Notícias de um escândalo

Ela me lançou um olhar de dúvida e íntima diversão. Não sei exatamente o que se passava na cabeça de Ginevra naquele momento, mas depois de alguns drinks eu já não estava raciocinando bem o bastante para me importar. Ela estava encostada à lareira da minha sala de estar, deslizado a ponta do dedo sobre a borda do copo meio vazio e tudo o que eu conseguia pensar é que ela havia se tornada uma mulher deslumbrante.

Tínhamos plena consciência de que aquela cena seria inimaginável à apenas dez anos atrás. Era isso o que tornava as coisas tão interessantes. Eu sabia muito pouco dela além dos títulos e medalhas que ela ganhou durante a carreira de jogadora de quadribol. As revistas não se importavam muito com ela e isso só mudava no dia do feriado em memória de Harry Potter e as vítimas da guerra, quando ela deixava sobre a lápide no cemitério de Godric Hollow uma coroa de flores.

Ainda que tivéssemos realidades bem distintas, Ginevra era inteligente e eloqüente. Havia uma graça natural em seus movimentos, seu temperamento era explosivo e masculinizado em certos pontos, mas ela parecia controlar isso muito bem. Acho que ela teve de se refazer sozinha depois da morte do Potter e acabou mudando pra melhor. Se eu não a conhecesse de vista e se ela não tivesse cabelos tão vermelhos, eu nem mesmo poderia dizer que ela era uma Weasley.

- Por que nunca fizemos isso antes? – eu perguntei de uma forma retórica e um tanto divertida para quebrar o silêncio que pairava no ambiente.

- Porque a sua família odiava a minha e, conseqüentemente, eu era algo inexistente na sua vida, ou no mínimo algo que devia ser evitado. – ela respondeu de forma franca e direta. Weasley não estava interessada em rodeios, não acreditava em flertes tão facilmente.

- Acho que cometi mais erros no meu passado do que o tolerável. – respondi – Definitivamente, eu deveria ter te conhecido antes.

- Como esta mudança tão repentina aconteceu? – ela me encarou curiosa e levemente debochada. Eu me levantei e fui até ela. – Todas estas mudanças são tão inacreditáveis que eu me pergunto o que gerou tudo isso.

- Quando acordei no dia seguinte ao fim da guerra minha casa estava em um estado deplorável. Minha família estava com a reputação arruinada e então comecei a repensar todas aquelas coisas, aqueles ideais e percebi que não valia à pena lutar por uma causa perdida. – eu disse me escorando a lareira e a encarando nos olhos – Não foi fácil admitir também que mestiços e nascidos trouxa se tornaram indispensáveis para a continuidade do sangue bruxo e também para o desenvolvimento da nossa sociedade. Veja sua cunhada, por exemplo. É o nome mais respeitado no meio jurídico e é uma nascida trouxa. Mesmo que eu odeie admitir isso, ela sempre teve muito mais talento do que metade dos sangues puros da Sonsarina juntos. Nossa sociedade não vai agüentar ser dividida em blocos novamente, precisamos coexistir pacificamente já que dependemos uns dos outros.

- Vai defender direitos para os elfos domésticos também? – ela disse rindo.

- Não num primeiro momento, mas prometo analisar sua sugestão com carinho. – deixei meu copo sobre a lareira – Além desta extraordinária sugestão, o que tem achado da campanha.

- Inusitada é o termo que me vem a cabeça de imediato. – ela respondeu divertida – Defender minorias e nascidos trouxas simplesmente não condiz com você, Malfoy.

- Já não há mais sentido em segregação, como eu disse. A cada novo governo que é formado sempre paira a desconfiança de como e quanto os direitos dos nascidos trouxas e mestiços serão limitados. Uma sociedade não sobrevive se a população que a compõe vive insegura. – ela ficou me encarando em silêncio por alguns segundos.

- Acho que eu deveria ir. – ela disse ao olhar para o relógio – Vai amanhecer em menos de uma hora.

- Tem certeza de que é uma boa idéia? Nós dois bebemos bastante e não seria muito sábio aparatar agora, seria? – afastei uma mecha de cabelo que caia sobre os olhos dela – Fique mais um pouco, descanse.

- Não acho que seja uma boa idéia.

- Eu não mordo, Ginevra. – eu disse baixo – Estou apenas sendo gentil e lhe oferecendo um quarto para descansar um pouco antes do dia clarear.

- O seu quarto? – ela questionou maliciosa.

- Estava pensando num dos quartos de hospedes, mas se insiste em visitar meu quarto sou obrigado a dizer que a idéia me fascina.

- Tentando me seduzir, Draco Malfoy? – ela perguntou quando eu já estava a milímetros de distância da boca dela.

