Capítulo 01 – That guy from the future

"É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa." - Orgulho e Preconceito, Jane Austen.

Houve um tempo em que a simples menção do nome de um certo italiano era capaz de arrancar olhares raivosos e palavras duras dos lábios de Hibari. Ele sabia, entretanto, que o motivo que o levava a suportar aquele detestável homem era extremamente benéfico. O bebê não mandaria um fracote qualquer para treiná-lo, e se tolerar o louro significava que ele se tornaria mais forte, então assim seria.

Desde a primeira vez que o viu, Hibari soube que não o suportaria. Era assim que ele se sentia perto de pessoas em geral. Elas eram barulhentas, egoístas e tinham o péssimo hábito de se aglomerarem aonde quer que fossem. Não foi diferente com Dino Cavallone. O italiano aproximou-se, sorridente e simpático como era de sua natureza, acompanhado obviamente pelo seu braço direito. O que era algo cotidiano para o louro, pareceu completamente diferente para o recém declarado Guardião da Nuvem. O que Hibari viu foi um estrangeiro que falava diferente, acompanhado por um senhor e uma dúzia de homens espalhados pelo seu Colégio.
Como esperado, as coisas não começaram muito bem.

Em um ano Dino precisou aprender a lidar com seu pupilo. Seu jeito e sua personalidade normalmente atraiam as pessoas, o que não ocorria com o moreno. Suas brincadeiras, risadas e sorrisos simplesmente não tinham efeito algum no sempre sério e arrogante Guardião da Nuvem. Os encontros - na maioria das vezes no terraço do Colégio - começavam e terminavam da mesma forma: ataques surpresos e quase nenhuma conversa. Levou algum tempo para que o louro conseguisse arrancar uma frase inteira de Hibari, e meses até que ambos estivessem travando uma conversa que não envolvesse lutas ou a Máfia. Os assuntos preferidos do moreno incluíam criticar Tsuna e os demais, zombar da posição de Dino ("Você? Chefe? Ah, claro!") ou comentar qualquer coisa em relação à Hibird ou o clima.
A relação entre eles teria permanecido indefinida se o futuro não tivesse acontecido.

Tudo começou em uma nublada manhã. Há dias o Sol não comparecia ao céu daquela região da Itália, e segundo a meteorologia o clima permaneceria o mesmo por mais alguns dias. A temperatura não estava alta e nem baixa, apenas o ideal para se caminhar confortavelmente de calças de moletom e camiseta pela casa. E era assim que Dino Cavallone passeava de um cômodo para o outro, da enorme sala de jantar para a biblioteca na outra extremidade de sua Mansão. Em seus lábios uma antiga música italiana ganhava vida em forma de assovio. Em seus olhos cor de mel, a atenção necessária para não tropeçar ou derrubar nada até chegar ao seu destino. Ao entrar na enorme biblioteca e sentar-se folgadamente em sua cadeira, o louro suspirou e espreguiçou-se. Era hora de começar o trabalho.

O único problema era que nenhum trabalho seria iniciado ou concluído naquele dia. Não havia se passado nem cinco minutos que o Chefe dos Cavallone sentara em sua cadeira, e o alarme da Mansão tocou alto e sonoro. A atenção de Dino foi para a pequena lâmpada vermelha que ficava em uma das extremidades da biblioteca e que piscava incansavelmente. A larga porta da biblioteca foi aberta no instante em que o louro retirava um de seus chicotes que ficava dentro de uma das gavetas da mesa.

- Chefe, temos um problema!

Um dos subordinados dos Cavallone atravessou as estantes, parando afoito em frente a seu Chefe, que já estava de pé pronto para ação.

- O que houve? - Dino estava sério. Suas mãos seguravam firmes o chicote.

- Alguém invadiu a Mansão. Romário já enviou reforços para o Portão Principal e pediu que eu o levasse em direção ao seu quarto, Chefe. Não há necessidades que o Senhor se envolva, Chefe.

- Como assim Portão Principal? - O italiano parou na entrada da biblioteca. Seus olhos estavam preocupados - Como alguém ousa invadir a Mansão pela porta da frente? Sabem para qual Família eles trabalham? - Dino andava com passos largos em direção ao Hall da Mansão. Aquilo não poderia estar realmente acontecendo.

