Haviam se passado alguns dias desde o passeio de Hogsmeade, os quais coincidentemente eu não havia visto a sangue-sujo mais do que algumas horas - em aula, ponderei, fitando a similaridade entre o vazio das chamas acesas na lareira do salão comunal e a cor âmbar do firewhiskey guardado no copo que estava em minha mão direita.

Embora Blaise tivesse interpretado esse comportamento recente como um sinal concreto de que a Granger estava recuando da aposta (ou ao menos até onde ele sabia), eu discordava: parecia-me perigoso. Significava alguma estratégia e planejamento da parte da sangue-ruim, Granger era perseverante demais (lê-se uma maldita grifinória) para desistir.

Apesar disso, eu sabia que eu estava conseguindo quebrar o pouco do conforto da sabe-tudo - o que em si era uma grande vantagem para vencer. Não que ela me evitasse - na presença do Potter ou Pobretão, ela me dirigia sorrisos que poderiam ser traduzidos como um misto de atuação afetuosa e desejos obscuros de assassinato, mas nos últimos nos dias ela não se aproximara fisicamente, que era a única parte que realmente me interessava.

A conclusão abrupta do raciocínio fez com que eu apertasse com mais força o copo que estava em minha mão, tomando a longa dose de firewhiskey com algum cuidado, antes de atirar o maldito copo na lareira. Estava entediado com essa passividade da Granger. E puto.

Infelizmente o som do vidro do copo se espatifando contra a parede de pedra fora alto demais, refleti, a julgar pelos olhares assustados de alguns sonserinos e sonserinas mais novos, que a esta altura só faltaram sair correndo do salão comunal e desocupando todos os sofás, mesas e cantos daquela sala.

Não me dei ao trabalho de dizer qualquer coisa, afinal de contas, eu era o monitor-chefe e o mínimo que aqueles quintoanistas e quartoanistas sonserinos podiam fazer era sumir da minha frente.

As únicas pessoas que haviam ficado no salão comunal, dispersos em sofás relativamente próximos da poltrona em que eu estivera sentado, eram Theo, deitado no maior deles, mais próximo de mim, lendo uma carta que tinha a insígnia da Casa Nott. Do outro lado, no sofá de costas para a minha poltrona e para a lareira, estava Blaise e nos sofás mais próximos dele Crabble e Goyle, entretidos em algo que eles achavam que era uma conversa. Sobre quadribol e como a primeira partida da copa teria, no mínimo, a presença do time búlgaro, invicto a quase 3 semanas nos campeonatos regionais.

Revirei meus olhos, um produto do imenso desinteresse que carregava naquela sexta à noite. Blaise parecia compartilhar de um tédio similar, enquanto conjurava rapidamente novos copos cheios de firewhiskey para a mesinha de centro ao redor dos sofás em que os outros estavam.

Crabble e Goyle fitavam os copos preenchidos pela metade com a bebida pura, apreensivos. Dividiam seus olhares entre si, culpados, como se estivessem sendo obrigados a tomar veneno de trasgo e porra, era só whiskey..!

‒ Que caras são essas? - Ouvi Theo murmurar para os dois, de forma ameaçadora, depois de amassar o pergaminho que estava em sua mão minutos antes ‒ Nunca viram firewhiskey? - Vociferou, apanhando seu próprio copo, virando-o de uma única vez e colocando o copo de volta na mesa, como se os desafiasse.

Os dois trataram de mexer as cabeças de forma ridícula, antes de inventarem uma desculpa para serem os próximos a sair do salão comunal, em passos atrapalhados.

Era vergonhoso como aqueles dois pareciam estúpidos demais para estarem na sonserina - mais especificamente "próximos" do meu grupo de amigos.

‒ Eles não tem mais medo do Draco. - Blaise comentou, em uma expressão debochada, percebendo que ultimamente o único de nós que conseguia manter Crabble e Goyle calados e desconfortáveis o suficiente era Theo.

‒ Tanto faz. ‒ Respondi, antes de sussurrar um virgadium leviossa na direção de um dos copos conjurados por Blaise, para que viesse até mim.