- Não, Ginevra. Acho que é você quem está tentando me seduzir e está conseguindo. – eu a puxei pela mão e ela foi até mim sem protestar. Talvez fosse a bebida, ou algo que eu ainda não tinha entendido, mas o fato é que ela se deixou conduzir, como uma dançarina de tango, e eu a beijei sem ressalvas e sem qualquer ressentimento pelo fato dela ser uma Weasley.

O beijo parou em dado momento, não por minha vontade, mas pela vontade dela. Ginevra me encarou nos olhos e eu me detive na impulsividade. Ela parecia tão séria e digna diante de mim que avançar seria um erro. Os olhos dela eram gentis e indulgentes, mas ela não permitiria mais intimidades além daquilo.

- Eu realmente devo ir. – ela disse e, para alguém que havia acabado de beijar um velho inimigo da família, Ginevra parecia totalmente dona de si.

- Então é melhor usar a lareira. Rede de Flu é mais segura para alguém que não está tão sóbria quanto deveria. – eu insisti e ela concordou com um aceno de cabeça.

Ela pegou suas coisas e me olhou uma última vez por cima dos ombros. Ela havia se tornado algo extraordinário de fato. Algo como uma peça de arte rara e eu gostaria de acrescentá-la à minha coleção. Um passo de cada vez, eu era um político e políticos não podem se apressar.

- Sua companhia valeu minha noite. – eu disse beijando a mão dela outra vez – Se não for um inconveniente, gostaria de vê-la outras vezes, Ginevra.

- Vou estudar sua sugestão com muito cuidado. – ela respondeu – Até mais, Malfoy. – e então ela desapareceu em meio às chamas verde esmeralda.

Fiquei encarando a lareira por um tempo. O destino estava sendo gentil comigo ao colocar Weasley diante dos meus olhos e em condições tão inusitadas. No momento em que a vi no baile de caridade a idéia pareceu improvável, mas depois de algumas horas eu estava convencido de que aquela seria uma tacada de mestre.

Eu não podia ter Harry Potter lutando pela minha causa, mas a viuvinha dele era uma substituta a altura e satisfazia meu gosto por mulheres atraentes. Se eu conseguisse Ginevra Weasley ao meu lado em alguns eventos e rumores o bastante para fazer as pessoas acreditarem na existência de um relacionamento, eu iria disparar nas pesquisas de popularidade e minhas chances de vencer se tornariam reais.

Fui para minha cama com a cabeça nas nuvens e pensando na Weasley acabei pegando no sono. Estava certo de que meu plano tinha tudo pra dar certo, mas aparentemente esta era uma opinião que ninguém mais compartilhava e eu só descobri isso na manhã seguinte.

Blaise ignorou totalmente as regras da etiqueta e boas maneiras e quase atropelou uns dois elfos domésticos pelo caminho quando entrou como um furacão em minha casa. Eu estava tomando café da manhã quando ele apareceu.

Ele me encarou sem dizer nada por um segundo e então atirou um exemplar do Profeta Diário, do Semanário das Bruxas e do Pasquim, todos exibindo em linhas gerais a mesma manchete, mas cada qual com um enfoque diferente. Eu comecei a rir da capa do Semanário, mas Blaise não parecia estar achando a menor graça na frase "Romance Inusitado".

- Pode me dizer, em nome de Merlin, por que diabos você decidiu flertar com a Weasley fêmea ontem à noite? – Blaise perguntou irritado.

- Você viu a Weasley ultimamente? – eu o encarei com a maior serenidade do mundo – Porque obviamente não a viu ontem à noite. Ela estava...Como posso dizer isso? Bem, você me daria razão. Eu não poderia deixar uma beleza daquelas passar despercebida.

- Não me importa se ela podia ou não passar despercebida, o fato é, de todas as mulheres do mundo, você estava se engraçando justamente com a única que pode promover o seu completo suicídio político! – Blaise falou de forma enérgica.

- Ou promover minha carreira de forma meteórica. – eu rebati o argumento usando minha melhor expressão de superioridade.

- Acho que não acompanhei o raciocínio. – Blaise arqueou uma sobrancelha.

- Simples. – eu disse enquanto pega os exemplares e seguia até o escritório. Blaise estava logo atrás de mim – Ontem a noite você disse que o que eu precisava para ganhar as eleições era de um milagre. Só com um aval do Santo Potter eu iria conseguir convencer alguém das minhas propostas. Bem, talvez eu tenha conseguido este aval. Não pela boca do Potter, mas pela boca da "viuvinha".

- Deixa eu ver se peguei o espírito da coisa. – Blaise disse descrente enquanto entravamos no escritório. Fechei a porta. – Você está planejando conquistar a Weasley pra convencer o mundo de que você mudou e que de fato está preocupado com toda aquela baboseira que colocamos na sua campanha? – eu concordei com a cabeça e Blaise me lançou um olhar de desânimo – Seria genial se a probabilidade de dar errado não fosse tão grande! Draco, isso é um tiro no pé!

