Título: A Mala

Autoria: FireKai

Número Total de Capítulos: 5

Sumário: Quando a família Capuchinho se depara com uma mala com dinheiro à porta de casa, a sorte parece ter-lhes sorrido. Porém, devido a essa mala a família será envolvida numa grande confusão, que poderá colocar a vida de todos em risco.

A Mala

Capítulo 1: A Mala com Dinheiro

A família Capuchinho era como qualquer outra que se possa encontrar e no entanto, também poderia ser diferente da maioria. Rufino Capuchinho, o pai, com cinquenta anos, já era algo calvo, mas possuía um grande bigode, de que se orgulhava. Sendo taxista, conhecia todas as ruas da cidade e todos os dias se cruzava com todo o tipo de pessoas.

A sua esposa, Dulcineia, uma mulher anafada, com cabelo castanho pelos ombros, estava desempregada há alguns anos e portanto ia dedicando-se a alguns trabalhos de costura em casa. O casal vivia com os seus filhos, Gabriela e Rui, com vinte e cinco e dezassete anos, respectivamente.

Enquanto Gabriela, alta, esbelta e com o cabelo pintado de ruivo, trabalhava numa loja de roupa e era namoradeira, Rui, pelo contrário, mais baixo, com cabelo escuro e óculos grossos, preferia estar sempre em casa, agarrado ao computador.

Nessa manhã, Dulcineia estava a preparar o pequeno-almoço com a ajuda do seu filho Rui. A cozinha da casa não era muito grande, mas tinha o essencial. Ao centro da cozinha havia uma mesa com seis lugares. Rufino entrou na cozinha e sentou-se numa cadeira.

"Então o pequeno-almoço, demora muito?" perguntou ele, impaciente, passando a mão pelo seu bigode.

"Estaria pronto mais depressa se a tua mãe levantasse o rabo da cama e viesse ajudar." disse Dulcineia, lançando um olhar ao marido, enquanto colocava duas fatias de pão na torradeira.

"A mãezinha tem de descansar. Já não é nova, portanto também não pode fazer esforços."

"Esforços? Pelo amor de Deus, desde quando é que fazer um pequeno-almoço é assim tão difícil? Não implica muito esforço fazer uns ovos ou colocar umas fatias de pão na torradeira."

"Então para que é que te estás a queixar?"

Dulcineia lançou um olhar irritado ao marido. Ele encolheu os ombros. Rui abanou a cabeça e tirou da frigideira uns ovos mexidos. Além do casal e dos dois filhos, vivia também na casa a mãe de Rufino, Maria Goreti Capuchinho. Com setenta anos, Maria Goreti era uma idosa resistente, mal-humorada e que por vezes refilava com toda a gente menos o filho, que continuava a ver a mãe como uma espécie de anjo.

"Pronto, aqui tens as torradas." disse Dulcineia, colocando as duas torradas num prato e depois pousando-o na mesa.

Rufino começou a barrar uma torrada com manteiga quando Gabriela entrou na cozinha, trazendo consigo um jornal. Deixou-o em cima da mesa, ao pé do pai.

"O rapaz das entregas quase que deixou o jornal em cima de uma poça de água." disse ela, sentando-se de seguida numa cadeira. "Nem sei para que é que ainda pagas para virem entregar-te o jornal todas as manhãs, pai."

"Ora, porque temos de nos manter actualizados e dá muito trabalho deslocar-me à banca só para ir comprar um jornal." disse Rufino, dando uma trinca na torrada e de seguida começando a folhear o jornal.

Dulcineia e Rui sentaram-se à mesa também e todos começaram a tomar o pequeno-almoço.

"Então, alguma notícia interessante, pai?" perguntou Rui, bebendo de seguida um gole do seu leite com chocolate.

"Ah, o costume. Uma fábrica que vai fechar, um namorado que esfaqueou a namorada, um banco que foi roubado e também uma velhota que foi mordida por um cão e morreu." respondeu Rufino.