‒ Vocês dois estão me deprimindo. ‒ Foi a vez de Nott dizer, ao alternar o olhar do meu estágio de tédio a comum apatia de Blaise no sofá atrás do meu. ‒ Estou começando a achar que fiz um favor a Crabble e Goyle quando expulsei os dois da sala…

‒ Draco está assim porque nunca mais teve chance de importunar a sangue-sujo que ele acha que não está interessado. ‒ O imbecil que eu chamo de amigo respondeu.

Minha principal reação consistiu em uma sombrancelha arqueada e um Vai se foder, Blaise.

Estava começando a me sentir tonto com a quantidade de whiskey que havia ingerido e com o cansaço de pensar sobre as atitudes da sangue-podre.

‒ Bem, ‒ Theo começou, com um sorriso cruel. ‒ Ele vai ter uma chance de ouro amanhã.

‒ O que vai acontecer amanhã? Alguma reunião de sabes-tudo na biblioteca? - Perguntei, irônico. ‒ Até onde eu lembro, essa parece ser a única vida social da sangue-ruim…

Nem de longe isso era mentira, aliás. Granger tinha hábitos deprimentes e usava grande parte do seu tempo livre para frequentar- não, frequentar era uma palavra superficial para a quantidade PATÉTICA de tempo que a garota passava enfurnada na biblioteca cercada de livros e rolos de pergaminho.

Provavelmente a nossa aposta e os meus beijos deviam ser o ponto alto na vida da garota, em comparação a rotina da idosa de 85 anos que ela parecia levar. Quer dizer, eu basicamente deveria receber algum prêmio de homenagem do próprio ministro do mundo bruxo e do falecido Salazar por oferecer algum divertimento à vida da sangue-podre! Eu estava prestando o mais alto nível de caridade cada vez que a beijava, que a irritava e que a fazia quebrar sua rotina psicótica de: estudos exagerados na biblioteca; tempo com os amiguinhos grifinórios entediantes; rondas noturnas como monitora-chefe…

A reflexão sobre o meu trabalho quase humanitário na vida da Granger teve uma pequena interrupção quando Theo respondeu minhas ironias:

‒ Amanhã vai haver o amistoso sonserina e corvinal… - Começou.

Eu e Blaise franzimos o cenho ao mesmo tempo. E daí que fossemos ter um amistoso de quadribol? O que isso tinha a ver com a sangue-ruim?, pensei e pude perceber que Theo lera essas exatas perguntas na minha cabeça e na expressão do Zabini.

‒ Depois de todo amistoso sempre temos festa de comemoração na sala precisa… ‒ Retomou, como se dissesse que o céu é azul. ‒ E eu aposto que a Granger vai estar lá.

Eu e Blaise rimos ao mesmo tempo.

‒ Ela nunca foi uma festa ilegal na sala precisa, eu nem sei se já vi a Granger na arquibancada de algum jogo de quadribol..! - Expliquei, apenas porque estava sentindo um pouco de pena do Nott, por ele ser tão imbecil.

‒ E com quem ela iria? Potty e pobretão? ‒ Blaise me ajudou, sarcástico, enfatizando o óbvio: nenhum grifinório era interessante ou decente o suficiente para saber o que era uma festa de verdade. Muito menos uma festa considerada ilegal!

Só que eu realmente estava enganado (eu sei, é difícil de acreditar!), Granger iria aquela festa, embora nem eu ou Blaise pudéssemos prever isso.

Antes que Nott fosse argumentar, uma coruja desconhecida adentrou o salão comunal, depositando o que parecia ser uma carta meu meu colo: olhei para o pergaminho com curiosidade, antes de reconhecer a letra que estava lá.

"Sala precisa hoje?

D. G"

Era uma carta de Daphne Greengrass. A sonserina com quem eu começara a dormir desde o "término" com Pansy.

Normalmente teria sido um convite bem vindo, mas naquela sexta entediante e com jogo de quadribol no dia seguinte (estava fora de questão perder pra corvinal), parecia melhor ignorar a carta, até porque não queria que Daphne começasse a achar que éramos um casal…

Nott me encarou, com uma sobrancelha erguida.

‒ Daphne. ‒ Respondi, sem precisar oferecer mais explicações.

