Quando Kagome leu a carta de sua irmã de criação, pedindo que voltasse para casa, sabia que não poderia mais fugir do passado nem das lembranças daquele cruel amanhecer, dois anos atrás. Até esse dia, tinha esperanças. Quantas vezes sonhou acordar nos braços de Sesshomaru... Mas o que teve de enfrentar foi um pesadelo! Lá fora o céu clareava. No quarto, porém, só havia Sesshomaru e a escuridão, uma terrível escuridão que a envolvia e arrastava para as profundezas do inferno. Sesshomaru a violentara, não só fisicamente. Tinha destruído todos seus ideais amorosos, apagando o fogo da paixão que existia dentro dela e tornando-a uma mulher incapaz de amar...

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Oi gente, estou passando pra postar mais uma história, desta vez com o casal Sesshy e Kagome. Especialmente para um leitor meu, que adora o casal:essa é pra você Louis!

CAPITULO I

Kagome sentia-se tão cansada, os ossos doendo, que enfiar a chave e abrir a porta era um grande esforço. O vôo havia sido longo e turbulento, a aterrissagem atrasada por causa do mau tempo. Uma das garotas mais jovens estava muito nervosa enquanto o avião sobrevoava o aeroporto tentando pousar, e foi Kagome quem sentou-se ao lado dela, tentando acalmá-la.

Fechou a porta atrás de si, contente por estar em casa de novo. Encontrou tudo impecavelmente limpo e arrumado; a sra. Hargreaves sabia como tomar conta das coisas, mas o ar dentro do apartamento estava estagnado. Kagome abriu a janela, deixando entrar o vento frio de janeiro.

Tremia um pouco, lembrando-se com saudade do forte sol do Caribe que tinha acabado de deixar. Mas o ar frio do inverno londrino sem dúvida era revigorante.

Havia uma pilha de cartas sobre a pequena mesa de jantar, ao lado da janela. A correspondência poderia esperar, ela decidiu enquanto tirava os sapatos. No momento tudo o que queria era um banho, depois das várias horas no avião. Mas sentia-se tão esgotada que ia primeiro dormir.

Foi para o quarto, já desabotoando a roupa. A cama estava pronta, e o lençol dobrado tinha um ar convidativo. A sra. Hargreaves havia deixado uma linda camisola sobre a cadeira, mas Kagome nem se importou com ela. Tirou a maquilagem, seguindo uma rotina que não deixava de lado. por mais cansada que estivesse, e se jogou na cama, nua, adormecendo imediatamente.

O barulho da rua e do aspirador no apartamento de cima não a perturbaram e Kagome dormiu profundamente por muitas horas. Quando acordou, percebeu que tinha dormido muito mais tempo do que estava habituada.

Devo estar ficando velha, pensou. De fato, sentira-se velha na via¬gem. Todas as outras modelos não haviam ainda chegado aos vinte anos. Ela era a única que tinha vinte e um.

— Já tem muitos cabelos brancos? — Miroku brincava com ela.

— Veja se não vai reclamar da sua idade com a Sango. Ela é dois anos mais velha que você!

Sango nunca tinha sido e nem seria um modelo fotográfico. Era uma estudante de arte bastante bonita e simpática e o casamento com Miroku e o filho que tiveram em seguida não a mudou muito. Mas não seria com o rosto e com corpo que ela faria fortuna, com certeza. Aliás, minha beleza e meu corpo também não serão suficientes para me transformar numa milionária. Kagome pensava enquanto se levantava, mas me bastam para que possa ganhar meu próprio sustento.

Fitou-se de alto a baixo no grande espelho do banheiro, num gesto muito mais de preocupação profissional do que propriamente narcisista. Havia estado no Caribe junto com outras modelos, fazendo as fotos de lançamento de uma nova linha de roupas de praia para uma revista elegante. Não havia, porém, com o que se preocupar, pois se tivesse ganhado ou perdido alguns quilos, coisa que a afetaria na sua profissão, Miroku certamente teria dado o alarme. Eles se conheciam desde que Kagome viera para Londres, há dois anos. E tinha sido Miroku quem a ensinara tudo o que ela precisava saber para enfrentar uma câmera.

