CAPÍTULO IX

Foi um duro golpe no amor-próprio de Gina. Ela já havia se preparado psicologicamente para a ausência de Harry e para suas novas tarefas no sítio da avó. Uma selvagem mescla de emoções — alegria, frustração, raiva — explodiu em seu íntimo.

— Ajudar-me? — ela contestou, sem definir com quem estava mais furiosa: se com Harry, com a avó ou consigo mesma, por acalentar sonhos que não podia controlar.

Não devia, claro, reagir de maneira irracional, não depois de conseguir conciliar seus conflitos pelo uso da razão. Havia sido difícil aceitar a partida do homem amado para longe, sem falar da possibilidade de nunca mais vê-lo. Naquele instante, um avassalador sentimento de esperança chocava-se com a muralha protetora que ela erigira internamente.

— Vai ficar para me ajudar? — repetiu, sem acreditar no que acontecia. — Por quê?

— Porque pedi a ele. — A voz da sra. Worth soou no alto da escada, de onde espionava a cena, talvez sem maldade, mas também sem justificativa.

Gina desviou a vista de Harry. O semblante pesaroso que ele apresentava fez com que ela tentasse recuperar o equilíbrio perdido, com o intuito de avaliar melhor a situação.

Esta envolvia, com alta probabilidade, novas noites de amor, resultando na perda dos focos que ela se impusera, tanto no que se referia aos cuidados com a avó quanto na adaptação às tarefas que a aguardavam na propriedade.

— O que vovó lhe ofereceu em troca do adiamento de seus sonhos de ir à Califórnia? — A avó já tinha lhe dado abrigo, comida e um tratamento dispensado aos nobres. Pagaria a ele, a pedido dela, a passagem de Portsmouth ao Panamá, abreviando a viagem. — Já adiou sua partida três vezes, Harry.

Claro que isso tinha a ver com seu surgimento na vida dele, e sentiu culpa por atrapalhá-lo. Ao mesmo tempo, o florescer de uma paixão arrebatadora entre os dois, fosse ou não decorrência da bênção dos Potter, não valeria como uma bem-vinda compensação?

— Três vezes, Harry, e por minha causa. — Ela baixou a cabeça diante do olhar fixo do amante. — Mas continua pronto para partir, se não agora, dentro de duas semanas. O que minha avó lhe ofereceu?

Devia ser dinheiro, não obstante o orgulho da família Potter, que Harry invocava para recusar favores. Agora, talvez se vendesse, por considerar que a oferta do coração de Gina não fosse o bastante.

Ele a estudou em silêncio, com uma expressão indecifrável.

— Algo que minha família necessita.

— O quê? — Sinceramente, ela não atinava com o que poderia ser.

— Madeira. Matéria-prima para a construção de embarcações. — Impaciente, ele se expressou com rudeza. Foi interrompido por Daniel, o rapazinho que Kate enviara atrás dos Warren.

— Sr. Potter, o sr. Jacob Warren está aqui para levá-lo ao moinho.

— E o dr. Jake Warren?

— Não estava em casa, mas receberá um recado na clínica.

— Obrigada, Daniel. — Descendo os degraus, Kate dispensou o rapaz.

Harry meneou a cabeça, agradecendo à governanta, e fez menção de sair à varanda, onde o sr. Jacob o esperava. De passagem, notou o ar sombrio de Gina.

— Até que eu volte do moinho, vamos nos poupar de discutir por que tudo isso a perturba tanto. Ou prefere ir conosco? — Um sorriso sagaz curvou os lábios dele.

Harry sabia, apesar dos esforços de Gina para esconder seu tumulto interior, o que faria com ela ao concordar em permanecer ali mais quinze dias, após uma noite de loucuras sensuais que ela aceitara como sendo a última.

À lembrança de seu comportamento na noite anterior, Gina corou intensamente.

— Acabo de voltar do moinho, sr. Potter — respondeu com formalidade, embora o distanciamento que procurava parecesse impossível de obter. — Assim que retornar, discutiremos o assunto.

— Certamente, srta. Weasley. — De propósito, ele também adotou um tratamento formal.

Cruzou a porta deixando o coração dela a bater, descompassado, novamente oscilando entre a esperança e a raiva.

Ela andou em círculos pela sala, tentando ordenar as ideias e devolver ao semblante uma aparência de paz. Seu temperamento instável, porém, não colaborou nessa missão,. No dia anterior, a avó havia concordado em lhe atribuir algumas tarefas, incluindo o funcionamento do moinho. E, na manhã seguinte, a mesma e adorada pessoa instigara Harry a permanecer na propriedade, exatamente como ela teria desejado, com o duplo propósito de ajudá-lo nos negócios e fazê-lo trabalhar lado a lado com a neta.

A principal objeção de Gina residia no fato de que o arranjo fora feito sem sua participação. Era indispensável que ela houvesse opinado, sobretudo na divisão de trabalho com Harry, se não quisesse arriscar-se a perder tudo o que tinha investido emocionalmente no processo.

Mas não dava para falar com Harry naquele momento, a avó estava no andar de cima, deitada mas lúcida. Apesar da forte personalidade da sra. Worth, Gina se dispôs a enfrentá-la. Marchou escada acima, somando mentalmente seus recursos e as habilidades, a fim de apresentá-los com convicção. Fez menção de abrir a porta do quarto e deparar com a grande janela recortada pela luz do sol, mas rebatida pelo espesso cortinado que a avó instalara em seu recanto.