‒ Quando foi isso que aconteceu? - Perguntou, parecendo ligeiramente desconfortável, provavelmente pela primeira vez desde o dia em que ele levara um balaço e despencara da sua nimbus no terceiro ano.

Só então notei que talvez o idiota fosse interessado na Greengrass.

Blaise me lançou um olhar quase irritado, como se dissesse Eu sabia que a Greengrass ia trazer problemas… Ela é muito próxima das famílias e dos amigos, Draco!

Tentei lhe responder um defensivo Como eu podia adivinhar?! e desde quando Theo se importava com garotas?

‒ Um dia depois de Hogsmeade, durante a ronda noturna dos dois. ‒ O outro esclareceu em meu lugar.

A questão era a seguinte: Blaise era obviamente um imbecil sobre quase tudo no mundo bruxo, exceto com relação as suas amizades.

E, para falar a verdade, a coisa com a Greengrass nem havia sido planejada. Fora mais um desvio de percurso, num segundo estávamos caminhando em nossa ronda como monitores nos corredores, conversando sobre inutilidades (Pansy me jurando de morte pelos quatro cantos da sonserina, boatos sobre mim e Granger, possíveis resultados de quadribol) e no outro ela estava parando em minha frente para avançar em mim.

Minutos depois da resposta Theo levantou do sofá em que estivera e disse que estava indo dormir.

No dia seguinte tudo voltou ao normal: tínhamos uma partida contra a corvinal e precisávamos vencer a qualquer custo.

Pouco depois do amanhecer, o time já se preparava para o último treino antes do jogo que ocorreria à noite.

E eu soube que as coisas definitivamente poderiam estar voltando ao normal, quando no fim do treino enxerguei a figura de uma garota de sangue-ruim subindo na arquibancada. Sozinha.

Granger era louca.

Sentou-se e cruzou as pernas, fingindo indiferença, dando a impressão que aquela era a atitude mais normal do mundo. Isto é, a queridinha do Potty e Weasley lá, dando "apoio" ao treino da sonserina, quando havia a probabilidade de ser azarada por Pansy e marginalizada por todas as pessoas que estavam no gramado.

Mas o que eu podia fazer? Assim que a vi não pude evitar sentir um lampejo de excitação pela coragem da sangue-sujo.

O restante do time continuou a descer em direção aos vestiários, embora alguns houvessem notado a presença da garota ali. Alguns exibiam expressões de nojo, sendo censurados pelo meu olhar de desdém, outros enxergavam a presença da sangue-sujo com diversão - Blaise e Nott.

‒ Não conhecia esse seu lado masoquista, Granger. ‒ Comecei, flutuando a uma distância relativa, na altura de onde ela estava sentada. ‒ Que foi? Sentiu uma vontade imensa de ser humilhada por algum sonserino hoje? ‒ Pontuei, sarcástico, e com um aceno de cabeça fiz com que ela visse que as expressões de boa parte do time eram de nojo. Incluindo a do grupo formado por Daphne, Astoria e Newt. E do outro lado Pansy.

Pansy e Daphne nos encaravam com algo similar a fúria.

‒ Vai se foder, Malfoy. ‒ Granger respondeu, fazendo questão de mostrar quão educada ela era. ‒ Só vim aqui porque poderia parecer estranho… Aparentemente Ginny me explicou que há uma tradição idiota sobre garotas apaixonadas virem assistir o treino dos seus… hã, interesses românticos. ‒ Explicou-me, desconfortável.

Senti vontade de rir do fato que Granger era esse tipo de pessoa ridícula que precisava se explicar o tempo todo.

‒ Com o seu sumiço, pensei que já tivesse desistido da aposta, tsc tsc tsc ‒ Ressaltei, desta vez voando para mais perto dela.

Pude sentir que a garota começara a olhar para os dois lados, nervosa pela proximidade (?).

‒ Até parece, Malfoy. ‒ Disse, irônica. ‒ Acontece que estive ocupada, porque diferente de alguns idiotas cuja maior preocupação da vida é jogar quadribol, eu tenho coisas a fazer… ‒ Tentou explicar, com um sorriso vencedor, achando que de alguma forma havia me afetado.

