Epílogo

Um ano depois...

O céu estrelado da Cidade do Amanhã anunciava uma noite longa, quente e agradável, e do topo do edifício da Luthorcorp, vestido num sobretudo negro esvoaçante, Kal-El contemplava o imenso tapete de luzes que se formava sob seus pés.

Passados vários meses de sua extraordinária e inesperada trazida de volta à vida no Ártico, aquele que um dia se chamou Clark Luthor, e que passava agora apenas a atender como Kal-El, Último Filho de Krypton, Misterioso Vigilante ou simplesmente Clark, ponderava, assim como todas as noites desde seu renascimento, a magnitude de se ter uma segunda chance, e não mediria esforços para faze-la valer.

Lembrou-se ele, então, dos eventos sucedidos no lugar que passava a chamar de Fortaleza da Solidão...


FLASHBACK

Seus olhos se abriram lentamente, e a visão embaçada adquiriu forma. Sem entender o que acontecia, Clark se viu deitado sobre uma superfície de gelo no palacete de cristal que reproduzia seu extinto planeta de origem e, atordoado, recordou os últimos acontecimentos ali havidos.

Sentou-se e olhou ao redor, e notou que o lugar estava parcialmente destruído, com vigas e blocos de cristal caídos ao chão. Percebeu, então, que não havia qualquer sinal de Lionel e, o mais importante: Lois não estava por perto. Foi então que ele se deu conta do disparo da arma de Lionel contra seu peito. Estarrecido, olhou para o abdôme e com ambas as mãos tocou o local do ferimento, mas nada havia, exceto um rasgo e manchas de sangue. Notou, então, que o projétil sujo de sangue estava caido ao lado, como se tivesse sido expelido de seu corpo.

Clark tocou sua face, e ao ver seu reflexo no bloco de cristal caído ao seu lado, reparou que os ferimentos em seu rosto haviam desaparecido. Moveu-se para o lado, e percebeu que suas costelas também estavam curadas, como se seus poderes tivessem sido restabelecidos.

Mais do que depressa, ele se levantou. Era como se nada tivesse acontecido. Um enorme bloco de cristal bloqueava a visão de onde tinha visto Lois pela última vez. Deu a volta, e nada havia.

Lembrou-se, então, de ver Lionel ser sugado por um portal. Lembrou-se, ainda, de mandar Lois salvar a si própria e de como ela relutou. Recordou, principalmente, as últimas palavras por ela ditas ao pé de seu ouvido. Seu coração aqueceu no peito, e um pequeno sorriso surgiu no canto de seus lábios. Era como se pudesse sentir seu perfume, ainda que ela não estivesse ali. Suspirou, e cerrou os punhos.

Prestes a usar sua supervelocidade para voltar a Metropolis e reencontrá-la, algo, porém, aconteceu: a Fortaleza simplesmente se tornou mais sóbria, como se tivesse adquirido vida própria, e um som emergiu na imensidão do vasto palacete, revelando-se a reprodução fiel da voz do seu anunciado pai biológico:

"Bem vindo ao lar, meu filho"

FIM DO FLASHBACK


Meses depois, Clark lembrava daqueles momentos como se fosse seu renascimento. O treinamento a que vinha sendo submetido todos os dias, seja na Fortaleza da Solidão, seja nas suas voadas pelo mundo, e com olhar muito mais atento à humanidade, ainda inquietavam seus pensamentos, tão turbulentos quanto os ruídos que se intensificavam naquela noite de sexta-feira pelas ruas de Metropolis.

Lembrou-se, então, como apreciava isolar um a um daqueles sons distantes e ouvi-los perfeitamente como se estivesse no exato lugar no qual eram emanados. Contudo, ao contrário de anos antes, tal atividade já não se tratava mais de mero passatempo invasivo, que agora identificava como mera curiosidade, mas sim, parte de seu novo código para com a humanidade. Agora, ele era oficialmente um vigilante, embora ninguém jamais o visse; um misterioso vigilante, um herói, um borrão, como costumava ser conhecido nas linhas do Planeta Diário.

O jovem Kal-El sorriu. Ele havia finalmente se encontrado, e com a ajuda da mulher sem a qual já não imaginava mais viver, tomou o controle de si mesmo, e descobriu uma força maior que todas as suas habilidades para finalmente encontrar o que sempre buscou: seu lado humano.

Impassivo, lamentando todos os anos de aprendizado distorcido acerca realidade que teve com Lionel, porém, não fazendo disso sua recaída, mas o impulso necessário para o futuro que se extendia à sua frente, e com o coração, outrora frio e pungente, no lugar certo, Clark olhava a cidade onde cresceu, o mundo que o acolheu, e a despeito de todas as grandes habilidades que possuía e dos feitos que viria ainda a realizar, sentia-se incompleto. Olhou, então para o prédio ao lado onde pendia o enorme globo dourado, e sorriu.

