"Amor não é amor, se quando encontra obstáculos se altera, ou se vacila no mínimo temor. Amor é um marco eterno, dominante, que encara a tempestade com bravura; É astro que norteia a vela errante, cujo valor se ignora lá na altura. Amor não teme o tempo, muito embora, seu alfanje não poupa a mocidade; Amor não se transforma de hora em hora, antes se afirma para a eternidade."

Capítulo 1

Por mais impaciente que estivesse, sabia que não poderia fazer nada para antecipar a minha saída daquele hospital. Meu turno já havia encerrado há mais de uma hora, mas as avenidas continuavam bloqueadas depois da neve que caíra durante todo o dia.

A minha impaciência não se devia, no entanto, à vontade de simplesmente sair do hospital. O problema é que eu tinha prometido a Bianca que lhe visitaria aquela noite e logo ficaria tarde demais para dirigir até Port Angeles e voltar.

Tinha levado um susto ao descobrir que Bianca sofrera um acidente de moto junto com James no dia anterior, o último da minha folga. Os dois estavam voltando de uma curta viagem quando a moto derrapou no gelo na estrada, fazendo os dois caírem e deslizarem alguns metros pelo asfalto. James saíra apenas com algumas escoriações, mas Bianca – que ficara com o pé preso embaixo da moto – não apenas sofrera ferimentos no braço, como também fraturara a perna.

Quando Ana, sua mãe, me ligara desesperada – para se dizer o mínimo –, a minha vontade era ir até o hospital para onde Bianca tinha sido levada e tentar fazer alguma coisa. Mas, depois que conversara com o traumatologista de plantão, fiquei mais tranquilo ao saber que ela estava consciente e seria liberada logo na manhã seguinte. E eu tinha prometido visitá-la assim que encerrasse meu turno, mas as condições climáticas não estavam ajudando.

Tive que esperar mais uma hora além do tempo que já estava ali, até que finalmente recebi o aviso de que a estrada fora sido liberada. Mesmo sabendo que já estava um pouco tarde, peguei o carro e fui direto para Port Angeles, apenas avisando que chegaria em breve.

Me obriguei a dirigir com cuidado, sabendo que as pistas ainda estava escorregadias, e com isso, quando cheguei à Port Angeles, já passava das nove da noite.

Estacionei em frente à casa de dois andares, descendo logo em seguida, vestindo o casaco pesado enquanto andava até a porta. Não levou nem um minuto do instante em que toquei a campainha até Ana vir abrir com o sorriso tão parecido com o da filha.

— Ah, Carlisle, que bom que você chegou. Estava começando a ficar preocupada — Ana cumprimentou, levemente esbaforida, enquanto abria espaço para que eu entrasse e me ajudava a tirar o casaco que mal tinha terminado de vestir.

— Desculpe vir tão tarde, Ana. Levou um tempo até liberarem as pistas depois da neve que caiu em Forks.

— Espero que você não tenha corrido nessa estrada. Depois do que aconteceu com Bianca, fico até com medo de sair enquanto o inverno não acabar.

— Vim devagar, sim. Um acidente já é suficiente por um ano.

— Por uma vida, eu diria — ela reforçou, seu corpo estremecendo um pouco.

— E onde está a paciente?

— No quarto — ela respondeu, depois de pendurar meu casaco no cabide dentro de um armário ao lado da porta. — Você jantou?

— Comi algo no hospital, não se preocupe.

— Ora, mas eu me preocupo. Aquelas comidas de hospital não prestam. Vou preparar algo para você.

— Ana, não precisa. De verdade.

Mas ela já nem me dava atenção, se limitando apenas a me indicar o caminho para chegar até o quarto de Bianca, enquanto se encaminhava para a cozinha. Suspirando, sabendo bem que não adiantava insistir, apenas subi as escadas até a segunda porta do lado direito, onde Ana tinha me mandado ir.

Bati na porta apenas uma vez e Bianca logo me autorizava a entrar.