Na verdade, Kagome jamais tinha pensado seriamente em tornar-se modelo fotográfico, e foi Miroku quem, pela primeira vez, sugeriu isso. Ela ainda era uma estudante quando Dinah, sua melhor amiga, recebeu a visita de Miroku. Foram os três almoçar juntos, certo dia, e então Kagome ficou sabendo que ele era um nome famoso nos meios de fotografia para moda e revistas.

Foi graças a Miroku que ela recebeu o primeiro grande salário como modelo fotográfico. Tinha sido a Garota Âmbar, protagonista do lançamento de uma nova e fina linha de cosméticos. Seus cabelos eram longos e de um castanho-dourado. Os olhos esverdeados mudavam de cor tornando-se cor de mel ou verdes de acordo com a roupa que usasse.

Kagome era linda e foi escolhida imediatamente como modelo principal da grande campanha publicitária. Para ela, era uma experiência inédita e curiosa. Fizeram-lhe roupas especiais, algumas sóbrias, outras provocantes. Seu rosto foí estampado nas mais conhecidas revistas de moda, os olhos entreabertos, a boca levemente curvada, o que dava um efeito ao mesmo tempo sensual e inocente. A conceituada loja francesa que patrocinava o lançamento de fato havia feito uma ótima escolha, e as vendas logo aumentaram.

Mais uma vez Miroku a ajudou, aconselhando-a a não tomar parte na continuação da campanha, ainda que lhe pagassem muito bem para isso.

— Vai ficar marcada, se o fizer. Todo mundo vai associá-la com

a campanha e você será sempre a Garota Âmbar. É muito bom du¬rante certo tempo, mas e quando você se cansar deles? Ou, pior, eles se cansarem de você?

Kagome aceitou o conselho dele, sem nunca se arrepender disso. De fato, surgiram diversas outras oportunidades de trabalho. Era com Miroku no entanto, que preferia trabalhar. Ele havia sido o primeiro a reconhecer seu potencial, e Kagome seria sempre grata por isso. Achava que tinha tido muita sorte. Pelas histórias que ouvira de outras garotas, os perigos de uma profissão como a sua eram inúmeros.

Achar aquele apartamento também tinha sido um golpe de sorte, pensava enquanto entrava embaixo da gostosa ducha do chuveiro. Kagome morava junto com Dinah, que no momento excursionava com uma peça humorística, na qual trabalhava como atriz. Elas não chegavam a ter problemas financeiros, embora também não pudessem fazer mui¬tas extravagâncias.

Estava com fome e, ao sair do chuveiro, decidiu que faria uma refeição leve. Poderia ler as cartas enquanto comia e secava os cabelos. A maior parte da correspondência era contas a pagar, anúncios, extratos de banco, mas às vezes podia ser que alguma amiga tivesse escrito.

Depois de se enxugar, enrolou uma grande toalha nos cabelos e vestiu um roupão. Não estava muito elegante com esse traje mas naquela noite, Kagome pretendia somente ler um pouco, junto à lareira, e ouvir música. Foi para a cozinha e começou a preparar uma salada e um bife grelhado.

Nunca foi de comer muito, O que deixou seu pai adotivo alarmado quando ela se mudou para Stoniscliffe.

— Come menos que um passarinho! — ele reclamava nas refeições. Mas ela era assim e dava graças aos céus por nunca ter precisado fazer regimes.

Quando terminou de comer, sentou-se confortavelmente no sofá, com uma xícara de café, e começou a abrir as cartas. Como tinha previsto a maior parte era correspondência de bancos, avisos e anún¬cios. Havia também uma carta de Kikyo.

Kagome fitou o pequeno envelope branco, reconhecendo a caligrafia daquela que passara a ser sua irmã depois que sua mãe casou com o pai dela. O instinto lhe dizia que se Kikyo estava escrevendo era porque devia estar passando por alguma crise muito séria, a qual Kagome preferia não tomar conhecimento. No passado, esse tipo de coisa sempre a havia prejudicado, e ela sentiu vontade de rasgar a carta antes de saber seu conteúdo

Mas podia ser algo a respeito de Myuga, pensou, sentindo um certo pânico. Ele não tinha passado muito bem nos últimos tempos e ela nunca mais tivera notícias dele. A última coisa que havia recebido de Stoniscliffe foi um formal cartão de Natal, que não era absolutamente pródigo em notícias.