Ela teve a ação interrompida por uma voz imperiosa, que soou no meio do corredor.

— Ginevra, dê meia-volta e venha até aqui agora! — O tom desaprovador de Molly Weasley pareceu gelar-lhe as veias.

— Mamãe... — A respiração de Gina se acelerou quando viu Arthur Weasley atrás da mãe, olhando como se procurasse algo.

— Onde ele está? — Arthur avançou, truculento.

— Papai...

Ela escutou o som seco de um tapa em seu rosto antes mesmo de sentir a pele ardendo. O primeiro castigo estava dado e registrado.

— Não quero ouvir nada de você, menina, exceto onde se encontra aquele irlandês insolente! Depois de todas as dificuldades que tivemos para aproximá-la de Draco Malfoy, tendo em vista um bom casamento, você fugiu de casa com um desclassificado, e ainda não sabemos se ele lhe fez mal! —Arthur andava em círculos pelo corredor, com a raiva crescendo a cada passo.

Os olhos de Gina marejaram. De dor, de perda, de desesperança. Como enfrentar tanto desespero? Era humilha-ela e punida por querer ser livre, por desejar para si uma vida de independência e plenitude.

Talvez não pertencesse nem àquela família nem àquela época. Deveria ficar quieta até que tivesse Harry e a avó a seu lado, dispostos a defendê-la. Mas não se conteve.

— Não posso me casar com Draco — disse pausadamente.

— Por que não? — o pai a interpelou, parando de andar.

— Tornou-se amante daquele estrangeiro sujo? Jogou fora os valores com os quais a educamos? Se ele encostou um dedo em você, sou capaz de esganar o sujeito...

— Não. Eu...

Molly adiantou-se ao marido e tocou o queixo da filha com os dedos. O frio olhar cinzento, tão diferente do da avó, inspecionou-a como se pudesse identificar a falta de um pedaço de Gina. Olhou então para Arthur.

— Ela vai se casar com Draco, virgem ou não. Não será a primeira noiva a presentear o marido com um herdeiro já pronto na barriga.

Uma onda de náusea revirou o estômago de Gina. Não era o mal-estar da gravidez, mas a revolta de uma mulher que nunca permitiria ser tocada por Larry das mãos úmi-das. Ele lhe dava nojo. Coincidentemente, Harry se achava por perto, e ambos encontrariam uma maneira de ficarem juntos. Ainda que por apenas mais duas semanas.

— Não! — ela protestou com veemência e foi novamente esbofeteada, com tanta força que dobrou os joelhos.

A dor continuava sendo suportável. A derrota, não.

Por um momento, Gina almejou ser agredida pelo pai até perder a consciência. Desmaiada, não teria de participar daquele episódio aterrador.

— Não ouse me desafiar de novo! — vociferou Arthur.

— Jamais!

— Calma, querido — interveio a mãe de maneira surpreendentemente racional. — Não pode apresentar nossa filha machucada aos Malfoy.

— Mas a culpa é dela — o pai defendeu-se, tirando da esposa qualquer possibilidade de argumentar. — Quando penso nos anos que dedicamos à formação de Ginevra, apenas para vê-la arruinar sua reputação como uma idiota! Um homem espera coisas melhores para sua família, Molly. Coisas melhores...

— Sim, Arthur.

Gina apertou nas mãos seu rosto quente e rezou para não sucumbir aos soluços que teimavam em brotar de seu peito.

— Onde ele está, Ginevra? — A mãe tomou para si a sequência do interrogatório. — Não adianta esconder nada de seu pai, você sabe disso.

— Ele não fez nada de errado, e também não está aqui — Gina balbuciou, grata à sorte de Harry ter ido conhecer o moinho.

— Nada! Como assim?—A fala do pai lhe valeu por uma punhalada nas costas. — Ele fugiu levando propriedades minhas: você e dois cavalos. Isso, depois de sua mãe e eu o abrigarmos no santuário de nosso lar! É mais um exemplo do que acontece quando se trata bem um desses irlandeses desgarrados. Eu nunca deveria ter acreditado que ele tinha socorrido minha filha sem algum interesse oculto.

— E agora, o que pretende? — Gina suavizou o tom de voz para dirigir-se ao pai.

— Siga sua mãe até a carruagem. Vamos partir imediatamente. Dadas as circunstâncias, prefiro chamar as autoridades policiais para lidar com Harry Potter. — A fim de apressar a filha, Arthur Weasley quase a empurrou pelos ombros, forçando-a a caminhar e a descer a escada.

— Papai, por favor...

Um suave som de porta se abrindo ecoou no corredor. Mas quem respondia por essa ação falou com firmeza:

— Não vai levar minha neta a lugar nenhum! — A sra. Worth mostrava-se determinada. — Não sem o consentimento dela.

Arthur voltou-se para a sogra, assombrado.

— Vejo que a senhora está bem o suficiente para proteger quem não merece. Aliás, foi o que pensei no momento em que recebemos sua carta.

Destilando uma perversa satisfação, ele enterrou os dedos no braço de Gina, tão fortemente que ela quase gritou de dor.

— Não se meta nesta confusão — ele prosseguiu. — A desgraça de Ginevra não lhe diz respeito.