‒ Claro, claro, coisas importantes como usar a biblioteca e continuar sendo a maior sabe-tudo de Hogwarts. ‒ Respondi, sentindo algo familiar dentor de mim, uma sensação de alívio.

Por algum motivo, eu sentira falta de encher o saco da Granger mais do que imaginava.

E lá estava ela prestes a exibir sua irritação. Respirou fundo.

‒ Pelo menos eu faço algo útil, seu idiota! ‒ Falou e parecia temer o fato de que eu estava prestes a me aproximar ainda mais, com uma expressão debochada. ‒ Argh, Malfoy, você está nojento. Se chegar mais perto não vou hesitar em derrubá-lo da vassoura. ‒ Ameaçou, apertando a própria varinha de forma discreta.

‒ É mesmo? - Ironizei, voando em sua direção em baixa velocidade. Queria presenciar o exato momento em que ela perderia o controle.

Mas em vez de prender o controle, Granger permanecera indiferente à proximidade. Estava distraída encarando a expressão de insulto do rosto de Pansy, que caminhava como que para tirar satisfação do que estava vendo.

O mais - cômico (?) - é que Daphne, que até então estivera na outra ponta da arquibancada, parecia estar fazendo a mesma coisa.

Não foi preciso mais do que alguns segundos para que Granger encaixasse as peças daquela situação. Soube disso porque o olhar que ela acabara de me dirigir tinha um conteúdo de raiva genuína.

‒ Afinal de contas, quantas namoradas você tem, Malfoy? - Ela murmurou, alternando os olhos de uma ponta da arquibancada à outra, de modo que cada um dos lados estava um grupinho de meninas da sonserina vindo ao nosso encontro confrontá-la. ‒ Malfoy? - Chamou minha atenção de novo, irritada.

Lembro de ter pensado que não era exatamente esse tipo de irritação que eu estava querendo proporcionar na sangue-ruim.

Estávamos os dois sentados um ao lado do outro, minha vassoura flutuando no ar, como se soubesse que tudo o que eu queria era evitar uma situação tão entediante quanto crises de ciúmes de meninas que não eram nada pra mim (?), ainda por cima atrapalhando a primeira vez que Granger falara comigo durante essa semana.

‒ Greengrass foi um erro casual de alguns dias atrás... - Esclareci, ainda que não entendesse o porquê. ‒ E sobre a Pansy você já deve saber o suficiente. - Terminei, apoiando as costas na arquibancada, com displicência.

Granger suspirou de modo cansado em retorno, repetindo meu gesto. Estávamos tão próximos que só dessa vez eu pude notar as olheiras embaixo dos seus olhos, o fato de que ela parecia estar um pouco mais magra e pálida que o normal: até mesmo seu cachecol parecia desajeitado.

‒ Qual foi a última vez que você dormiu, Granger? - Perguntei, com o olhar fixo na sangue-ruim.

O máximo que a maldita fez foi revirar os olhos. Quem ela pensava que era pra me ignorar?

‒ Não sei se você percebeu, doninha, mas agora não é melhor hora pra fingir preocupação, o seu fanclub está a caminho, provavelmente para me estuporar. - Retrucou, em um tom que combinava desgosto e um ligeiro nervosismo.

‒ Quer sair daqui? - Foi tudo o que consegui responder, ciente que ela não parecia no melhor humor pra lidar com um possível bate boca irritante com Pansy Parkinson e Daphne Greengrass juntas.

Não que eu estivesse preocupado ou protegendo a Granger, claro que não!

‒ Eu não vou subir nisso aí. - Reagiu, quase apontando na direção da vassoura que estivera flutuando no ar, na exata posição onde eu estivera minutos antes.

‒ Confia em mim, Granger… - Eu tenho os meus métodos, completei mentalmente, antes de abrir o meu primeiro sorriso involuntário em dias e colocar minhas mãos uma em cada lado do rosto da sangue-ruim.

O gesto em si era estranho e quase inapropriado, mas parecia natural. Isto é, que ela estivesse na minha frente, que não houvesse confusão nenhuma no ato e que merlin, eu precisasse beijá-la.