Kagome fitava o envelope sem abri-lo, com uma vontade enorme de ignorá-lo. Não devia nada a Kikyo. Na realidade, o inverso era muito mais verdadeiro.

Com Myuga, porém, era diferente. Seu pai adotivo sempre a tinha tratado com muito amor e consideração e era muito fácil para Kagome retribuir tal afeto. Não por causa do dinheiro que ele fazia questão de continuar depositando mensalmente em sua conta, já que ela podia devolver-lhe tudo a hora que quisesse, pois nunca tocara num tostão sequer. Quando partiu de Stoniscliffe, prometeu a si mesma que nunca mais aceitaria dinheiro dos Riderwood. Queria ser independente de todos eles, em especial. . .

Tentou parar de pensar naquelas coisas. As lembranças de Stoniscliffe eram agora um território proibido. Tinha decidido jamais voltar àquele lugar, apesar de saber que não podia perder completamente o contato com Myuga. Ele ficara muito triste quando ela foi embora e, infelizmente, Kagome nunca tinha podido confar-lhe o verdadeiro motivo de sua partida.

Devagar e a contragosto, abriu o pequeno envelope branco e retirou uma página de papel de carta dobrada. A caligrafia de Kikyo era redonda e graciosa.

Querida Kagome,

Adivinhe só! Vou me casar! O espanto por aqui é geral, mas decidi resolver tudo de uma vez! O noivo é Tony Brainbridge, naturalmente, e papai está muito satisfeito. O casamento será no mês que vem e gostaria que você fosse minha madrinha. Por favor, você não deixará de aceitar, não é, Kagome? Os preparativos já estão me deixando louca e a sra. Brainbridge, mãe de Tony, não é fácil de suportar sozinha! Por favor, Kagome, volte para casa por uns dias! Tenho certeza de que pode tirar umas férias do trabalho. Aguardo sua resposta breve. Com amor, Kikyo.

No pé da página, como observação, vinha escrito: "Sesshomaru será o padrinho".

Kagome permaneceu imóvel, fitando a página escrita. Num acesso de descontrole, amassou o papel e jogou-o longe.

— Não! — disse em voz alta. — Por Deus, não!

Sentia um frio intenso, subitamente. Enrolou-se mais no roupão e colocou o aquecedor a gás no máximo, como se aquele arrepio que a tinha percorrido de repente fosse puramente físico.

Então, Kikyo ia casar com o rapaz que Myuga sempre esperou que se tornasse o marido dela. Não era fácil acreditar nisso. Já faziam dois anos que não se viam e Kikyo devia ter amadurecido bastante nesse tempo. Lembrando-se da Kikyo que havia conhecido, jovem, com uma vontade própria tão grande, parecia inacreditável que fosse finalmente casar com Tony Brainbridge.

Tentou lembrar-se dele. Podia-se dizer que tinham crescido juntos, pois seu pai era o dono da fazenda vizinha. Mas nunca chegara a causar uma impressão muito forte em Kagome. Era bonito, agradável e rico. Um ótimo partido para a maioria das garotas. Serviria também para a voluntariosa Kikyo, ela própria filha de um rico industrial?

Bem, o amor às vezes faz ligações estranhas. Kagome pensava, reclinada no sofá. Era certo que a jovem, linda e vibrante Kikyo só se casaria por amor e não porque tal casamento sempre foi visto por ambas as famílias como uma união ideal. Não, Kikyo não se renderia a tais imposições familiares. Kagome, porém, não estava plenamente convencida disso.

Releu a carta, tentando ignorar a observação que vinha ao pé da folha. Era o estilo de Kikyo, cheio de pontos de exclamação e tudo o mais, mas. . . era possível dizer que aquela era a carta de uma noiva radiante, prestes a casar?

Kagome fechou os olhos. Sempre tinha protegido. Kikyo desde que se mudara para Stoniscliffe, aos dez anos de idade. Na primeira noite, ainda surpresa pela rapidez como tudo havia acontecido, e lutando contra a falta de familiaridade de uma cama estranha, um quarto estranho, foi com espanto que viu a porta se abrir de repente e surgir a pequenina figura de Kikyo.