Abri um sorriso ao vê-la sentada na cama com um travesseiro sob a perna engessada e uma faixa envolvendo seu braço direito. Fiquei feliz em ver que sua aparência estava saudável e que nada mais sério havia acontecido.

— Como está se sentido? — perguntei enquanto fechava a porta.

E foi então que eu congelei ao me dar conta de que Bianca não estava sozinha.

Ali, no canto daquele quarto iluminado apenas pelos dois abajures ao lado da cama, estava a última pessoa que eu imaginava poder encontrar naquela casa. A última que eu queria encontrar em qualquer lugar.

Isabella Swan estava parada em pé ao lado de uma escrivaninha, me encarando como se visse um fantasma, parecendo pálida mesmo na fraca iluminação.

Não sei quanto tempo fiquei ali encarando-a, incapaz de dizer qualquer coisa, enquanto meu coração martelava no peito. Eu estava feliz em vê-la? Não, de jeito nenhum. Ainda assim, de alguma forma, vê-la tão perto depois de mais de um ano, me deixara sem reação. É claro que eu estava surpreso, mas era mais do que isso. E ao mesmo tempo em que eu queria gritar com ela e despejar tudo que estava entalado na minha garganta, parte de mim também queria dar meia volta e ir embora daquela casa, fingir que aquele encontro nunca tinha acontecido. Mas então, lembrando que o que me levara até ali àquela hora nada tinha a ver com aquela garota à minha frente, tudo o que fiz foi respirar fundo e me obrigar a fazer de conta que a única pessoa que havia naquele quarto era aquela que estava sentada na cama.

Desviando totalmente a minha atenção de Bella, me voltei para Bianca, que nos observava com uma expressão nervosa, parecendo não saber o que estava por vir.

— Como você está, Bianca? — repeti, me aproximando da cama e sentei ao seu lado, minha voz soando estranha até mesmo para mim.

Não foi surpresa Bianca demorar a responder aquela pergunta. Ela continuava a olhar de mim para Bella, que agora estava completamente fora do meu campo de visão.

— Bem — ela murmurou antes de pigarrear e voltar a atenção para mim. — Eu estou bem.

— O que aconteceu exatamente? Sua mãe apenas me falou que a moto deslizou na pista.

— Ela deve ter exagerado, sem dúvida. Um carro entrou na nossa frente de repente, e quando James tentou desviar, a moto escorregou no gelo e tombou.

— E a moto deslizou mesmo ou isso foi exagero da sua mãe? — perguntei, me forçando a manter uma conversa, enquanto pegava o braço de Bianca na minha mão para tentar analisar a gravidade do ferimento.

— Bem, deslizou um pouco, mas não tanto quanto ela falou. Acho que foi só uns cinco metros.

— Cinco metros é muito numa moto, Bianca. Você poderia ter se machucado ainda mais.

— Eu sei — ela reconheceu com um suspiro, abaixando o olhar.

— E James está bem mesmo?

— Está sim. Só um pouco arranhado porque o casaco dele rasgou quando ele tentou me segurar. Ele acabou ficando embaixo de mim e sofreu a maior parte do impacto no asfalto. Mas ao menos não quebrou nada. — Com um novo suspiro, Bianca fez uma pequena careta e baixou o olhar. — Minha mãe não para de culpá-lo pelo que aconteceu. Mal deixa ele me visitar.

— Ela só está assustada, Bianca. Daqui a pouco isso passa.

— Duvido. Ela só está querendo uma desculpa para me separar dele. Sempre foi assim e acho que isso nunca vai mudar.

Como se adivinhando que estávamos falando dela, uma leve batida à porta se fez ouvir e Ana apareceu, primeiro colocando apenas a cabeça para dentro do quarto e depois entrou completamente. Para meu desespero, a primeira coisa que ela falou foi o suficiente para me lembrar que eu não estava apenas com Bianca naquele quarto – não que eu tivesse esquecido isso de verdade –, e também me deixou com ainda mais vontade de sair correndo daquela casa.

