, deitando a cabeça nele em seguida. Procurou desviar o olhar, conversas desse tipo não eram muito confortáveis.

— Hmm... Ah, sei lá, er... Meio quieto demais, você sempre é barulhento, quando fica calado parece até que tá doente...

De leve, um pequeno sorriso surgiu nos lábios do gamer, que virou-se um pouco em direção ao amigo.

— É, acho que tenho pensado demais.

Mello curvou uma sobrancelha.

— Pensado demais? Nem temos tido trabalho algum esses dias... — Disse, pausando por um momento para correr o olhar tímido ao ruivo, bem rapidamente — Hum... Você deveria é estar com a cabeça oca como sempre. Deve estar doente mesmo.

Mello desfez sua posição e voltou-se para o outro lado do sofá, alcançando o controle e trocando os canais da televisão novamente. Matt não respondeu, só sorriu, mais abertamente depois de um tempo.

— Já sei.

— Hm? — Mello parou sua busca e o olhou.

— Aposto que sei o que você sentia.

— Tch... — Ele bufou, incomodado com o assunto voltando á conversa — Ainda falando disso? Já disse que...

— Você se sentia ansioso.

Mello se calou, sem saber bem como reagir.

— Ou eufórico demais, e também melancólico.

Matt continuou, aproximando-se um pouco do outro, sem desviar-se dos olhos azuis.

— Sentia-se quente quando eu estava perto ou quando pensava em mim. E sempre pensava em mim. E até sorria quando fazia isso. Adorava minha voz, as manias que definiam minha personalidade, a temperatura da minha pele, e o meu cheiro. E sempre que conquistava minha atenção era seu maior triunfo.

Mello ficou atônito. Não sabia o que dizer em resposta àquilo. Matt estava calmo, e falava com naturalidade. As palavras saiam como um texto certo, revirando o interior do loiro como não acontecia em anos. Sua barriga esfriava e suas mãos gelavam ainda mais, em total aposto ao seu rosto e peito, que ficavam cada vez mais quentes e assustados.

— D-do que ce ta falando? E-eu n...

— De como eu me sinto. Agora.