O começo de um conto de fadas

Esta é a história de dois reinos, próximos em distância, mas distantes em amizade. Ao sul, as terras ensolaradas e quentes de Telmar, um país de grande força militar e pouca tradição em diplomacia. Ao norte o brilhante país de Nárnia, a terra mística abençoada por Aslam, sempre rica e bela, uma verdadeira jóia aos olhos que qualquer um.

Por tradição os narnianos eram um povo avesso a conflitos, sempre diplomáticos e amistosos, mas as relações entre Nárnia e Telmar sempre foram delicadas, uma vez que o desejo telmarino de expansão era implacável e por mais de uma vez se virou contra Nárnia. As batalhas foram muitas ao longo da história de ambos os países, mas no final pouco se ganhava e muito se perdia toda vez que se lançavam em guerras.

Telmar foi o grande problema dos narnianos até o dia em que o rei de Nárnia foi deposto por uma feiticeira cruel e implacável. A Feiticeira Branca impôs sobre o país um inverno eterno por anos, até o dia em que Peter, o único filho do falecido rei, que havia escapado do palácio e obtido áxilo junto ao fauno Tumnus, se ergueu exigindo seus direitos como herdeiro do trono.

Guiado por sua própria coragem e com a ajuda de Aslam, o então príncipe reuniu um exercito de súditos leais e se voltou contra a feiticeira. Na época ele não passava de um rapaz de catorze anos, mas mesmo tão jovem seu talento em batalha era notável. Ele não vacilou, não demonstrou fraqueza nem mesmo nos momentos mais críticos da batalha que acabou vencendo. Por sua conquista e sua bravura, Peter passou a ser conhecido como O Magnífico e foi coroado Grande Rei de Nárnia.

Os telmarinos apreciavam a Feiticeira Branca tanto quanto os narnianos, mas a ascensão de um rei tão jovem e tão poderoso era algo temível. O rei telmarino estava velho e muitos duvidavam que o jovem príncipe Caspian, sempre quieto e introspectivo, não fosse capaz de dar a Telmar uma liderança forte o suficiente para manter os narnianos longe.

Caspian era um rapaz tímido e estudioso. Poucos ouviam sua voz e muitos duvidavam que ela pudesse um dia se impor, como era próprio à voz de um rei. Dedicado aos seus deveres, Caspian se destacava em sua argumentação, bom senso, frieza e uma habilidade pouco explorada com a espada. Casaram-no com uma dama telmarina ainda aos quinze anos e com ela ele tinha um filho pequeno, ao qual deram o nome de Edmund.

O Grande Rei Peter, por sua vez, era um jovem carismático e dinâmico, seu temperamento era por vezes explosivo e comumente ele agia por impulso e não pela razão. Era um rapaz afetuoso e determinado, um líder nato e muito amado pelo povo. Mesmo com tanto poder, ainda não tinha uma rainha, tão pouco um herdeiro próprio até a idade dos quinze anos. Foi quando ele se casou com Swan White, uma nobre conhecida por sua vasta beleza.

Infelizmente, a rainha Swan White faleceu após dar a luz a primeira filha do casal. A princesa Lucy nasceu numa tarde chuvosa de verão, após um parto muito complicado. O Grande Rei era agora um rei viúvo, com apenas uma filha pequena e frágil de mais para garantir a estabilidade de um reino como Nárnia.

Na mesma época, Caspian foi coroado rei e ao contrário do que se imaginava ele mostrou muita fibra e capacidade no exercício dos deveres reais. O príncipe Edmund tinha três anos e uma saúde invejável, o que garantia aos súditos a segurança de uma dinastia longa. O novo rei telmarino não desejava mais guerras e preferia traçar para o seu povo um futuro próspero e pacífico. Para isso, uma aliança longa e duradoura com Nárnia era extremamente necessária.