— A sra. Arkwright diz que já sou bem grande para ter medo de escuro. Mas estou apavorada! Posso deitar com você? Oh, por favor. Kagome, deixe-me ficar aqui!

Foi uma noite desconfortável, sem dúvida. Não era cama para duas pessoas. . . No dia seguinte, Myuga soltou uma estrondosa gargalhada ao deparar com as duas meninas dormindo juntas e, ignorando a desaprovação da sra. Arkwright, ordenou que a cama de Kikyo fosse trazida para o quarto de Kagome.

— Não lhe falei? — perguntava, dirigindo-se à mãe de Kagome. — Não disse que seriam como duas irmãs?

Kaira Riderwood havia concordado com a cabeça, sabendo que ter de dividir um quarto com outra pessoa era mais uma das mudanças a que Kagome teria que se adaptar na nova vida.

Antes disso, Kaira já era viúva há cinco anos quando inesperadamente ganhou aquele cartão de loteria. O dinheiro não podia ter vindo em melhor hora. Não tinha nenhuma profissão definida e, portanto, era obrigada a aceitar qualquer trabalho que pudesse arrumar, e ainda agradecer. Tinha que dar graças a Deus também pelo fato de

que dispunham de um teto para abrigá-las, a ela e à pequena Kagome, ainda que fosse a casa da cunhada e de seu irmão.

Clive e Enid Farrell faziam questão de dizer que não foram obrigados a isso, que abrigavam Kaira e a filha porque gostavam delas. E ninguém mais sabia que Kaira pagava um aluguel generoso, pois não gostava de viver de favores.

Mais o dinheiro nunca era o bastante. Kagome ainda se lembrava de tia Enid reclamando da inflação e do preço das coisas: "Não esqueça de apagar a luz, Kagome... Temos que pagar pela água quente que usamos no banho, minha querida..."

E, a cada dia que passava, Kaira parecia mais triste e cansada. Como o serviço de caixa no banco não lhe rendia o bastante, era obrigada a completar seu salário trabalhando num restaurante, servindo as mesas, e raramente chegava em casa antes da meia-noite. Como fosse uma mulher bastante frágil, depois de algum tempo começou a sentir-se mal, até que um dia teve um desmaio e foi trazida inconsciente para casa. Imediatamente a levaram ao dr. Chalmers.

— Você precisa de um descanso, minha querida. Um bom descanso, longe de tudo. Até mesmo de sua filha. Tenho certeza de que ela poderá ficar sem você por alguns dias. E, de qualquer maneira, é certo que prefere ficar sem você por algum tempo do que perdê-la para sempre!

já não havia muito dinheiro, ainda mais agora que Kaira era obrigada a deixar o emprego noturno. Foi quando veio o prémio da loteria. que não era grande mas suficiente para comprar algumas roupas novas para ela e para Kagome e para fazer um pequeno cruzeiro pelo Mediterrâneo, sugerido pelo dr, Chalmers. E ainda sobrava um pouquinho para um dia em que as coisas estivessem muito ruins.

Mas nem todos estavam tão preocupados com a saúde de Kaira e ela sofreu todo tipo de pressão, por causa da viagem. A casa em que moravam precisava de alguns reparos e esperavam que ela con¬tribuísse para os consertos, como se a casa também fosse dela. Muito se falou, pelos cantos, de ingratidão, egoísmo.

Desta vez, porém, Kaira não deixaria que os outros fossem mais importantes que ela própria, já havia comprado a passagem, pago com o próprio dinheiro, e não desistiria do tão merecido descanso. Mas quando voltou as coisas estavam mudadas, e nunca mais voltaram a ser como antes.

Até que um dia foram visitados por Myuga Riderwood. Alto, forte, um rosto sóbrio sobretudo pela distinção que uma mecha de cabelos brancos lhe dava. Sorriu para Kagome.

— Olá, pequenina! — Sua voz tinha um ligeiro sotaque do norte. — Também tenho uma menina, dois anos mais nova que você!

Kagome retribuiu-lhe o sorriso, meio incerta. Mas tinha reconhecido a amabilidade daquele homem e sabia que ele desejava que ela gostasse dele, apesar de não entender por quê.