"Ora aí está, Rufino. Devíamos arranjar um cão para a tua mãe. Daqueles bem grandes e com dentes afiados." disse Dulcineia.

Rufino não lhe ligou nenhuma. Maria Goreti e Dulcineia nunca se tinham dado bem e desde que Maria Goreti tinha vindo viver com o resto da família, ainda se davam pior, pelo que diziam constantemente mal uma da outra.

Passaram-se alguns segundos e depois a família ouviu um barulho. Alguém batia à porta, mas com bastante força. Todos se entreolharam. Alguns segundos depois, vendo que ninguém se levantava, Rui acabou por se levantar e foi até à porta da frente. Quando lá chegou, não viu ninguém, mas havia uma mala no chão. Olhou à sua volta e depois pegou nela. De seguida, voltou à cozinha.

"Quem era?" perguntou Dulcineia.

"Alguém que devia querer arrombar a porta, com certeza." disse Gabriela, revirando os olhos de seguida. "Não era preciso bater com tanta força."

"Eu não vi ninguém, mas deixaram esta mala à porta."

Todos olharam para a mala cinzenta. Rui colocou-a em cima da mesa.

"Uma mala?" perguntou Rufino. "Que estranho."

"Será que é daquele programa que vem até à casa das pessoas, responde-se a uma pergunta e ganha-se uma mala com dinheiro?" perguntou Dulcineia.

"Não faz sentido. Não respondemos a nada, afinal." disse Rui.

De seguida, Gabriela levantou-se.

"Vamos ver o que tem lá dentro." disse ela.

Quando Gabriela abriu a mala, a família viu que a mala estava cheia de notas de valor elevado. Dulcineia abriu a boca de espanto e Rufino assobiou.

"Tanto dinheiro!" exclamou Dulcineia. "E deixaram-no à nossa porta."

"E não foi com certeza por causa de um programa de televisão." disse Rufino.

"Claro que não. O prémio que está na mala, nesse programa, é apenas umas míseras notas. Isto é imenso dinheiro." disse Gabriela.

"Devíamos encontrar o dono e devolvê-lo." disse Rui.

"Quê? Devolver o dinheiro? Tu estás doido. Tens é de ir a algum médico da cabeça, Rui." disse Gabriela. "Não vamos nada devolver o dinheiro. Vamos ficar com ele!"

"Não podemos ficar com dinheiro de uma mala que foi, estranhamente, deixada à porta da nossa casa." argumentou Rui.

Dulcineia e Rufino entreolharam-se, com dúvidas. Gabriela, por outro lado, não tinha qualquer dúvida.

"Nós temos é de aproveitar a sorte que tivemos, isso sim." disse ela, sorrindo e pegando num maço de notas. "Ah, que maravilha. Tanto dinheirinho. Estamos ricos!"

"Sabes lá de onde é que isso veio." disse Rui. "Devem ter sido alguns mafiosos que, por alguma razão, deixaram ali a mala com o dinheiro."

"Mafiosos?" perguntou Dulcineia, alarmada. "Ai credo! Mafiosos, daqueles bandidos que andam armados e matam toda a gente e têm negócios da droga?"

"Claro, mãe. Quem mais andaria por aí com uma mala com dinheiro? Quer dizer, pelo menos não com esta quantidade de dinheiro." disse Rui. "Devemos chamar a polícia."

"Mas se eles não acreditarem na nossa história, ainda vamos presos como cúmplices ou assim." disse Rufino. "Este dinheiro pode ter vindo de algum assalto a um banco."

Os quatro membros da família entreolharam-se. Gabriela continuava a agarrar o maço de notas, pensativa. Rui olhava para a irmã com um olhar severo. Dulcineia estava nervosa. Rufino começou a torcer o bigode com um dedo.

