CAPÍTULO 3:
GOOD FEELING

"Então vocês estão aqui para uma consulta de rotina, é isso?", a secretária perguntou, sem esperar resposta. O crachá dizia que seu nome era Amber. Ela era simpática, mas parecia um pouco cética em relação às intenções deles. Harry percebeu que, como na hora em que foram ao consultório dos Wilkins pela primeira vez, ela prestava atenção em Ron, que não conseguia se conter diante do cenário tão estranho para ele. A televisão não mostrava nada de interessante, mas ele tinha os olhos fixos nela. Amber examinou-os um pouco mais e deu um sorrisinho nervoso na direção deles enquanto recolhia a ficha de Harry. Suas feições se modificaram quando ela viu o plano de saúde, mas não notou o feitiço de investigação do Ministério que Kingsley havia dito para usarem, quando Hogwarts começou a ser reconstruída.

"Vai demorar muito?", Ron perguntou baixinho, o rosto franzido. "Não queria que Hermione ficasse sozinha no apartamento."

"Ela sabe se virar melhor do que nós dois."

"É, mas-", ele começou e se interrompeu, engolindo seco. Não sabia muito bem como lidar com tudo o que ela passava ao mesmo tempo em que se recuperava também, embora estivesse disposto a ajudá-la.

"O doutor Wilkins vai atendê-los agora", Amber anunciou e indicou a porta de sua sala.

Ron se levantou primeiro, mais nervoso do que antes. Havia insistido para que Harry fosse examinado, para que pudesse conversar com o pai de Hermione. Tinha um pouco de receio do que podia dizer perto dele; Harry sabia que ele estava repassando tudo em sua cabeça na sala de espera, como fazia com as provas importantes nos tempos de escola. Hermione não estava lá para guiá-lo dessa vez, agora era a vez dele. "Vamos lá", sussurrou.

O senhor Granger abriu um sorriso calmo quando eles entraram na sala. O ambiente parecia ser como ele, com algo de acolhedor em seus tons de amarelo. Havia um tabuleiro velho de xadrez dobrado sobre uma mesa do canto, um mural com fotos de pacientes usando aparelho em uma consulta, uma foto com a esposa. Parecia tão errado não ter nenhuma foto de Hermione, Ron pensou, e teve certeza de que Harry pensou o mesmo ao ver a expressão do amigo. Nenhum deles conseguiu bem retribuir o cumprimento do dentista, ficaram parados, esperando que ele dissesse alguma coisa.

Levantou-se e sorriu mais uma vez para eles, apertando suas mãos. Ele pediu para que eles se sentassem e passou os olhos pela ficha que Harry havia preenchido. Ron notou, com tristeza e admiração, que o jeito de concentração era o mesmo de Hermione. Enquanto o amigo se dirigia para a cadeira em que seria examinado, no centro da sala, ouvia todas as recomendações dela em sua cabeça, pensando em como estava apreensiva. Vá com calma, Ron, ela dissera, porque confiava nele.

"Hm, o que temos aqui?", o senhor Granger falava consigo mesmo enquanto trabalhava, às vezes fazendo uma pergunta a Harry. Ron resolveu que devia começar. Fitou o tabuleiro de xadrez e perguntou se ele jogava, a voz surpreendentemente firme.

O senhor Granger virou a cabeça para ele e abriu um largo sorriso por trás da máscara de dentista. "Jogo, sim. Você joga, filho?"

Ron parou por um momento. Não conseguia expressar o quanto desejava ouvir aquilo outra vez algum dia, quando o homem à sua frente soubesse quem realmente era.

"É, eu jogo." Dessa vez, tremeu um pouco, mas continuou. Olhou mais uma vez para as fotos aglomeradas no mural e questionou-se se devia perguntar ao senhor Granger se tinha filhos. Não pressione, Ron, por favor, ela diria, quase implorando.

"Algum desses é seu filho?", perguntou antes que pudesse se conter. Harry encarou-o alarmado da cadeira, não estava esperando que agisse de forma tão direta.

Levou um tempo até que ele parasse o trabalho para responder. Quando o fez, Ron notou suas reações: os ombros ligeiramente curvados, a respiração um pouco mais pesada, a expressão de quem não conseguia identificar do que sentia falta. E como era por esses sinais que procurava, os que fariam Hermione reverter o feitiço se sentindo um pouco melhor consigo mesma, Ron resistiu para esconder seu contentamento.

"Ah, eu não tenho filhos", o senhor Granger respondeu, olhando para o mural também. Suas reações se intensificaram. O homem estava precisando de alguma coisa, e Ron se viu querendo oferecer sua ajuda tanto a ele quanto à Hermione. O dentista se virou para Harry mais uma vez. "Não, eu e minha esposa não tivemos filhos, preferimos nos mudar para cá. Somos da Inglaterra. Vocês também são, certo?"

Ron assentiu e observou enquanto ele voltava a cadeira de Harry à sua posição normal, correndo os olhos pela sala, como se tentasse encontrar o que estava faltando. Seus olhos pairaram em Ron, libertando-se do transe. Voltou-se para Harry.

"Bem, está tudo certo com você, filho. Procure usar o fio dental com mais freqüência."

Levantou-se a apertou a mão dos dois novamente, prestando mais atenção neles, como se tivesse notado alguma coisa sobre eles repentinamente. "Até breve, então, rapazes. Obrigado por virem."

"Até breve, senhor Wilkins", disseram. Com um último olhar para o pai de Hermione, Ron esperou que estivessem certos nisso.

Voltaram para a sala de espera, onde Amber falava ao telefone. Ron achou que era uma boa idéia ligar para Hermione, queria que ela soubesse o quanto antes. Pediu o telefone celular que Harry carregava, não conseguiu entender bem os números todos. O amigo riu do seu jeito e começou a discar, até ele se confundiu com o aparelho. A esperança era um sentimento engraçado.

Ron pegou o celular nas mãos e esperou que ela atendesse. Sorriu sem motivo quando ouviu a voz dela, quase se esqueceu do tom inquieto que ela usava naqueles dias.

"Oi, Hermione?", disse, e esperou que ela pudesse sentir aquilo tudo em sua voz, que não fosse preciso dizer mais nada, mesmo sabendo que seria capaz de dizê-lo até que ela se sentisse bem. Já sabia que não era preciso gritar ao telefone, mas falou alto, mesmo assim. Refrear-se parecia ridículo, um desrespeito ao raro sentimento bom. Amber e uma senhora que estava esperando começaram a prestar atenção na conversa, e ele não conseguiu se importar.

"Hermione, eu acho que você vai querer vir aqui. Você precisa vir aqui e consertar tudo, e eu vou ajudar você. Estou devendo isso a duas pessoas, agora."

Não conhecia muito de tecnologia não-mágica, e achou uma pena que não pudesse ver o sorriso que se formou no rosto dela.

E olhe para quem você se tornou, Ron Weasley.