— Como não? — retrucou a sra. Worth, furiosa. Deixou a soleira da porta para enfrentar o genro. — Ginevra sempre foi e sempre será minha maior preocupação. É minha neta.

— Sou o chefe da família. Minhas decisões são lei.

— Ora, quanta pretensão! — a sra. Worth ironizou. — Ela é adulta, maior de idade. É mais do que capaz de tomar as próprias decisões e orientar o curso da própria vida.

— Isso não me importa nem um pouco. Já tolerei demais suas interferências na formação de Ginevra desde menina. Quando me lembro de tudo que aconteceu, penitencio-me. Ao longo dos anos, calei-me diante do que considerava errado, apenas para preservar a parte que cabe a Molly naquele maldito moinho de trigo. — Arthur fechou o punho em demonstração de raiva.

— Minha filha nunca revelou o menor interesse nos assuntos do moinho — contrapôs a sra. Worth.

— Mamãe... — Molly ensaiou um descabido protesto.

— É verdade, minha cara.

— Mas é claro que ela nunca se interessou — Arthur replicou. — Qual mulher fina, da sociedade de Boston, se importaria com plantações e moagem de trigo? São assuntos de homem. — Seu tom de voz demonstrava certo desprezo pelas atividades da sra. Worth.

— Sua filha interessou-se — disse a velha senhora. — E ela é uma bela e admirável mulher, com um maravilhoso senso de independência.

— Independência? Veja no que deu. A senhora desgraçou Ginevra com seus conselhos, quando não devia lhe dar nenhum! — A fisionomia de Arthur Weasley tornava-se cada vez mais ameaçadora. — Ela é minha filha, minha responsabilidade! Deve-me até as roupas que veste. Fará o que determino, e logo terei aquele tal de Potter posto em ferros e deportado ou preso numa galé.

— De modo algum! — Gina não conseguiu conter as palavras, enfrentando a ameaça do pai.

— Está me questionando, menina?

— Harry nada fez de errado — ela argumentou, sem saber de onde tirava a relativa firmeza.

— Talvez não considere errado que sua reputação seja manchada, passando dias e noites sozinha com um aventureiro em trilhas e cabanas. Agora temos de correr de volta a Boston e reparar os danos já causados. Você se casará com Draco Malfoy, filha, o mais depressa possível. Ele certamente está à sua espera.

A simples enunciação desse plano pareceu amainar a ira de Arthur.

— Além disso — ele continuou —, houve o roubo de dois bons cavalos de nosso estábulo. O seu querido Harry Potter passará alguns meses na prisão e, depois, anos debaixo dessa mácula. Nada mais conseguirá além de um emprego como serviçal. Para quem tanto falava em encontrar ouro...

O sarcasmo frisou a maldade de Arthur, que feriu fundo o coração de Gina. Porém, ela encontrou dentro de si um resto de energia para defender o amado.

— Não pode acusá-lo de roubo, papai. Fui a responsável por tirar os cavalos do estábulo, com pressa de partir para o Maine e ver vovó, viagem que o senhor me proibiu de fazer. Pode me ameaçar do modo que quiser, mas deixe Harry fora disso.

— Obviamente, você se esqueceu, durante o percurso pelo interior do país, de quem é o chefe desta família. — Avançando, Arthur apertou o queixo de Gina com rispidez. A truculência era um de seus traços marcantes.

— Molly, leve Ginevra até nossa carruagem.

— Mas... — Gina esboçou um novo protesto.

— Já basta. — O pai lhe dirigiu um olhar desalmado.

— Vai partir conosco agora. Caso contrário, tratarei de acusar Potter de coisas piores do que o roubo de animais. Você me entende?

A armadilha se fechou solidamente em torno de Gina, a quem restou apenas sentir um gosto amargo na boca.

— Sim, entendo.

— Ginevra, suas escolhas vão decidir o rumo de sua vida. Não permita que seu pai a obrigue a fazer algo de que se arrependerá — interveio a avó.

— Chega de intrigas! — Arthur gritou, impossibilitado de levantar a mão para a senhora idosa e doente. — Não tente me enganar de novo, sra. Worth. Já aguentei demais.

O pai de Gina impôs sua estatura à sogra, que pareceu pequena e frágil diante dele. A velha senhora conteve um acesso de tosse, mas ficou claramente amedrontada com o destempero do genro.

— E há mais. — Ele se aproveitou da repentina retração da velha. — Quero vê-la assinar a concessão do moinho a Draco Malfoy, assim que ele se tornar o marido legítimo de Ginevra. É um preço pequeno a pagar pelos danos que causou à família. Se não cooperar, nunca mais verá sua preciosa neta!

— Não pode fazer isso! — Gina explodiu. — Não estamos mais na Idade Média, quando esposas eram vendidas e compradas, e viúvas indefesas tinham seus bens saqueados!

— Para a carruagem! — O pai esbravejou. — Talvez ainda esteja sob o impacto de meus planos, Ginevra, mas terá de seguir minhas instruções. Deverá colaborar para convencer Draco e os pais dele de que esteve viajando em missão de caridade. Ou coopera comigo, ou Potter será preso por atentado ao pudor, além de roubo, e sua avó será declarada mentalmente incapaz por uma junta médica.

Armadilha!

Gina meneou a cabeça, concordando, para o desespero da sra. Worth.

— Leve-a até a carruagem, Molly. — O tom satisfeito de Arthur foi mais do que revelador.