- O que exatamente pode dar errado, Blaise? – perguntei encarando-o diretamente nos olhos.

- Primeiro, há a possibilidade de você não ser tão irresistível quanto pensa que é. Segundo, há a possibilidade da Weasley não ser tão ingênua e santa quanto o mundo, o que incluí você, pensa que ela é. E terceiro, mas não menos importante, há a certeza de que os Weasley te odeiam, o que nos leva aos dois nomes que assombram a sua carreira. – Blaise fez uma pausa dramática – Ronald Weasley e Hermione Granger Weasley! Vamos supor, apenas supor, que o ruivo brucutu não goste nem um pouco de um certo loiro sonserino que ronda a irmãzinha dele. O mesmo ruivo, que por um acaso é chefe dos aurores, desencava uma pista qualquer, um motivo bem besta, pra desarquivar o caso do loiro... O CASO VAI DIRETO PRA GRANGER, A MULHER DELE, QUE QUER VER SUA CAVEIRA TANTO QUANTO O MARIDO DELA!

- Você me subestima de mais, Blaise. – respondi.

- Não. Eu sou realista. É você quem está achando que virou milagreiro! Nós somos BRUXOS, Draco! Milagres fogem às nossas habilidades!

- Eu a convidei para um drink ontem a noite. – eu disse de uma forma presunçosa e os olhos de Blaise saltaram.

- E ela?

- Aceitou. Viemos pra cá, tomamos alguma coisa, conversamos... – eu narrei minha primeira conquista.

- Me diga que você não transou com ela! – Blaise levou a mão a testa.

- Eu não transei com ela. – eu disse.

- Hahah! – Blaise fingiu o riso e depois me encarou sério – Eu quero a verdade, Draco!

- É verdade. Ao contrário da crença mais disseminada no mundo bruxo, eu não sou um tarado. – eu disse tranqüilo – Mas eu a beijei e ela não pareceu nem um pouco interessada em me afastar, acho até que ela gostou. De qualquer modo, eu a fiz entender que eu a procuraria outra vez, o que me faz lembrar que eu preciso comprar flores.

- Flores? Por que diabos você quer flores? – Blaise estava se tornando histérico.

- Você sempre disse que eu precisava trabalhar minha imagem e um candidato solteiro nunca é bem visto. – eu disse sorrindo – Começou, Blaise. A temporada de caça à futura Primeira Dama.

- Você não vai fazer o que eu acho que vai fazer, não é?

- Casar com a Weasley? – eu questionei como se fosse a coisa mais normal de se ouvir – Este é o plano.

Eu só consegui de fato ler o que estava em cada uma daquelas edições quando Blaise foi embora e me deixou sozinho com meus pensamentos. Ainda naquela tarde eu me certifiquei de que Ginevra receberia um belo buquê de flores com um cartão apropriado.

Ignorei o falatório sem propósito do Profeta Diário e parti direto para O Pasquim, onde havia uma caricatura minha rastejando atrás da Weasley e uma insinuação interessante. "O que o desespero faz". A matéria foi escrita pela própria Lovegood, o que significava que eu tinha conseguido pisar no calo da oposição com gosto. Luna não costumava se dar ao trabalho de escrever coisa alguma, principalmente para falar contra alguém, a não ser em casos extremos.

"Às vésperas de uma eleição histórica, onde muitos candidatos se prestam a papeis ridículos na tentativa de cativar a população e seus votos, nada foi tão estapafúrdio quanto a noite de gala promovida por Draco Lucius Malfoy.

Em seu alegórico baile beneficente, cuja finalidade era angariar fundos para vítimas da guerra internadas em St. Mungus, a sociedade bruxa foi contemplada por discursos vazios de um homem com um passado ainda obscuro. Para alguém que carregou nas costas um processo gigantesco graças a sua contribuição ao lado das trevas, Draco Malfoy parece determinado a convencer o mundo de sua redenção pregando a igualdade. O desespero é tanto que durante a festa o senhor Malfoy foi visto cortejando ninguém menos do que Ginevra Weasley, atacante do Holyhead Harpies e ex-namorada do falecido Harry Potter.

É fato público e notório a história rivalidade entre a família Malfoy e a família Weasley, quase tão evidente quanto à rivalidade entre sonserinos e grifinórios, mas isso não deteve Draco Malfoy em momento algum. Estaria Malfoy tão desesperado pelo cargo de Ministro a ponto de ignorar a rixa? Eu não apostaria em final feliz num romance como este."