— Ora, vejam só! — dizia Enid Farrell. zangada depois que o sr. Riderwood já tinha partido. — Agora estamos assim? Quer dizer que seus admiradores podem vir aqui quando bem entenderem? E os vizinhos, o que vão pensar?

— Antes que diga qualquer outra coisa, Enid. — Kaira tinha a voz calma. — Acho que seria melhor saber que Myuga e eu pretendemos casar,

— Casar? Um homem que conheceu num cruzeiro? Você não sabe nada sobre ele! Talvez até já seja casado.

— Já sei o bastante. — Sua face se iluminava com um sorriso.

— Ele é viúvo. Sua mulher morreu há muitos anos e ele tem dois filhos, um rapaz de vinte e quatro anos e uma garota de oito. Trabalha no ramo da eletrônica e mora em Yorkshire. Há mais alguma coisa que quer saber?

— Por que o filho é tão mais velho que a menina? — Enid perguntava acusadoramente.

— Não sei. Acho que por nenhum motivo especial, isso não é raro de acontecer.

E a desaprovação da cunhada persistiu até o dia do casamento. Além de Kagome, Enid e o marido eram os únicos convidados da parte de Jennifer. Mas, havia muitos conhecidos e amigos de Myuga Riderwood, e após a cerimónia todos se dirigiram à recepção, que teria lugar num hotel.

Alguém os estava esperando no hotel, um rapaz alto e moreno, que se levantou quando chegaram, um ar pensativo. Myuga dirigiu-se a ele com prazer e satisfação.

— Sesshomaru, você conseguiu vir, afinal de contas. — Virou-se para Kaira. — Venha conhecer meu filho. Ele estava nos Estados Unidos, num curso de pós-graduação, e estou feliz que possam se conhecer hoje.

— Parece que não posso mesmo virar as costas, não é, papai?

— Sesshomaru brincou enquanto apertava a mão de Kaira. Todos em volta riram muito, mas Kagome recuou, hesitante. Sabia instintivamente que aquele rapaz, que daquele dia em diante seria seu irmão de criação, filho do marido de sua mãe, não estava satisfeito com o casamento. Ele sorria, mas o sorriso nunca chegava até os olhos. E quando Myuga apresentou-lhe Kagome, o olhar de indiferença beirava a hostilidade.

Não gosto dele, ela pensou, e ele também não gosta de nós.

— Ele é muito parecido com você! — Kaira dizia, e Kagome desejava poder gritar que não, que não eram absolutamente parecidos e que sua mãe devia saber disso.

Kagome não via a hora de conhecer Stoniscliffe. a grande casa de paredes de pedra sobre a qual seu padrasto havia falado. Queria conhecer Kikyo também, sua nova irmã.

— Kikyo é muito sozinha, não tem com quem brincar — Myuga tinha lhe dito. — E posso jurar que você também se senti solitária, não é?

Mas toda a excitação, todas as fantasias, tudo agora parecia ter perdido o sentido diante da presença daquele rapaz, estranho e hostil. Kagome já não tinha certeza se queria ir para Stoniscliffe, agora que sabia que ele estaria lá.

Tentou esquecer Sesshomaru e aproveitar a festa. Todos falavam que era uma menina muito bonita e elogiavam seus longos cabelos. Myuga chegou a permitir-lhe que experimentasse o champanhe, apesar dos protestos de Kaira.

Kagome estava começando a sentir-se a vontade e se divertir quando tia Enid se aproximou, aproveitando um momento em que ela e Kaira estavam sozinhas, próximas a um canto do grande salão.

— É claro que você arranjou o melhor para si mesma! — disse, o olhar frio e duro. Enid fitava Kaira direiamente nos olhos. — Trabalha com eletrônica. não é, Kaira? Só que você esqueceu de dizer que ele è o dono da indústria! Suponho que agora você vai partir para o Norte sem olhar para trás, esquecendo-se daqueles que lhe deram casa e comida quando não tinha nada, não é?

— Enid, por favor, fale baixo. — Kaira agora estava pálida, toda a alegria havia fugido de seu rosto. — Talvez não acredite em mím, Enid. mas foi só hoje que fiquei sabendo disso também! Sim, eu sabia que Myuga tinha uma vida confortável, mas tudo isso. . . — Olhou o salão ricamente decorado. — Tudo isso foi um choque tão grande para mim quanto para você!

