Disclaimer: Hermann Hesse, tu és um gênio.
Meu caro Sinclair,
Eu não deveria estar escrevendo esta carta – eu não deveria ainda estar mantendo vínculos com você. Quando Max resolve deixar alguém, mesmo eu tendo conhecido esta pessoa, eu a deixo também. E eu conheço todas as pessoas, Sinclair. Você, suas irmãs, seus pais, seus amigos. Eu acabo tendo que deixar todos vocês, mas não sem antes acolhê-los no meu seio de mãe.
A maioria não toma conhecimento do meu nome, a maioria não se interessa por isso. Eu não sou como Max – eu chamo atenção, de fato, mas não busco por ela nem escolho ninguém. Eu não procuro a marca nas pessoas, Sinclair, espero que entenda isso. Ouça-me, Sinclair, e me deixe falar um pouco sobre o amor.
Max te ama – Max ama todos os discípulos, mas acho que gosta mais de você. E eu me envergonho por dizer que eu também gosto mais de você, mais do que todas as pessoas que eu já conversei no mundo. E eu já conversei com todas, mesmo que elas não tenham consciência disso. O amor é inconsciente, Sinclair. E eu transbordo de amor por todos os lados, eu abraço todos vocês.
Mas foi tão fácil para mim, revelar meu nome para você tão rapidamente! O amor acontece quando você menos espera. O meu fluiu até você naturalmente demais. Como uma folha de outono caindo calmamente em direção ao chão.
Eu o amo, Sinclair, e gostaria de ter me despedido da forma certa. E de ter aceitado seu amor quando deveria, mesmo sabendo ser só um devaneio adolescente... tantos discípulos de Max já se apaixonaram por mim! Senti receio de te encontrar. Mas quando te vi, mesmo você tendo se apaixonado por mim como todos os outros, eu te amei. Espero que entenda isso e me perdoe por nunca ter ficado tão próxima a você – mas também nunca fiquei tão distante.
O amor, Sinclair... o meu amor engloba todo o mundo. Max é a luta e suas feridas, eu sou as conseqüências e as curas. O meu amor engloba todo o mundo, e todos os mundos. Cada pessoa tem um modo particular de amar; e eu amo Max, eu amo você, amo Adão, amo Franz Kromer, amo Abraxas. Amo a todos. E todos me amam.
O amor, Sinclair
Mas ela parou e encarou o papel. Suspirou.
— Outra carta que não irá mandar, Eva? — Demian sorriu. — Elas estão acumulando em sua gaveta.
— Não convém mandá-la, Max — Eva respondeu, abrindo a gaveta e colocando a carta no topo de uma pilha. Não se podia ver, mas ela sabia que todas as cartas começavam com meu caro Sinclair. — Ele ainda se lembra de nós, certamente, mas deve ter uma vida completamente diferente.
Eva levantou-se da mesa e Demian a seguiu com o olhar, enquanto ela ia até a lareira. Demian suspirou.
— Feche os olhos, Eva.
Ela riu: — Queres me dar meu próprio beijo, Max? Ou ensinar-me as coisas que já aprendi há milênios?
— Longe disso. Só quero que você se concentre em Sinclair. Ele te amou tanto, Eva. Acho que merece isso.
Eva suspirou e fechou os olhos. Novamente, Demian tinha razão. Sinclair, Sinclair, Sinclair, Sinclair...
X
Sinclair despertou subitamente, com o coração palpitando. Ele sabia. Ele sentia. A mão suada espalmada no peito subiu até tocar os próprios lábios – eles formigavam, queimavam. E Sinclair soube e sorriu. Porque ele sabia daquilo desde sempre, estava adormecido em seu interior. Um dia, tornar-se-ia real. Sinclair sorriu e pensou em Eva com intensidade, mais intensidade do que já tinha feito na primeira vez, quando era tão jovem e tolo.
Nos seus lábios, no seu corpo, na sua mente e na sua alma sentia o formigante beijo de Eva.
N/A: Porque Eva/Sinclair também é digno, gente.