E se eu tinha alguma dúvida de que Luna Lovegood me odiava aquele artigo respondia todas as questões pendentes a respeito. Loony devia estar muito desesperada para denegri minha imagem se chegou ao ponto de escrever aquela matéria de próprio punho. Deixei o Pasquim de lado e passei para o Semanário das Bruxas.

O Semanário apostava em algo bem mais leve, que pudesse satisfazer a curiosidade das leitoras por um novo romance escandaloso. Era daquilo que eu precisava. Várias fotos do momento em que dancei com a Weasley, frases que instigassem a curiosidade do mundo bruxo por um par no mínimo improvável.

"O mundo se tornou uma caixinha de surpresas. O romance mais impossível desde que Romeu e Julieta passou a ser lido por bruxos não parece ser tão impossível assim. Draco Malfoy, o mais jovem candidato a corrida Ministerial e também um dos solteiros mais cobiçados da Inglaterra, parece estar decidido a quebrar tabus. A alta sociedade bruxa pode assistir da camarote o surgimento de um casal que promete revolucionar nossa história. Um Malfoy e uma Weasley, é disso que são feitos os Best-sellers e novos ministros."

Aquilo soava fantasioso de mais e meloso de mais, mas ao menos garantiria alguns pontos com o eleitorado feminino. Todas as publicações mágicas da Inglaterra estavam comentando a respeito e o caso Weasley/Malfoy havia se tornado a fofoca mais quente do país no prazo de vinte e quatro horas.

Estava tão concentrado que não notei as chamas da lareira se tornarem verde esmeralda, tão pouco reparei que eu não estava sozinho até me virar e dar de cara com aquela figura longilínea de cabelos vermelhos.

Ginevra trazia na mão um exemplar do Pasquim e tinha o semblante preocupado. Aquela aparição me pegou de surpresa, mas não dava pra negar que era muito melhor do que eu tinha planejado a princípio. Eu esperei receber uma carta de agradecimento no dia seguinte e o que eu ganhei foi uma visita dela.

- Estou incomodando? – ela perguntou afogueada.

- De forma alguma, Ginevra. – respondi indo até ela.

- Acho que você já deve ter lido isso. – ela mostrou a capa do Pasquim e eu ri da caricatura.

- Li sim. Só queria saber o que eu fiz para Lovegood se dar ao trabalho de me insultar publicamente. Não me lembro de receber uma cortesia como esta antes. – eu disse bem humorado e Ginny relaxou um pouco.

- Acho que meu irmão a incentivou a escrever isso. De qualquer modo, ninguém fora da Sonserina ia muito com a sua cara e essas eleições estão mexendo com os nervos de todo mundo. – ela sorriu um sorriso deslumbrante. Não sei por que, mas ela adquiriu um gosto por investimentos de risco. Era a única explicação que eu consegui encontrar pra justificar o fato dela ter ido até minha casa e estar correspondendo ao meu flerte. No fundo, todo mundo tem uma atração pelo que é proibido. – Ela não tinha o direito de escrever sobre eu e você desta maneira.

- Que maneira, exatamente? – eu provoquei me aproximando dela e retirando a capa que ela usava como um perfeito cavalheiro.

- Como se tivéssemos um caso. – ela respondeu suave.

- E não temos? – aquela brincadeira estava ficando interessante.

- Uma dança, alguns drinks...Isso dificilmente pode ser considerado como um caso. – ela respondeu se virando pra me encara nos olhos.

- Está esquecendo de mencionar o beijo. – eu disse – De qualquer modo, o que um homem tem que fazer para ter um caso com você?

- Não sabia que tinha virado comediante, Malfoy. – ela disse me lançando um sorriso felino.

- Não é brincadeira, Weasley. – eu a encarei de forma objetiva – As revistas dizem que temos um caso, mas a verdade é que eu estou interessado nisso e não estou vendo você recuar, o que significa que estamos tendo um caso de fato, ou caminhando pra isso. – ela riu – O que achou das flores?

- São lindas, obrigada.

- E o que acha da parte de termos um caso? – eu a puxei pela cintura e ficamos colados um ao outro.

- Não concordo com isso, Malfoy. – ela respondeu apoiando as mãos sobre meu tórax.

- Uma pena. Vou ter que pensar em algo melhor então. Não gosto do termo "caso" de qualquer modo. Parece algo clandestino e proibido. – eu disse beijando o canto da boca dela.

- E isso não é clandestino e proibido? – ela perguntou enquanto fechava os olhos.

- Todos os jornais já sabem, então não é clandestino. Quanto a parte do proibido, isso está fora de moda, aliás somos solteiros, livres e desimpedidos. Podemos fazer o que quisermos. – e mais uma vez eu a beijei.

Nota da autora: Mais um capítulo e este é o início do caso que vai abalar as estruturas do mundo bruxo. E olha que a oposição nem deu as caras ainda. Espero que gostem e comentem.

Bjux

Bee