— Pare, minha filha! — gritou a sra. Worth. — Não faça isso com Gina!

— Adeus, mamãe. — Molly Weasley puxou Ginevra por um braço, enquanto a avó a segurava pelo outro, tentando levar a neta para seu quarto.

— Ficarei bem, vovó. Não se preocupe comigo. Amo a senhora. — Gina optou por desvencilhar-se da avó e seguir a mãe. Era uma escolha. — Diga a Harry que vou torcer para que ele encontre ouro.

Era melhor, de fato, que ele partisse rapidamente para a Califórnia. Quanto mais longe, menos provável seria que se tornasse vítima da vingança irracional de Arthur Weasley.

— Chega também desses rompantes emocionais. Tenha um bom dia, sra. Worth. — O genro girou o corpo e desceu os degraus, escoltando de perto a esposa e a filha.

Ele sorria, satisfeito e até orgulhoso com sua vitória.

No caminho defronte da varanda principal, a carruagem dos Weasley aguardava o grupo, com a égua e o cavalo negro atados à rabeira do veículo. Também para os animais, terminava a aventura.

Recuperado, em uniforme de cocheiro, Remus fitou Gina com uma simpatia tão calorosa que despertou lágrimas nos olhos dela. Ela trocou algumas palavras com o condutor, sob o olhar contrafeito do pai. Ali estava algo que Arthur também tinha de escorraçar de seu meio: a familiaridade com os serviçais.

Mas ele não subiu à carruagem com as duas mulheres. Avisou que iria cavalgar um pouco, montando o animal negro, e respirar ar fresco. Ordenou a Remus que se pusesse em movimento, tomando bastante cuidado. Queria chegar a Boston ao anoitecer do dia seguinte.

Pela janela do veículo, desfilaram as paisagens tão caras a Gina. A lembrança das horas de perigo e de amor vividas com Harry iria acompanhá-la por todo o trajeto de volta. Foi tirada do devaneio pela voz da mãe, que vinha guardando por muito tempo a pergunta que não queria calar:

— Teve... intimidades com aquele irlandês, não? Gima não respondeu, surpresa com o conteúdo e o caráter abrupto da questão.

— Não precisa me ocultar nada — insistiu Molly Weasley. — Não sou tola.

— Trata-se de um assunto pessoal.

— Que repulsivo! — a mãe exclamou, revoltada. — Ele a violentou?

— Não, mamãe. E eu o amo.

— Oh! — Molly assumiu seu assombro. — É uma infelicidade para você que pense assim. Descobrirá com o tempo que o amor não é importante na vida conjugal. Pretendo discutir longamente sua conduta para com Draco.

— Como assim?

— Bem, Ginevra, deve impedir de todos os modos que seu marido descubra que perdeu a virgindade para um serviçal estrangeiro. Imagine o escândalo. Há maneiras de convencer Draco de que ele será seu primeiro homem. É preciso ensaiar a cena, mas tenho certeza de que conseguirá realizar a tarefa.

Pensar em Draco colocando as mãos em seu corpo, tocando-a como Harry havia feito, provocou náuseas em Gina.

— Terá de esforçar-se, filha, pois tudo o que houve foi por sua culpa. — Molly verificou, pela janela traseira da carruagem, se Arthur guardava uma distância que o impedia de ouvir a conversa. — Draco foi criado para ser um marido exemplar e gosta muito de você, como provam seus olhares sonhadores. Não se espantará ao descobrir, no prazo de um mês, que você vai procriar... dele.

Procriar?

Engravidar de Draco, ou fazer com que pensasse assim, supunha deitar-se com ele, recebê-lo dentro de si, as mãos úmidas deslizando sobre a pele de Gina. Isso, sim, seria repulsivo para ela. Como iria sobreviver ao casamento arranjado, que implicitamente aceitara ao retornar a Boston com os pais?

— Conheço sua natureza rebelde, querida — a mãe falou, categórica. — Mas já não se trata do que você quer ou não quer. Seu pai dá as ordens, você obedece, e pronto!

— Por quê?

— Porque é seu pai. Meu marido.

Repulsa física à parte, Gina compreendeu que, uma vez casada com Draco, sua vida seria exatamente a mesma.

Harry jazia numa confortável cadeira banhada pelo sol, no escritório do moinho de trigo. Em silêncio, ouvia Jacob Warren detalhar as operações de moagem e o controle de qualidade dos ramos que entravam na grande máquina. O velho gerente falou de fatos e números que chegaram a confundir a mente de Harry.

De qualquer modo, eram instalações magníficas, com uma enorme mó de pedra movida a água. O tamanho dos equipamentos reforçava a impressão de Harry quanto à maneira como a sra. Worth fazia as coisas. O estaleiro dos Potter, na Irlanda, só poderia beneficiar-se de um acordo com ela.

Diligente, a sra. Worth não havia negligenciado a proximidade da floresta de pinheiros e instalara uma serraria ao lado do moinho, para cortar e fornecer pranchas semi-acabadas a diversas construtoras.

O cheiro de madeira serrada fez com que Harry sentisse muita saudade do lar, da família, do estaleiro, da demorada mas gratificante fabricação de barcos. Ele voltaria ao encontro da sra. Worth com um "sim" entusiástico, ainda mais que ela propusera financiar as aquisições de madeira, sem receber adiantamentos.