- C-Chefe, Romário deixou ordens para levá-lo até seus aposentos, por favor, p-peço que entenda e me siga.

O homem que acompanhava Dino tremia. Uma coisa era desobedecer ao Chefe, à outra Romário. Entre um e outro, o castigo sempre era pior quando o braço direito dos Cavallone estava envolvido.
Dino parou de ouvir o que seu subordinado dizia há alguns segundos. Havia barulho de passos do lado de fora da Mansão, e assim que chegou ao largo hall, o italiano apertou o chicote e caminhou na direção da porta disposto a saber exatamente o que estava acontecendo.
Foi então que a porta se abriu, e com ela algo extremamente rápido correu em sua direção e o teria acertado se seu chicote não estivesse em mãos. Veloz, poderoso e certeiro. O golpe que o atingiu o fez dar vários passos para trás, parando apenas quando encontrou o primeiro degrau da enorme escadaria que se localizava em frente ao Hall e levava aos aposentos do segundo andar. Ali o corpo do italiano parou e seus olhos puderam ergue-se pela primeira vez para poder vislumbrar seu agressor.

Olhos negros o encaravam. Eram vivos, selvagens, brilhantes e repuxados nas extremidades. Esses mesmos olhos emolduravam um belo e másculo rosto, que apesar de totalmente masculino, esboçava traços delicados. Os cabelos eram curtos e negros. A pele pálida. Não importava se as intenções daquele homem fossem as piores possíveis. Por um segundo, por um tempo rápido e irrelevante, Dino achou seu agressor incrivelmente encantador. E então, a realidade o acertou, ou melhor, um tonfa o jogou para o outro lado do Hall, fazendo o louro arrepender-se de perder tempo contemplando alguém que planejava machucá-lo.

- C-Chefe! - O subordinado que assistia a tudo fez menção de ir à direção em que seu Chefe se encontrava caído, mas parou na metade do caminho. Havia uma quarta pessoa no local.

- Deixe-o, Francesco - Romário estava encostado na entrada da Mansão e tragava um cigarro com toda a calma do Mundo.

- M-Mas como assim? - O homem de nome Francesco colocou as mãos na cabeça como se puxasse os cabelos. Não era possível que Romário estivesse sugerindo que seu Chefe merecesse a surra. Bem, ele estava negligenciando o trabalho nos últimos dias, mas Dino sempre fora preguiçoso, e não era possível que o braço direito da Família pretendesse mudá-lo agora no auge dos seus vinte e três anos.

- Isso não é assunto nosso, venha Francesco, temos que ajudar os feridos - Romário acenou e desceu os degraus da entrada.

Dino ergueu-se vendo seu braço direito afastando-se, sem entender o que estava acontecendo. Uma traição? Impossível. Ele conhecia Romário o suficiente para supor tal coisa. Então só havia uma explicação para aquilo: Dino supostamente conhecia seu agressor.

Os olhos cor de mel se apertaram, mas não foi preciso que o italiano fizesse força para enxergar o homem que invadira sua casa, pois ele caminhava tranquilamente na direção em que Dino estava, deixando que seus sapatos negros fizessem barulho ao tocarem o piso de mármore. Quando o homem estava próximo o suficiente para ser visto, os olhos de Dino se arregalaram com assombro. Japonês, olhos frios e assassinos e um par de tonfas nas mãos.
Mesmo que parecesse impossível de acreditar, não havia dúvidas. Aquele homem era Hibari Kyouya.

- Eeh, você finalmente reconheceu - O moreno tinha um estranho e maldoso meio sorriso em seus lábios. Sua voz estava mais grossa, mas definitivamente pertencia a Hibari - Estava pensando o quão lento você seria para me reconhecer, Cavallone.

- K-Kyouya? - Dino estava completamente boquiaberto. O homem a sua frente não poderia ser o mesmo Hibari Kyouya que ele conhecia. Não, não era possível. A ultima vez que o vira foi há três semanas e ele tinha certeza de que o moreno era bem mais baixo e bem menos adulto com seus dezesseis anos.

- Quem mais o acertaria com tanta facilidade, Cavallone? - O Guardião da Nuvem ergueu um dos tonfas, mas foi defendido por Dino. - Se você pudesse ver sua expressão agora - Hibari forçou a arma para frente, fazendo o italiano manter seu chicote o mais longe possível de seu rosto. O homem a sua frente inclinou-se e ambos ficaram frente a frente. - Você parece tão jovem.