Diferente dos beijos anteriores, nesse não senti pressa alguma. Foi como afundar nos lábios dela e ao mesmo tempo em milhares de outras coisas. No cheiro cítrico e doce que sempre emanava da sangue-ruim, na suavidade da sua pele, que eu mantinha entre as minhas mãos; e depois a sensação quente da sua boca abrindo espaço e confrontando a minha. Era difícil pensar em mais coisas além do quanto eu sentira falta dessa sangue-ruim.

Em pouco tempo, Granger colocou uma das mãos na minha nuca, tornando todo o ritmo do beijo mais acelerado. Lembro de ter descido uma das mãos que estivera em seu rosto até a sua cintura, de modo a trazê-la para mais perto de mim, movimento que fez com que ela soltasse um pequeno gemido contra a minha boca e se separasse alguns centímetros, para respirar.

Enquanto seus olhos diziam um "Era esse o seu plano brilhante?", debochados, tudo o que saíra dos lábios da garota fora um:

‒ Obrigada por me tirar dessa, doninha. Até a próxima. - Depois de dizer isso, ela levantou quando percebeu que éramos os únicos na arquibancada, porque o beijo havia espantado Parkison e Greengrass, como eu previra.

Por mais ela que parecesse ter juntado nessas palavras todo pingo de dignidade restante, havia uma sensação ínfima e secundária de eu era descartável. Diabos, sangue-ruim!

Eu a apostara, eu tentava constantemente irritá-la, eu só queria vê-la abaixo de mim, eu a beijara inumeras vezes e ainda assim, ela tinha o dom ridículo de fazer com que eu estivesse sua mercê, o que não correspondia a vida real, certo? Malfoys não ficam a mercê de sangues-ruins.

Olhei pra ela mais uma vez antes que ela virasse as costas, a fim de descer da arquibancada.

Seu rosto estava vermelho e seus lábios um pouco inchados. Havia também uma nova urgência nos seus passos, dando a impressão que ela estava um pouco em pânico [?]. Ou que tinha algum compromisso inadiável para o qual já estava atrasada e para o qual eu nunca seria bem vindo.

Perguntava-me se o compromisso em questão não seria a vida dela de modo geral. E por um segundo tinha a sensação de que a aposta era muito mais sobre mim do que sobre o orgulho e dignidades baratas da Granger.

Eram sensações confusas e que me deixavam frustrado. Que semana de merda.

Granger fugindo de mim e ainda assim ganhando a aposta. Aquilo não fazia sentido nenhum!

Narração: Hermione J. Granger.

Desci as escadas quase como se estivesse no meio de uma corrida. Com o coração acelerado. E sem ousar olhar pra trás. Sabia que os olhos dele ainda estavam em mim. E que talvez ele estivesse confuso, se é que a doninha tinha essa capacidade.

Mas o beijo era real, disso eu sabia. Precisava parar de me enganar e dizer que era sobre a aposta. Malfoy era tão imbecil que conseguia separar as coisas: a aposta, os beijos, as namoradas, a vida social, os xingamentos debochados, a aristocracia, a violência sádica e a fama. E ainda conseguia magistralmente me fazer sentir esse descontrole súbito, cada vez que eu pensava no quanto era agonizante não beijá-lo ainda mais. E que eu sentira sua falta.

Não que algum dia eu achasse que estaria pronta para verbalizar isso.

É só que… Droga, não faz nenhum sentido que eu tenha sentido falta do maior imbecil de Hogwarts. Que por acaso é o mesmo inimigo que passou os últimos sete anos me chamando de sangue-ruim e infernizando minha vida, ao defender todas as coisas que se opunham a minha existência.

E se acrescentar nesse cálculo o detalhe de que ele me apostou com meus melhores amigos e que abertamente disse que "deseja brincar com meus sentimentos", a coisa só piora. Fica insustentável. Não é nem mesmo coerente que Draco Malfoy faça falta.

O imbecil só sabe me infernizar, como diabos poderia fazer falta? E por que RAIOS era tão difícil evitar sua existência em Hogwarts, um dos maiores terrenos do mundo bruxo?!