E Gina? Ela havia se tornado o único obstáculo à aceitação da proposta de negócios. Como lidaria com o fato de que ele iria permanecer ali, em vez de partir para a Califórnia?

Nas horas dissolutas da noite, quando a tomara nos braços e tinha lhe proporcionado um singular deleite de despedida, poderia jurar que ela iria desejar um novo contato e faria tudo para seduzi-lo, convencendo-o a ficar ainda um dia e outro mais. Mas... naquele momento?

A reação dela pela manhã havia sido pouco entusiástica. Devia ter mudado seu foco, de amores furtivos para a nova missão de dedicar-se inteiramente à avó e aos negócios. Sinceramente, ele não tinha certeza de compreender a mente feminina. A dúvida o atormentava, como já ocorrera com relação à jovem Siannon: Gina de fato o amava, tendo a mesmo fibra que ele?

— O que acha dela, caro Potter? — Jacob perguntou, incorrendo sem querer numa frase de duplo sentido.

— Perdão?

O gerente gesticulou abrindo os braços para a serraria.

— É uma beleza, Jacob.

— Claro que é. Julga que pode passar toda a vida aqui?

— Sr. Potter! — O jovem Daniel o chamou da porta de entrada, vindo da casa. Exibia uma expressão preocupada.

— O que foi, Daniel?

O rapazinho venceu um lance de degraus para ficar frente a frente com os dois homens.

— A sra. Worth pede que o senhor volte imediatamente.

— Molly? — Jacob afligiu-se, mas sabia que, se fosse o caso, o filho médico já teria sido chamado.

— Houve um problema com a srta. Ginevra, envolvendo a mãe e o pai dela.

O menino finalmente pôde respirar, enquanto Jacob e Harry trocavam olhares. A conclusão mútua não foi nem um pouco positiva: os Weasley tinham vindo de Boston para resgatar a filha.

— Vá até lá, meu caro. Se é Gina quem deseja, não a deixe escapar. Vou trazer a charrete.

— Obrigado, Jacob. Volte conosco, Daniel. Há quanto tempo os pais de Ginevra estão na casa da sra. Worth?

— Não estão mais, sr. Potter — informou o menino. — Partiram de carruagem, levando a srta. Ginevra. Por isso, a sra. Worth me enviou.

Harry desistiu de obter mais informações do mensageiro. Melhor falar diretamente com a avó de Gina, não sobre negócios, mas a respeito da partida inesperada da mulher que amava.

Ele apanhou as rédeas das mãos de Jacob e acelerou a charrete. Sua mente girava em todos os sentidos, o coração acusava um profundo vazio. Por que Gina abandonara a avó doente depois de uma dura travessia para encontrá-la?

Teria mudado de ideia e antecipado seu eventual casamento com Larry das mãos úmidas? Esse pensamento azedou o instante vivenciado por ele, a ponto de incapacitá-lo de fechar qualquer acordo de negócios com a sra. Worth ou mesmo de fixar a data de partida para a Califórnia.

A dor se instalou no fundo de seu ser. Amava Gina e sabia disso desde o primeiro dia ao lado dela. A deplorável verdade era que ambos haviam lutado infantilmente contra esse sentimento, priorizando outros compromissos, esquecidos de que qualquer tarefa se torna mais fácil quando inspirada pela bênção do amor.

Harry saltou da charrete e entrou correndo no palacete. Jacob e Daniel o seguiram.

— Onde ela está? — gritou, sem alvo definido.

— Gina foi embora, Harry. — A sra. Worth já se achava no saguão, à espera. — Olá, Jacob. Obrigada por chamá-los, Daniel.

Continuava sendo uma dama gentil, mesmo em momentos críticos como aquele.

— Foi para onde? — Harry a apressou, roubando-lhe toda a atenção.

— Minha filha e o marido vieram buscar Ginevra e a forçaram a entrar na carruagem. Devem estar a caminho de Boston. Gina será obrigada a se casar às pressas com Draco Malfoy.

A dor de Harry agora se mesclava à raiva contra o senhor e a sra. Weasley. Com esforço, fazia sentido que Ginevra retornasse a Boston. Mas se casar com Draco... Por quê?

Antigas dúvidas, que incluíam Shannon Rhodes, a ex-namorada de Neville que tinha permanecido na Irlanda, perpassaram a cabeça de Harry. E também uma velha promessa: a de nunca sofrer por amor. Mas, naquela hora, tratava-se de Gina, e nenhuma outra. Consolidar o afeto dela já lhe exigira alguns sacrifícios ou desistências.

— Conte-me por que ela aceitou partir com os pais. — ele segurou as mãos enrugadas da sra. Worth e as afagou.

— Porque o pai ameaçou o senhor — disse a mulher, com a voz embargada.

— O que isso significa exatamente? — Experimentou um enorme peso nos ombros.

— Arthur Weasley é bem relacionado, tem influência e poder junto às autoridades policiais. Falou claramente que, se Ginevra não voltasse a Boston e desposasse Draco Malfoy, ele denunciaria o senhor pelo roubo de dois cavalos e, pior, por atentado ao pudor, ou seja, um estupro. O senhor passaria anos na cadeia, antes de ser deportado para a Irlanda.

A sra. Worth livrou uma das mãos, a fim de esfregar os olhos que lacrimejavam. Emitiu um longo suspiro e continuou o relato:

— Receio que Arthur tenha cartas na manga para cumprir a ameaça. Pelo menos, convenceu minha neta. — Fez uma pausa. — Percebe que Ginevra optou por uma vida odiosa em troca do seu bem-estar, sr. Potter? Se isso não se chama amor, não sei mais que nome tem.