- J-Jovem? - Dino sentiu o rosto corar. Aquele Hibari era mais alto - V-Você que está mais ve-velho, mas como? O que aconteceu? Você está enorme, como isso é possível?

- Muitas coisas aconteceram - O moreno recuou o rosto, mas manteve-se em frente ao louro. Os olhos negros estavam baixos, e não pareciam tão frios. - Mas você continua mais alto do que eu.

O Chefe dos Cavallone piscou várias vezes, levando lentamente uma das mãos na direção do homem parado a sua frente. Seus dedos tocaram o terno negro que ele usava, sentindo-o. O tecido era fino, provavelmente italiano, mas isso não importava. Havia alguém por baixo daquele pedaço de pano. Era real, aquele Hibari Kyouya era real.

- Como é possível? - A voz do italiano soou baixa, quase um sussurro. Dino estava mais falando com si mesmo do que com o moreno.

Uma das mãos de Hibari tocou a mão que estava em seu peito, fazendo o italiano assustar-se, mas não foi o suficiente para afastá-lo. Seus olhos se encontraram, talvez pela primeira vez de verdade desde que o moreno invadiu sua casa. A mesma sensação que Dino sentia todas as vezes que visitava Namimori apoderou-se de seu corpo. Seu peito tornou-se quente assim como a mão que Hibari segurava junto ao seu peito. Por alguns segundos nenhum deles disse nada. Palavras não eram necessárias, não para dizer o que estavam pensando e sentindo naquele exato momento. Dino tinha muitas perguntas que mereciam respostas, mas Hibari tinha pouco o que dizer. Ele estava feliz mesmo sabendo que não teria muito tempo.

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- Então, espere, recapitulando... - Dino cruzou os braços e colocou uma das mãos no queixo - Você veio do futuro por causa da bazuca de dez anos da Família Bovino, certo? Então o Kyouya que eu conheço está no seu tempo, o que faz, obviamente, você estar aqui no tempo dele. Logo, você é o que ele se tornará - Os olhos cor de mel do Chefe dos Cavallone brilharam.

- Poupe-me das suas reações idiotas, Cavallone - Hibari estava recostado à janela. Os braços estavam cruzados e sua expressão tornou-se séria novamente.

- Não são idiotas! Eu só estou... surpreso - O louro tentava esconder o entusiasmo - O que você me contou é incrível demais para ser verdade. Eu sei que faz sentido, mas não consigo deixar de me sentir lisonjeado por ter a sua visita, Kyouya.

O rosto do italiano corou levemente. O sempre tão galante e falante Dino Cavallone estava tendo problemas em encontrar as palavras certas. Conversar com aquele homem não era o mesmo que falar com o adolescente Guardião da Nuvem. A maneira de andar, se portar e falar havia mudado. Os dois subiram para o quarto de Dino, e enquanto escutou a história que o moreno tinha para contar, foi difícil para o italiano concentrar-se na narrativa quando qualquer movimento de Hibari roubava-lhe totalmente a atenção. O garoto arrogante que ele aceitou treinar se transformaria em um charmoso homem.

- Eu não tinha outro lugar para ir - Hibari fechou os olhos, como se pensasse no que deveria dizer.

- Mas você nunca esteve aqui antes - Dino estava sentado na cama, olhando fixamente para o homem próximo a janela - Como sabe o caminho?

Os olhos do Guardião da Nuvem se abriram, mas não encararam o italiano. Eles olharam o céu nublado como se estivessem vendo algo que Dino não era capaz de ver, pelo menos não ainda. Quando eles voltaram a encarar o louro, havia um brilho que o Chefe dos Cavallone não conseguia compreender.

- Por hora eu ficarei aqui por alguns dias. - Hibari desencostou-se da janela e cruzou o quarto olhando envolva.

- Eh?

Dino levantou-se da cama surpreso. Ele não se importava de receber Hibari em sua casa, mas dividir o mesmo teto era algo completamente diferente. Havia coisas e sentimentos que ele não compartilhou com aquela versão do futuro. Sentimentos esses que estavam guardados dentro de seu peito, e nem o Guardião da Nuvem do futuro poderia fazia idéia de que eles existissem.