— Bella, querida, fiz jantar para você também. Por que você não vai jantar com o Dr. Carlisle enquanto eu ajudo Bianca a tomar um banho?

— Ah, eu-

— Não precisa, Ana — me apressei a falar, ficando em pé, não dando tempo de Bella falar algo. — Não vou jantar. Tenho que voltar para Forks antes que fique tarde demais.

— Mas você acabou de chegar, Carlisle. Fez uma viagem de duas horas para não ficar nem quinze minutos?

— E eu acho melhor voltar logo para o hotel — Bella falou, se pronunciando pela primeira vez desde que eu tinha chegado.

— Bella, eu já disse que você pode ficar aqui em casa — Bianca retrucou.

— E você, Carlisle, deveria ficar aqui. Não acho que é prudente dirigir a essa hora até Forks.

O problema de Bianca ter falado com Bella e Ana ter falado comigo ao mesmo tempo, foi que nós dois também respondemos quase juntos.

— Obrigado, Ana, mas não precisa.

— Não precisa, Bi.

E a única pessoa que achou aquela situação engraçada foi Ana, que nada sabia do que tinha acontecido há um ano, e parecia não sentir a tensão que eu achava estar tão evidente naquele quarto.

— Eu não quero dar trabalho — Bella continuou, sua voz soando mais baixa do que o normal. Ou ao menos mais baixa do que eu lembrava.

— Você não dá trabalho nenhum, Bella — Bianca garantiu. — E o senhor, Dr. Cullen, deveria mesmo ficar aqui. Está tarde para dirigir tanto tempo, ainda mais nesse clima que está lá fora.

Voltei a atenção para Bianca sem entender exatamente o motivo daquela sugestão. Ela, mais que ninguém, sabia que não havia a mínima chance de eu ficar naquela casa com Bella ali dentro. Ela tinha acompanhado todo o nosso relacionamento tortuoso e o desfecho de tudo, vendo o meu esforço diário para tentar esquecer Bella e seguir em frente. Mais de uma vez nós tínhamos discutido por conta disso, quando Bianca tentara me fazer perdoar a sua mais nova amiga, insistindo para que eu conversasse com ela quando estivesse mais calmo.

Sua insistência obviamente não adiantou de nada, e ela só parou quando, já não aguentando mais ouvir aquele nome sem me corroer de raiva, gritei com Bianca, proibindo-a de tocar naquele assunto novamente. E ela, que nunca tinha me visto daquela forma, gritando a plenos pulmões, recuara claramente assustada e simplesmente murmurara um "sim, senhor" antes de me dar as costas e se afastar.

Obviamente tinha pedido desculpas pelo meu comportamento exagerado logo em seguida, mas reforcei a minha ordem de não querer mais falar sobre aquilo. Bianca aceitou o meu pedido e nunca mais tinha sequer mencionado o nome de Bella na minha frente.

E agora aqui estava ela pedindo para eu ficar na mesma casa que ficaria a causadora de toda aquela confusão. Por um instante cheguei a pensar que ela estava tentando nos unir novamente como tinha feito logo que Bella fora embora. Mas eu sabia que tudo aquilo não passava de uma coincidência. Bianca não tinha pedido para se machucar. Tudo tinha sido um acidente infeliz. E Bella, sendo sua amiga, obviamente se preocupara e viera lhe visitar. O mesmo tinha acontecido comigo, que tinha prometido vir vê-la assim que soube do acidente.

No entanto, Bianca sabia que eu viria. E obviamente sabia que Bella viria também. Ainda assim, ela não se deu ao trabalho de me avisar sobre aquela visita. Pela expressão de Bella ao me ver, na verdade, sabia que Bianca não avisara a nenhum dos dois.

— Ora, vamos, sem cerimônias. Não precisamos disso aqui — Ana resmungou enquanto começava a me empurrar educadamente para fora do quarto. — Agora vão lá para baixo e comam alguma coisa enquanto eu cuido da minha doente aqui.