"Sugiro que tratemos disto mais tarde." disse ele. "Eu tenho de ir trabalhar, tu também Gabriela e tu tens de ir para a escola, Rui. Portanto, vais guardar a mala do dinheiro... hum, debaixo da nossa cama Dulcineia e à hora do jantar, quando já estivermos todos cá em casa, tomamos uma decisão sobre o que fazer."

"O quê? Mas com este dinheiro todo eu já nem preciso de ir trabalhar." queixou-se Gabriela.

"Ainda não decidimos se vamos ficar com ele ou não." disse Dulcineia, tirando de seguida o maço de notas da mão da filha. "Agora vá, todos a despacharem-se para se irem embora. Eu vou esconder a mala debaixo da cama."

Os quatro levantaram-se das cadeiras onde estavam sentados. À porta da cozinha, espreitando para lá, Maria Goreti, mãe de Rufino, saiu dali rapidamente, subindo as escadas para o primeiro andar e voltando ao seu quarto.

Tinha sido acordada pelas pancadas na porta e acabara por se levantar. Ao descer as escadas, dirigindo-se para a cozinha, vira a mala do dinheiro aberta em cima da mesa e ficara à escuta.

"Fiz bem em não entrar na cozinha. Assim eles pensam que eu estou a dormir e não sei de nada. Encontrar uma mala de dinheiro aqui à porta é um sonho tornado realidade." pensou Maria Goreti, sorrindo. "Não vamos dá-la à polícia. Era só o que faltava! Quando a Dulcineia se distrair, eu vou pegar na mala do dinheiro e fugir com ele!"

A Mala

Gabriela, Rui e Rufino partiram pouco depois e Dulcineia, que já tinha escondido a mala com o dinheiro debaixo da sua cama e de Rufino, no quarto deles, foi até à cozinha e começou a arrumar tudo. Maria Goreti, já vestida, entrou no quarto do filho e da nora e tirou a mala debaixo da cama, começando a mexer nos maços de notas.

"Ai, tanto dinheiro! Graças a Deus!" exclamou Maria Goreti, feliz. "E é todo meu."

Maria Goreti desenrolou um maço de notas, pondo-se a mexer nelas. Dulcineia ouviu um barulho vindo do andar de cima e subiu as escadas. Quando chegou ao seu quarto, viu Maria Goreti e não ficou satisfeita.

"O que está a fazer? Largue já esse dinheiro!" exclamou Dulcineia.

"Não, nem pensar!" exclamou Maria Goreti. "É meu!"

"Seu uma ova. Dê cá isso!"

Dulcineia tentou agarrar nas notas, mas a sogra esquivou-se. As duas quase começaram à briga. De súbito, uma rajada de vento, vinda da janela que estava aberta, levou uma nota no ar e ela saiu a voar pela janela.

"Ai, não, lá se vai uma nota!" exclamou Maria Goreti.

Maria Goreti e Dulcineia aproximaram-se rapidamente da janela. Viram a nota a voar e pousar no meio da estrada.

"Eu vou lá apanhar a nota, antes que voe para longe." disse Dulcineia.

Mas antes que se mexesse para sequer sair de perto da janela, um velho atravessou a estrada. Era Ambrósio, um dos vizinhos e vira a nota. Estava o velho a baixar-se e a apanhar a nota quando veio um carro a alta velocidade e o atropelou. O velho foi atirado pelo ar e caiu no chão, enquanto o carro parava, com grande chiadeira de pneus.

"O Ambrósio foi atropelado quando estava a apanhar a nota!" exclamou Dulcineia, chocada.

"Anda lá, Dulcineia, temos de ir lá abaixo." disse Maria Goreti. "Não quero saber do velho, mas quero recuperar a nota!"

Maria Goreti fechou a janela, colocou o resto das notas em cima da cama e de seguida ela e Dulcineia apressaram-se a descer as escadas até ao andar inferior e depois correram para a porta da rua. Quando chegaram perto da estrada, já o condutor do carro que tinha atropelado o velho Ambrósio estava ajoelhado perto dele, com o telemóvel na mão, a ligar para uma ambulância.