Num gesto de boa vontade e sincera intenção em ver a paz selada entre os dois países, Caspian X pediu a mão da princesa Lucy para seu filho. O Grande Rei Peter, ainda que não tivesse o menor desejo de ver sua filha longe, concordou com o arranjo para que o futuro de Nárnia fosse garantido.

Mesmo que Telmar não tivesse mais a menor intenção de invadir Nárnia, Caspian X investiu maciçamente em sua esquadra de guerra, conquistou ilhas próximas ao arquipélago das Ilhas Solitárias e agora era conhecido pelo título de O Navegador. Em alto mar, nenhum país era capaz de vencer a Armada Telmarina.

Na época do aniversário de oito anos do príncipe Edmund, a rainha telmarina caiu doente e em menos de um mês Telmar não tinha mais uma grande dama. Caspian não tinha mais uma esposa e o príncipe não tinha mais uma mãe.

Tanto o rei telmarino, quanto o rei narniano decidiram não tomar outra esposa, sem saber que esta decisão viria a se tornar o motivo de uma das maiores crises entre as duas nações.

E é aqui que começa a nossa história. Numa fria manhã de inverno, nas terras de Nárnia, mais especificamente no Ermo do Lampião. Tudo começou quando uma garota, vestindo roupas estranhas, saiu do meio dos pinheiros e caiu na neve. Uma garota de um outro mundo.

Susan tinha uma vida normal até a guerra começar em seu mundo e sua mãe ser obrigada a mandá-la para o campo. A menina foi recebida na casa de um velho professor, onde ela encontrou um estranho guarda-roupa num quarto vazio.

Naquele dia Susan havia quebrado uma janela por acidente e pra não receber uma bronca da governanta ela correu para o quarto vazio e se escondeu dentro do guarda-roupa. Era um móvel absolutamente normal pelo lado de fora, mas a medida que a menina se afastava da porta procurando pelo fundo, tudo o que ela encontrou foi um monte de arvores e muita neve.

A princípio ela olhou para tudo a sua volta, tremendo de frio diante das roupas finas que usava. Estava no meio de uma clareira coberta de neve, praticamente congelando até os ossos, quando olhou mais adiante e viu um lampião aceso no meio do nada. Ela teria pensado que aquele era um lugar muito improvável para um lampião, mas sentia muito frio para isso.

Ao lado do lampião havia algo mais. Uma menina de no máximo dez anos, usando um lindo vestido azul gelo com detalhes em dourado, casaco, capa, luvas e chapéu de pele olhava para Susan com olhos curiosos e divertidos. Ao lado da menina havia um homem com pernas de bode.

- Ela parece ter frio, Senhor Tumnus. – a menina disse para o homem bode – Poderíamos ajudá-la. Não parece certo deixar que congele aqui.

- Alteza, sabe que vosso pai não gosta que fale com estranhos. – o homem bode respondeu temeroso.

- E meu pai também não gosta de ver o povo passar dificuldade. – a menina respondeu séria – Ele seria o primeiro a tirar a própria capa de entregar a ela. – Susan não interrompeu a conversa entre eles, provavelmente porque suas pernas estavam congelando e ela mal conseguia pensar.

A garotinha correu até ela e segurou a mão de Susan. Mesmo com luvas ela sentia que a menina com roupas estranhas estava congelando no meio da neve.

- Senhor Tumnus, ela precisa sair daqui! – a garota gritou e o homem bode logo estava junto delas, jogando uma manta sobre os ombros rígidos de Susan. Seus dentes batiam tanto que ela não conseguia falar, não conseguia nem mesmo pensar direito, já que a reação mais natural seria questionar que lugar estranho era aquele.

- Vamos levá-la para a minha casa. Deve estar quente o bastante por lá. – ele disse sério enquanto conduzia Susan, acompanhado pela garota, por um caminho curto até a entrada de uma casa pequena – Vai ter de se entender com vosso pai. Não irei acobertá-la nisso.

