Desperation

"Mais um."

Embora ouvisse tanto essa frase em seu cotidiano que tinha facilmente se acostumado com a mesma, ela estava prestes a tornar-se o motivo para o seu descontrole. O seu emprego como barman em uma badalada boate de Londres não deixava de lhe render bons frutos e, embora houvesse os seus malefícios, não fora tão difícil acostumar-se com a rotina. O ambiente lhe era agradável e ele sequer importava-se que o trabalho não era o que sua família sempre sonhara para si – sempre imaginou que poderia arrumar algo melhor no futuro. No entanto, via todos seus sonhos irem água à baixo quando seus olhos desviavam-se para o homem sentado à sua frente e entregava para o mesmo mais um copo de Absinto.

Maldito Absinto.

Como não poderia deixar de ser, era também acostumado a ver bêbados. Em uma quantidade assustadora. Por vezes os mesmos até lhe divertiam com as suas histórias incoerentes e com o que, após vários copos de bebida, revelavam ser o motivo para desejarem beber tanto. O vício, a carência, a raiva e tantos outros se misturavam na mente dele, que tanto já vira e ouvira ali – embora nunca houvesse deixado de ser divertido.

Até aquele instante.

O rapaz parado à sua frente não deveria ter mais que vinte e cinco anos de idade e aparentava não ter quase nenhuma experiência com bebidas, embora, julgando a que escolhera – e justo a mais forte entre todas as outras – não era a toa que se mostrasse inexperiente daquela forma. Era necessário grande tolerância a álcool para suportar bebidas como Absinto, embora brigar com o aparentemente noivo também fosse um ótimo motivo para desenvolver essa tolerância.

"Eu... Eu não sei..." uma pequena pausa para um soluço. "Não... Não sei por que ele não está me ligando... Quando... Quando eu voltar para... Quando eu voltar..."

O barman suspirou.

"Quando você voltar para casa?" tentou completar a frase do loiro enquanto olhava ao redor para verificar se não havia ninguém mais ali por perto.

Ninguém além do rapaz à sua frente parecia tão interessado em beber, fazendo-o chegar à terrível conclusão de que ele estava pagando por todos seus pecados naquele instante.

Mais um soluço.

"Sim..." o outro disse debilmente, como se contemplasse alguma possibilidade. "Mas... Mas... Pottah não quer... Não quer falar comigo por agora... Ele disse que... Ele disse que não..."

O barman não fazia a mínima noção de quem era Pottah – ou, como o próprio loiro havia dito outras vezes, 'Arry –, mas compadeceu-se dele no instante em que viu o outro desmanchar-se em lágrimas à sua frente e resmungar frases desconexas entre os seus soluços. Ao que parecia, os dois haviam tido uma feia discussão a respeito da demora de Pottah para voltar do trabalho. No entanto, a sua tristeza pareceu não durar muito tempo e ele continuou a observar enquanto o loiro tentava, em vão, enxugar as suas lágrimas nas mangas da jaquetas e ria.

Ria.

"Você sabe que... Você sabe que ele é muito... Muito engraçado quando está brigando... Ele é..." o loiro ria de maneira incontrolável à sua frente e não existia nada a ser feito. "O 'Arry é... Ele é muito engraçado e... Ele só... Só estava... Trabalhando demais e... E ele está chegando tarde demais em casa e nós... Nós acabamos brigando... Brigando! E veja... Veja só. Ele não... Não está aqui quando deveria estar... Estar implorando por meu perdão... Mas eu cuidarei disso agora..."

E ele havia voltado a chorar.

O barman iniciou uma tentativa desesperada de atrair clientes para o balcão, na esperança de que os outros não se demonstrassem tão insuportáveis quando bêbados quanto este. Porém, ninguém naquele lugar parecia disposto a beber como o loiro que se desmanchava em risadas e lágrimas e derrubava o que restava do Absinto em suas roupas novamente. Considerava a possibilidade de ligar para o noivo do outro quando o ouviu gritar:

"SE VOCÊ NÃO APARECER AQUI AGORA, O NOSSO RELACIONAMENTO IRÁ TERMINAR..." ele gritou frente a frente para o aparelho, como se o mesmo pudesse ouvi-lo. "NÃO ME INTERESSA QUE VOCÊ NÃO POSSA SIMPLESMENTE APARECER AGORA PORQUE ESTÁ NO OUTRO LADO DA CIDADE! DÊ UM JEITO OU... OU... OU EU... O QUÊ? VOCÊ ESTÁ COM QUEM?" calou-se ao escutar algo que o outro aparentemente disse. "'ARRY POTTAH, ESTÁ... ESTÁ TUDO ACABADO ENTRE NÓS! NÃO APAREÇA MAIS!"

A ligação foi desligada no instante em que o celular do loiro colidiu com a parede mais próxima do mesmo e ele virou-se mais uma vez para o barman.

"Mais... Mais..." antes que fosse capaz de completar a frase, no entanto, desmaiou em cima do balcão e de seu próprio braço.

O barman passou incontáveis minutos buscando uma solução para o desmaio do loiro, mas optou por deixá-lo descansar. Uma hora ele teria de acordar e, quando o fizesse, esperava estar à milhas de distância do lugar. Porém, quando tomou a decisão e virou-se para outro cliente que finalmente havia aparecido, observou um rapaz de cabelos bagunçados e óculos dirigir-se também ao balcão; uma expressão de desespero em seu rosto.

"Onde está ele?" indagou quase incoerentemente para o barman, que, entendo a pergunta, prontamente apontou com o queixo para o loiro desfalecido à sua frente. "Obrigado," disse, enquanto erguia-o pelos ombros e o levava para fora da boate.

O barman suspirou em alívio.


N/A: Para o projeto, como vocês já devem ter notado, com a bebida Absinto.