Várias pessoas já se tinham juntado ali também e murmuravam entre si. O velho Ambrósio continuava caído e gemia com dores. Maria Goreti e Dulcineia viram que ele tinha a nota que voara pela janela fechada firmemente numa das mãos.

"Ele está a agarrar a nota." sussurrou Dulcineia. "Não lha vamos conseguir tirar."

"Ora, deixa comigo." disse Maria Goreti.

Ela aproximou-se mais de Ambrósio e depois ajoelhou-se ao pé dele.

"Coitado Ambrósio, deve estar com muitas dores. Mas não se preocupe que já estão a chamar a ambulância. Vão chegar depressa."

Enquanto ia falando, Maria Goreti aproximou uma das mãos da mão de Ambrósio, que segurava a nota. Tentou tirar-lha, mas ele tinha a mão fechada com força. Olhou para ela e tentou murmurar umas palavras.

"Não se canse a falar. Vá, até pode fechar os olhos e tudo. Tem de poupar as forças."

Maria Goreti pôs-se então a usar as duas mãos para tentar abrir a mão fechada de Ambrósio. Dulcineia revirou os olhos. As outras pessoas ainda não tinham visto o que é que Maria Goreti estava a fazer.

"Raios o partam, abra a porcaria da mão, porra!" exclamou Maria Goreti, zangada.

Num movimento brusco, Maria Goreti deu um murro na cara de Ambrósio. Ele gemeu alto e abriu um pouco a mão. Maria Goreti conseguiu tirar de lá a nota e levantou-se. Fez sinal a Dulcineia e começou a afastar-se. As pessoas olharam para ela, surpreendidas, porque a tinham visto dar um murro em Ambrósio.

"Ela... roubou a minha nota!" exclamou Ambrósio, com o resto da força que tinha.

De imediato, todas as pessoas começaram a falar mais alto. Um jovem de cerca de vinte anos apontou o dedo a Maria Goreti.

"Apanhem a ladra!" exclamou ele.

Maria Goreti começou a correr de imediato. Para a idade, Maria Goreti estava até muito em forma. Dulcineia pareceu alarmada quando algumas pessoas foram logo de seguida a correr atrás da sua sogra.

"Ai que a velha ficou doida." pensou Dulcineia. "E eles vão apanhá-la e vamos perder a nota de qualquer maneira..."

Maria Goreti serpenteou pelos carros que estavam estacionados na rua, com cinco pessoas atrás de si, a gritarem. Quando virou para outra rua, viu um táxi estacionado e entrou de imediato lá dentro, surpreendendo o taxista, que estava ao volante, pronto para partir, depois de ter acabado de há alguns segundos deixar ali um cliente.

"Arranque, homem, depressa!" exclamou Maria Goreti.

O táxi arrancou de imediato e as cinco pessoas que tinham ido a correr atrás de Maria Goreti ficaram a ver o táxi afastar-se, sem poderem fazer nada.

A Mala

Dulcineia escapuliu-se rapidamente de volta à sua casa, mal viu Maria Goreti a virar para a outra rua. Das pessoas presentes, só havia uma vizinha que lançou a Dulcineia um olhar de estranheza e desconfiança, pois sabia que Maria Goreti era sua sogra.

Dulcineia entrou em casa e trancou a porta, suspirando. Depois, foi até ao telefone e ligou ao marido. Explicou-lhe rapidamente o que tinha acontecido.

"Tens de vir já para casa, Rufino." disse Dulcineia, ao telefone. "A tua mãe vai arranjar-nos grandes sarilhos."

"A minha mãe deu mesmo um murro ao Ambrósio? Estou chocado. Ela é tão indefesa e inofensiva."

Dulcineia revirou os olhos. O marido não sabia realmente como era a sua mãe de verdade.