- Meu pai não vai se importar. – ela respondeu segura, enquanto eles seguiam em direção a pequena casado do homem bode, chamado Tumnus.

Uma vez dentro da sala apertada da casa, Susan foi colocada diante da lareira, enrolada em várias mantas, enquanto a menina em roupas bonitas estendia para ela uma xícara de chá fumegante. Ela encarou Susan com olhos brilhantes e atentos, analisando cada detalhe da jovem de cabelos prestos e roupas estranhas.

- Obrigada. – Susan finalmente murmurou. Seus pés já não estavam tão gelados e ela conseguia sentir a ponta dos dedos.

- Não há de que, senhora. – o homem bode murmurou enquanto tomava assento e indicava uma cadeira para a garotinha – A princesa Lucy fez bem em lembrar que é nosso dever ajudar quem precisa.

- Muito gracioso da parte de vocês. – ela se sentia forte o bastante para falar. Em seu país seria esperado que ela demonstrasse algum respeito pelo título "princesa", mas ainda não se sentia capaz de pensar nestes detalhes e tratar a garotinha por alteza.

- Como se chama? – a garotinha, que Susan entendeu ser a tão falada princesa Lucy, perguntou.

- Susan Pevensie. – ela disse e em seguida tomou mais um gole do chá.

- Você deve ser forasteira, nunca a vi por aqui antes. – a menina disse sorrindo radiante. Susan decidiu que ela era uma criança adorável. – De onde veio?

- Não sei como vim parar aqui. – Susan disse enquanto deixava a xícara de lado – Eu estava me escondendo dentro do guarda-roupa no quarto vazio e no momento seguinte eu estava no meio da clareira.

- Nunca ouvi falar de Quarto Vazio. – a menina admitiu – Fica perto da Arquelândia, Senhor Tumnus? – ela encarou o homem bode curiosa.

- Nunca ouvi falar, alteza. – o homem admitiu – Talvez ela seja como as pessoas das lendas. Não reparou? Ela é humana, como os membros da família real. Suas roupas são muito diferentes das roupas de qualquer país que tenhamos conhecimento.

- Suponho que ela seja minha prima, ou minha parenta de algum modo. – a menina disse sorrindo e Susan se perguntou o que aquilo queria dizer.

- Certamente, assim como vossa alteza, ela é uma Filha de Eva. Vinda da mesma terra que os antepassados da realeza narniana, agraciada por Aslam em pessoa. – o homem bode disse num tom solene. Susan não sabia quem, ou o que era Aslam, mas apenas o som da palavra já era o bastante para impor algum respeito – Obviamente ela não é da Arquelândia, teria de ser loira para isso, nem da Calormânia, já que tem uma pele tão branca, e tão pouco se parece com uma jovem telmarina. – a princesa fechou a cara, como se ouvisse o comentário mais desprezível do mundo.

- Não me fale em Telmar. – ela disse séria – Tenho ouvido a respeito muito mais do que gostaria nos últimos dias.

- Alteza, eu não entendo do que estão falando. – Susan disse timidamente e a princesa olhou para ela e abriu um sorriso encantador – Filha de Eva, Aslam, todos estes paíse...Onde é que eu estou?

- A senhora está em Nárnia e é uma Filha de Eva, como eu e como todos os membros da família real, dês dos tempos do rei Frank e da rainha Helen. – Lucy respondeu como se fosse algo realmente simples, que faria sentido imediato aos ouvidos de qualquer um.

- Isso não faz o menor sentido! – Susan se levantou de uma vez – Isso tudo é uma loucura! Eu estou dentro de um guarda-roupa e devo ter adormecido. Estou sonhando com uma princesa e um homem bode que me oferecem chá, como na história de Alice no País das Maravilhas! Eu preciso acordar. Preciso voltar pra casa!

- O termo correto é fauno, madame. – o fauno corrigiu indignado – E a senhora está em Nárnia, mais precisamente no Ermo do Lampião, e enquanto estiver aqui é direito que trate à princesa Lucy e a mim, o tutor real, com respeito. Do contrário terei de levar o caso ao Grande Rei em pessoa.