— Diabos! — O vermelho da ira tingiu o rosto de Harry.

— É isso — concluiu a velha senhora. — O que pretende fazer agora?

— Basta virar à direita depois de passar a fazenda dos Pattee, na Colina Misteriosa, não tem erro. Estou certo, Bill?

— Certíssimo, Frank. Não tem erro.

Na cabine da carruagem, Gina ouviu Remus falar com dois homens à beira da estrada, pedindo orientação para achar a oficina de ferreiro mais próxima. Despediram-se amistosamente, e os informantes voltaram ao boteco onde jogavam baralho.

O coração de Gina sobressaltou-se.

Pattee. Colina Misteriosa. Ela conhecia os lugares em que dias antes tinha vivido horas felizes na companhia de Harry. Já parecia haver passado um século.

— Só precisamos fixar a roda que está quase solta, mas que tipo de serviço vamos encontrar neste deserto? — Arthur Weasley repreendeu o cocheiro. — Por que não verificou o estado da carruagem em Portsmouth?

— As pedras da trilha fizeram a diferença, senhor — explicou Remus.—Prefere esperar até passarmos por Andover? Se me permite a opinião, acho perigoso.

— Droga! Vamos consertar o veículo o mais rápido possível, para não nos atrasarmos ainda mais. — A voz irritada de Arthur soou da traseira da carruagem, pois ele vinha alternando o lombo do cavalo negro com o interior do veículo.

Aquele era o segundo dia da viagem rumo a Boston. Rumo ao desastre, à abominação. Gina percebeu que o pai só deixava a cabine por não suportar olhar para ela. Parecia fatigado das habituais críticas injuriosas à filha e a Harry Potter. No entanto, ela não acreditava ter infligido a Arthur tanta dor quanto a que ele lhe causara.

— Negligenciou suas responsabilidades, Lupin — disse o pai de Gina, voltando a raiva contra o pobre cocheiro. — Não vou mais tolerar tal atitude de qualquer empregado meu.

Molly Weasley interveio em socorro de Remus, argumentando que não era hora de discutir, mas de resolver o problema da roda da carruagem o quanto antes e retomarem o galope normal. Era uma das poucas coisas que a filha admirava na mãe: a habilidade em calar as frases desagradáveis do marido, assumindo uma falsa doçura.

— Perfeitamente, senhor. — Remus manteve a polidez, apesar da preocupação com o emprego.

Pela janela, Gina deparou com um cenário familiar: a agradável casa do ferreiro Bernard Paulson. Ignorava se ele poderia consertar a roda rapidamente. Talvez ela pudesse pegar no colo os lindos bebês gémeos daquele homem, como fizera na viagem de ida, quando sonhava com um futuro luminoso. Agora, cada quilómetro a mais no retorno a Boston constituía uma dádiva de tranquilidade que não iria durar. Ao menos, tinha a chance de rever as crianças do casal Paulson. E de invejar a vida feliz que Bernard e Abigail desfrutavam.

O olhar de Gina recaiu na Colina Misteriosa, escondida entre as árvores. Pôde sentir as mãos de Harry em sua cintura, amparando-a na subida do pequeno morro. Ouviu a música do vento, sentiu os aromas da natureza.

— Ô-ô! — Remus exclamou ante a agitação dos cavalos, retesando as rédeas, quando a roda em estado precário fez a carruagem saltar sobre a pista. — Já chegamos à oficina do ferreiro, senhor.

Gina inclinou-se à janela, esperando ver de relance seus conhecidos. Notou ao longe, em seu avental de couro, Bernard trabalhando na oficina. Melhor não demonstrar que tinha estado ali antes e criara certa amizade com pessoas tão simples. Seria pretexto para novas recriminações por parte do pai.

— Sente-se direito, Ginevra. Não gosto de vê-la espiando. É feio. — Dessa vez, foi Molly Weasley Alberta quem se encarregou da censura.

— Sim, mamãe. — Não era hábito de Gina obedecer sem contestar, mas resolvera evitar discussões banais.

Os olhos da mãe brilharam de satisfação. Molly havia aprendido a fingir-se de surda diante das inconveniências verbais do marido, porém ainda possuía um resto de amor-próprio a suprir.

— Veja, querida — a mãe prosseguiu —, pode conseguir muitas coisas boas sendo menos rebelde.

Gina controlou com esforço sua contrariedade. Desceu da carruagem e viu que Arthur e Remus combinavam o serviço com Bernard. Se o ferreiro tivesse de remover a roda, Molly também teria de sair do veículo e esperar ao relento.

— Vou caminhar um pouco — anunciou.

— No meio da mata? — A mãe ensaiou a retomada de sua postura de oposição.

— Não me afastarei muito. Só alguns minutos de exercício.

Sem aguardar ordem, Gina andou com passos rápidos, rumo à clareira onde, antes, tinha dançado com Harry, ao som de violinos. A viva recordação pareceu trazer-lhe de volta a música, o caloroso contato com o corpo viril e, por fim, o ruído de patas de cavalo, seguido de uma voz bem conhecida.

— Mo chroí! Meu coração.