"Mas eu vou já para aí, Dulcineia. Já deixei o Rui na escola e estou aí num instante. Até já."

Rufino desligou a chamada e Dulcineia suspirou. De seguida, ouviu um barulho vindo da cozinha. Ergueu uma sobrancelha, desconfiada. Não havia mais ninguém em casa. Quando se ia a dirigir para a cozinha, dois homens saíram de lá, tendo arrombado uma das portas da cozinha, que dava para as traseiras da casa.

Os homens eram ambos altos, vestidos de preto, com óculos escuros e empunhavam ambos pistolas. Um deles tinha cabelo loiro e curto e o outro tinha cabelo preto pelos ombros. O homem loiro apontou a pistola a Dulcineia.

"Não fazer barulho, senão eu disparar uma bala e matá-la de imediato." disse ele, com um sotaque estranho.

"Ai, credo, não me façam mal." pediu Dulcineia, amedrontada.

O homem de cabelo preto olhou em volta, para a casa. Não pareceu satisfeito ao não avistar o que pretendia.

"Nós queremos a mala com o dinheiro." disse ele, também com um sotaque, mas falando a língua correctamente. "Queremos a mala agora, senão matamo-la a si e a toda a sua família."

"Não, isso não." disse Dulcineia. "A mala com o dinheiro está lá em cima."

"Fica a vigiar, eu vou com ela." disse o homem de cabelo preto.

O homem loiro acenou afirmativamente. Dulcineia começou a subir as escadas até ao primeiro andar, com o homem de cabelo preto atrás de si, apontando-lhe a pistola. Ao chegaram ao andar superior, encaminharam-se para o quarto de Dulcineia e Rufino. Entraram os dois. A mala com o dinheiro continuava em cima da cama e estava aberta.

Tal como Maria Goreti os deixara, alguns maços de notas estavam fora da mala e um deles estava desenrolado, pelo que havia algumas notas espalhadas pela cama. O homem de cabelo preto fez sinal a Dulcineia para ela se colocar do outro lado da cama e longe da porta. Depois, ele avançou para a mala do dinheiro, examinando-a.

A Mala

Gabriela estava nesse momento ao volante do seu carro. Uma ambulância, com a sirene a soar bem alto, ultrapassou-a. Gabriela abanou a cabeça e respirou fundo. Estava quase a chegar a casa.

"Ok, a mãe não vai ficar nada satisfeita com isto, mas não quero saber. Não me interessa pensar agora no meu trabalho quando tenho em casa uma mala cheia de dinheiro." pensou ela. "Portanto, vou mas é voltar para casa e vou já tomar posse da minha parte do dinheiro e nada que a minha família possa dizer me vai fazer mudar de ideias."

Quando já ia a caminho do trabalho, Gabriela acabara por mudar de ideias e decidira que afinal não ia trabalhar. Ligara rapidamente à sua patroa, inventara uma desculpa para não ir trabalhar, fizera a inversão de marcha e pusera-se novamente a caminho de casa.

Gabriela virou para outra esquina e passou pela ambulância, agora já parada. Os paramédicos estavam a sair de lá, para socorrerem o velho Ambrósio, que ainda continuava caído no meio da estrada. Gabriela contornou a confusão, entrou pelo portão dianteiro da sua casa e parou o carro à porta da garagem. Depois, saiu do carro e lançou um olhar curioso para a ambulância e as pessoas que estavam ali perto.

"O que se terá passado? Alguém se sentiu mal ou foi atropelado?" perguntou-se Gabriela. "Agora está ali tanta gente junta que nem dá para ver. Bom, não importa. O que interessa agora é o dinheiro."

Gabriela caminhou até à porta da casa, tirou as chaves de casa da mala e abriu a porta da frente. Depois, entrou na casa e fechou a porta atrás de si. Deixou a mala pendurada num cabide que havia perto da porta. O homem loiro, que tinha ido até à cozinha, saiu de lá. Gabriela viu-o a sair da cozinha, que ficava na outra ponta da casa.