- Eu não tenho outro lugar para ir - Hibari aproximou-se do louro, colocando uma mão em seu ombro. - E eu já me decidi.

O Chefe dos Cavallone continuava a sentir a mão em seu ombro, mesmo depois que o moreno deixou o quarto. Dino sentou-se com barulho em sua cama, apoiando os cotovelos em seus joelhos e segurando a cabeça entre as mãos. Aquilo só poderia fazer parte de um pesadelo. Primeiro, sua casa é invadida. Segundo, o invasor não é ninguém além de uma versão dez anos mais velha de seu pupilo. Terceiro, esse mesmo homem convidou-se a permanecer em sua casa por tempo indeterminado.
Não foi necessário um quarto lembrete para fazer o jovem italiano suspirar longamente, sem saber se o que seu coração sentia naquele momento era terror ou conforto em saber que de todas as pessoas, Hibari o escolheu como companhia enquanto estivesse no passado.

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O Guardião da Nuvem não mentiu quando disse que permaneceria na residência dos Cavallone. Naquele mesmo dia o moreno requisitou um quarto e roupas que pudesse usar. Todos os pedidos foram acatados como se fossem leis pelos subordinados de Dino, e aquele marcou o primeiro dos muitos dias que Hibari permaneceria sob a custódia de um dos mais poderosos mafiosos da Itália. O cotidiano do italiano – na teoria - pouco sofreu com aquela nova adição. Romário garantiu que a agenda de Dino permanecesse inalterada, assim como suas reuniões e seu trabalho de escritório. O braço direito dos Cavallone foi o menos afetado com toda aquela história. Seu Chefe apenas lhe contou o necessário, mas nada parecia abalar Romário, que apesar de nunca assumindo para Dino, pôde notar a visível mudança que a presença de Hibari implicou na vida pessoal de seu Chefe. A rotina profissional do louro estava impecável, porém, o mesmo não se podia dizer sobre suas emoções. Conhecendo o italiano como Romário o conhecia, por diversas vezes ele se divertiu com a imaturidade e covardia de Dino.

Para o Chefe dos Cavallone, os dias que Hibari permaneceu em sua companhia jamais poderiam ser esquecidos, mesmo que muitas vezes os dois só se vissem durante uma ou duas refeições. Era impossível para Dino não lançar um significativo olhar na direção do último quarto do corredor enquanto seguia para seu próprio quarto. As conversas nunca seriam o forte do Guardião da Nuvem, mas o italiano estava satisfeito com as poucas palavras que conseguia. Hibari lhe explicou a situação de Tsuna e dos demais Guardiões, sendo aquela a conversa mais longa que ambos tiveram durante sua estadia.
Portanto, quando o Guardião da Nuvem entrou na biblioteca dias depois e parou em frente à mesa de Dino anunciando que partiria para o Japão no dia seguinte, a reação do italiano não foi o que ele tinha em mente. Eles não tiveram contato suficiente para criar laços. Eles não trocaram confidências, sorrisos ou risadas. Eles basicamente apenas dividiram o mesmo teto por pura necessidade.
Então como Dino explicaria o vazio que sentiu em seu peito ao ouvir tais palavras?

- I-Indo embora? - O Chefe dos Cavallone piscou várias vezes. Talvez ele estivesse escutando coisas demais.

- O meu eu do passado deve retornar em breve e acredito que ele gostaria de estar em Namimori quando isso acontecer. - Hibari tinha os olhos baixos. Sua expressão era branca.

- Oh... entendo.

O italiano pousou a caneta em cima da mesa e passou uma das mãos pelos cabelos. Seu coração batia tão rápido em seu peito que foi inevitável que a cor rosada pintasse suas bochechas, ao imaginar que o homem a sua frente poderia ouvir seu embaraço. Ele sabia que aquele dia chegaria. O que Dino não entendia era porque seu corpo relutava tanto em aceitar tal fato. Se não havia laços ou sentimentos entre eles, então por que aquilo parecia mais um permanente adeus? Havia tantas coisas que o louro gostaria de perguntar, não somente sobre o futuro em si, mas sobre ele... sobre eles.
A consciência desse pensamento o fez abaixar os olhos, sorrindo. Estava ali à única pergunta que ele gostaria de realmente saber sobre o futuro, e era provavelmente a última coisa que ele teria coragem de dizer.

