Di immortales

há um preço a se pagar pela divindade.


Mitos pertencem a todos. Ou seja, são meus também, mwahaha!


Zeus

contempla os restos carbonizados de Sêmele antes de retirar a criança — mais uma — de seu ventre e terminar de gestacioná-lo pela segunda vez, em sua coxa. Mais uma vítima. Ele não conseguia evitar.

Hera

vira furtivamente o olhar para longe, para uma caverna distante, onde o único mortal que já se instalou em seu coração dorme em um sono encantado. Se ao menos não tivesse insistido até desposar seu irmão...

Ares

ainda se recorda nitidamente dos treze meses preso naquela urna de bronze, enjaulado pelos Aloídas; das duas vezes em que Athena o ferira durante a guerra de Tróia, e da morte de seu filho Ascalphus e da sua dor; Athena detendo sua fúria cega pelas lágrimas e ajudando a tirar sua armadura. E da vergonha ao ter sido exposto ao constrangimento diante dos outros deuses enquanto tinha Afrodite nos braços, preso por aquela rede ridiculamente delicada e inquebrável.

Deus da guerra, e só consegue lembrar-se dos fracassos.

Ártemis

contempla as estrelas e pensa em Órion. Se não houvesse sido tão vaidosa e imatura o teria ao seu lado. Jamais perdoaria Apolo por isso.

Apolo

deixa o jacinto murcho escapar das mãos num suspiro triste. Uma brisa balança seus cabelos encaracolados e dourados. Seu eterno escarnecedor.

Pequenos deuses também podem machucar os grandes.

Athena

passa a mão pelo seu escudo, recordando-se de seu amigo. Mais uma vez censura-se por seu descuido. Jamais se esqueceria da fragilidade dos mortais, não sendo agora Palas Athena.

Afrodite

se recorda de tempos mais antigos, quando surgira das espumas do mar e tivera outros nomes, em terras mais distantes e povos há muito mortos. Seus cultos quase não existem mais. Ela sente medo dos tempos que estão por vir.

Deméter

não está pensando em Koré, que no momento está Perséfone, mas na terra destruída e castigada pela fúria do inverno. Pela primeira vez em muitas eras ela pensa em sua outra filha, que abandonara pouco depois de nascer para buscar sua Koré. Dá-se conta de que não se recorda de seu nome e sente seu coração se confranger.

Dionísio

serve-se de mais vinho, mas nem registra o gosto da bebida nos lábios. Não possui grandes feitos; é lembrado pelas bacantes e Orfeu despedaçado, e a violência e loucura que costumam acompanhar seus seguidores. Sequer se lembravam que havia nascido duas vezes. Mesmo sendo o mais novo dos deuses olimpianos, sente-se velho demais. Toma outro gole da bebida, mas tudo o que sente é um gosto amargo em sua língua. O jarro cai no chão com violência, tingindo o chão de rubro.

Humano demais.

Hermes

está cansado. Deus dos viajantes e das estradas, patrono dos ladrões, conhecedor dos caminhos, mensageiro dos deuses, guia dos mortos, deus da magia, dos comerciantes e diplomatas, da astronomia, da fertilidade e da medicina, e de muitas outras coisas. Pastor divino. Tornou-se Mercúrio, e também Hermes Trimegisto. Um demiurgo; o pilar do ocidente atual. O deus das pequenas coisas. Ele leva a mão ao cenho; seu semblante é de profunda fadiga. Sente que já fez coisas demais.

Hefesto

fita seus pés tortos e disformes; debruçado sob sua bigorna e apoiado em sua bengala, contempla seu reflexo no escudo que está forjando. Analisa friamente a aparência que despertou o repúdio de Athena e Afrodite. Ele é o mais talentoso de todos eles, pensa, mas nenhum deles é capaz de perceber além de seu exterior, o que é irônico em se tratando de deuses. Mudar sua aparência não devia ser uma impossibilidade, ele também é um deus...

Golpeia o pedaço de metal com um pouco mais de força.

Hades

levanta-se de súbito de seu trono, irritado. Com sua onisciência contempla seus extensos domínios. Almas atravessando o Estige a todo o momento, trabalhando nos Asfódelos, quase todas com medo, dor e amargura. Acaso os Campos Elíseos não estão ao alcance de quem o fizesse por merecer?, pensa; a vida precisava descer ao submundo para poder continuar. É seu presente ao mundo, a vida, mas cada ser vivo possui um tempo para desfrutá-lo e o mundo se revigorar. Mas o recebem apenas com repúdio, dor e medo. Por que não podem aceitá-lo por inteiro?

Poseidon

apóia seu tridente no piso de sua carruagem e contempla com tristeza as ruínas. Atlântida, outrora sua mais brilhante jóia e seu maior orgulho, agora jaz nas profundezas governadas por seu filho Tritão. Incontáveis outros despojos de tempos outrora gloriosos — e também de tempos vergonhosos —, apodrecendo em seus oceanos. Ele sente a inquietação dos seres marinhos e a poluição entranhada em sua pele, envenenando seu ichor. Não foi o primeiro deus dos mares, mas talvez seja o último.

Héstia

aproxima-se mais do fogo; seus ossos doem, e o véu sobre sua cabeça parece imenso, prestes a sufocá-la. Ela esfrega as mãos umas nas outras e nota a pele murcha sobre seus dedos ossudos. Ainda sente frio. Antigamente sua chama parecia maior e mais calorosa.


N/A: Tô com preguiça de botar notas explicativas sobre os deuses, sem contar que com isso a N/A se tornaria maior que a fic. Quem quiser que pesquise, beijos.