"Quem é você?" perguntou ela, dando um passo em frente. "Bom, se eu não conhecesse bem a minha mãe, até podia pensar que era algum amante dela ou assim, mas claro que isso é um disparate."

Gabriela soltou uma risadinha. O homem de cabelo loiro deu alguns passos em frente. Tinha as mãos nos bolsos até aquele momento e quando as tirou de lá, uma delas empunhava a pistola, apontando-a a Gabriela. Ela deu um passo atrás.

"O que é isso?" perguntou ela.

"Quieta, senão você ir levar bala." disse o homem loiro.

Porém, Gabriela virou-se e correu para a porta da rua, abrindo-a de rompante. O homem loiro disparou. A bala cravou-se mesmo ao lado da porta e falhou Gabriela por pouco. Ela saiu a correr para a rua, com ele atrás dela.

Gabriela correu, pensando ir em direcção ao ajuntamento de pessoas que estavam perto da ambulância. Poderia pedir ajuda. Mas o homem loiro era muito mais rápido que ela e apanhou-a de imediato. Agarrou-a, mas ela começou a debater-se.

"Largue-me!" gritou ela.

Gabriela continuou a debater-se e nem sentir a pistola contra a sua barriga a fez acalmar-se e temer pela vida. Algumas pessoas que estavam perto da ambulância começaram a olhar naquela direcção. Percebendo isso, o homem loiro tomou uma decisão. Puxou Gabriela para si e logo de seguida beijou-a.

Gabriela arregalou os olhos, surpreendida e deixou de se debater por uns segundos. O homem loiro aproveitou e começou a arrastá-la de volta à casa, como se ambos estivessem muito concentrados no beijo. As pessoas que tinham olhado tomaram aquilo como uma briga de namorados que tinham acabado de fazer as pazes com aquele beijo.

O homem loiro conseguiu arrastar Gabriela de volta à casa e quando passaram pela porta, ele fechou-a e afastou Gabriela de si. Apontou-lhe novamente a pistola.

"Isso não ter sido inteligente da sua parte." disse ele. "Tentar fugir não ser possível. Eu ir acabar consigo se não ficar quieta e calada."

"Alguém virá socorrer-me se eu gritar." disse Gabriela.

"Talvez sim, mas se alguém chegar aqui, eu matar essa pessoa e você já estar morta nessa altura." disse o homem loiro. "Você ter sorte de pessoas na rua estarem junto de ambulância e haver muito barulho, senão elas terem ouvido tiro e você agora ter de estar já morta."

"Ah, que grande sorte, veja lá." disse Gabriela, zangada. "Estou aqui com uma arma apontada a mim e acha que isso é sorte? Porque é que está a fazer isto?"

"Eu querer mala com o dinheiro."

Gabriela abanou a cabeça. Claro que aquilo tudo se devia à mala com o dinheiro. Tinha aparecido à porta da casa naquele dia e Gabriela vira aquilo como algo muito bom. Parecia que afinal não era.

"E onde é que estão a minha mãe? E a minha avó?" perguntou ela, encarando o homem loiro.

"Filha!" exclamou Dulcineia, descendo as escadas.

O homem de cabelo preto vinha atrás dela, apontando-lhe a sua pistola com a mão direita e segurando a mala com o dinheiro na esquerda. Dulcineia avançou para a filha e abraçou-a.

"Eles vieram para levar a mala com o dinheiro." disse Dulcineia. "A tua avó não está cá em casa agora."

O homem loiro avançou para o homem de cabelo preto.

"Eugene, essa ser a mala com o dinheiro?" perguntou o homem loiro.

"Estúpido, não me trates pelo meu nome à frente delas!" exclamou o homem de cabelo preto, Eugene.