— Sim, naturalmente. Sempre soubemos que não éramos o que você desejava. Uma moça tão linda, jovem, cheia de graça... não servia para ter que trabalhar muito, não é? De qualquer maneira, de agora em diante, não precisará mais se preocupar com isso!

Kagome estremeceu. Sentia o veneno nas palavras da tia. Não era a implicância habitual que ela e a mãe haviam se acostumado a aceitar, notou outra coisa também: Sesshomaru Riderwood estava perto delas e, a julgar pela expressão de seu rosto, tinha ouvido o que Enid dissera.

Gostaria que ele não tivesse ouvido, ela pensou ressentida. Ele já não gosta de nós e agora vai pensar que somos tão horríveis quanto ela.

Enid porém, se afastou assim que Myuga se aproximou. Pouco mais tarde. Kagome viu com alívio a tia partindo, junto com o tio Clive. De repente, tinha uma vontade enorme de partir para Stoniscliffe, na esperança de que nunca mais os visse novamente.

Mas a festa continuava e Kagome já estava ficando cansada de tantos rostos e vozes novas. Então, descobriu uma sala. na qual havia um grande sofá de frente para a janela e de costas para o resto do apo¬sento. Deitou-se. embalada pelo distante ruído dos carros lá embaixo e pelo murmúrio de vozes e risadas. Alguma coisa a fez acordar, e ela abriu os olhos de repente, sentindo que não estava mais sozinha na sala. Uma voz de homem dizia:

— Foi uma surpresa para todos nós! Ele também não contou para você?

— Não me falou nada até que já fosse tarde demais para que se pudesse fazer alguma coisa! — Era a voz de Sesshomaru Riderwood, que agora tinha um tom irado. — Meu Deus, é pura loucura! Tira umas férias e acaba voltando com uma datilógrafa interesseira e sua filha! É claro que ninguém esperava que vivesse como um monge, mas esse casamento não era necessário!

Escondida pelas costas altas do sofá, uma grande tristeza apossou-se de Kagome. Não entendia direito tudo o que ouvira, mas sentia a frieza daquelas palavras: uma datilógrafa interesseira e sua filha! Tinha vontade de dar um pulo, correr até Sesshomaru Riderwood e acertá-lo com tapas e pontapés. Sabia que não poderia fazer isso, pois as pessoas lhe perguntariam por que estava fazendo aquilo, e ela seria obrigada a contar o que tinha ouvido. E tudo isso só traria tristeza para sua mãe. Tia Enid já havia sido muito ruim com ela naquele día, para lhe dar mais um dissabor. Kagome não queria estragar a felicidade que a mãe sentia naquele dia tão especial.

Esta era sua nova família, da qual Sesshomaru era membro importante. E ele não gostava delas, não as desejava. Kagome afundou o rosto nas almofadas e, tampou os ouvidos com as mãos. Não queria escutar mais nada!

Mais tarde, Myuga e Kaira a encontraram, ainda quieta, no sofá. Dali seguiram para Stoniscliffe, atrasando um pouco a lua-de-mel. Myuga queria mostrar pessoalmente a casa para Kaira e deixar Kagome lá.

Kagome estava triste e meio pálida. Eles achavam que era devido ao cansaço, por causa da festa, e ela preferiu não dizer nada. Mas sentiu-se feliz ao ouvir Myuga comentar que Sesshomaru não iria para Stoniscliffe. pois estava voltando para a América.

Talvez ele fique por lá, pensava Kagome, uma esperança de menina. Talvez ele nunca mais volte.

E a menina, agora já mulher, lembrava sorrindo daquela esperança infantil, tão ingênua. É claro que ele voltou e, aos poucos, as coisas foram mudando e se tornando mais fáceis, apesar de Kagome saber, desde o começo, que nunca seria capaz de gostar dele, ou mesmo confiar plenamente naquele homem. Estava sempre em guarda quando Sesshomaru estava por perto.