- Quero voltar pra casa. Eu tenho que voltar, antes que o professor perceba que sumi. – Susan disse enquanto deixava a manta sobre a cadeira de uma forma estabanada.

- Madame, está é uma decisão impensada. – o fauno disse ainda muito sério – Além do frio que está fazendo lá fora, a senhora é por lei uma "convidada real".

- Isso é absurdo. – Susan continuava determinada a sair dali o quanto antes.

- Não pode ir! – a princesa exclamou veemente – Você é uma garota de outro mundo. Há um motivo para que esteja aqui! Aslam não a traria até nós por nada!

- Agradeço a hospitalidade, mas eu não posso ficar aqui. – Susan disse num tom exasperado.

Susan não tinha notado a alteração nos rostos de seus dois anfitriões. Lucy abriu um sorriso satisfeito e o fauno agora ostentava uma expressão solene. Susan se virou em direção à porta e deparou-se com um rapaz alto, de cabelo loiro, olhos azuis e rosto bem feito. Era mais velho do que ela, dez anos mais velho, talvez. Ele tinha os olhos fixos nela com um semblante sério e levemente curioso.

- Muito bem vindo a minha residência, Majestade. – Tumnus disse enquanto reverenciava o recém chegado.

- Reverencias são desnecessárias, Tumnus. É sempre um prazer reencontrá-lo. – a voz era firme e afetuosa. Susan não se moveu nem um milímetro na presença daquele estranho. Então aquele rapaz era o Grande Rei. Quando falaram a respeito, ela havia imaginado um homem velho, não um rapaz que nem havia chegado aos trinta anos. – Aparentemente, meu título não é o bastante para que Lucy entenda que quando eu digo que ela deve estar em casa antes do chá, ela deve estar em casa antes do chá. – ele olhou severo para a princesa e Lucy riu – Vim buscá-la, antes que escureça.

- Houve um imprevisto, papai. – a princesa respondeu numa voz cristalina e o Grande Rei sorriu.

- Posso ver perfeitamente. – Peter desviou os olhos da filha para a garota de cabelos pretos e roupas estranhas – E a senhora, quem é?

- Nós a encontramos no Ermo do Lampião, quase congelando. – Lucy disse rapidamente – O senhor teria feito o mesmo.

- Certamente. – o rei respondeu – Uma atitude digna de uma verdadeira princesa de Nárnia. Isso deverá impressionar nossos convidados. – Lucy fechou a cara ao ouvir o comentário.

- Ela não é daqui, papai. – Lucy mudou de assunto rapidamente – Ela é de outro mundo, uma Filha de Eva.

- E esta Filha de Eva tem um nome? – o Grande Rei se dirigiu a Susan pela primeira vez. Por mais que fosse muito jovem, a postura daquele rapaz demandava respeito e, quando se deu conta, Susan estava recuando um passo para trás.

- Susan Pevensie. – ela respondeu tímida – Se me permitem, eu devo voltar pra casa agora. Devem estar procurando por mim.

- Se a senhora é uma Filha de Eva, é uma honra conhecê-la e também uma sorte encontrá-la a tempo de impedir que deixe Nárnia. – o rei disse de forma convicta e segura.

- Com todo respeito, majestade, eu preciso mesmo voltar antes que percebam minha ausência. – Susan tentou convencê-lo. Ele parecia um rapaz razoável o bastante para entender que tudo aquilo era uma loucura desnecessária.

- Acho que não fui claro o bastante. – o Grande Rei ergueu a cabeça de forma imponente e seu semblante era sério – A senhora não pode e não vai deixar as terras de Nárnia até segunda ordem.

- Isso é ridículo! – ela exclamou incrédula – Não pode me impedir de voltar pra minha casa.