"Ups, desculpar-me. Mas essa ser a mala ou não ser?"

"Sim, é a mala com o dinheiro. Aquela estúpida tentou ficar com a mala só para ela e veio deixá-la aqui para nos despistar, mas não conseguiu, porque já esperávamos que fizesse isto." disse Eugene, focando a sua atenção depois em Gabriela e Dulcineia. "Vocês as duas e o resto da família são cúmplices dela, não é?"

"Ela quem? Não sabemos do que está a falar." disse Gabriela.

"Pois, pois, podem tentar enganar-nos, mas não importa. Preparem-se para morrer."

"Ei! Mas não ser isto que nós ter combinado." disse o homem loiro, colocando-se à frente de Eugene. "Nós ter combinado que só matar pessoas se ser necessário."

"Sim e agora é necessário. Elas viram as nossas caras e graças a ti, meu parvo, sabem o meu nome. Portanto, têm de morrer."

Enquanto os dois falavam, Gabriela olhou rapidamente à sua volta. Viu um vaso que a sua mãe gostava muito e teve uma ideia. Com o homem loiro entre as duas mulheres e Eugene, Gabriela moveu-se rapidamente e pegou no vaso. Eugene detectou o movimento e afastou o homem loiro do caminho.

"Tome lá!" gritou Gabriela.

Ela atirou o vaso para cima de Eugene, que não teve tempo de reagir para se defender. O vaso era pesado e bateu-lhe na cabeça. Ele caiu de seguida no chão, desmaiado, deixando cair a mala e a pistola. O homem loiro virou-se para Dulcineia e Gabriela, apontando-lhes a sua arma.

"Vocês terem feito Eugene desmaiar." disse ele.

"Pronto, vai matar-nos? Então faça-o de uma vez, para não perdermos tempo." disse Gabriela, de modo desafiante.

"Filha, não digas isso!" exclamou Dulcineia, aflita.

O homem loiro hesitou. Gabriela abanou a cabeça.

"Você nunca matou realmente ninguém, pois não? Disparou na minha direcção, mas agora percebo que nunca me quis realmente acertar, mas sim assustar."

"Calada. Não dizer mais nada, ouviu? Eu poder nunca ter matado ninguém, mas poder matar quando quiser." disse ele. "Vamos fazer acordo."

"Que acordo?" perguntou Dulcineia.

"Eu deixar vocês irem embora e vocês não falar disto à policia. Eu inventar desculpa para Eugene. Nós ficar com o dinheiro."

"Está bem, está bem, mas deixe-nos ir sem nos magoar." pediu Dulcineia.

Gabriela lançou-lhe um olhar aborrecido, mas Dulcineia começou a puxá-la pelo braço.

"Estamos a ir. Não vamos falar disto a ninguém. Prometemos." disse Dulcineia.

O homem loiro acenou afirmativamente e fez sinal para que elas fossem embora. Depois, virou-se para Eugene e baixou-se sobre ele, vendo se estava apenas desmaiado ou teria algum dano permanente.

Sem hesitar, Gabriela livrou-se do aperto da mãe, avançou para um candeeiro ali perto, tirou-o da tomada e de seguida avançou para o homem loiro. Precisou apenas de uma pancada forte e ele caiu no chão, a gemer, mas sem desmaiar. Gabriela agarrou na mala do dinheiro.

"Filha!" exclamou Dulcineia, horrorizada.

"Agora não é tempo de ficar assim, mãe. Temos o dinheiro e estamos vivas, portanto, vamos sair daqui antes que ele recupere."

Com o braço livre, Gabriela puxou a mãe e saíram as duas para a rua. Nesse momento, Rufino vinha a chegar com o seu táxi. Gabriela e Dulcineia correram até ele e depois abriram a porta traseira e entraram.

"Então, mas o que..." começou Rufino a dizer.

"Agora não, pai. Arranca! Depressa, antes que nos matem!"

Continua…