Estaria delirando? A figura do homem amado, sobre um animal provavelmente emprestado por Jacob, ocupava o vazio do terreno e o vácuo que sua ausência havia criado na alma de Gina.

A Colina Misteriosa fizera valer sua magia.

— Harry! Como me achou aqui?

— Perguntei aos homens da beira da estrada se tinham visto uma carruagem passar. Eles me reconheceram e foram muito simpáticos. Confirmaram a passagem de um veículo que apresentava problemas e que o cocheiro subira a colina em busca do ferreiro, como nós mesmos o fizemos dias antes.

Ele desmontou, e os minutos subsequentes foram adora-velmente preenchidos por abraços, beijos e toques ansiosos. Havia lágrimas nos olhos de Gina.

Harry a amava. Não hesitaria em confessar seus sentimentos, agora que a reencontrara.

— Eu te amo, Ginevra Molly Weasley — disse com ternura. — Não podia deixá-la partir.

O pranto de Gina cresceu. Gotas salgadas desceram dos olhos cor de mel. Mas se sentia bem contra o peito másculo. Ali, nos braços dele, estava seu ninho, o lugar em que deveria ficar para sempre.

— Não o abandonei. Parti porque...

— Já sei o motivo da fuga. Seu pai e suas influências não me assustam. Minha família também conta com certo apoio nos portos que recebem os navios do Estaleiro Potter.

— Mas...

Harry tinha sido um tolo, cheio de arrogância e orgulho, ao deixar de procurar os associados do pai e dos irmãos em Boston. Cavara o poço sem fundo em que havia se transformado o próprio destino.

— Nunca precisará casar-se com Draco Malfoy — ele afirmou, sentindo um novo e doce poder. —Você é minha desde o dia do acidente nas docas.

— Meu pai...

— Descobri que preciso de você mais do que o ar que respiro. Sem você, minha vida não vale a pena.

— Então, sr. Potter — ela ergueu o queixo, emocionada —, se parar de falar e ouvir se meus anseios correspondem aos seus...

— Claro, claro. — Ele prestou atenção, um pouco temeroso.

— Também preciso de você, e com a mesma intensidade. Agora e sempre. — Ela sorriu, depois reforçou a declaração com um beijo suave que prometia a Harry o Céu na Terra.

— Vamos embora juntos então — ele propôs.

— Não. É impossível viver fugindo de meus pais como dois malfeitores. Tenho outra ideia.

— Qual?

— Bernard Paulson, o ferreiro, não mencionou que o cunhado dele era um ministro religioso?

— Sim.

— E o próprio Bernard não é um respeitado líder comunitário, capaz de testemunhar a nosso favor contra as difamações de meu pai, que, aliás, está fora das fronteiras de seu Estado?

— Sim de novo. — Gina imaginou onde e como aquela contenda iria acabar, porém seus olhos cintilaram de alegria. — A questão é que, se o cunhado de Bernard nos casar perante a Igreja, meu pai não se atreverá a atacar o próprio genro, porque o escândalo respingará nele. Meu pai tem ambições políticas, acima do orgulho e do preconceito.

— Até o momento, querida, eu desconhecia o intelecto maravilhoso que possui. Além de todo o resto. Sou um homem abençoado... — Beijou com ardor aquela mulher incrível. Sua mulher.

— Vamos falar com Bernard — ela propôs. — Com cuidado, pois meus pais devem estar na casa dele, tomando refrescos, enquanto aguardam o conserto da carruagem.

Harry começou a descer a colina, puxando o cavalo emprestado. Deparou com o menino, Harvey, que brincava com o cachorrinho malhado e ficou contente por rever os viajantes.

Conversaram, riram, e a vivacidade do garoto inspirou em Harry a ideia que completaria o plano de Gina.

— Seria capaz de realizar uma missão secreta para mim, Harvey? É importante e ninguém deve saber.

— Pode falar. — O menino arregalou os olhos, empolgado.

Meia hora depois, diante das históricas ruínas druidas, o pastor anglicano Kenneth Jones dirigiu a Harry e Gina as bênçãos nupciais. A irmã dele, Abigail Paulson, e as crianças serviram de testemunhas. Embora menos religioso do que a noiva, Harry acreditava na dádiva divina dos Potter e em todos os homens bons da Terra, segundo os relatos de sua falecida avó.

Não me esqueci da bênção, vovó, ele pensou. Obrigado por tudo.

— Já pode beijar a noiva, sr. Potter — disse o celebrante. Sua noiva!

Um vigor novo lhe fortaleceu o corpo e a alma, ao dar um beijo em Gina. Ela agora era dele aos olhos de Deus, e ninguém, muito menos Arthur Weasley, poderia negar a retidão do casamento.

— Amo você, mo chroí — Harry afirmou, antes de se apossar dos lábios de Gina.

— Sim, eu também — ela sussurrou de volta, oferecendo a boca rosada.

— Oh, foi um lindo casamento. Bernard gostaria de ter visto. — Abigail levou o lenço ao nariz, fungando.

— Foi uma brincadeira diferente, não, meninos? — Harry provocou Harvey e David, que não paravam de sorrir, tentando disfarçar o tédio.

— Obrigada, sr. Jones, por vir tão depressa. — Gina e apertou a mão do reverendo.

— Sem problema, minha cara. Bernard me avisou que era um assunto de urgência. — Ele coçou a cabeça. — Mas nunca celebrei um matrimônio tão perto da Colina Misteriosa. Este entrará para a lista de histórias estranhas que cercam o lugar.