Clark olhou para a rua abaixo de seus pés do terraço do edifício. O movimento era intenso. Olhou então para o horizonte, e deixou seu corpo pender ereto para a frente, despencando da altura dos mais de 50 andares para somente a poucos metros do chão, lançar um voo rasante rumo à atmosfera terrestre, onde, como de costume, poderia olhar a Terra em seus bilhões de pontos de luz, e silenciar sua mente já não mais atormentada. Contemplou o sol do outro lado do globo, onde agora era dia, sorriu, e mergulhou novamente rumo ao edifício do Planeta Diário.


"Tess Mercer e Bruce Wayne assinam contrato de fusão entre a Luthorcorp e as Indústrias Wayne" disse Lois, lendo, na tela do computador, o título do artigo que acabara de concluir para a edição do dia seguinte do Planeta Diário.

"O que achou da foto, Lois?" perguntou Jimmy Olsen colocando à sua frente a imagem de Mercer e Wayne num evento beneficente realizado em Metropolis na noite anterior.

"Perfeita, Jimmy!" exclamou ela, tomando a foto de sua mão.

"Claro, sabemos que essa não será a foto da primeira página, não é mesmo?" perguntou ele, malicioso.

Lois sorriu, concordando, e abriu em seu computador a tela com a matéria da primeira página do dia seguinte:

"Toyman capturado pelo misterioso vigilante" disse Lois, lendo a manchete, onde logo abaixo havia uma foto tirada também por Jimmy de um borrão cortando os céus de Metropolis, e logo abaixo, Toyman levado pelas autoridades policiais.

Mas a morena não parecia satisfeita com o que lia, enquanto Jimmy era apenas sorrisos ao seu lado. De repente, ela apagou o título da reportagem.

"O que está fazendo?"

"Não me parece bom o bastante" disse ela, pensativa.

"Quando se trata do supervigilante, Lois Lane prima a perfeição" comentou ele.

Lois então olhou para a foto de Tess e Bruce, e a devolveu ao jovem fotógrafo:

"É melhor levar isso urgente para o Perry" disse. "Diga a ele que estou mandando agora o artigo da Luthorcorp e das Indústrias Wayne, e que não vou liberar ainda para impressão a matéria de primeira página" concluiu, clicando no botão enviar de sua caixa de mensagens.

"Como assim?" perguntou Jimmy, curioso.

"Confie em mim" disse ela, piscando o olho.

"Ok, Lois!" gritou Jimmy, empolgado, correndo apressado rumo ao elevador.

Lois sorriu ao vê-lo desaparecer pelo corredor, e sentiu uma brisa forte que fez seus cabelos esvoaçarem e os papéis sobre sua mesa levantarem voo. Virou-se, e viu uma rosa vermelha sobre um bilhete acima do teclado de seu computador, que dizia: "Encontre-me no terraço". A morena pegou a rosa, tocou-a na face, e sorriu mordendo os lábios.


Lois abriu a porta que dava acesso ao terraço, segurando a rosa, e sorriu ao vê-lo rente à beirada do edificio, olhando a cidade abaixo de seus pés. Ao notar sua presença, Clark se virou para vê-la, e um sorriso surgiu em seus lábios. Ele desceu do parapeito para ir ao seu encontro, e Lois também caminhou em sua direção. Ambos não conseguiam desviar o olhar um do outro.

"Então..." disseram os dois, em uníssono.

Ambos sorriram e o rosto de Lois ruborizou.

"Eu já disse que você fica linda quando está acanhada?"

"Não estou acanhada" devolveu ela, disfarçando.

"Você está ótima" disse ele, sem conseguir desviar os olhos dos dela.

"Muito elogio estraga, sabia?" advertiu-o ela.

"Impossível" devolveu ele. "E em se tratando de Lois Lane, cada elogio a fará querer ser ainda melhor"

"Você realmente me conhece, não é mesmo?" perguntou ela.

"A recíproca é verdadeira" devolveu ele.

Lois sorriu, dando-lhe as costas, com a rosa vermelha próxima de seu rosto enquanto olhava as estrelas.

Clark a acompanhou com o olhar, sorrindo.

"O mundo todo está falando a seu respeito" disse ela, de súbito. "Cada vez mais"

"Tenho acompanhado as notícias" disse ele.

"E dá tempo?" perguntou ela.

"Faço o que posso" devolveu ele.

"Logo precisará se mostrar" disse ela, virando-se para vê-lo.

Clark balançou a cabeça.

"Sim, eu sei"

"E vai precisar de um nome" completou ela.

Nisso, Clark enrugou a testa.

"Não poderá mais se chamar de Misterioso Vigilante ou Borrão, pois terá um rosto" explicou ela.

Clark sorriu.

"Então você é a pessoa certa para essa tarefa" disse.