- Espero que tenha permanecido confortável em sua estadia, Kyouya - Dino ficou de pé. Em seu rosto, apenas a mesma expressão que ele usava em todas as suas reuniões: o polido e diplomático semblante. - E que o seu futuro esteja diferente quando regressar.

Os olhos negros de Hibari pareceram sorrir com o comentário.
Aquele era um hábito que o Chefe dos Cavallone notou com o tempo. O moreno continuava arrogante e taciturno, mas seus olhos tornaram-se além de mais belos, incrivelmente expressivos. Era como se eles brilhassem para contrabalancear a sua inaptidão com as palavras.

- Não tenho inclinação alguma em mudar meu futuro, Cavallone. Tudo está exatamente onde deveria estar - Hibari deu um passo à frente, apoiando ambas as mãos sobre a mesa. Os dois homens estavam um de frente para o outro, seus rostos afastados apenas por um palmo de distância - Você não fez perguntas sobre o futuro, não está interessado em saber se continuará sendo Chefe?

- Na verdade não... - Dino sabia que deveria se afastar, mas seria impossível. Os olhos que o encaravam eram sedutores demais, e uma parte de si mesmo queria saber até onde aquela conversa iria. Em menos de cinco minutos ambos tiveram a conversa mais intima desde a chegada do moreno. - Eu não me importo tanto com o futuro.

O peso que aquelas palavras tiveram surpreendeu o Guardião da Nuvem. Hibari abaixou os olhos e afastou o corpo da mesa, dando as costas e mostrando claramente que a conversa chegara ao fim.
Sem saber ao certo o porquê, Dino colocou a mão na testa e aproveitou que os olhos do moreno não estavam mais sobre ele para finalmente deixar um pouco do que ele guardava em seu peito correr livre. Aquele homem iria embora no dia seguinte, então teoricamente seu segredo estaria a salvo.

- N-Nós nos falamos ainda? Digo, temos contato um com o outro... no futuro?

A pergunta saiu enrolada, tímida e polida. A reação do receptor foi quase imediata.
Hibari virou-se o suficiente para encarar o italiano, e dessa vez não era só seus olhos que sorriam. Seus lábios estavam repuxados em um meio sorriso, e por mais que Dino estivesse hipnotizado pela figura a sua frente, era impossível não pensar que aquele sorriso era mais irônico do que feliz.

- Eu estava esperando pelo momento em que você fosse querer saber sobre isso - O Guardião da Nuvem virou-se totalmente e fechou os olhos. Quando ele os abriu, havia algo intenso na maneira como seu olhar mantinha-se firme na direção do louro. Seus lábios se entreabriram no mesmo instante que a porta da biblioteca. Romário adentrou segurando o terno negro que Dino usaria na reunião que teria em poucas horas, permanecendo um pouco atrás de Hibari, que pronunciou apenas três palavras - Todos os dias.

O Guardião da Nuvem fez uma discreta reverência para Romário antes de deixar a biblioteca. E mesmo que seu braço direito estivesse falando sobre a reunião, tudo o que Dino conseguiu fazer foi sentar-se em sua cadeira, escondendo o rosto vermelho com as mãos.

O dia ocupado e a agenda cheia do Chefe dos Cavallone o impossibilitaram totalmente de retornar a Mansão naquele dia. O relógio marcava duas da manhã quando a limousine estacionou e o italiano desceu, sentindo cada músculo do seu corpo dolorido pela tensão durante o dia. Como se não bastasse o trabalho, sua mente permaneceu completamente cheia a todo o momento. As palavras de Hibari ainda estavam em sua mente quando o louro entrou em seu quarto, retirando as peças de roupa conforme caminhava na direção do banheiro. Um banho e então ele poderia jogar-se na cama e pensar o quanto quisesse em sua própria situação.