Não que eu quisesse perder a aposta ou tivesse desistido dela, mas os últimos dias haviam sido os mais difíceis em séculos. Parecia que a doninha estava em todos os lugares, porque tudo parecia ter algo dele.

Por que ele agia de modo tão inconsistente? Deveria ter feito de tudo para me humilhar e me lembrar do quanto é desprezível… Em vez disso, o loiro aguado me oferece ajuda e beijos [?]. Como se ele não estivesse tendo encontros suficientes com MEIA HOGWARTS!

E ainda por cima com Daphne Greengrass, outra sonserina, é claro… E na mesma semana em que estivemos juntos em Hogsmeade, óbvio!

Talvez tudo isso fosse parte de um grande plano do imbecil, um no qual ele supõe - erroneamente, é claro - que eu sinto alguma coisa além de… Ok, atração. Mas atração é realmente algo importante? Quer dizer… Não deveria ser tão difícil. E por que diabos eu saí correndo da arquibancada depois de beijá-lo, parecendo uma adolescente assustada? Sim, eu estava assustada, mas agora o idiota deve saber disso… Argh!

Andava pisando forte, sentindo-me revoltada com a situação humilhante que era querer apenas voltar lá pra arquibancada para beijar Draco Malfoy e depois fazê-lo calar a boca. E vencer aquela aposta depois de beijá-lo vezes suficientes.

Nada nesse cenário mental fazia sentido…, lembro de ter pensado, com o peito ainda acelerado. Sentia vontade de esganar a doninha por imaginá-lo se divertindo com essa situação!

‒ Imbecil… - Resmunguei, ao sair do último degrau e colocar os pés na grama.

Lá estava o idiota... Parado, fingindo alguma seriedade. Com a nimbus jogada na grama, ao seu lado.

‒ Pode me dizer exatamente o que eu fiz pra ser chamado de imbecil? - Disse, parecendo confuso. Não que ele estivesse!

‒ Quem disse que eu o chamei de imbecil? - Desviei, com ironia. Ele sorriu, sarcástico.

‒ Tudo bem, Granger. ‒ Pausou, de forma penetrante. ‒ E o que aconteceu com aquela coragem grifinória que você costumava ter? Tsc tsc tsc…

Franzi meu cenho, irritada.

‒ Do que você está falando, doninha? ‒ Retruquei. Aquela conversa estava começando a deixar de fazer sentido… Do que diabos se tratava? E por que o loiro parecia tão sério e "magoado"? Malfoys ficavam irritados, afinal de contas?

Ele respirou fundo, com os olhos mais escuros que o normal.

‒ Você quer estar comigo, qual o problema? - Disse. Não havia raiva na sua voz, apenas ressentimento.

‒ FICOU LOUCO?! - Joguei de volta, prestes a gritar de frustração. Porque pela primeira vez não havia pra onde correr. ‒ DE ONDE TIROU ISSO?

‒ Granger, eu sei que gosta de me beij-

‒ DONINHA, QUANDO FOI QUE EU F-

‒ Tudo bem se você estiver em pânico, mas eu apost-

‒ EU NÃO ESTOU EM PÂNICO, PORQUE EU NÃO SINT-

‒ Se você sente tão pouco, por que o seu primeiro impulso sobre tudo é sair correndo? - Começou, com o tom arrastado, antes de ser interrompido pela minha explosão.

‒ PORQUE ESSA É UMA SITUAÇÃO ANÔMALA, EU NÃO SEI SE VOCÊ JÁ PERCEBEU, MAS ATÉ DUAS SEMANAS ATRÁS… - Pausei, respirando fundo, diabos, O QUE EU PODERIA DIZER A ELE QUE NÃO FOSSE ABSOLUTAMENTE PATÉTICO E QUE PUDESSE SER USADO CONTRA MIM?

‒ Duas semanas atrás..? - Malfoy "ajudou".

‒ Somos e éramos inimigos.

‒ E daí? - Falou, sorrindo de canto de lábio. Um sorriso cruel.