— Pode haver uma contestação do casamento, por não ter sido realizado numa igreja? — interrogou Abigail, preocupada.

— Não, minha irmã. Tudo está correto, de acordo com as normas religiosas. Talvez eu mude alguns dos cultos semanais para cá. — O sr. Jones riu e se afastou, desejando felicidades ao novo casal.

Aos poucos, todos tomaram lugar na charrete do sacerdote, exceto os noivos.

Pelo gosto de Gina, ela ficaria eternamente ali, no sopé da montanha, entre os monumentos cheios de tradição, sorvendo energias para amar Harry com insuspeita força. Ele, por sua vez, sentia-se tocado por uma espiritualidade que nunca havia experimentado. Enlaçou a mulher pela cintura e trocou com ela um sorriso repleto de ternura e cumplicidade.

Mal ouviram uma charrete chegar, trazendo os pais de Gina.

— Tire já suas mãos sujas de minha filha! — bradou Arthur Weasley.

Deliberadamente, Harry estreitou o abraço e encarou o desafeto.

— Bom dia, meu sogro — disse, em oposição ao tom belicoso do recém-chegado.

— Como ousa? Do que está falando?

— Papai... — Gina tentou intervir, em vão.

— Sua mãe me contou das suspeitas dela sobre... vocês dois. É abominável, mas não impedirá seu casamento com um cavalheiro decente e respeitoso, Ginevra.

— Acabei de me casar, papai. Está falando com a sra. Potter, do Estaleiro Potter, na ilha de Beannacht, Irlanda.

— O quê?

Da charrete que ocupava, o reverendo Jones acenou para o novo casal. Os Paulson sorriam em aprovação, ao contrário do colérico Arthur Weasley. De repente, mais um veículo alcançou a colina, guiado por Jacob e trazendo a .

— Ah! — Arthur exclamou. — A senhora tinha mesmo de estar por trás desta catástrofe.

— Vovó? — Gina questionou, feliz por vê-la bem disposta à luz do dia. Voltou-se para o pai. — Ela nada tem a ver com isso, exceto por me apoiar com seu bom senso e amor.

A sra. Worth ignorou o genro e encarou Harry.

— É um prazer, sr. Potter, conhecer um homem que cumpre suas promessas com rapidez e eficiência.

— Minha neta já tem idade para decidir seu destino, Arthur — raciocinou a velha em voz alta. — Embora tenha sido um dia e tanto.

Numa atitude rara, o pai de Gina acatou a ponderação da esposa e empunhou as rédeas para voltar à oficina de Bernard.

— Não se atreva a interferir na vida de minha família, rapaz — Ele ainda ameaçou. — Tenho outra filha, Luna, que, ao contrário de Ginevra, dará a satisfação que um pai como eu merece.

Assim dizendo, ele partiu. A sra. Worth arregalou os olhos doces para Jacob Warren, como se não entendesse a existência de uma pessoa tão detestável quanto Arthur Weasley. Como lhe era incômodo descer da charrete, acenou para que o novo casal se aproximasse.

— Sr. Potter, acho que o encontrei bem em tempo.

— Em tempo?

— Sim, meu jovem. Já que cuidou tão bem de Ginevra, creio que haja outros assuntos a serem discutidos.

— Quais, vovó? — Gina mostrou-se curiosa, embora a carga de novidades fosse pesada demais para um só dia.

— Faz tempo que decidi deixar o moinho e a serraria de herança para você, querida. Isso já consta de meu testamento. Só que, depois de tantos anos, perdi o interesse em dirigir os negócios. Meu querido Jacob está doente como eu e quer se aposentar. Portanto...

Ela segurou a mão de Jacob, que meneou a cabeça afirmativamente, mas com alguma tristeza.

— Portanto — prosseguiu a avó —, vocês podem assumir a empresa e realizar uma parceria com o Estaleiro Potter, para o fornecimento de madeira de construção naval. Já que fizeram um casamento de surpresa, sem planejar nada, também podem ir morar no chalé...

— No palacete... — murmurou Harry, apreciando a ideia mais do que admitiria poucas horas antes.

— Aceita, sr. Potter?

— Claro, se minha esposa aprovar.

Gina voltou-se para o marido, espantada e ao mesmo tempo eufórica.

— Gosto cada vez mais desse rapaz — disse a sra. Worth.

— E a senhora, como passará o tempo? — Gina preocupou-se.

— Vou morar com Jacob e cuidaremos um do outro, com a vantagem de termos, eventualmente, um médico dentro de casa. Toda mulher, minha neta, pode casar ou ter um companheiro, e mesmo assim ser livre e forte. — Uma luz viva reverberou nos olhos castanhos da velha senhora. — A força vem de nosso interior, não é, Jacob?

Ele assentiu, e Gina exibiu um sorriso de contentamento antes de beijar a avó com ternura. Na velhice, ela estava assumindo uma relação que já durava muito tempo. Harry e Gina se entreolharam, encantados com aquela lição de vida, que também queriam para si.

— Só me resta uma dúvida, querido... E o seu ouro? E a Califórnia? — Ginevra o interpelou.

Ele a afagou na nuca, frisando o delicioso instante de mútua compreensão.

— Desisti de tudo, mo chroí. Encontrei em você uma riqueza mais valiosa do que o mais puro lingote de ouro!

-FIM-