E assim Dino o fez. Aquela provavelmente seria a segunda melhor parte de seu dia. Sem Romário ou nenhum de seus subordinados lembrando-o de suas obrigações, o italiano permitiu-se pensar o que quisesse sobre o que o Guardião da Nuvem havia dito. As intenções por trás daquelas palavras provavelmente nunca seriam reveladas, mas Dino apenas podia imaginar que apesar de tudo, ambos manteriam pelo menos um contato cordial no futuro. O Hibari do futuro não sabia de suas reais intenções, ou não teria aparecido na porta de sua casa, disso ele tinha certeza. Se algum dia aquelas palavras ousassem sair por seus lábios, provavelmente marcaria o fim da tempestuosa relação que eles possuíam. Tutor e pupilo. Foi para isso que Reborn o escreveu meses atrás e foi com esse intuito que o louro deixou a Itália para se aventurar em terras estrangeiras. Ele devia muito ao Arcobaleno, e saber que poderia ser de alguma utilidade fez com que Dino sentisse que um pouco da sua divida pessoal estaria sendo paga.
Entretanto, o italiano mal sabia que no final das contas ele entraria em uma nova divida com Reborn, pois se não fosse o Hitman, ele nunca teria a oportunidade de conhecer Hibari. Os sentimentos que o Chefe dos Cavallone nutria por seu pupilo eram secretos. Somente em seus sonhos íntimos ele permitia-se imaginar qual seria a reação do Guardião da Nuvem ao tomar conhecimento de tal coisa. No melhor dos casos, Dino imaginava que sairia com pelo menos um dos braços intactos, e se o moreno estivesse em um bom dia, talvez uma das pernas também.

Com todo o tipo de pensamento e especulação, Dino pegou no sono sem perceber. Naquela noite, provavelmente por ter passado tanto tempo pensando em uma mesma coisa e pessoa, o italiano teve a impressão de que sentira alguém ao seu lado. Uma presença na beirada de sua cama. Uma mão em seu rosto, talvez. Algo tocando delicadamente seus lábios. Uma voz distinta próxima ao seu ouvido...? Dino não sabia, pois estava no mundo dos sonhos onde poderia ser realmente honesto com seus sentimentos.

O louro não sabia ao certo se havia sonhado ou se tudo aquilo era fruto de sua mente que começava a tornar-se obsessiva.
Na manhã seguinte, a primeira coisa que perguntou ao deixar o quarto as pressas foi saber se Hibari ainda estava em seus aposentos. A resposta de Romário foi negativa, afirmando que o moreno deixara a Mansão antes do Sol nascer, decidido a pegar o primeiro vôo em direção ao Japão. Dino retornou ao segundo andar, mas não seguiu em direção ao seu quarto. Seus pés o levaram para o último quarto do corredor, e mesmo sentindo as mãos trêmulas, o italiano abriu a porta devagar, como se esperasse encontrar seu antigo hóspede.

O quarto estava vazio. A cama perfeitamente arrumada. As janelas abertas deixavam as longas cortinas creme balançarem pelo ar. Fechando a porta atrás de si, Dino caminhou até a cama, sentando devagar, com certo respeito. Suas mãos tocaram a cara colcha, sentindo o tecido por seus dedos. Um meio sorriso cruzou seus lábios, e o louro encarou o chão sentindo-se incrivelmente sozinho.
Nada mudaria. O presente ou o futuro. Aquela visita de Hibari seria o mais próximo que Dino poderia estar do moreno para sempre. Eles nunca caminhariam juntos pelo jardim. Eles nunca pegariam no sono enquanto assistiam a um filme. Eles nunca dividiriam a mesma cama. Dino nunca sentiria o calor da pele de Hibari além das vezes em que estivessem lutando. Dino nunca provaria os lábios que tanto ansiava tocar. O Guardião da Nuvem nunca seria dele, isso o italiano tinha plena consciência. Mesmo que o moreno fosse uma garota, o louro duvidava que as coisas seriam diferentes. E honestamente, se fossem Dino não o amaria como o amava. Se Hibari não fosse Hibari, então aqueles sentimentos eram totalmente desnecessários.
Sentado na cama que por alguns dias pertenceu ao Guardião da Nuvem, o Chefe dos Cavallone permaneceu por cerca de uma hora na mesma posição. Os olhos cor de mel miravam somente o chão, os lábios rosados formavam um meio sorriso, mas a tristeza em seu peito não o permitia transformar aquele sentimento em lágrimas que pudessem aliviar seu estado.
Dino já havia decidido. Ele manteria aqueles sentimentos apenas em seu coração.

Continua...