- Madame, esta é a lei deste país. Uma lei tão antiga quanto a própria monarquia de Nárnia e eu sou o Grande Rei. – ele avançou em direção a ele com uma expressão severa e determinada – Ridícula ou não, esta é a minha ordem e ela será cumprida.

- Está fazendo de mim prisioneira? Sob qual acusação? – Susan sentiu-se ridiculamente corajosa diante daquele rapaz petulante, mas não fez nada além de encará-lo com ar de indignação. A princesa Lucy riu e correu até o jovem rei.

- Não é prisioneira. – a princesa disse amistosa – Não se preocupe, vai gostar daqui, lady Susan.

- Como minha filha disse, a senhora não é uma prisioneira. – o Grande Rei reforçou – Mas é uma convidada real, até segunda ordem. Espero que tenha a consideração de nos acompanhar por bem, ou terei de pedir que minha escolta entre aqui e a leve de forma bem menos delicada até Cair Paravel. – Susan encarou-o com um semblante assustado e por muito pouco não perdeu seu precário autocontrole e caiu no choro. O Grande Rei não deixou que isso passasse despercebido e com um semblante muito mais cordial e simpático ofereceu o braço à ela - Agora que me fiz entender, permita-me oferecer o braço para guiá-la. A carruagem nos espera lá fora, Madame.

Susan não teve certeza do que fazer diante daquilo. Ela não tinha a menor chance de passar por aquele homem, um fauno e uma possível escolta que aguardava do lado de fora. Ela não queria obedecer ao rei insolente, tão pouco tinha outra opção. Depois de um curto debate, ela aceitou o braço que ele oferecia.

- Estava certo de que era uma dama de grande inteligência e sensatez. – o rei disse em tom amistoso, com a intenção de elogiar a obediência dela – Senhor Tumnus, poderia nos emprestar algumas mantas para que, lady Susan não sinta tanto frio durante o percurso até Cair Paravel?

- Mas é claro, majestade. – o fauno respondeu prontamente, enquanto jogava duas mantas sobre os ombros de Susan como se fossem capas. – Sempre um prazer servi-lo.

- Muito obrigado, Tumnus. – o rei agradeceu prontamente – Lucy, pegue suas coisas e despeça-se.

A princesa Lucy despediu-se do Senhor Tumnus e logo tomou seu lugar ao lado do pai, enquanto este guiava Susan Pevensie para fora da pequena casa até a carruagem esplendida parada do lado de fora. A garota notou que o rei falara a verdade. Esperando por eles estava uma pequena escolta composta de dois centauros musculosos e dois sátiros portando arco e flecha.

O Grande Rei, a pesar da péssima primeira impressão, ajudou-a a subir na carruagem logo após acomodar a filha dentro do veículo. Quando ele se sentou de frente para ela e ao lado da princesa, Susan notou o quão estranho era pensar que ele era o pai da garotinha. Ele nem mesmo parecia velho o bastante para entrar para a RAF, que dirá para ser um pai, ou um rei.

O coche começou a se movimentar e o rei aproveitou para observar a nova "convidada real" mais atentamente. A pele clara era comum em Nárnia e contrastava drasticamente com os cabelos negros dela. Os olhos eram de um azul profundo e estonteante. Achou-a agradável aos olhos, como era a falecida rainha. A pesar de não ter sido sua intenção dirigir-se a ela de uma forma tão ríspida, ele sentia-se na obrigação de desculpar-se diante da óbvia tristeza estampada no rosto de Susan.

Talvez ela tivesse obrigações a cumprir em seu próprio mundo. Um marido e filhos esperando por ela, mas pela lei, Peter não podia permitir que uma Filha de Eva simplesmente deixa-se Nárnia. Sempre que pessoas de outro mundo apareciam significava que o país estava prestes a sofrer grandes mudanças e ele preferia acreditar que lady Susan era um sinal de que a paz com Telmar estava muito próxima.