"Na verdade, eu tenho um nome em mente..." disse ela, com um sorriso malicioso. "E amanhã mesmo aparecerá na matéria de primeira página do Planeta Diário"

Clark arqueou as sobrancelhas, surpreso.

"Isso é ótimo, e mal posso esperar para conferir"

"Quer saber qual é?" perguntou ela.

Ele sorriu.

"Confio em você" respondeu. "Como sempre confiou em mim"

Lois sorriu, satisfeita.

"Também vai precisar de mais cores" disse, olhando seu uniforme com o brasão em branco estampado em sua camiseta preta. "E tenho algo em mente que pode dar certo" revelou, analisando-o de cima a baixo.

"Desde que tenha algo que ajude na aerodinâmica, perfeito"

Os dois sorriram, e então não conseguiram desviar o olhar um do outro. O coração de Lois bateu mais intenso no peito, e ela soube que ele podia escutá-lo. Tentou disfarçar, mas era impossível. Sorriu, nervosa. Como todas as noites em que se encontravam no terraço do Planeta Diário, desde o primeiro dia em que ele voltou após todos os acontecimentos no Ártico, dia esse que Lois Lane lembrava nitidamente como o mais feliz de sua vida, ela não conseguia mais evitar o quanto o amava pelo que ele era e havia se tornado. Por mais que imaginasse que o sentimento era recíproco, sabia que não poderia competir com o mundo todo, e que desde que ele abraçou seu destino, não poderia atrapalhá-lo.

"Preciso voltar para terminar uma coisa" disse ela, dando-lhe as costas, lamentando a forma como todos os seus encontros terminavam, ciente, porém, de que ele seguia um caminho no qual ela não podia acompanhã-lo, e que estaria relegada para sempre ao papel de sua cúmplice e melhor amiga.

"Espere" pediu ele, repentinamente.

Lois parou e se virou para vê-lo.

"Andei pensando" começou ele, aproximando-se dela "e do mesmo modo em que estamos há tempos fazendo planos sobre como irei finalmente me revelar ao mundo, também preciso de ajuda sobre como irei assumir minha nova identidade secreta"

Lois arqueou as sobrancelhas, curiosa.

"Identidade secreta?" repetiu ela, lembrando de quando semanas atrás ele mencionou algo a respeito, sobre viver entre as pessoas, novamente como se fosse uma delas, porém, totalmente diferente do que foi antes, apenas para estar mais próximo da humanidade.

"Por exemplo, já sei o ofício que pretendo seguir" revelou.

"É mesmo?" perguntou ela, interessada.

"A carreira de jornalista parece promissora..." disse ele "ainda mais com uma vaga em aberto no Planeta Diário"

Lois cruzou os braços, e sorriu.

"Mesmo sabendo que pode escolher qualquer outra coisa?" devolveu ela.

"Eu não sei, Lois" respondeu ele "mas de todas as possibilidades, tudo me traz até aqui"

Lois sorriu, desconcertada.

"Vou precisar de alguns conselhos, talvez conhecer as regras para um bom jornalista" continuou ele, aproximando-se mais dela.

"É... e talvez eu até mesmo faça uma moldura para que você a pendure num lugar visível" brincou ela.

"Ótimo" disse ele. "Então, que tal falarmos mais a respeito num juntar?"

Novamente ruborizada, achando que seria dessa vez que seu rosto explodiria, Lois ventilou as faces com as mãos para disfarçar, enquanto Clark ria e, recomposta, disse:

"Fiquei mesmo imaginando quando passariamos da fase dos encontros no terraço..."

E aquela era a deixa que Clark precisava, de modo que não a deixou completar a frase, e a puxou para um beijo quente, molhado e apaixonado. Lois sentiu que perdia o chão sob seus pés, e enquanto seu coração batia acelerado, uma onda de calor formigou seu ventre, suas pernas e braços, e ela o abraçou, enterrando os dedos em seus cabelos, enquanto sentia os braços musculosos de Clark ao redor de seu corpo, fazendo acalmar a adrenalina que a submetia.

Seus rostos se afastaram lentamente, enquanto olhavam fixamente nos olhos um do outro. Sorriram, e Clark disse:

"Não sei o que seria de mim sem você"

Visivelmente lisonjeada, Lois corou. Lembrou-se então de seu conflito interno sobre o futuro daquele relacionamento, mas olhá-lo nos olhos a fazia ter a certeza de que poderiam tentar, e que se realmente quisessem, tudo daria certo, e ela realmente estava disposta a fazer acontecer. Abraçou-o intensamente, não desejando estar em qualquer outro lugar, e Clark fez o mesmo.

"Eu a amo"

Lois sorriu, com o rosto mergulhado em seu peito.

"Eu também o amo" disse.

Clark suspirou, e teve a certeza de que sua vida agora estava agora completa.