‒ Malfoy, é o seguinte: desculpe se eu não sei lidar com a esquizofrenia que é equilibrar um comportamento de ódio mútuo com a de uma aposta de falsa paixão com a de eventuais beijos que não são falsos com a convivência com amigos que o odeiam e que agora talvez também me odeiem… - Soltei, de modo brusco, como se estivesse despejando as palavras nele.

Meu rosto estava mais quente que o normal e não lembrava de já ter sentido meu coração bater tão forte. Havia ali uma mistura de constrangimento profundo, com desprezo, com senso de auto-preservação e uma vulnerabilidade exposta. Sentia que precisava juntar todos os pedaços, palavras e gestos e prendê-los para longe do loiro, porque ele agia como se fosse descansar no momento em que tivesse usado tudo de mim e destruído cada coisa.

Talvez eu estivesse ficando louca… Quando criei coragem para encará-lo, notei uma expressão inocente no seu rosto.

‒ Esquizofrenia? - Perguntou, franzinho o cenho. Há, palavra trouxa… É claro que ele nunca tinha ouvido falar. Merlin, como eu era burra!

‒ É um termo trouxa. - Esclareci. ‒ Trata-se do nome dado a uma espécie de distúrbio em que a pessoa começa a ter algumas experiências fora da realidade.

‒ Então… Eu a deixo fora da realidade? - Concluiu, arrogante. Parecia divertir-se com tudo.

‒ Sai da minha frente, Malfoy. - Retruquei, cansada daquele diálogo que não ia a lugar nenhum.

‒ Vai sair correndo de novo? - Desafiara-me, sem se mover.

Parte de mim considera seriamente apanhar minha varinha nas vestes, enquanto outra parte - a menos inteligente, diga-se de passagem - não conseguia parar de pensar no quanto queria irritá-lo, avançar nele e ao mesmo tempo beijá-lo. Talvez a situação estivesse me tornando uma pessoa desfuncional, masoquista. Ou as duas coisas.

‒ Talvez. ‒ Menti em resposta. Ele sorri. Talvez o idiota seja a única pessoa que eu conheço que tem coragem de sorrir ao me ver irritada. ‒ Eu não sei mais o que dizer, doninha… - Desisto, torcendo pra que a honestidade faça com que ele sinta pena de mim e saia do caminho antes que eu crie coragem para estuporá-lo no gramado.

‒ Só mais uma pergunta: não nos vimos durante essa semana porque você estava fugindo de novo, certo? - Ele quis saber, astuto, fiz que sim com a cabeça.

‒ Eu não usaria a expressão "fugir", acho que no máximo eu o evitei... - Tentei esclarecer, na tentativa de parecer menos covarde.

‒ Mas não hoje durante o treino.

‒ Não. - Respondi, engolindo em seco. O QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO COM A MINHA VOZ QUE FOGE DO MEU CONTROLE? ‒ Satisfeito, Malfoy?

Ele voltara a me ignorar. Parecia estar em transe, apesar de manter os olhos fixos na minha direção. Por um segundo penso que ele está travando também alguma batalha consigo mesmo, mas seria pedir demais.

‒ Theo e Blaise disseram que estive insuportável porque senti sua falta. - Falou. E suas palavras chegam em mim como um choque. Não sei como reagir, minhas mãos começam a suar. Dou graças a Merlin quando o loiro continua o que está dizendo antes que eu consiga abrir a boca: ‒ E eu não ligo se você se sente confusa sobre isso, Granger.

Assim que ele termina de falar, me dou conta de que talvez eu realmente não deva me importa. Porque talvez talvez talvez seja mais maduro encarar a situação do que simplesmente fugir, certo?, o raciocínio corre pelo meu cérebro, tomando conta dele de forma urgente, a ponto de eu finalmente conseguir lidar com o fato de está tudo bem beijar meu maior inimigo e não sair correndo.

E então, pela primeira vez, eu não corro pra longe. Lembro de diminuir a distância entre nós: aí nos beijamos de novo, em um encaixe mais desesperado que qualquer outra definição.

Beijo-o tantas vezes e deixo que ele me invada os lábios com tanta urgência, que há uma sensação contraditória de calmaria predominando dentro de mim.

Diabos, eu estou beijando Draco Malfoy e isso não faz parte de uma aposta [!].