- Devo-lhe desculpas por minha atitude grosseira, madame. Não foi minha intenção usar de autoridade, tão pouco forçá-la a nada, mas sou obrigado pela lei a abrigá-la no palácio. – ele disse muito sério – Asseguro que enquanto for uma hospede real, terá tudo o que necessita para tornar sua estadia agradável.

- Por quanto tempo eu tenho de permanecer sob custódia? – ela perguntou num tom ressentido. Peter sentiu pena da garota. Ela parecia mais jovem agora, do que no momento em que o desafiou diante de Tumnus.

- Não sei dizer, madame. – ele respondeu sincero – Os Filhos de Adão e as Filhas de Eva que vieram para este mundo antes da senhora permaneceram por tempo indeterminado. Alguns viveram aqui uma vida toda, outros não ficaram mais do que alguns meses.

- Quer dizer que posso acabar aqui para sempre? – Susan ergueu a cabeça em espanto para encará-lo. Um brilho indignado marcava seus olhos azuis.

- É algo que foge ao meu controle, madame. Eu sinto muito que tenha de passar por isso. – ele disse sincero – Se dependesse exclusivamente da minha vontade, a senhora não teria de deixar seus filhos e seu marido.

- Não sou casada. – Susan encarou-o com uma expressão levemente chocada pela mera sugestão – Tão pouco tenho filhos.

- Isso é incomum. – Peter respondeu encarando-a com leve espanto. Lucy havia pegado no sono por causa do balanço da carruagem.

- Eu tenho apenas quinze anos. Definitivamente estou muito longe de ter uma idade adequada para casar. – ela disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Peter se espantou com aquilo. Quinze anos era uma idade mais do que apropriada para uma jovem se casar.

- Não vejo como, madame. – ele disse respeitoso – Aos catorze anos eu comandava um exército e ganhei minha primeira guerra. Ao quinze estava casado e era rei. Aos dezesseis era pai e viúvo.

- Isso tudo é absurdo. – ela disse chocada e ele riu.

- Longe disso. Minha falecida esposa tinha catorze anos quando deu a luz e há mulheres que se casam a idade dos doze anos. – ele disse tranquilamente – Mas fico feliz de saber que não existem crianças esperando por você em seu mundo.

O silêncio durou por um tempo, o bastante para deixar Susan desconfortável na presença do Grande Rei. Peter por sua vez, limitou-se a observar a filha dormir e cobri-la com uma das mantas. Ele parecia um pai zeloso, ainda que para Susan a idéia de um rapaz tão jovem ser pai de uma garota de dez anos fosse muito estranha.

- A princesa é uma criança adorável. – Susan comentou por fim e viu o sorriso orgulhoso de Peter em resposta.

- Ela é. – ele confirmou – Lu é minha alegria, meu pequeno tesouro. – Peter se virou para Susan mais uma vez – Uma pena que minha rainha não tenha tido tempo de vê-la crescer. Ela teria muito orgulho.

- Se me permite, o que aconteceu com a rainha? – Susan finalmente criou coragem.

- O parto foi difícil de mais para ela. Minha senhora faleceu duas horas após o nascimento devido à perda de sangue. – o rei respondeu calmo. Sem que percebessem, a carruagem parou e um servo abriu a porta do coche para dar passagem à pequena família real e à mais nova convidada.

Diante de um palácio estonteante a beira mar, Susan sentiu que havia sido tragada para dentro de um conto de fadas muito peculiar. O Grande Rei, ao seu lado, carregava uma princesinha adormecida, enquanto sorria satisfeito para a convidada real.

Nota da autora: Digamos que The Tudors acaba com a minha vida e eu acabei me inspirando um pouco no espírito de Henry VIII e em contos de fadas pra escrever esta história. Aviso aos navegantes, Peter pode se tornar um personagem bem imprevisível nas minhas mãos, então não me matem ainda. Aproveita a idéia de um universo alternativo. Não tem nada de incesto aqui. Espero que gostem.

Bjux

Bee