E ele também se esforçou. Nunca magoou Kaira a ponto de dizer-lhe seus reais sentimentos a respeito do segundo casamento do pai. Mas também, Kagome pensou, Sesshomaru nunca teve motivos para isso, Myuga e Kaira sempre foram muito felizes Sesshomaru sempre a tratou muito educadamente, ainda que talvez um pouco distante. Quanto a Kagome, não parecia fazer muita conta de sua existência, mas também, ela concluía agora, ele tratava Kikyo da mesma forma. E, mesmo assim, a menina tinha uma forte tendência para idolatrá-lo.

O amor fraterno nunca foi o forte de Sesshomaru, Kagome pensou, enquanto passava a língua nos lábios secos. Ele tinha namoradas, claro. Muitas. Algumas delas até vinham passar uns dias em Stoniscliffe, sob o olhar indulgente de Myuga. Mas nunca se tratava de nada muito sério, apesar de serem garotas lindas e elegantes, muito seguras de si, todas ótimas esposas para um homem que herdaria uma grande indústria e precisaria de uma anfitriã suave e prática em sua vida particular.

Kikyo e Kagome passavam horas falando daquelas garotas. Comentavam de suas roupas, suas maneiras, seus gestos. Mais tarde, avaliavam seus atributos físicos, com ávida curiosidade adolescente. Aliás, era Kikyo quem comentava e parecia mais interessada em tais assuntos. Kagome não se preocupava com as parceiras que Sesshomaru arrumava, apesar de não ter dúvida de que ele deveria ser tão experiente como amante como era em outras coisas.

Era o rapaz de ouro do lugar, moço ainda e já diretor dos negócios dos Riderwood, que cada vez mais se expandiam sob sua direção. Uma pessoa forte, decidida, inteligente.

E dura também. Kagome pensava, reclinando no sofá. Talvez por isso nunca tinha conseguido vê-lo como modelo de herói, como fazia Kikyo. Para Kagome, não havia como conceber um herói que não possuísse sua vida de, sensibilidade e calor.

Mesmo quando Kaira morreu de repente, enquanto estava dormindo, ele não pareceu comovido. Kagome já tinha dezesseis anos, e quando Sesshomaru, que voltara rapidamente de uma viagem, foi dar-lhe os pêsames, parecia longe, distante, como se estivesse pensando em outra coisa. Não venha dizer que está sentido, você nunca a quis aqui! Nem a ela nem a mim!, era o que desejaria ter gritado. Toda a revolta, toda a tristeza que ele havia lhe causado desde o primeiro momento que se viram pareciam agora querer explodir dentro de Kagome. Mas ela apenas murmurou alguma coisa, quietamente, e partiu.

Kagome afundou nas grandes almofadas do sofá, com uma sensação de frio interior, algo que acontecia sempre que começava a pensar naquelas coisas. já fazia dois anos que tinha se mudado para Londres e durante esse tempo conseguira desenvolver sua autocensura de modo a manter tais pensamentos afastados da cabeça. E certamente não estaria pensando nisso agora, não fosse a carta de Kikyo.

Teria que escrever para ela, inventando alguma desculpa. Sim, pois de maneira nenhuma pretendia voltar para Stoniscliffe enquanto Sesshomaru estivesse por lá. E, agora, ele estava sempre lá. Era doloroso não ver Myuga, deixar de rever a grande casa de pedras cinzentas, mas era necessário. Kagome nunca mais desejava encontrar Sesshomaru Riderwood.

O súbito ruído da campainha da porta a fez dar um pulo, assustada, pois não esperava ninguém. Bem, muitas pessoas deviam saber que ela já tinha voltado do Caribe, e talvez alguém passasse para uma visita. Seu primeiro impulso foi não atender à porta, principalmente porque estava apenas com um roupão e com uma toalha na cabeça. Mas a luz estava acesa e, quem quer que estivesse lá fora, já o teria notado. A campainha tocou de novo.

— Ok, já vou indo!

Sorria ao abrir a porta, pensando que era bem provável que fosse Kouga a visitá-la. Ele tinha ficado muito triste quando Kagome partiu. Ela sentia grande afeto por ele ainda que estivesse longe de apaixonar-se.

— Você me pegou num péssimo momento!... — começou a dizer. Mas parou subitamente, as palavras morrendo em sua garganta, quando viu quem é que estava à sua frente.

— Olá, Kagome! — disse Sesshomaru Riderwood.