Antes que eu pudesse falar alguma coisa, já estava de volta ao corredor do primeiro andar e a porta fechava atrás de mim. Quando lancei um olhar na direção da porta fechada, dei de cara com Bella que também tinha sido expulsa do quarto. Recuar naquele instante foi como agir por instinto ao me encontrar perto demais dela. Assim como lhe dar as costas e me afastar em direção às escadas era a única coisa a ser feita.

— Carlisle, espera — Bella chamou quando eu já estava no andar de baixo, andando apressado até a porta, pronto para pegar meu casaco dentro do armário e ir embora. Depois ligaria para Ana e pediria desculpas por sair sem me despedir.

Mas ouvir Bella falando comigo pela primeira vez desde que tinha entrado naquela casa me fez parar, não porque ela tinha pedido para eu esperar, mas porque eu fiquei surpreso por ela dirigir a palavra à mim, e igualmente curioso com o que ela poderia querer falar a seguir. Então eu parei, mas não me voltei, continuando ao lado da porta do armário, apenas esperando que ela continuasse.

— Fica — Bella falou por fim, terminando de descer as escadas e parou a uma distância razoável.

Sem me conter, me voltei na sua direção, encarando-a com a expressão mais neutra que consegui.

— Com você aqui dentro? Não, obrigado. — E então simplesmente voltei ao que estava fazendo, pegando meu casaco dentro do armário.

Percebi pela visão periférica que ela se encolheu de leve com as minhas palavras, mas não recuou na sua decisão.

— Você precisa comer alguma coisa. Além do mais, eu não vou ficar — ela se apressou a falar, embora num tom mais fraco agora. — Está mesmo tarde e eu preciso voltar para o hotel.

Parei no meio do movimento de vestir o casaco e a observei enquanto ela se aproximava, mas apenas para passar direto por mim e abrir a porta, saindo em seguida.

Continuei ainda um tempo ali tentando acalmar a minha mente enquanto era assaltado por recordações vívidas dos poucos dias que tinha passado ao lado daquela mulher... Daquela garota. Bella estava com dezessete anos agora, mas isso ainda não fazia dela uma mulher. Ela não tinha mudado muito nesse último ano, na verdade. Talvez seu cabelo estivesse um pouco mais comprido e sua pele um pouco mais pálida, mas de resto era a mesma Bella que tinha na minha mente. A mesma que tinha encontrado chorando na sala da minha casa depois que meu filho a deixara sozinha para ir encontrar a ex-namorada. A mesma Bella que tinha me provocado com suas roupas de menina, seus poemas eróticos, seu comportamento sensual, que agora eu sabia não passar de uma estratégia para se vingar de Edward.

Ainda lembrava, como se tivesse acontecido ontem, do dia em que descobrira essa mentira e vira nos seus olhos a culpa que Bella sentia por ter me magoado. Mas isso não mudava o que ela tinha feito. Não mudava o fato de que ela tinha mentido para mim desde o primeiro instante.

É claro que eu estaria sendo hipócrita se dissesse que não tinha aproveitado cada instante ao seu lado. Mas o que ela tinha feito, abafara todas as boas lembranças.

Se a traição de Esme tinha me deixado abatido, a mentira de Bella tinha me tornado quase descrente quanto ao amor.

Sem me dar conta, tinha ido até a pequena sala de jantar e agora estava sentado à mesa encarando o prato sem realmente ver o que havia nele. Desistindo de tentar comer alguma coisa, porque a fome simplesmente parecia se recusar a vir, apenas levantei da mesa e andei calmamente até a sala, olhando para o relógio de pulso, constatando que estava ficando mesmo tarde para voltar para casa. Se estivesse chovendo muito ou nevando, seria loucura voltar para Forks.

E foi quando eu olhei através da janela para a rua escura lá fora, para ver como estava o clima, que tive a segunda surpresa da noite. A segunda surpresa envolvendo a mesma pessoa.

Bella estava sentada na calçada perto do meu carro, seus braços envolvendo suas pernas, enquanto seu corpo tremia de forma visível por conta do frio.